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Aula nao é necessariamente aprendi- zagem Pedro Demo Resumo Chamar a aula de trambique de pro- fessor & logo ofensa irreporavel para grande parte dos professores, porque sé fazem isso na vida. Definem-se como pro- fissionais que “dao aula” e para tanto sao contratados, sobretudo quando séo “ho- ristas”. Professores bdsicos nao sGo, como regra, horistas, mas, em muitos casos “dao aula” pela manhé, tarde e noite, quase sempre para ganhar ume miséria. Exaurem-se, dando aula. Evidentemente, esta expressdo tem apenas finalidade retérica e didati- ca — quer provocar a discus- sdo aberta. Pego, pois, que © professor néo perca tem- po em se ofender, apenas se disponha a discutir comigo, brandindo, nao dardos envenenados, mas argumen- tos. Aqui temos o caso lidimo da relevan- cia plena da “autoridade do argumento”, nGo do “argumento de autoridade’. Em grande medida, aula é tipico argumento de autoridade, pois se mantém por conta do autoridade do professor, néo por sua necessidade didatica. A diferenga entre autoridade do orgumento e argumento de autoridade é monumental. No segundo, Pedro Demo PhD em Sociologia, Universidade de Saabriken — Alemanha, Professor Titular do Departamento de Servigo Social - UnB agimos de modo instrucionista, de fora para dentro, de cima para baixo, espe- rando que o aluno se submeta, se alinhe na condigéo de objeto, geralmente atra- vés das reagées classicas de escutar com toda atencéo, tomar nota de tudo e de- volver ipsis literis na prova. No primeiro, aparece 0 gesto autopoiético de dentro para fora, fipicamente reconstrutivo polt- tico, na condigéo de sujeito participative, constituindo neste processo din&mico, complexo néo linear, sua au- tonomia histérica. Relagéo pedagégica é de autonomia, como sempre quiseram to- dos os grandes educadores, desde pelo menos Sécrates. Etimologicamente, educar provém de “e- ducere” (latim) e quer dizer “retirar de dentro”. Paulo Freire, ao colocar sua in- tuigdo soberba da “politicidade” da edu- cagao, sugeria: “o bom educador é aque- le que influencia seu aluno de tal modo que o aluno nao se deixe influenciar” (DEMO, 2002b). © professor, obviamen- je, age de fora, porque é fator externo, mas 0 processo educativo se instala de dentro, quando os dois lados se compor- Ensaio: aval. pol. pibl. Educ., Rio de Janeiro, u12, n. 43, p. 669-695, abr.jjun. 2004 Pedro Demo fam como sujeitos envolvidos em dind- micas reciprocas, nas quais a influéncio precisa tornar-se libertadora, nao cer- ceadora. Neste texto, busco polemizar sobre a aula, ndo para acabar com ela - vai con- finuar como troféu do professor - mas para colocé-la em seu devido lugar. Tem seu lugar, mas é caracteristicamente su- pletivo. Nao pode, em hipétese alguma, ser o centro da diddtica. Neste centro esté © aoprendizagem do aluno, nunca a aula do professor. Parto da nogao de que cabe co professor cuidar da aprendiza- gem do aluno como compromisso fatal. E retiro dai a conclusdo que pretendo ago- ra argumentar da melhor maneira possi- vel: quem de verdade quer cuidor da aprendizagem do aluno, néo dé aula, mas faz 0 possivel e o impossivel para que ele possa aprender bem; ai cabe a aula, mas como geste de acréscimo, nao como es- séncia de uma relagdo auloritéria e ins- trucionista. Uma das excrescéncias mais gritantes do professor é considerar a aula como expresséo méxima da “telagéo pe- dagégica”, que, o estas alturas, esquece do aluno, pois o deixa como figura deco- rativa num processo onde deveria ocu- par nada mais que o centro. Palavras-chaves: Focalizagao de politi- cas sociais - Sociedade de classes