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HOMERO i va antiguidade greg, aed oe erp pré-socriticos, no existe uma Pessoitr Cstaviain z conepaio snrutarada da sntater humana”. O homem rio se conhe- T, I. A oncare, & Oo coe a ccomerete at mesmo", Dest mado aie de one ee es en esr sce no sputrera” so concebidsvagament a a he Fororye "Ed 34, SAY ‘ito na ausénca de qualquer vislumbre de ricolopa 38 orgs een Cie \B—-Lac) aarcoaheehlas, A aatuteza humana, 6a qual aparece a aberraGS0 ou & | w bizarrice, é concebida, antes do século V a-C., de forma fragmentitia, Jnarculada, Os textos que embasam essa afirmacio sio numerosos, des- dea lada, de Hlomero ou As Obras ¢ 05 Dias, de Hesiodo. Mais vagas ainda sioidéis sobre a culpa, aresponsabilidade o des controle erocional, a perda do bom senso, a insanidade. Nu Ieada 19,86 e sgt), por exemplo, Agamémaon cenca desculpar- se porter roubado a amante de Aquiles, dizendo: No fui eu que casei eta ago e sim Zeus, destino ¢ as Erni que carsinham nas trevas: foram eles que colocaram dima utd selvager no meu entendimento, naquele dis em que “ubei, de mia iniciaiva, o prémio de honva de Aquiles. Mas Gee podiaeufaver?E a divindade que leva a ermo todas a5 ~ 0 nut o sis Sim, € a venerands Az, que ofusca a todes, aquela male i Gita! Ela. nao se arrasta pelo chio, mas sobe & cibeya dos omens para obscurecerThes a ment. ¢conseguity ui 2, tnevoar 2 mence do préprio Zeus, como deveis saber.” ese recho mostra a concepsio contraditra da natueza humans exp ' ois Agaméranom zrecoabeceesponsivel, “por sua initia” ao mesmo r caer ue stb toda a reponsabidade a Zeus, a dein ¢ it Fearn ers te tpos de agentes que mantém, com o homer, mods di- ins elacionamento, fagmentando ainda maisa narureza deste, A‘@ raul taparece como unm ageatefntermedidrio. De fare él que perturba aaa mento, eencdo a opcio pel erro € ineviével porém & divine Sa tZeum que conduz tae as coisas a seus resultados reac papel do homem seria o de objeto incre, & merct dsses agentes sabre bummanos. Mas Agamémnon confessa que « devsfo de A nacra «3 pocas B ee homem, que a Siniciativa” foi sua. De outro lado, esse homem “Que po- decia fazer?” Parece que aldivindade age no plano césmico,Hecidindo soberana o curso das coisas e dos homens, mas atua também forgando as “iniciati- fem humanas. Como? Roubando dos homens a ra20. A loucura seria, eno, um recurso da divindade para que seus projetos ou caprichos nia jam contrastados pela vontade dos homens. Mais adiante, Agamémanon prossegue eeu retrato contraditério da natureza humana: “1, eu no conseguia esquecer-me da Até que me havia transtornado, Mas como me deixei cegar ¢ Zeus coubou-me a luz da razio estou disposto a compensar largamente,..” Continua fragmentéria a concepgio do homem: Agamémnon tenta livrar-se da influ€ncia da Até, mas ndo consegue, Deixou-se cegar (enlou- ‘quecer), mas é Zeus que Ihe tira a razo, Enfim, néo se sente responsavel, ‘mas oferece uma compensagiio pelo erro cometido, Em resumo, existe uma clara ambigitidade no conceito de responsa- bilidade (ou de culpa), nesses trechos. De um lado o homem é responsive ¢ puntvel por seus atos, pelos quais tem iniciativa, Mas essa iniciativa & inevitével quando A#é ou as Erinias ou Zeus se apoderam da compreen- sio, do entendimento. No livro (ou canto) XIX, versos 270 e seguintes, essas entidades mos- tram-se capazes de apossar-se de toda a alma do homem, ou seja, 0 shymos. E 0 que nos diz Aquiles: “Zeus Pai, é mesmo verdade que dis aos homens grandes ata Sento, jamais o filho de Atreu insistiria em excitar 0 thymos dentro do meu peito, nem teria levado a jovem, contra a mi- nha vontade, na sua obstinagao irresistivel.” ‘O trecho fala de uma obstinagio irresistivel ‘de Agamémnon, impli- cando uma motivagao ou decisdo sua, mas o fato € atribuido a Zeus. A conduta do raptor, per se, emociona Aquiles, excita 0 seu thynnos, mas essa emogao ou impulso, mesmo “dentro do meu peito”, ndo é mais que outro produto de alguma até ou de virias atai. Além de ratificar a concepgao fragmentéria da natureza humana e, por conseqiiéncia, de suas aberragdes, como a loucura, esse trecho é de ‘grande importancia neste trabalho, porque inttoduz o conceito de thymos. Isso porque motivagdes, aprendizagem, sensagGes, meméria ¢ emo- ¢6es so, todas, atividades do thymios, uma espécie de alma funcional, de “4 sais Pessotti yh servigo, que preside as relagdes entre o organismo humano e as condigdes externas ale, fisicas, sociais ou mesmo transcendentes. A Psyche, a0 Con- trio, nada opera, nada sente, nada motiva ou percebe. Sua tinica fungi0 parece sera de deixar 0 corpo humano. Ela €um esprit, correspondente a, anima, enquanto @.thymos corcespondente as fungbes psicol6gi> ‘cas citadas nio é de natureza espiritual ¢ equivale nfo a anima, mas a ‘animus, (Segue-se que uma Psychelogia seria uma ciéncia da alma, das tox; wm espirifamn e nla o estuda das atividades do thymos ou comportamento, lato sensu, do homem.) Assim, o contraditério homem homérico, entendido como um cor- po dotado de thymos, portanto apto a agir, querer, sentir e fazer, apre- senta todos os desempenhos que mais tarde se chamardo comportamen- to, personalidade, ou vida mental, ‘Mas esse homem, assim equipado, nao é auténomo. Todos os desem- peahos motores, perceptivos ou mentais de que & capaz estio permanen- temente sob controle superior, transcendente, Nao s6: estio submetidos a um controle arbitratio, confuso, ilégi- co. As decisdes e afetos que o homem acredita pertencer-Ihe, voltados para objetivos que entende serem seus, pessoais, nada tém de autonomia. As 2’ f decisdes do homem sao instrumentalizadas pela divindade e seus agentes, |sio frutos dos caprichos dos deuses. Visto que os projetos auténomos ¢ as decisBes individuais sao pre rogativa dos deuses, caberia até indagar, aqui, se a verdadeira concepsi0 da natureza humana, segundo a epopéia homérica, nao se deveria buscar na vida antropomérfica dos deuses, eles sim capazes de uma vida psiqui- ca ou psicol6gica prépria ‘Mas, justamente por seu carter antropomérfico, os deuses também ‘ém seus limites. O imponderdvel ea casualidade perpassam também a vida deles, jf que todos tém seus caprichos, vaidades e ambigdes, As vezes des- ‘medidas, insensatas. Note-se que a Até (ou até) consegue ludibriar 0 pr6- prio Zeus, o deus supremo, ‘O conceito de atd, em Homero, nao é 0 mesmo que apareceré séculos mais tarde, na obra dos poetas trgicos, como lembra Dodds (1988). Na Iltada ter, via de regra, 0 sentido de perda ou turvamento temporério da consciéncia, ou da razio. E um estado de espirito, mais que um evento definido. E esse estado 6 invariavelmente, obea de alguma divindade, “deu- se5”, “os deuses” ou 0 préprio Zeus todo-poderoso. Sua origem, obra de alguma entidade sobrenatural, transcende ao homem e sua vontade, como se disse, No canto IX, por exemplo, € “Zeus, o conselheiro, que roubou a compreensio... do filho de Atcen.” ALoucuta € as Bpocas 1s Na Hlfada sio numetosas as passagens em que poténcias superiores “destroem”, “roubam”, “tiram” a compreensia ou o entendimento do homem. E nos versos 254 e seguintes do canto XII tem-se a afirmagio categoriea, doutrindria, de que “Os deuses podem transformar em néscio o homem mais sensato e dar bom senso 20 imbecil.” Ha uma certa contradigdo entre esses versos e a afirmasao de Aga- mémnon de que uma até selvagent se apossou de seu entendimento, Se fc zermos uma distingao entre as divindades ea até entendida como “estado de espicito”, transitério, um estado no nivel da natureza do homem, em- bora de origem superior, coloca-se um problema: qual a relagio de depen déncia ou de colaboracéo entre Zeus, as Exinias, a moira, que Agamémnon aponta como responsaveis por sua até? conceito de até como estado transit6rio de insensatez é recorrente em Homero. Apenas de forma aleg6rica a até aparece como uma entidade ‘ou como um agente pessoal, dotado de poder. Eo que se percebe na declara- Gao de Agamémnom, comentada pouco acima, Via de regra,a até 6um estado de descontrole mental, produzido por alguma divindade, uma poténcia de- tmonfaca, sempre sobrenatural. Em uma passagem da Odisséia, ocorre uma até devida a embriaguer, ao vinho, mas ali ndo se admite que a insensater tenha origem natural mas, sim, que o vinho tem algo de demoniaco. (~__ Desse modo, qualquer descontrole mental € produto de alguna in- terferéncia sobrenatural, das Erinias ou dos deuses. As atai, normalmen- } te, so resultados de intervengdes e nfo entidades com algum poder, em- bora na forma poética sejam, por vezes, referidas como agentes ou forsas inoportunas, nefastas. ~~ Enquanto estado de perturbagio mental a at8 nao significa, necessa- riamente, alguma maldade, falta ou perversidade do homem e nem sinaliza qualquer danagio, Em outros termos, nao hé qualquer conotagio de cul- a, associada ao estado de até, mesmo quando ela decorre da impeudéncia ou da temeridade. Ela nao é, por exemplo, um castigo a imprudéncia de Agistrofo por distanciar-se demais do proprio carro. A imprudéncia mes- sna éapenas uma evidéncia ou um resultado da insensatea, ou até (Il, 11.340), S6 mais tarde, na tragédia, a at8 adquire o sighificado de desastre, de desgraca objetiva, de evento, Para “explicar” ou, melhor, para justifi cat os desastres pessoais, os azares ou infortiinios da vida individual sur- gird o conceito de raoira, entendido como o implacivel destino individual. Mas é importante lembrar que, tanto o desastre objetivo como o inforti- nio pessoal, a rigor, nio so desgracas que, acidentalmente se abatem s0- bre o homem. Nao ha acidentes, para Homero. Tudo é determinado. Nao ha culpas e nao hé remorsos, pelas agGes insensatas (desafortunadas ou } lesivas aos outros). Cada ato insensato é produto de uma até causada, pro- 