e foca- lizagéo - Politicas sociais universais, foca- lizadas e multiculturalismo - Distribuigéo @ redistribuigéo de renda e poder. Aprendizagem reconstrutiva politica Para que possamos nos entender bem, comecemos pela definigéo de aprendiza- gem, 4 que este proceso ocupa papel de vetor decisivo. A expressdo “aprendi- zagem reconstrutiva politica” tem cara de “palavrao” ou de modismo inconseqien- te. Facilmente pode ser, como fodas as boas idéias. Entretanio, interessa aqui apenas desvelar, muito sucintomente, a argumentagéo que a sustenia. De uma parte, apanha o argumento piagetiano claéssico, segundo o qual conhecimento n&o se reproduz, mas se constréi (FREI- TAG, 1997; BECKER, 2001). Em suas pesquisas de estilo psicolégico e também biolégico, Piaget observou que conheci- mento é tipica dinémica processual, algo dinamicamente desconstrutivo e recons- trutivo, passando por fases de elevagéo sucessiva', ao longo das quais é possivel constituir-se a autonomia do sujeito emer- gente. Tenho evitado usar o termo “cons- ismo”, primeiro, porque tornou-se modismo vazio, ironicamente reproduzi- do, e, segundo, porque geralmente insti- la expectativa excessiva: no cotidiano, as pessoas mais facilmente reconstroem co- nhecimento, partindo do que ja conhe- cem, da linguagem disponivel e domino- da, dos patriménios histéricos e comuni- térios; reconstruir parece-me mais mo- desto, embora em nada mude o argu- mento de Piaget. Reconstruir sugere ain- da que se trata de proceso infinddvel, ou de dindmica profunda que se confunde 'Ngo vou entrar aqui om polémicas sobre Piaget, em porticular nas acusagbes de estruturalismo ou de determinismo das fases, 0 que lhe tem volide cerla suspeita positivista. Como autor tipicamente moder- no que f neste caso Bordin, 1993; 1993a. Kesserling, 1993). , pode facilmente desagradar aos pés-madernos, que ié néo admitem — com grande razao expecialivas tdo universalistas e sobretudo deterministas (Demo, 2001; 2002a. Grossi/ ‘asain: aval. pol. pibl. Edue., Rio de Junciro, © 695, abrfjun, 2004 Aula niio é necessariaiente aprendizagem 671 com a vida, Neste contexto, cabe ainda apontar para os argumentos que ressal- tam a dinémica do conhecimento como tal, lomado como “potencialidade disrup- tiva". Significa que conhecimento trans- mitido, repassado, reproduzido perde esta dinémica, tornando-se apenas “informa- 560”. Como informagéo, pode, de fato, se reproduzido, armazenado, transporla- do, adquiride, mas nao detém mais a potencialidade disruptiva como dinémica intrinseca. Embora nao se trate de depre- cior o importéncia da informacéo, uma coisa é 0 valor formativo do conhecimen- fo, outra 6 seu valor informativo, E esta a marca mais ressaltada na discussdo so- bre “sociedade intensiva de conhecimen- to”? (BOHME; STEHR, 1986), ou sobre “gestao do conhecimento” (BAUER, 1999; STEWART, 1998), ainda que geralmente tolhida em ostensivo neoliberalismo (SA- CHS, 2000; FRIGOTTO; CIAVATTA, 2001; ARONOWITZ, 2000), ressaltando- se que se trata daquela sociedode que, até hoje, mais se envolveu em transfor- magées crificas e criativos, por mais am- bivalentes que possam ser. Por vezes, acentua-se mais 0 lado informacional do conhecimento, como é 0 caso notério de Castells (1997) e também de Lojkine (1995), 0 que jé denota claramente o olhar mais preocupado com o mercado. De fato,.o mercado competitive globali- zado valoriza extremamente educagéo, mas partida ao meio: fica com sua quali- dade formal (habilidade de manejo criti- 0 € criativo do conhecimento) e joga fora ¢ qualidade politica {cidadania fundada em conhecimento critico e criativo) (DEMO, 2002b; 2002c). Mesmo