4 duzida por Zeus, derivada dele como uma filha {Jl, 19,91), O curso da agio, sob um estado de até, é dirigido, portanto, por um agente mitolégico, como Zeus, os deuses, as Erfnias, ou a deusa Erinia (04.15.23). Ou, ainda, por um determinante particular, a moira de eada homem, que pode as vezes ser a moira ma. O curso “ldgico” do destino € assegurado pelas Erfnias. Por exemplo, a elas cabe também zelar para que ‘os direitos de classe ou de familia, parte da moira de cada ‘um, sejam res- peitados pelos demais. Nessa fungdo, as Erinias ganhamm uma conotagao de sango, ganhamn ‘um papel importante: de ministros da vinganca, no dizer de Dodds (1988) Com essa atribuigao, elas sio invocadas, com freqiiéncia, como testemu- thas de juramentos. Isso porque um juramento impde uma conduta, im- plica uma necessidade-obrigagao, passa a fazer parte do destino de quem jura. Torna-se parte de sua moira ‘Nas falas de Agamémnon, a causa imediata da até so as Erfnias. Sio clas, como vimos, que garantem a fatalidade, a imutabilidade, 0 “fara”. ‘Cada homem, como cada deus (numa teclogia antropomérfica como a de Homero), tem seu papel, seu destino, seus poderes e, por isso, também os ddeuses tém suas erinyes (Il, 21.412}. Qualquer violagao da moira desen- cadeia a agao de uma Erinia (erinys), (Na obra, posterior, Antigona de S6- focles [v. 1075], isso aparece claramente, quando Tirésias ameaga Creonte com as thedn erinyes,) Assim, moira ¢ Erinia sio conceitos complementares. As Erfnias s40 a realizagao da moira. A garantia da ordem fatal, ou das regras sociais de conduta, Essa natureza ordenadora, disciplinadora das Erinias se estabel cera mais claramente em tempos pés-homéricos, por exemplo, na tragédia, Como evidéncia de que o carter mitico das Erinias se atenua, ou se perde, na obra de Euripides, é expressivo um fragmento apresentado por Dodds. E 0 fragmento 1022, em que uma Erinia declara seus outros nomest tyché, nemesis, moira, ananké (evento, vinganca divina, destino, fatalidade). © comportamento irracional, insensato é determinado por uma or- denagao transcendente a consciéncia do homem. O cardter. mitolégico ou “psicolégico” ou metafisico dessa ordem nao é relevante aqui, Os atos “ajustados”, tal como os insensatos, sio “necessdrios”, inevitaveis pelo homem que os pratica e realizam, assim, a sua moira, Por que, ent8o, papel disciplinador e vingador das Erinias? As Erinias exercem seu papel antes do ato insensato, causando, quan- do necessério, a aré que o desencadefa. Sua fungio vingadora se exerce pelas conseqiiéncias que tais agGes acarretam ao proprio agente ou a quem foi objeto de seus atos, Em termos mais modernos, se diria que elas manipt Jam 0 comportamento insensato para castigar 0 homem que o pratica ou tusam esse homem como instrumento para punira qualquer outro que haja ousado superar a sua moira. Enquanto até, a loucura é, assim, um instrumento de resgate da or- dem, que algum homem rompeu. Nao se exerce qualquer vinganga sobre a loucura. Ela mesma & a vinganga, o insteumento de restauragao da or- dem, do destino, (No Orestes de Euripides, as Erinias terdo um papel di- ‘verso: 0 de aterrorizar, por castigo, o homem criminoso, apés um ato in- sensato, como o matricidio.) ‘A.até nfo é, em Homero, a tinica forma de perda de controle do ho- ‘mem sobre si mesmo. De fato, ela explica o desvario, a perda da compreensio ‘ou do bom senso. Mas também o descontrole da vontade, como os impulsos irracionais, agressivos ou herdicos, sio episédios de interferéncia da divin- dade. Aqui nao se trata de uma ata, e sim de algum menos. O menos, que osdeusses podem transmit aos guerreiros, pode aparecer como 0 furor bélico, oucomoos impulsos inconscientes para determinada agio ou fala. Sio efeitos que implicam alguma forma de descontrole mental sobre a ado. © menos pode corcesponder ao valor ¢ 8 coragem do guerreiro, 20 poder do rei, & inspiragao do poeta (Od. 22.347 segs. e 17.518 segs., He- siodo, Teog. 94 seg.). Pode também apresentar-se através das alteragdes da conduta produzidas pelo vinho, como refere Hipdcrates (¢.460 a.C.) em um de seus livros (acwt. 63). ‘Assim, 0s desempenhos insélitos, mesmo socialmente ac também, obra dos deuses. A interferéncia da divindade, através das Erinias, ter sempre uma finalidade disciplinadora. Mas em Homero nunca ocorre como castigo de um crime. £ em Esquilo que se identifica a ago delas com a maldigao dos deuses (Sete, 70), A ira divina é sempre o resultado de uma violagio da ‘moira, como na Antigona de Séfocles (Aust, 1068-1075). ‘A até, como penalidade por algum gesto de bybris, aparece jf em Hesfodo (Erga, 214). O pecado fundamental, origem dos males humanos, & sempre e apenas a bybris, a presungio de superar ou transpredir a pré- pria moira, 0 destino tracado para cada homem, por Zeus. Da acepgo da «até como castigo decorrem conotagdes outras. Ela passa a significar esta- do de espirito de quem peéou e, posteriormente, os infortéinios que o pe- cador soft. Iso em tempos pOs-homéricos, em pecas de Esquilo e S6focles, principalmente, ‘Tomada na sua coriotaco homérica original, a at@, como perda da razio, no € necessariamente um castigo. Pode-se dizer que a loucura re- sulta do capricho dos deuses ou de suas susceptibilidades: Algo que os it- rita gravemente é a pretensio humana de superar os prOprios limites, sta ‘moira, no desejo de aproximar-se ou assemelhar-se aos deuses. Ocpisédio de Belerofonte 6 expressivo. Ele apresenta grave alterago “psiquica”, conseqiiéncia de sua tentativa de esealar o Olimpo, montado cm Pégaso. Belerofonte acreditou-se imortal, enisso cometeu um ato sacri- lego, de hybris. Embora tivesse sido, até entio, um herdijustoe valente, sem qualquer mancha diante dos deuses. A célera conjunta dos deuses se abate sobre Belerofonte, na forma devorante da solidao e do abandono, Starobinski (1990) vé nos versos 200-203, do canto VI da Hliada, o primeiro quadro sintomético de uma forma classica da loucura, a melancolia: te LG —_*Mas quando cle também eaiurno édio de todos os deu- do-se 0 coracio, distante das pegadas dos viventes.” » ‘Sst Beletofonte, sy agave pel plaice com pssbs vis, oes- de é Nosso objetivo neste trabalho no nos proibe de sublinhar a beleza desses versos, nem a agudeza do “diagnéstico” de Homero. Aqui nao se trata da manta, pois, segundo o pensamento dessa época, no delirio ma~ nfaco o homem se sente possuido (ou possuidor) de alguma forga, como 0 ‘menos, que © leva A aco c& interagao com os demais homens. Aqui, como diz Starobinski, tudo é distancia, auséncia, “Belerofonte vaga no vazio, distante dos deuses, distante dos homens em um deserto sem fim", Na Odisséia (canto TV, 219 seg.), como se buseasse, depois do “diagnéstico”, 1 “terapia” homeérica, o mesmo autor encontra a primeira mengio de wm / pharmakon. ¥ um segredo de rainhas, a nepente, a bebida do esquecimento, ‘que acalma as aflig6es da melancolia, atenua 0s tormentos da ansiedade ¢ induz a aceitagio tranquila da sentenga dos deuses, da propria moira, Em Homero, portanto, a loucura € um estado de desrazio, de perda do controle consciente sobre si mesmo, de insensatez, no sentido de que, \ sob a até, o homem perde, ou pode perder, 0 contato ordenado com a realidade fisica ou social. Quanto a origem, nao ha dtvidas: toda loucura é obra.de Zeus, de outros deuses ou de entidades subalternas, de diferentes niveis hierarqui- 0s, no plano da divindade, A “etiologia” da loucura é mitolégica. Mas, a0 lado dos melindres dos deuses ¢ de seus desentendimentos miituos, a presungio humana de escapar da prépria mofra, ou seja, a hybris, pode determinar a c6lera dos deuses desencadear todo o proceso “causal”: Que se exerce via Erinias ¢ atai. Aloucura pode levar d egressto, ao homicidio,& perda da vida, trans- sgressio das normas sociais, a0 delitio, e nesse iltimo caso se encaixa na de- finicdo, pés-homérica, obviamente, de maria, embora 0 menos homérico embre, de perto, os impulsos e as forcas inesperadas da mania (mene) © termo mania, que na epopéia homérica se refere originariamente 20 furor do guerreiro, passa a designar outros furores e, na poesia trégica, PrereSe eae Ps se comnard o termo preferido para designar a loucura, o desvario, o des tempero emocional. Como o de Aquiles (Il. 24.22-34), que serecusa a en. tregar o corpo de Heitor para o funeral; ¢ insiste em cripudia sobre ee, (Os deusescensuram o sen impulso maniaco (phresi mainamtess). Também 2 forma triste da loucura, a depressio e 0 isolamento, a incomunicagio do melancdlico estdo presentes na Hada (e na Odisséia), como vimos. Assim, segundo Homero, quanto a forma, a loucura pode correspon- der aos dois quadros “cléssicos”, a mania ea melancolia ou, ainda, 20s Simples episddios reansiedrigg de incencater, talver aoe atos falhos om a0 sonhos mais significativos. Em outros termos, néo € absurdo presume em Homero, ou na 6poca homérica, a idéia de que a vide didria esté semeada ide momentos de insensatez, mais ou menos inconseglientes, como a lem- beac que, além dos dois quadros mais imporcantes da loucura, existe algo ‘como uma “psicapatologis da vida quotidiana”. Ressalvado o fato de que ‘no pensamento da época nih lugar para idéia de uma patologia da mente, doenca mental, desequilibrio emocional ou idéias equivalents, ‘A loucura, estado de até, é apenas uma interferéncia transitéria (e caprichosa) dos deuses, sobre o pensamento e a acio dos homens e que ppode levé-los a comportamentos nocivos ou bizarros. Mudado o humor da divindade, a loucura e seus efecos desaparecem. (Como jé disse Nilsson [1924], os deuses gregos sio muito temperamentais,sofrem de grave ins- tabilidade psiquica.) No que toca 8 “terapia", como vimos, Homero menciona um phar- ‘makon, ritual, de fabricagao humana ¢ misterioso. Além da reparacio dos cerros quedeterminaram a instauracio do estado de loucuca. Essa expia- fo ou ceperagio recupeca a aprovagio social, a honéa, a tind, mesmo apés e710 #0 desvario, Isso porque, dado que loucura é um “acidente de percurso", cla no acarceta qualquer estigma. Nio hd necessidade de cura, j que nfo existe doenga alguma. O que hoje chamariamos doensa (mental) nao é mais que ‘a transgressio de uma norma social expliita ou técita, no é mais que uma des-ordem. A terapia € pois uma reordenagao das relagses do her6i trans: [pressor com seu grupo social, incluindo vivos, ascendentes ou pésteros, Esse processo de reordenagio 6, via de regra, empreendido por algu- ima divindade, € iniciado fora da pessoa. Ha sempre a reinsergio num modelo social disponivel. A eficicia depende sempre da intervensio de foutras pessoas ou dos deuses. Estes, segundo Simon (1978), atuam como ‘um super-ego externo que conduz a pessoa enlouquecida a tomar conhe- cimento de partes de si mesma © a identficagées interiores que anterior- mente nio eram acessiveis Em.resumo, numa formulacdo hipotética, pode-se dizer que, segun: do.a concepgio da loucura na obra de Homero, a “terapia” depende de 2 dese Peet agentes exeraos implica oajustamento a um modelo social requer,além do apoio externo, algum auto-conhecimento, algo como a consiéncia do {qe hoje se charmaria “conflits interno” (Os poemas de Homero, mis precisamente a Hada, caracterizam o primeiro modelo te6rico da loucura. Um modelo pedominantementemi- 4 tol6gico que teréreflexos duradouros, nas diferentes épocas da psicopa~ © cologia. Nao apenas micologica, a origem da loucura é tel6gica. Os he- #P;6is homéricos no enlouquecem, sio tornados loucos, por decisées da estaghece coneeqienciae da lnneara ee pastem plano das realidades fisica ¢ social. fe Essa “evologia” teoldgic, externa ealheia 20 homem pode ter sido, "Segundo Dodds (1988), um mecaniamo pscolgico ou sociopscolégico de £defesa, tipio do que ele chamou uma catura de vergonha, como era a da > sistocracia guerrira da Grécia antiga, onde a fama, 2 honra eo prestgio © cocial erm valores sociais eercos supremos. Onde, portanto, os tos des- ~alcados, os detemperos passionas ou ab explosdes homicidas do bdio ou dainveja nfo podiam ser atibuldos aos seus autores mas, convenientemente, te candidamente, aoe deusese sus instruments, as Ernias © 08 daiones, ® ese lems, encacregados precipuamente das intervensies mais nefastas dos deuses. Os daimonesagem ora eisodicamente, ora apoderando-se de » forma duradoura dos sentimentos, ou seja, do thymos do homem. . Diversos elementos fundamentais da concepsio homérica serio subs- BE euidos ou wansformados no enfoque dado a loueura pelos grandes poe Fe tas trigicos, Esquilo (525-456 a.C), Sofocles (496-406 a.C.)e Euripides (485-406 aC), visiosséeulos mais tarde, noutro contexto his6rico-pali- tico da Gréia antiga. dS TEXTOS TRAGICOS Bune os ideais pcos, na versio potion de Homeroy © ¢ textos er sicosredeiam pelo menos doi scos, em que se conch a “dade ME- Jia” helénica(Codino, 1978}, O endo histérco-politico em que Homieso asereve€0 do fim dos ideais da monarquia micérica eno qual emergem, tas comunidades ibis, ders depois grupos que taduzri sex poder tmatrial e militar em prestgio poco, ese transformario, pouco 4 pou oyna arstcraca que deteré 0 poder nas cidades-stados. Obviamente, os deuses protegerdo os vencedores,lgiimando-thes poder desencorsjando rebeldias dos subordinads. A order social co- mesa a abedecer a regras, mesmo regrastolbgicas. Apésalgumas déca- das os interesses do jogo politico passam a disiplinaroemprego da for- Ga. Os herds demolidores, até sanguindios, da epopéia comesam a pe fee prestigio ao mesmo tempo em que o= mitos que os enaltectm come- {ama desmoronac, com o advento das rzSes potcas. Os denis 6icos omesimaceder espago & conscincia daralidade do homem como zoom pobsticon ‘A Tovcura nfo pode mais se entendida apenas ou sempre como aaté aperda doentendimento, ou posses rensitria do thyrics por obra de alga des e seus agentes. ‘0 term ati na tragédia,cem seu significado aleradoe etendido passa a desgnar no 36 o estado de apc de quem tanspide a ordem, tnastambém as desgragas reais decorrntes da transgresio, Passa sig fear castigo. Na trapédia, até passa a designarruina devia a0 crime. Esquilochega a entendé-la como uma forga, menos até. O destino dsas ttado do criminoso, que o cond a decises exradas eft. Na obra de Esquilo esse destino se “perionifica® com o nome de daintonalactor, wm demBnio vingatvo, que tenta Xerxes (Pers. 354,472, 724). No Agamémnon, Cassandra vé a até 28 Enis como deménios psssais,conforme nota Simon (1978), ponto de sete sua personalida- de perdida na do aastor, Um pensamento que remete ida de possessio ddemoniaca, nio entendida como causa da lovears, mas como nacorera, essencal, dela 7 Séfoces, no Ax, mostra que o desviar-se ds valores parentais¢a fatha emevtar a hybrisconduzem & vergonha, que, por ava ver, produza 2 Tesla Peso natural, est implicito que a hybris, na verdade, 6 leva 3 loveura porque icrita ou desafia os deuses. De todo modo, a0 tempo dos trigicos ja se comeca a vislumbrar, mesmo antes de Euripides, que o comportamento “errado” do homer passa a fazer parte da cadeia causal que resulta na loucura. © tema ds loscura étatado com freqiéncia nas ragédias gregas de Bsquilo, de Séfockes e, principalmence, de Euripides. ‘Ninh doc trgieoe pretence em sa ora poética, propor ima teoria da loucura, obviamente, Mas os personagens loucos das tragédias seeatam diferentes formas da loucura; os dislogosdiscorcem sobre ela, 05 personagens apontam causas ou origens da alienagdo, rlatam deliris, rmudangas emocionais, estados de desordem afetva, epis6dios de dessus tamento social, de descontrole passional. Em suma, a atuacio eas carac- teristicas dos personagens retratam, 20s olhos de hoje, perfetos quados clinicos da lovcura. Mais ainda, é frequents na tragédia grega designa- Go de falas eagbes com rermos como loucura, mania, dliio, desvatio, furor louco, et. Assim, parece lpitimo falar-e de uma concepgio de lou. cura, segundo Eurpides, ou Séfocles ou Esquilo, mesmo admitindo-se que nenhur deles pretendeu explicar a psicopatologia humana mas, sim, r- tcatar a vida humana com seus dramas e aberiagSes. ‘Como forma geral, toda loucura tagieag ipicamente, desequilfrio, destemipero, exacerbag0. O antBnimo prefeido da lovcuraé, tanto para Eudes como pra Seles» sopbrosye, ou sj, prdépcl, modera- io, eemperanga. Em qualquer dos ers grandes trgicos, por outro lado, a oucura {aparece tanto em sua forma mais vulgare “acctével” (como a que €atr- ‘buida& algum personagem s6 porque exagera suas possibiidades ante um desafio ou porque cometeeetos por estar acometido de urna amor extre- mado) como em sua acepcio patolégica ou “clinica”, ito é, acompanha a de delirio,alucinagio ox furor. Talver © louco mais célebce da ragédia grega seja Orestes, peso: | nagem centeal da telogia Orestiada, de Esquilo,incuindo Agamemnon, Choephoroi (As Coéforas) e Exmerides. Na primeira dessas tagédias as _profecas visionaras de Cassanda retratam com nitidez 0 que Platio mais tarde chamaria de loucara profética. (Em As Troianas, Euripides desig- 1a Cassandra, explicitamente, como louca.) Nas duas oucras tragédias da Orestiada, os conftos, a obsessio ea explosio matricida da loucura de (Orestes si0 os teas dominantes. Também de Esquilo, o Prometeu Acor rentado apeesents Io enlouquecida por obra de Zeus e de Hera. © lauco mais tipico na obra de Séfocles € Ajax. Segundo Simon (1978), outra pegas do mesmo autor e que provavelmente incuicam pee- Focus, honico eo sci. Mas ass “eile” apsrentemenie : } ALoucura © a8 Epocas eymemerce st i sonagens loitcos foram Athamas ¢ Alemaeon, sem contar a mais explici- ta, Odysseus Mainomenos, na qual se encena uma loucuta fingida, £ em obras de Euripides, porém, que a loucura chega a ser o tema central, no Orestes, no Heracles e las Bacchae (As Bacantes). Em outtas tragédias, Iphigenia in Tauris As Troianas, também a loucura compare- ce, vista como tal por Euripides. Dois personagens cuja loucura é descrita vivamente © por completo sin: Medéia, na tragédia de mesmo nome, © Fedra, na tragédia Hippolytus. A idéia de loucura reteatada nesses perso- nagens seta comentada mais adiante. ‘A concepeio de loucura, em Esquilo, pelo menos a representada na Orestiada, fica a meio caminko entre a viso puramente mitico-teol6gica de Homero ¢ a de Euripides. Entre uma concepgao puramente mitolégica religiosa ¢ um conceito que admite no préprio homem o processo cau- sador do desvario. Os arroubos proféticos e persecut6rios de Cassandra tém origem na sua consciéncia da danagio de Apolo e nisso se aproxima da concepgio homérica, Mas ela lamenta também o seu destino infeliz, castigo do deus que ela repucious e nisso lembra 0 conceito de Eusfpides, jé que seu com- portamento desencadeou 0 processo de enlouquecimento, Mas as terciveis Visdes alucinat6rias de Cassandra cevelam uma total ruptura com a reali- dade que a cerca. Existe a consciéncia de que um comportamento foi pa- nido pelo deus, no com a loucura, segundo Cassandra, mas com o des- crédito a suas profecias e com a desmoralizagao no grupo social. Contudo, para o corifeu, toda a causa se resume na interferéncia divina, bem ao modo de Homero: ) “Estas em deliio, invadida pelo nume... De qual deus te vem delitios tao fortes e furores tio cegos... Certamente uma \ divindade {nume] malévola se abateu sobre ti com todo seu } peso...” (Agama, Sansoni, pg. 128) © quadro € de clara alucinagio manfaca, que tem origem mitol6 ca, segundo 0 corifeu, mas que, enquanto desgraga pessoal, Cassandra atribui a seu erro por ter repudiado 0 assédio de Apolo. A causa é hibri- daz esté no comportamento, mas também no