assim, isto nao retire o argumento: conhecimento inovador é arma crucial das mudangas desde sempre e em porticular no mundo de hoje. Klein {2002), estudando os al- vores da humanidade, aponta para salto significative, quando o ser humano se tor- nou “forga geolégice”, passando de ente condicionado pelo ambiente a ente ca- paz de condicionar o ambiente (DIA- MOND, 1999). Ressalta-se af marca in- trinseca do conhecimento desconsirutivo e reconstrutivo, fator preponderante das oportunidades das pessoas e povos. De outra parte, comparece a argu- mentagdo de base bioldgica atual, a exem- plo da proposta autopoiética de Matura- na e Varela (1994; CAPRA, 2002): en- tende-se o ser vivo como dindmica de dentro para fora, de tal sorte que a reali- dade externa nao se lhe impde, mas é reconstruida na posigéo de sujeito inter- pretative. Tudo que entra no cérebro hu- mano, enira por dentro, através de pro- cessos de elaboragdo prépria. Nao temos acesso direto ao mundo externo, mas mediado pelos sentidos e pela interpreta- Go mental, do que resulta que temos da reclidade imagem reconstruida. Esta auto- referéncia é de tal ordem, que sequer podemos distinguir claramente entre re- alidade e alucinagdo, muito embora, na prética, alguma visdo de realidade acabe por se impor como “normal” e prepon- derante. Maturana (2001) realga 0 “ponto de vista do observador” como decisivo na definigdo de realidade, transformando-se num dos primeiros autores a criticar acer- bamente 0 “instrucionismo”. Este é carac- teristicamente proceso de fora para den- tro, enquanto a aprendizagem de todo ser vivo se foz de dentro para fora, Existem 7 Evilo a expresso “sociedade do conhecimento”, porque, a rigor, todas as sociedaces humanas foram sociedades do conhecimentc. Ao usor a expresséo “sociedade intensiva de conhecimento”, ressalla-se ‘que conhecimento néo é opens relagdo subslancial, mos relaao folal, avossoladora (Demo, 2001a). Ensai divergéncias entre Maturana e Varela (0 primeiro parece mais determinista ao defender o fechamento estrutural, en- quanto o segundo é mais aberto a influ- éncias do meio} (VARELA et al., 1997; LAKOFF; JOHNSON, 1999}, mas a des- coberta central parece ser 0 argumento tipicamente reconstrutivo politico da aprendizagem — é processo dindémico autoconstitutivo, possivel apenas na con- digdo de sujeito participative pleno. Mes- mo que quiséssemos apenas reproduzir conhecimento, nao seriamos capazes, porque nado somos méquinas reproduti- vas, mas reconstrutivas. Se reunirmos 20 pessoas em torno de mesa redonda e contarmos para a primeira uma histério, que deve ser contado para a segunda, até a vigésima, esta histéria chegaria bas- tante desarrumada, possivelmente irreco- nhecivel. Isto ocorre porque ndo sabemos reproduzir a histéria. Quando contamos uma histéria, entramos nela como suiei- to, fazemos parte dela como intérprete inarredavel. E bem diferente 0 que ocorre no com- putador, como bem argumenta Hofstadter (2001), pois é maquina reprodutiva, li- near, algoritmica: sé possui dentro dele o que nele se coloca, Seria tipicamente ins- trucionista. Néo aprende, pois néo é di- namica cutopoiética®. Se grovassemos em 20 computadores o mesmo documento, jeremos exatamente o mesmo em todos, 3 Hofstadter propée outro defini entre 0 comportamento n& cia de ume linha div porque sdo estritamente reproduzidos. NGo é preciso ver nisso “defeito”, até porque assim queremos que ocorra: néo estamos interessados em que o computa- dor se meta a interpretar o documento (DREYFUS, 1997). Queremos apenas que © processe, armazene, transporte e o te- nha disponivel a qualquer momento. A dinémica cutopoiética