mito. © quadro psicopatolégico do Orestes, de Esquilo, é mais complexo. Ele vive diversos conflitos simultaneos, alguns conscientes, outros no. Esses configuram claramente processos de sublimagao, projecio, deslocamen- to, formagdo reativa, se vistos com o olhar de hoje. Orestes oscila, desesperado, entre a ordem de Apolo para que vin- gue a motte de seu pai (matando a prépria mie e seu amante], e a cerve- TSP) 2 da condenagdo cvina a softimentos terieis e morte infame, Oscla 24 Tene Posse if | entre a lealdade ao pai ¢ 0 respeito a mae, embora assassina. Hesita en= tre 0 amor pela mae e dio por ela mesma, Divide-se entre sua atracdo pela figura feminina e seu medo dela e sofce entre o respeito e a gratidio Por sua itma Electra e uma certa atracio sensual pot ela. Mas, de todos esses conflitos, os que Esquilo reconhece e enfatiza sao os dois primeiros: atar a propria mae para obedecer a0 oriculo ou pagar sua rebeldia com Me inset, dor, infmlae more, Orestes hesita entre segura le do pai” ua lei da mie”, Na origem da loucira do Orestes de Esquilo, como se vé, esté uma complexa situagao de conflitos. Hum dilema original, por decisio de Apolo; um dilema imposto arbitrariamente pela divindade. Os riscos que Orestes corre so, porém, reais: mesmo os que podem resultar da trans- gressio & ordem do deus, Orestes vive, portanto, pelo menos dois conflitos angustiantes, so- fridos como reais, produtos de leis que deve cumprit.Seja a lei divina seja a do ethos, da sociedade. ‘Mas ambos os conflits resultam de poderes externos ao homem. E assim a loucura nasce do conflito de forgas e destinos que transcendem 20s dlesignios e interesses de Orestes: “Certamente néo falhard o ordculo do poderoso Loxia (Apolo}, que me ordena enfrentar até o extremo essa sorte ar- riscada, E a cada instante com voz potente me incita e... amea- a.” (Coef. 269 e sets.) Os conflitos vividos no plano emotivo nao so a causa da loucura, ois néo se trata de um entrechoque de paixdes inconcilidveis ou de uma ‘oposisio entre o instinto e « norma social. O dilema ou conflito psicolé- gico é apenas um componente da loucura, nao a origem dela. Ele € apenas o resultado penoso do conflito maior, transcendente. No final da mesma fala, Orestes confessa sua crenga nas ameagas do deus e seu acatamento & imposigao de Apolo: “Como nao acreditar na palavra do deus? E mesmo se eu do acreditasse, é forgoso que eu cumpra essa obra. Tudo o que ‘me incita converge para isso: as ordens do deus, o grande luto (pela morte) do pai... ¢0 desprezo dos cidadiios.” (Coef. 269 e sgts.) A referencia ao luto aparece mais como profissio de respeito & norma 4tica que manda vingar a morte do pai do que como expresso de pesar e dor. Orestes se encontra impotente, numa situagao de angista, assalea- do por pesadelos e allcinagdes horripilantes, certo de que, mesmo cum- indo o desfni ngeato de Apolo, nio esceparé do sofrimento,Eleantevé tin vida de tristeza esofimento, ainda que hajaconsumado a vinganga sexe pelo deus £principalmente por isso que Simon (1978) conse ‘a profundamente melancélica a loucura de Orestes. ‘ssc uaco, de melancoia, se completa com alucinasesepesade- cos fregenes, coma sensagio de descontrole sobre a propiasemosbes + impulsos: coon “Ai, que daido renebrose langam dot sepuleres os mor- 105, 0s consangiiineos caidos que exigem vinganga! Ai, deicio «terror povoam de fantasmas as noites.. (..) no sei aonde me Tevard esta minha corsida, Sou como um auriga que tenta con- trolar os cavalos, jé fora da estrada, Sempre sou vencidos © Animo no tem mais freios e me arrasta. E 0 terror, sobre 0 coragia jé entos o seu canto ¢em uma danga louca, a esse can- to, 0 coragio se descontrola, Escutai-me enquanto ainda nio. perdi a raz40... (..) Eagora vou, exilado e errante, vivo ou ‘morto, longe da mina terra e de mim...” (Coef. 1021 ¢ sets.) Esse hime verso lembra a versio homérca da melancolia, na figh- fa de Belerofonte igualment errant ¢ $6, igualmente tse e segregado ddos homens. £é imediatamente apés esse desabafo depressvo que Ores- tessc desgacra da cealidade e passa a vier epissiosfreqientes de deliio e alacinagées aerrorizantes. (Coef. 1046 e set.) ‘A Corife, em suat duasiltimas falas, prope a terepia “E de parificagio que precsas Basta que o Lox (Apolo) te togue e estards livre dessa angistia.(..) que um deus te dr je um olhar benévolo.. ee salve.” Podemos agora tentar um resurno da concepeio de loucurarepresen- tada pelo Orestes de Esqulo. {Quanto 4 causa a loucura € produto de confitos impostos por des- tino que ranseendem qualquer posibildade de escolha individual. Apolo otdena o maticidio e mergulha Orestes na loucura. Mas aoxdem de Apolo ‘ capricho de um deus enciumado como ocorta entre os deuses da Tada (acometides de phionos,ciimes da gloria conquiseada pelo her6i: cla apenas legitima no plano eligioso a norma social consagrada que ie pac o regate da honra maculada do pai ultrajado enquanto marido traf- do, enquanto her6i nacional desrespeitado, uma honra que eabe a0 filho proteger a todo custo. A ordem implacavel do deus apenas endossa wna Situagao psicossocal extrema em que vive Orestes. Tssas sso Fa one RE __ tesda loucura eno como determinantes dla. So as Erinias, sobretudo, Ete Mare oan as Yan Na re de ie ser peony tones fltan ena cone daca como produ do -¢ dos conflitos das paixdes bumanas. io leds Vista com o olhar de hoje ssa tragéa mostra a norma social trans- formada pea cultura ética em imposicio divine. Desse modo, o coniico original de Orestes €vivido como decreto de um poder transcendents, par tedeuma ordem césmica, extema a qualques homem, Paraareligiosidade de Esquilo,porém, deve-se lembras, as normas sociais relativas a0 resgace dda honra paterna slo apenas a realzacSo, oncreta da ordem transcendente. ‘Os outeos formidves confltr, psicol6gicos, de Orestes nao tm ‘qualquer fungZo causal, Eles fazer parte da loucura, sio elementos natw rais dela, eomponentes do quadro patol6gico. A idéia de que as paixoes exacerbadas ou conflisvas podem causar a loucura deveré ainda esperar por Euripides. Dado esse processo cause, qual 6a nettreze daloucura,em que con siste ela? No Orestes, as manifestagées ou sintomas esseaciaissioa peeda do bom senso, 0 deliio, as alucinagbes, a osclagio entre a lucidez € 0 de- litio. AJoucura ésentida como sofrimento como injusta imposigdo de circunstancias como fataldade da existéacia humanaindividual. A loucura &percebida pelofonco como acio de forgas com as quais nao pode compeds. ‘Um aspectocurioso da loucuea segundo Esquilo ¢ nova funcao das Erinias. Enquanto na obra de Homero elas agiam como promororas da até, desencadeando o desvario, agora elas atuam como elementos componen- ALovcuta eas Epoeas que comparecem nas alucinagdes horripilantes de Orestes ¢ 0 torturam pelo time cometido, na qualidade de vingadoras da mocte da mae, Clitemnestra Elas preservam sua fungio antiga de vingadores, mas aqui nio causam a ‘até, nfo integram 0 processo causal. Sao parte da Joucura. Quanto a forma, a loucura de Orestes configura um quadro de me- Jancolia, complicado por fases em que, a0 desespero ¢ & autocomiseracio se mesclam arroubos furiosos,tipicos da mania com impulsos homicidas. A concepgao tragica da loucura sofre transformagées decisivas nas tragédias de Euripides, certamente um autor fascinado pela forca das pai- xbes humanas, de formagio sofistica e, portanto, pouco apegado a trans- cendéncias © a justificagGes celigiosas ou mitol6gicas para 05 éxitos e as desventucas humanas, Um discipulo de Anaxégoras, amigo de Socrates, certamente deve- tla distanciar-se de uma concepsio mitolégica da vida e do homem. A consciéncia da natureza contraditéria do homem e do entrechoque incon- cilidvel entre uma ética baseada na razo e as paixdes e apetites humanos conduziré Euripides a compor grandes personagens desatinados. Sao ti os que retratam com riqueza os diferentes quadros do desvario e confi- guram uma nova concepcdo da loucuea; seja quanto a origem, seja quan- fo a natureza do desvario. As principais figuras de psicopatas so trés: Fedra, do Mippolytus, Media ¢ Orestes. A primeira é um cetrato intenso da melancolia. Medéia €0 quadro acabado da mania e Orestes, diversamente do retrato melan- célico, com tragos de psicose mantaco-depressiva feito por Esquilo, na verso Euripides é um protétipo de esquizofrénico paransico. \),,, A Redes do Hipélito ereata uma mudanga importante no enfoque ‘da loucura, presente também nas outras duas tragédias em questo: que- ido ou nao por algum deus, o dilema ou o conflito que desencadeia a lou- cura ocorre dentro do homem, Nio é vivido como a imposigio de uma orden c6sniiéa, teoldgica, transcendente, como ocorria com 0 Orestes de Esquilo, Fedra vive angustiada o conflito entre a convengio social ¢ 0 de- sejo, como tum drama seu, pessoal. Nao importa que, pata efeito retdrico ou pottico, Afrodite declare ter sido a instigadora “de um amor violento e irresistivel que domina inteiramen- te 0 coragio” de Fedra (Hip. 28 e sgts.), “a desditosa Fedra, sempre atormentada pelo aguilhao do amor...” (Hip. 36-37) Mesmo admitindo a intervengio da fatalidade, personificada pela ex- pressao “um deus”, a referéncia A divindade aparece freqiientemente como mera expressio ret6rica, ou como “modo de dizee” do personagem. A pega, como o conjunto da obra de Euripides, deixa claco que, para ele, nio.sio deuses que causam a loucura. A imposigdo que Fedra softe ¢ lamenta 6 ‘a da paixio irresistivele proibida, a do conflito psicolégico entre 0 impulso € a norma social, entre o desejo € a repressio, ¢ nfo um seu destino ingra- to decretado pelos deuses, como lamentava o Orestes de Esquilo. £0 que mostram os versos seguintes. Neles, se menciona fetorica- mente alguma divindade, como um recurso usual para designar 0 desco- nhecido, 0 misterioso, emibora as paixdes, os conflitos e a loucura sejam vividos como estados pessoais. Fedra procura em sua conduta a causa de set infortinio: “Ail Infeliz de mim! Que fiz, entio? Onde andaré mew senso desgarrado ? Enlouqqueci,vitima da vertigem mandada por tum deus! Ail Infeliz!” (244-248) A paixio é reconhecida claramente como contingéncia humana, ine- vitavel, cujo surgimento independe de se ter maior ou menor sensatez: “Adeus! Estou perdida, pois os mais sensatos, querendo ‘ou nao, ardem de amor pecaminoso.” (374) Nem a conscitncia do erro ético ("*pecado”) ou a rejeigao rational do mesmo resistem a forga (intrinseca) da paixto: “Minha alma foi solapada demas pelo amor e, mesmo que cenfeites a vergonha com palavras bonitas, deixo-me levar por certos sentimentos dos quais devo ter horror.” (550 e sgt.) “Cipris consuma minha ruina. Faco-a rr... vencida, como fui, por este amargo amor.” (789-791) A paix se apresenta, em Euripides, como forca natural, imanente a0 homem, embora os personagens, vez por outra, a refiram ao deus respectivo; Cipris neste caso de paixdo sensual, proibida, As paixdes sio inerentes 2os.mortais. & 0 que afirma a velha ama, reconhecendo o caré- {FGoercitivo delas; a difculdade de libertar-se dos afetos ou de manipulé- los liveemence: “As amizades que os mortais contraem deveriam guar- dar comedimento, sem ir até as profundezas da alma e suas afei- ‘gdes mais flexiveis, mais faceis de romper, ¢ deveriamos, sem- pre qui desejdssemos, soltar ou estreitar seus lacos facilmente.” (259-265) ‘Também 0 coro deplora a forga cogente, dominadora, quase devas- tadora, do amor {ou do desejol: “Amor, Amor, que destlas desejo pelos ols c instil 3 volipia dulefssima nos coragBes que invades, 56 pego aos det Ses que eu jamais te veja frente a mim com teu sequito de ma des" (574-578). “Ab divindade, nesses tochoo, quando reeneionadas, aparecem ape nas como sindnimos, personifiados, de conctitos como fatalidade ox com tigao humana ou, ainda, natureza human. : 'Na obra de Buripides, ofaco da andlise dos dramas humanos se des- toca do plano da necesidade eésmico-teoldgica imutével,O homem de Eurfides se move num mundo contraditécio, em busca de alguma quimé- cen dem interior, Os dramas do homem resultam, necessariamentey de forgasnaturais, proprias dos “mort “A teagédia de Euripides abole a inocente e magica aribuigdo das paindes a maquinasées de deuses ou déimones, Ediante daquelsspta- Pho aoctdtica) de uma ordenagio interna, aponta a verdade da contradi- ‘Go, da inconssténciae da fraqueza dos homens. “A loueuta, para Euripides 6, como para Esquilo, produto de confi tos, mas aqui se trata de conflitos interiores, entre a paixio ¢ « norma, 8 seer co inating, entre emores conflientes, entre 6dios¢afetos ou ene desejoe vergonha, como no Hipdlito. ‘ese plarelidade eontaditéia,confitiva, de afetos¢ emogbes “a%- sénomas” do homem transparece em toda a obra de Euripides € a seiva dda qual se mite sua obra da intensidade ou da agudesa dessesconflitos que resulta loucura de seus personagens. Noma fala de Tesea, ainda no Hipdlito, em quatro ‘ressos so teferidas quatro emogBes ou paix®es, que destacamos a soguit: Meu ddio pela vitima deste desastre me fex sentir pra en, de inicio, com as noticias; agora, por respeito aos deuses ¢ por ele meu filho—~ no me alegro com sua despraga; nto posso dizer, tampouco, que esteja triste.” (1410-1414) sa fla mostra claramente a conscitncia de estados emotivos préprios, ‘naturals do homem, ecorrobora a idéia de que, para Buripides, Fda softe, “alia eenlouquece como efeito de conflitos psicolégicos, intemnos, pessoas. ‘A relagao entre as paixes e a loucura aparece em varios techos do drama, expressa por diversos personagens. Fedra expbe suas reflexes sobre fos "muitos prazeses que dio encanto. vida” eque constirvem um “oce petigo s esis escort Ye A Loven fn BEE cis veroshons” gue semua bom umlado mau” Boots o cuidado que se deve rer para discriminar apenas o lado bom delas Gesegue, eeconhecendo a falencia da razio ante a poténcia dos afeos: Fajmeum daa nauragar cm senimentosantgéricos Exphcs recom minha razao desde que me feriuo amor.” erste ip passa. a sr o coroamento da invasdo do amor. O coro referin- lino suicidal Fea, sponta a casa da decisi insensc, outro iinento da forga avassaladora da paix: Bg Ou tu pretendes que a loucura do amor jamais atinge os ews, ge € pri das mulheres?” (1062-1064) EA mesma idiaexpressa por Fedrae por Te é ihe .¢ por Teseu, nese tikimo verso, € ida, por Artemis diigindo-se a Teseu, para inocenta Hip. Ar- ig atribua sua val, Afodite, a culpa pela pao adilera de Fra: “A deusa mais abominada...ajnflamou de smo¥ por teu fazer uso da ratio." (1462 es), FO" Na suaikima fla, Anemisconsola Hilt, moribando, numa Pepitmaciinitainncpite vk, “B lou paito de Fd por jamais air no sa cio...” (1615-1616) pete : |» Por esses rechos se pode ver qe «natreza da loscure, no persona abo ou, mis especifieamente, do conflitoente a pando ea norma seca tien. Na origem da loucura est, portant, o confit interior do ho “mem, a contradiio ence os ditames da rao ot do bom senso, da eon "faa scl 2 dj, on, 0 anor rE eso represio S40 os polos do confit de Feda, que se mani- fea como vrgonta. Alisa palavie vega se epete com egltacia - ém suas falas la teme a censura social mas teme también 0 que, muito a rais,carde, Freud chamari “forga da libido”. © verso 445 € expressive, porque mastra a con cia da labilidade da vierude moral, que a sens fez recomenda, ante © dese: 0 que me mata, minkas amigas, é 0 med de aceitar um dia a idéia de desonrar mea marido..” Pelos versos discutidos acima, pode-se afirmar que a loucura de Fedea &, tipicamenee, uma loucura tiste, deprimida, melancélica. E no quadro de melancolia se incluem sintomas sométicos caracteristicos, 2 sensagio de isolamento 0s deri, em que predominam cenas e even tos dstantes, prdprios da vida bucélica de Hipélito. Sio delirios de iden- tifcagdo com 0 amado. “ / Os sentimentos predominantes sio os de vergonha, tristeza e desam- paro. Eo resultado deles, o suiidio, completa o quadzo. = No Hipdlito, pela primeira vet se relaciona 0 iempulto sexual, ode. sj, reprimido, a psicopatologia, (Na variada gama de paixies ou senti- mentos descritos por Euripides, convém sublinhar também a compaixio € 0 arrepeadimento.) [Nessa tragédia a loucura, entendida como desequilfbrio de origem passional, ingresse no pensamento ocidental, ao lado do desejo sexual ¢ da morte, Muito mais tarde Séneca mencionaré uma libido moriendi. Com Euripides a loucura se afasa do mito. Para um amigo de Socrates « dos Sofistas,o apelo a uma ordem transcendente como explicacio do. me, do desejoe, portato, como fonte de serenade ede iresponsabilidade moral jé no satisfa. ‘Ao lado dessa orders, comesa a reconhecer-se a da responsabilidad pessoal, furdada ro no fatalismo, mas na idéia de dever ede compromisso coma racionalidade, que nasce do autoconhecimente, do “conhece-te ti mesmo", A ruptura dessa nova ordem, interna (como ocorre no caso de descontrole das paixdes), €a nova origem da loucurs, ‘A Medéia comega com um retrato vivissimo da amargura da proto sonista pela infidelidade de Jasio, narra seus prantos e sua depressio (25. sats; descreve-the a sibita aversio pelos filhos, a impetuosidade, a in- toleréncia,o édio, a tendéncia homicida (48 e sgt, 0 ddio vingativo ea peciculosidade (55 e ss.) © preceptor aconselha a ama a manter 08 fr Ihos fora do aleance da mie “desvairada”: “*Vi-a olhando-os ferozmente, como se medizasse alguna aod6 funesta. E ela por certo ndo refreard a sua célera até hae ‘ver vibrado sobre alguém seus golpes.” (109-112) 2 IssiasPesont a. Deveis guae- se-yos bem de seu humor selvagem, desse énimo incrativel, Bera pox natucca.” (120-124) lio, Euripides entende todo es como eventos natura, resultados dos apetites e das cis do quotidian; no caso de Medéia, o repadio es traigio do 40, 0 medo do exlio,ofracasso no papel socal de esposa. GP Cline, ddio, oucura © homicdio Ho apresentados como reflexos Ie fotsas (ou procestos psiquicos), préprios do homem, que exisem no jo, da narureza humana, sem qualquer apelo a justiicegdes ou expli- inicolgicas. ES Em algumas poucas falas, € natural, os personagens invocam Zeus {os Cipri) pas intfrzem nos aconecinenton, tas contro ples branos) de Meda entndidos, também por ees como “autoneee, Hinano,“priguicr” ‘A loucurade Mei 6 basicamenta pera do contol desu ats | pela forga da pas, Masta pensamento,como seu aioli, rigors $0 licido, astern, Ea ndoperde uso darato:prdes eno da {itedida, o bom senso. E perd qualquer afetvidade po Ela age con- <2) dazida por paro, io, descontrolado, compulsivo. Entre a vida dos filhos, ‘due confessa amar, ea sede de vinganga, ela escothe friamente a vingan- ‘52. Sua razdo, impotente, assistee serve 20 plano homicida que, a0 fim, ‘Somo ela sabe, conduzird fatalmente & sua prépria ruins, Medéia ndo ce- ‘cua. Nem pode eecuar: a paixio a arrasta. i A mencio explicita da loucura apatece em muitas falas, da prota- ‘onista ede outs personagens. O preceptor lamenta o estado de Medéia: “Oh! Desvairadal (Se posso falae assim de meus seaho- es," (75-76) 0 coro dirige-se a Medéia, ausente: Que forga, entéo, te prende, pobre louca?” (166) CCeeonte, em dois techos alude & loucura: Bat, Meda, expota em fri, fave higubse, que fal, (308-309) “Parte, insensata, ¢livea-me deste desgosto!” (378) Mais adiante, Jasio e outros personagens, além da prépria Medéia, mencionam a loucura dela: “Se recusares minha oferta, dards provas de loucuca.” (709-710) “Fiz-me pondderagies eaté me censurei: Por que tamanha, insensacez ¢ hostilidade?” (986-987) julgo-te sensato..e chamo-medemente..” (1000 sgt.) “Perdeste 0 senso? (6 mataia)” (1088) Como, mulher? O