manifesta-se, se- gundo bidlogos (EDELMAN; TONONI, 2000), em pelo menos duas versdes com- plementares de aprendizagem: temos aquela de educagao formal (escola € uni- versidade), ligada 4 reconstrugdo do co- nhecimento sobretudo, tipicamente raci- onal, Iégica, consciente, e que muitas ve- zes imaginamos ser o protétipo da apren- dizagem; e temos aquela da vida, na qual © experiéncia precede a consciéncia e a légica - os seres vivos aprendem sem estudar, sem aula e sem prova. Edelman e Tononi (2000, p. 15-16) colocam trés horizontes desta biologia da epistemolo- gia: a) ser vem antes, descrever depois: "Se a consciéncia é processo fisico, mes- mo especial, somente seres incorporados podem experimentar a consciéncia como. individuos, e descrigdes formais néo po- dem suplantar ou oferecer tal experién- cia. Nenhuma descrigéo pode tomar o lugar da experiéncia subjetiva individual dos qudtias conscientes. O fisico Schrédin- ger colocou assim ceria vez: nenhuma teoria cientifica contém sensagées ou per- io de inteligéncia: “Ninguém sabe por onde passa a linha diviséria 0 inteligente e o comportamento inteligente; na verdade, admitir a éria nitida é provavelmente uma tolice. Mas, certamente, sdo cop isten~ lades essenciais para a intelig&ncio: responder o situagGes de maneira muito flexivel; lirar vaniogens de circunstancias fortuitas; dor sentido ¢ mensagens ombiguos ov contradilérias; reconhecer a importén- cig relativa de elementos de uma situacéo; encontrar similaridades entre situagées, opesar das diferengas que possum separd-las; encontror diferengos entre situacées, apesar das que possam uni- Jas; sintetizar novos conceilos, tomando conceifos anteriores e reordend-los de maneiras novas; formular idéias que constituem novidades, Aqui nos encontramos dionte de um aparente paradoxo. Por sua prépria natureza, os computadores sao as criaturas mais inflexiveis, incapazes de desejar e obe entes as (Ses Por mais répidos que possam ser, so também, ao mesma tempo, a sintese da incons- ciéncia’ Ensaio: aval. pol. piibl. Edue., Rio de Janeiro, 12, n. 43, p. 669-695, abrjiun. 2004 Aula niéo é necessariamente aprendizagem 673 TO cepgées. Como a hipétese evoluciondria nos lembra, néo s6 é impossivel gerar o ser pelo mero descrever, mas, na ordem prépria das coisas, o ser precede ao des- crever tanto ontolégica quanto cronologi- camente”; b) fazer nao depende necessariamen- te de compreender: “Na aprendizagem @ em muitas coisas da compreensdo hu- mana, fazer geralmente precede ao com- preender. Este é um dos maiores insights derivados dos estudos da aprendizagem animal (os animais podem resolver pro- blemas que eles certamente nao compre- endem logicamente); dos estudos psicoti- siolégicos de sujeitos humanos normais e daqueles com certas espécies de lesées frontais (escolhemos a estratégia correta antes de entendermos o porqua); dos es- tudos da gramética artificial (usamos uma regra antes de entendermos o que é); e, finalmente, em indmeros estudos do de- senvolvimento cognitive (aprendemos como folar antes de conhecermos qual- quer coisa sobre sintaxe)”; ¢} selecionismo néo depende de légi- ca: 0 funcionamento da légica néo é ne- cessério para a consciéncia — légica nao é necesséria para a emergéncia dos cor- pos e cérebros animais, como {4 é 0 caso na construgéo do computador. “A emer- géncia das fungées mais altos do cérebro dependeram, em vez disso, da selegao natural e de outros mecanismos evoluci- ondrios ~ “selecionismo precede a légi- ca”: primeiro se faz 0 cérebro pelo sele- cionismo, depois a ldgica é aprendida por individuos que possuem cérebro. E por isso que a mae