teu juizo esté perfeito, ou fieaste de- smente2” (1279-1280) “Tu, ao invés de refteares a loucura, injuriavas, dia e noite, fo soberano.” (518-520) © furor insensato, sinénimo de manias, aparece em numerosos “Nao & com pouco esforgo que se pode frear a cera de ‘minha dona!” (189-190) ies “Ela nos olha com alhar feroz, como Teoa que reve filho- tes." (207-209) “£ mais fei guaréarse de uma mulher desnoreada pla célera...” (360-361) Isis Peso Media, apis adecsto de matar seus filtos.Reproducdo de afesco do steulo 1 4.C, encontrado nas radsa de Heralan, “4 que neste momento, nem podesrefreas esse rancor violento de teu coragio.” (683-684) “A! Infeliz! Por que tanto furor, ¢ to violento, avassa- fi {ou tua alma, pres desse dio homicida [deliioeriminoso]?” (1444-1446) A loucura de Medéia€, como a de Fedra,o desfecho de um confit «ie, aqui, ope o amor macerno sede de vinganga. A opcio pela vingan. {2 € consciente, fia e eaeulads, de modo a levar a Jaszo o'miximo de sofrimento. Media hesia antes da decsio, mas assume toda a perversi- ‘dade dela e, mais, reconhece quanto els lhe traté de sofrimento, de cutna, A loucura dela nfo esténa visio distorcida da realidade em que vive. (Como Feda ela também encara com realismo sua situagio individual, suas Paixies © as conseqiéncas da decisGo extrema. ea ‘Ambas sio mosteas do que se chamou iluminismo grego do séaulo ‘Vs no apogeu de Péticles, io mostas do sacionalismo de origem socdtica, {Ghe marcou as primeiras obras de Euripides, pincipalmente a Medéi, encenads cm 431, ¢ o Hipdlito, apresentado em 428, A loucura esd no descontrole da poixio, uma paixio e um descontroletamiém reconheci- os acionalmente ‘A Loucura ¢ as Epocas 6 (© “tacionalismo” que se atxibue a Euripides no consiste na admis sod uma ordem raciona preside a realidade do mundo eda vid Longe disso, a opslo por wna visio raional da cealidade em todaasua desor- dem, ura visio despojada das dstorgGes (itracionais) do mit. ‘As duasheroinas reconhecem a prepotincia da paixio sobre o con- troleracional da vida, a impoténcia da eazio diante do deseo, do cme, dda vergonha, Mecés, com toda sua forga, aparece frigil, como Feda, dante da realidade hosel, diate da frusteagio do deseo. ‘Acontradigio entrea aspiragio de uma ordem na vida sociale psi colggica ¢ a constatagio da desordem, da incoeréncia e da contradisio entre of ideais éricos politicos e as misérias da conduca humana vio ratcac a obrs ulterior de Euripides, cada vex mais amarga, mais rigica, ‘ais patétca, mais desesperada (tefletindo pari passwa decadéncia pro- srectiva da polis) Do confito que opie o desco’3 norma, i proibigio ou 3 vergonha nasce a loucura de Fedra, Ade Meds brota de outro confite, maiscomple- x0, no qual se ope 0 impulso sexual frustrado & realdade crua da perda do marido, num plano; a0 outa se confrontam amor-compaixio pelos filhos ea sede de vinganga. Mas tudo se passa, no caso de ambas as hero nas, no plano psiquico, sem buscar explicagbes ou escuses na intervensio dos dees. PPode-se agora cencar um resumo do coneeito de loucura, presente na Medéia de Earipides, spontando suas idéias sobre a causa ou origem, a nnaureza ea forma da loucura ‘Quanto i origem, pois, a loucurs homicida eavtolesionsta de Medéia € natural, psicolégica. Eo conflto entre paixies © normassociis sobre- posto ao entrechogue entre duaspaixdes: 0 afeto pelos fihos eo deseo de vinganga. ‘Os sintomas sto dversos dos que compéem o quauro melanctlico de Fedra. A idéia de vingonga se impie compulsivameate ¢ o plano in- fantcida é concebido earquiterado com frieza ecéleulo, imune As distor g5es da alucinagdo, da idersificagio ou da formagio reativa. A ficia mor- tifera &dirgida, lucidamente, de acordo com as aleragesconcretas da realidade. A razio age perfeitamence légica eeficiente em toda a tagé- dia (exceto nos raros momentos de recordagGes do passado e de projetos para 0 futuro, em que Medéia se deixa comover, mas é uma comogio 7 ‘consciente, controlada pela cazio, nfo € um arroubo, um destempero, um 4 raptus incoexcivel) ci ‘Nao hé, como no caso de Fedra, um *desequilibrio emocional ‘Onde, entio, a loucura? Ocorre que toda essa racionalidade esti a servi= {50 de urna paixio evassaladora, que dicige a razdo para um objetivo fixo, Ccogente, polarizance: causar o maximo de sofrimento a Jasdo. Media é 36 Iesne Peso Jouca porque, obcecada pelo ciiime, ndo consegue mudar o ramo de seul raciocinio, que 6 na vecdade, imposto pela paint. Medéta recon Iicida, que suas fculdadesracionaiseoperativas obedecem a iinporgao itcesistivel do thymos. ; lee ‘Ao lado da melancblica Fedra,temos agora um perio quadro de furor maniaco (mavis) homicida, uma lowcuralicida, que se chatnard, no séeulo XIX, manie rsizonnante« teed como caasteiuieaeeeneal austacia de distros nas fauldadesintlectuaise imaginative es por da de controle, ético ou nao, da vontade. : at © Orestes de Buripdesapresenta uma loucurasemelnante & de Fe dea. de Medea, quanto ascavsas e quanto a sua naturera, Na foro tipo € diferente. Orestes aparece como personage eental na tageds de ‘mesmo nome, com tragos muito mais fortes que os da Orestiada, de Esquilo. Como nota apudarnente Simeon (1978), natureza da doetga de Oree «es € propostalmente ambigua no inicio da wagédia. A insanidade apre Senta-se em ataques intermitentes de confusdo mental, coma os que acom- panham as febcstipices de algumas doengas. Os cstbios mentas apa. recer como dliriosfebrs. Gadualmente a pec deixa cada vex mais la: to que a doenga ange toda a esrtaca da personalidade de Orestes decides gue ele toma. votes © quadroclnicotragado por Euripides é mais completo e mais nit do que o do Orestes de Esquilo. A agudeza de Euripides chega a retratar a semethanga dos conlitos rags exibidos por Orestes enguanto age como ricco e nos periodos em que aparenta sanidade. O quadto éde dele orfrequentes, ao longo doses das segues cetnagdo do corpo desta ine, asassinada por ele e seu cimplie, Plades. Bea ~"Adocaga explode na noite em que vista a pira erematéra, com @ amigo Pilades, aa forma de alucinabes terificante. Ele v8 as Efaas, negras como a note, com serpents no lugar dos cabelos, com olbos que ert sangue, prntas a ataci-o, Essas alucinagéese flues ovoctem intermitentemente, num crescendo de terror, que o coro sublinha, reconhe- cendo the a loucu “Que desgraga é a sua, a loucura 0 agita € descontrola! . Cagado pelas Euménides o filho de Agamémnon verte sangue,| 4 tot olhos fugitivos e perdidos." (833 e sets.) ; “sian she. ny cro aaaine O assédio das Ecinias (chamadas também Pirias ou Euménides) leva Orestes a ameagéas, sem sucest, com ao efexaimagindros. Tudo para le passa a ser ameaga. Acé 05 cuidados de Electra, sua irmé, so percebidos ilusoriamente ‘como mais ameagas A Loucura es Epocss a EL “Bu nfo largo, me agarare a tie te apertarei em meus bragosimpeire! que ra nos tus acessos posts frie.” (©. “Nio, largarmet Es uma das Ernin,e me agarras a cinruca para presipitar-me no Tactaro.” (260 est) Em alguns momentos, outro trago da loucura aparece: 0 furor. Eleetca pescebe que Orestes se enfuarece perigosamcnte “Ai de mim, mio! Ai, o eeu olharestéenfurecde, Racio- cinavas agora mesmo e, de sensato que eras, em um momento tetornas louco.” (253 ¢ sgt.) "Noutra passagem € 0 coro que reconhece furore elagio dele com a loucura, ao suplicar as “negras Eum@nides” que cessem seu assédio. “on deixai que o filho de Agamémnon esquesa o furor que o-enlouquece e no Ihe dé descanso..." (324 e sgt) (© carseat homicida do furor de Orestes é reconhecido pela corifsis, assustadat “Uma surpresa apés outra. Eis Orestes, foradesiestédiance do palicio. Vem furioso, com a espada na mio.” (50S e sgts.) Esse furor homicida de Orestes ndo se aplaca, mesmo depois de ale smatar Helena. Ele se prepara para degolar-ihe a filha, Hermione, apesar da tentativa de Menelau, visando a dissuadi- ‘Men. “Nao bastou o sangue de tua mae, que tens dian te dos olhos?” * (0, “Nunca me cansarei de matar, ¢ macasei as infaies, sempre!” (1590 e sats.) (© quadro clinica se completa com periodos em que, além dos olha- res ferozes, Orestes apresenta os labios espumando e salta do leito para ‘eseapar das torturantes Erinias que 0 cercam. Os perfodos de exaustfo 80- nolenta se alternam com momentos de alucinacées horriveis ¢ fases de cchoro. Orestes praticamente nfo come nem bebe, enxerga 2 vida como um peso insuportavel, sente-se vitima da decisio de Apolo,da incompreensio dos homens, do dever de vingar 0 pai. Simon (1978), considera Orestes submetido também a outco confi 10, agudo, no campo de sua definigdo sexual. Ele € um louco, pronto para 38 lenis Peso it RTOS ITS IS ‘uma agio homicida ditigida primariamente contra mulheres (Clitemnestra, Helena e Hermione) e que, quando “normal”, lida com sua culpa e ambi. valencia, condenando-as e destruindo-as, sempre por medo de see emas- culado por elas; quando em crise psicdrica, Orestes sente-se constantemente ido por mulheres malignas A cesses conflitos, deve-se juntar mais um: a ambivaléncia de seus sentimentos em relagio as caricias de Electra, Um conflico resolvido “psico~ sicamente™ pela assexuagio de Electra “Oh queespirito de homem tu possues, embora num corpo cde mulher.” (1205-1206) © retrato sutl que Euripides apresenta compe um nitido quadeo slinico de psicose parandica. Um retraro baseado na aguda observasio das inter-relagBes entre conflitos, defesas e da traducio desses em pala- ras, atos¢ discursos delirantes ou, em termos clinicos atuais, em sinto- mas psiquidtricos, Trata-se de uma loucura que é essencialmente a perda da razio e do controle sobre as paixdes, que resulta de confltes pessoais insuperaveis € {que se manifesta por delitios, palavras ¢ agbes caracteristcas(sincomas). ‘Masessas manifestagbes sao diferentes das que apareciam noscasos de Fedra ede Medéi r Mais ainda, a loucura de Orestes tem significado pessoal, caractesials ‘do € meta interferéncia episédica de acontecimentos ou entidades exter ‘nas. A loucuca é vivia (esofrida) até conscientemente, como aparece num. dlidlogo entre Menelat e Orestes: ‘Men. “Que tens? Do que sofres? Que coisa te destr6i2” Or. “A minha mente: 0 fato de que eu sei tenho cons- sincia do que fiz, e era horrendo.” (395 e sgt.) Orestes aqui reconhece o aspecto condenivel de seu ato ¢ expressa- ‘mente “naturaliza” a origem de sua loucura,sityando-a na soa mente. Mais, ainda, confessa a consciéncia de que sua conduta (ierefredvel) foi uma Fuptura da norma éticae's ff oe css aye : "-Mais adiante, o protagonisca percebe conscientemente a perda de con ‘ole sobre scus atos e fungdes, numa fala extensa que segue 40 vers0 265: “Ah! Estou divagando... ¢ por qué? E sinco-o peito ofe- {ante ¢ oprimido. Para onde eu quetia ic, quando saltei do lei- 10? A tempestade se aplaca: aps a onda vejo volear ainda a bonanga.” ‘ALoucura eas Epocas 39 “Quando vés que meu animo cede & exaustio, deves pro“ courar conter 0 met tertor ¢ meu juizo tumuleuado e fale-me, € ajudarme.” (295 e sets.) Se e pretende definiro tipo de loucura que Orestes retrata é preciso atentar para uma caracterstca importante, que no aparece na deméncia de Fedra e de Medeia:¢j4 um estado, uma condigao eronica, claramente vinculada a tragos de carter. Nao é um arroubo passage, £ um modo (patolégico} de vida, de relacionar-se com a realidade. ‘Uma pereepgio distorcida do mundo e da vida, que permanece, mesmo nos momentos Sem crise e que, por iso, difere muito das loucuras mais agudas dos outros hecbis loucos de Euripides. Em As Bacantes 0 grande trigico mostra outro tipo, ainda, da de rnéncia: uma loucura extétice. ‘A peca toda € uma exploraio aprofundada dos limites, labeis, que separam a sanidade da loucura, ¢ apresenta dois protagonistas locos, Penteu, rei de Tebas, ¢ Agave, saa mac. ‘As Bacantes parece ser uma pesa sobre a loucura. A aparente valor- zagio do éxtase dionisiaco como forma de “sair de si mésmo”, livando- ‘se das iibigdes e conflcos, prepara a revelagdo de que 0 éxtase,na verda- de, nZo resolve 05 conflitos © abighidades subjacentes. ‘Apesar da apresentacio quaseidiica dos rituais baquicos na imon- tanha, As Bacantes esté muito longe de ser uma apologia do éxtase como fuga das tenséese, pois, como esquiva da loucura. Isso porque 0 éxtase nao é necessariamente uma libertagio, eal, de conflitos ¢ ambighidades bisicas nas relagSes mulher-homem, mie-flho, nocma-prazer, evidentes ros protagonistas dessa tragédi O éxtase das bacantes ndo € uma catarse. Mais ainda, 0 des-contro- le, 0 “fora de si", 0 ex-tase de Agave resulta de uma decisio de Dioniso, ‘como uma forma de loucura,a titulo de castigo pelo desrespeito dela e seus pacentes ante sua natureza divina. os poderes do devs. : es ; ‘Alowcura perpassatodaa pega catinge na forma de deli exttico, cocgifscico, diversos personages: Cadmo, Agave estas irmise, principal mente, Penteu, E nos momentos de exatag extitica que toda a dindril ca da loucura aparece, sob a forma de alucinages, ilusdes ¢ o total de controle da vontade pessoal. 5 Se d pessoal = £ um descontrole que, somado as alucinies ilusdes, conduziri a Penteu & morte © Agave 20 assassinato cruel do préprio filho; um flho muito amado, mas pereebido como um filhote de leo, (O fato de que Dioniso convoea as Bacantes para teucidarem um homer que as odeia 0 Inia Psst no impede a ilusio de Agave. Mais uma das muitase intrigantes ambi- sidades dessa tragédia.) eer i, nos loucos de As Bacantes, a consciéncia da loucura, que se encontra ein Orestes e, em certs medida, também em Fedra e Medéia. Penteu e Agave nio tém conscéncia de seu estado. ‘A dissociagio da personalidad, odestaque da realidadeciccunstante ‘+3 pera da propria idanidade real continuo, qu, a eestaca de loucure Penteussrecobra a lucie quando ena evitar a morte pelas maos de Agave. Esta s6 etoma a percepcao da realidade depois de consumac toda a séiica trama de Dioniso, quando ne hi mais esgtepossivel dos efeitos do éxtase. ‘Os conflitos entre desejos,necessidades e nocmas #6 existem e si0, vividos enquanto 05 personagens aio norma. ‘Nesta, mais que em outras pesas de Euripides, a loucusa €0 deli, alucinaério. que se nota em virias falas. Apés a tetativa de Pentew de acortentar Dioniso, que comparecedisfargado na veste de um estran- grito defensor do cultodionisiaco, 0 deus (Dioniso, Baco, Brémio, Evio, Disirambo) aponta o delisio do rei “*Nisso o enganei. Ele acredtava que me acorrentava.e as {01 uma ilusdo dele. encontrou um touro e pés-se a amarré-lo, ‘com cordas em tomo aos pés ¢ aos joclhos..” (616 ¢ sets.) delicio ¢ expressamente nomesdo, em outro verso, no qual um ‘mensageiro relata a orgia na moncenha e a inten¢o de seus amigos a0 verem Agave em meio as Baca “Vamos resgatar Agave, amie de Penteu? Varnosretia- + Jado delitio da orgia?” (720-721) © delicio como nicleo da lovcura reaparece, mais adiance, expl ‘amente mencionado, quando Dioniso decide eaviae Pentew A morte, se- uzindo-o com a idgia de subir & montanha para espiar a orgia. Deve ir _Yestido de mulher, pois como honser poderé sec esquartejado pelas M&- !nades em exaltagao extética, Penteu se deixa enganat, atrafdo pela opor- funidade de satisfazcr velhos dsejosrecalcados. Veste-se de mulher ¢ en- A fez lhe perde a cailo, co *.-castiguemotol E antes faz-Ihe perder a rato, co loca-the no coracio o delitio que toma vio o pensamento.. E 27 preciso fazi-lo saic de sie trartheo juto..." (850 eset.) a Pe. “Vejo dois sbis...ou me parece, dois sds eduas cida~ des de Tebas... eeu (Dioniso} caminhas frente em forma de ZA Loucuiae as Epocas a touro... Eras jf antes ums fera? Porque agora, estou seguro, & tum touro...” (918 e srs.) Pe, “E eu poderia carregar toda a montanha com seus abismos e com #8 Bacantes em cima?” Dit, “Poderias x quisesses. Tw antes ndo eras so de men- te. Agora, poréut é 0 que deves ser." Po. “... Tens razdo..” (945 e sgt.) Afors a aguda alusio 3 labilidade do eritério que separa a loucura dda sanidade, esse trecho mosteaa cotal perda de “autonomia da conscién cia”, por parte de Pentew, Praticamente codas as falas subseqiientes, do eet ede Agave, até 0 desfecho trigico, sio perpassadas de alucinagio e ilu- ‘bes. Ambos esto, literalmence, “fora desi” ereagem a uma realidade ilu- séria, habilmente manipulada poc Dioniso em fungio de seu designio crue. ‘Agave enxecga em Penteu um leo e 0 despedaga. sem escutar e sem pensar como um ser com jutzo.. (1123) ‘Estes trechos mostram que, quanto & natureza, a loucura de Penteu ede Agave & essencialmente o deltio, a perda de contacto com a realida- de circunstante ¢ da consciéncia dos préprios atos. E inclui, talvez, a dis- posigdo para entregar-se ao descontrole da vontade. (Pelo menos no caso de Penteu.) Quanto as causas, para além do sadismo vingativo de Dioniso, a ga encerra uma espléndida andlise das motivacdes inconscientes de Fetes, explosdns atttamente plo des. Eoipides perce que «bis cca da alienagio extatica, da orgia dionisfaca, nasce das necessidades pri mirias mais recalcadas. A orgia ritual das Bacantes é tratada como uma situagdo de “desrecalque”. “Toda a crama vingativa de Dioniso se alicerca na exploragao fria, jal de Penteu como rei aparece impregnada de um moralismo gratuito, que se podetia bern, cruel, dos impulsos (recalcados) de Penteu. Jaa fala i designat, nos dias de hoje, como “formiacio reativa. As depravagbes€ obscenidade que ele atribue 20s rtuais béquicos sio evidentemente exa ‘geradas. Sua percepgio é ambigua: ele quer ver os rieuais, participar de” les, deseja isso, mas ndo pode aceitar-se no papel de Bacante. Na montanha, em plena festa orgidstica, esté sua mae com as iemas Ele no admice que elas paricipem da orgia. Precisa acabar com cla. Mas las. Deseja retornar da montanha nos bragos da desea ardentemente esp mie: “o etimulo das delicias..” (968) 2 falas sori Dioniso é, como Euripides deixa claco, a outea metade de Penteu, a imetade cecaleada de sua personalidade. Dioniso incorpora a necessidade de liberar seus impulos, a erteza dos prazeres da orga, e até a vontade, cemida, de ser mulher, como observa Simon (1878). wok Entregue, por fim, 20s designio de Dioaiso, *..eu estou inteiramen- ‘ccm uasmios..” (934), Penteusedesinibeantea outra merade desi mesino e Ihe contessa seus impulsos mais vergonhosos, como 0 de episea mae em situagies de intimidade e seu destjo de ser acalentado como um bebé, nos bragos maternos A busca do éxtase, do “nr des" abusca propositadadodelite Zo produto da forga (Bloqueada) dos impulsos, das necessidades sexs eeprimidas Essa nfo & formalmente, a coacepsdo de Euripides sobre a loucura, em geal, nem os concetosacima fziam parte da pricologia de Eucipides Mas € uma incerpeetagio ineviivel do texto das Bacchi. ‘A ragédia mostra Penteu como um personagem doenti, desde as falas iniciais em que ameaga dizimar as Bacantes, até ordenando um at gue armado, Maso que ele tentaeliminar com as armas sio ameacas in- temas de seus deseo de tornar-se mulher entce as maulheces da montanha € seu medo das Ménades como esquartejadoras, destrudoras de homens, como castradoras (Simon, 1978). Penteu , pois, uma figura ambivalente, como se vé nese diglogo com Dioniso: “ Pe, *(Aos guardas] Trazeisme as armas! [A Dioniso] Eu agora cala-e.” Di. * Esta bem! Quetes vé-las teunidas na montanha?” Pe. * E o que mais desejo! Pagaria corn ouro! Sem limites!” Di. “ Deconde te vem, assim, de repeate, tanto amor [éro- 1a) por isso” Pe. * Softerei ao vé-as embriagadas...” Di.“ Etodaviate daria peazervélas, mas isso te faz sofrer?” Pe, * Quero vé-las sem que me percebam, sob a sombra dos abe = Bae “Di. * Te desentocatio, mesmo se chegares escondido." Pe, * Sim, é verdade. Entioirei a descoberto!” a4 $5 "Di. * Quer dizer que devo levar-te? Eseds pronto para 2 f+ Caminhada? (809-820) eat ie Pe * Conduse-me te depress! Nio te dou tempo.” Ea loucura de Agave? Decosre também de desejos bloqueados, tip S08-da sitagdo da mulher ateniense do século V a.C. O éxtase dionisiaco ‘esulta,retoricamente, ds decsio de Dioniso de abrigs-la, junco-a toda a Lovcura eas Epocss “a seagate cai AAS Se RRR i eee arama ee proginic'de Cadmo, a respeiti-lo e cultué-lo, Mas Agave se entcega aos Titus orgidsticos impetuosamentee e torn, na vedade, uma lide das boacantes. Ela 96 aparece em cena ap6s esquarejar Penteu © com a cabeca dele nas maos,eufériea com sua proeza como eagadora mais forte que 0: guerrero Ela desmembraferasvivas com as mis, aio precisa de armas como os machos. O pai oda Tebas podem orgulharse dela agora. En fim ela pode soe glosicada Aloucurs de Agaveéaloucura do grupo inti de mulheres, que perde ‘odo o senso de realidad sob nfluéncia do vinho das maquinagdes de Baco 14 Dioniso. Mas nese gesto de abandonar-s plenamente 3 intengis do dls, Agave, agora a maisextcemada das Bacantes revel quanto os rituals ‘0s pisos de cag ede batalha ocorrgos na montanha sfoa satisfagio de necessidades psicolépices suas Pence, educado par o poder, que se recusa a acrtar seu lade eminino, , Aue independem da razio e da vontade individual. Implica, ademais, algo $e €tpico: a admissio de uma continuidade entre 2 naruceza ci f€ economia orginica interna, Tal continsidade entre o microcosmo anatomofsiolgico ¢o macro~ §geimo cicundante no eoresponde a una constugiotefrica expeculat- » Metafisica, masa uma inferéncia resultante da observasio repetida de -quillbrio entre as condigSes abientaise as fungdes drganicas cons- titui a sadide, o bem-estar, a normalidade, enquanto 2 ruptura dessa con- ‘inuidade balanceads ene os dois sistemas constitui a doenga. ‘A Loucura ¢ as Epocas c ‘Como a apego a observagio, esta idsia tem origem na filosofia de Herdcito e de Empédocles (m. 444 a.C.), embora Hipdcrates tenha estu dado reérica, filosofia medicina na escola de Gorgias e Demécrito. Tanto quanto Euripides ea nfluenciado pela filsofia dos Sofistas¢ de Séerates, HipSerates recebe infuénciasdecisivas daqueles dos filoso- fos, notadamente de Empédoces, que entendia 0 universo natural como composto por quatro elementos essenciais calor, fro, secura e umidade. Para IlipGctatcs, esa nanuteza se estende, no corpo humano, sob 4 forma dos quatro humores fundamentais: sangue, pituit, bis amarela ¢ bis verde, escura (ou atrabilis). A saide € a harmonia no sistema de hhumores eo equilibrio entre al sistema eo ambiente externo. O desequi- libro entce os dois siscemas ou entre os humores no interior do sistema orginico é a doenga. A loucura, como doenga que é, resulta de crise no sistema dos hu- ‘mores. E uma doenga orgénica. Com tl ida, HipSerates inauguca a to. Sa organicista da loucura, que Mlorescerd prodigamente na medicina dos séeylos XVII e XIX. Contudo, o organicismo primitivo de Hipécrates no & uma atiu- de materialist, no significa a aholiga da metafisica. A anatomofisiologia em que se funda &altamenteespeculativa,quase migica, aos olhos de hoje. Na époee signficou o fim da explicasié mitoldgica, teol6gica, das doen sas, ineluida a loucura: Implicou, sobretudo, ofim da medicina saceedo- tal litiepica, As diversas formas da lovcura, como aeplepria, entendida como uma forma dela, nada tém de sagrado como se afirmava, “-» foram sacralizadas, segundo parece a mim, pot homens tais como existem ainda: magos, purificadores,pedintes e char- laties (metragyrtai) que pretendem ser muito piedosos ¢ saber demais. Esses, portanto, refugiando-se no divino para escondet sua incapacidade de ter algo que ministéar paca dar algum ali- Vio, ¢ para no mostrar claramente que nada sabem, conside raram que foste sagrada essa doenga, e, de acordo com estérias apropriadas, etabeleceramlhes 0 tratamento em vista da se suranga deles préprios, dando purificagées e encantamentos ¢ prescrevendo abstengao de banhos e de muitas comidas impro- pris para o consumo de pessoas doeates..® (Pri Hierés Noiso, De Morbo Sacro (MS}, 10-13) A recusa do caréter sagrado da loucura em geal¢ disci cont abundante acgumentagdo por Hipécrates. Mas aqui convém sublinhar sua’ astede“ientica” diate do problem 4“ Ins Psst Hipscrates. Mérmore do séoulo lil a.C, encontrado em excavagtes de Ostia ¢ considerado wm rereto confidel do grande malic de Co0s que ington a concep 0 organist de loucura : “Todas essas prescrigdes, eles fazem como se fossem obras do divino, como se soubessem mais e invocando outras razbes, sdemodo tal que, seo doente sareste, dele seria o valores glorss, 52, ao invés, mortess, ficasse bein assegurada a sua defesa © ‘vessem uma razdo para sustentar que no sio eles, de modo, algum, 0s responséveis mas sim os deuses.."(MS, 20) ‘Acrcica funda st em consideragbes de tipo clinico ao.mostear a ino- ‘uidade das dices etratamentos peserts pela medicina dos magos ¢ & ucifcadores e tem uma bate légica s5lida: Se, pois, so esses alimentos que, comidos ou ingeidos, fam a doenga ea deseavolvem e, nfo comidos, acura, 0 seus nfo € mais esponsivel por eae as purficagbes no tém {theta sim as comidas que curam e que danificam, eo poder deus desaparece, Por isso me parece que os que te pdem a ef star essas doengas, neste modo, nZo as consideram sagradas, Fm Sins. Age gu deft cape de afar ua ‘afeesdo, com purificagese magia, ele mesmo &capaz de ate Incom outon estos e,com to scise dino se ere Com tal dscurso ees. eaganam os homens preserevendo-thes A Loscars 25 Eyocas “ cexpiagdes ¢ purificacies ea maior parte de seu discurso acaba no divino ou no demoniaco.” (MS, 24-29) Hipdcrates nio ignora que a ingenuidade popular favorece as expli- ‘cagdes maigicas, teoldgicas; ou, pelo menos, cem difculdade de rejeit-las “Mas talvex esas coisas nfo esteiam propriamente assim, mas [ocorre que] os homens, pelas necessidades de sua vida, inyentam novidades de todo género e se esforgam por enqua- drat variadamente, mais que em todos os outros casos, pa cularmente para essa doeqga, cada aspecto da afeccio, atibul doaum deus a responsabilidade (nZo um deus apenas, mas ou- tos sdo envolvidos..). (MS, 32) O texto Peri Hierés Noisoi, ou De Morbo Sacro, como 0 comenta- 4 Galeno (130 d.C-201 d.C.), é rico de acgumentos sobre a falicia dos diagnésticos que atribuem cada sintoma da doenga a uma certa divinda- de e chegs a um elenco de diagnésticos ridfculos: “No caso em que de fato o doente imite uma cabra, emi- “ta rugidos e tenha espasmos no lado direito, aficmam que a responsivel € a Mae de todos os deuses. Se sta vor ficar mais aguda ou intensa, comparam-no a um cavalo e aficmam que Poseidon & o responeivel..” (MS, 33-35) Pouco adiante o texto inclui outro exemplo de tais diagnésticos. £ tum trecho precioso porque Hipdcrates, nesseliveo, embora esteja a dis- coreer sobre a epilepsia, nfo dstinta da loucura, alude a uma variedade de doencas nas quais se incluem cerrores ¢ insensatez, afecybes que hoje ‘chamariamos “mencais” ou psicopatologicas: A todos os que de noite se defrontam com terrores¢ me- dose idiasinsensatas (paranoia salts para fora doleito fugas para fora, afrmam [os magos e chaelatdes] que sio as- saltos de Hécateeataques dos herds.” fantasmas, espiritos dos ‘mortos ou déimones. (MS, 38) Essa abrangéncia dos conceitos de Hipscrates parece mais clara em ‘outro trecho do lvro, no qual aude explictamente& loucura “Por outro lado, vejo que homens enlouquecem e perder a razio, eeu sei que no sono muitos gemem e gritam ¢ alguns 30 Tasos Peston ‘tambérm se seacem sufocar ¢ outros ainda que saltam do feito e fogem para forse ficam fora do juizo até que se despertem...c tudo isso no uma vez, mas muitas; © conheco muitos outros casos de toda sorte, [mas] falar de cada um deles seria um lon- {0 discurso. A mim parece que os primeicos a sacralizarem essa, ddoenga foram... magos, purificadores, etc...” (MS, 7-11) ‘A doutrina hipocritica mostra aqui su slida conviegio organisa. (Que significa algum progresso na psicopatologia, mas determina também algamas dificaldades. De fato, se o organicismo hipoctitico mina o prestgio da medicina sacetdoal e magica, invalidando a explcscso mitolégica da doenga men- tal, por outro lado, invalida ov enfeaquece a mudanga do pensaimenco ‘operada pela tragédia grega, peincipalmente a de Euripides, que se acer ‘ava claramente de uma concopgio psicolégica da alicnagio. ‘A douttina de Hipseratesresultard dado seu vigor intrnseco como sistema de idéias, num possivel retaedo do deseawolvimento ou advento de uma expicagio “psicoligica” da loucurae,conseqientemente, de urna “psico-erapia”. Mas € preciso ter pcesente que em pleno final do século V a.C épo- ca de exaltagio da rcionalidade como eritri de verdade, outra nfo po- dia sera atirude do sibio, do pai da medicina, que a de rescind, a bem da are edo saber médico, de quaisquer concepgSes que invocassem even tos afetvos ou conflitos morais como substrato ou causa da loucura, Os processos afetivos, os conflitos passionais deveriam continuar assuntos privativos de filsofos ou poetas ou, ainda, sacecdotes © cérebro, lesado por desequllios humoras, é 0 érgia ds loucura: “E preciso que os homens saibam que ni é sen do cé- rebro que nos vém as satisfagdes, as alegrias, os sorrtos, a8 hilaidades, bem como as dotes, a fides, a estezas eos pean tos. £ com ele sobretudo que compeeendemos e pensamos, ve: 0S ¢ ouvimos ¢distinguimos entre as coisas belas eas feias, ~~ rads e boas, agradaveis e desagradaves, istinguindo algumas segundo 0 costume, outras sentindo-as segundo o que € itl ¢

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