néo precisa es- tudar pedagogia para ser boa educado- ra, assim como seria esdréxulo exigir da mée elefante que estude teorias da apren- dizagem pare educar bem seu filhote. Todo ser vivo detém esta habilidade auto- poiética gerada no processo evolucioné- tio e intrinseca a este processo. A prépria vida surgiv da matéria por dinémica de dentro para fora, tipicamente reconstruti- - va, em saltos formiddveis. Edelman e To- noni (2000) ressaltam esta propriedade do cérebro: nela a matéria se torna ima- ginagéo - uma base fisica é capaz de gerar dinémicas no fisicas, dando a im- pressGo de que o depois contém muito mais do que havia antes. Como diz Nor- retranders (1998), o “mais é diferente”, enquante que em processos ldgicos, sen- do reversiveis ¢ lineares, nada proprio- mente se acrescenta ou cria. O conceito de inteligéncia deveria, 4 sombra desses ‘argumentos, ser muito modificada, primei- ro, para néo ser atributo sofisticado, como esta embutido no QI, segundo, para néo privilegiar procedimentos légico-matemd- ficos, e, terceiro, para nao fazer eco ao colonialismo eurocénirico (HARDING, 1998). A pessoa mais simples pode ser extremamente inteligente, desde que sai ba pensar (DEMO, 2001b). Saber pen- sar nao se reduz a procedimentos légico- experimentais, como prefere 0 positivis- mo (DEMO, 2000c), mas expressa sobre- tudo a habilidade humana seméntica, complexa nao linear, interpretativa. Esse olhar profundo, critico, questionador, nao é proprio do professor sofisticado, mas de todo ser humano que sabe pensar. Neste sentido, os argumentos biolégicos vieram reforcar 0 patriménio da hermenéutica, que desde sempre reconhecia a auto-re- feréncia reconstrutiva e politica da inter- pretacgao e da comunicagéo humana (APPEL, 2000a, 2000b; SFEZ, 1994). A maneira “académica” de aprender tor- nou-se estereotipada em procedimentos instrucionistas, porque ressaltamos a ten- déncia do cérebro de padronizar o que Ensaio: aval, pol. pibl. Educ., Rio de Janeiro, x12, n. 43, p. 669-695, abrjjun. 2004 674 Pedro Demo pretende compreender, Toda teoria cien- tifica impéde uma ordem a conteddos, como bem dizia Lévi-Strauss (DEMO, 1995) e foi bem expressa na critica de Foucault (2000) seb a nogdéo de “ordem do discurso”. Perante o desconhecido, o cérebro procede de maneira geral da seguinte maneira: i) procura atentamen- te o que haveria de conhecido no desco- nhecido, porque acalmo-se, quando en- contra algo familiar; ii) procura o que haveria de repetide, recorrente, pois isto denota que o fendmeno nao é de todo desconhecido; iii) nao funcionando os deis passos anteriores, impée-se uma ordem a portir do intérprete, e damos a isto no nome de teoria. Entretanto, este modo de tratar a realidade é aquele que se encai- xa nos processos metodolégicos cientif cos, com base na atividade de formalizo- Gc. Tém a vantagem de serem sistema- ticos, controlados relativamente, intersub- jetivamente mais confidveis, mas nem de longe séio os nicos, nem sequer os mais importentes para a vida. No vida e para a vida, oprendemos normalmente sem estudar, nos preocupar com légica, re- produzir contetdos, assim como uma cri- anga de irés anos, brincando com cole- gas da mesma idade, aprende inglés sem saber gramatica, vocabulério, sintaxe. Ainda ndo entendemos bem este fenéme- no, mas esté claro que é lipicamente re- construtive politico. Esta na base da for- magéo da avtonomia dos seres vivos, em particular dos seres humanos. Na escola ¢ na universidade, entre- tanto, impera o instrucionismo, com base sobretudo na aula expositiva, através da qual repassamos conteddos, enquanto os alunos escutam, tomam nota e fazem pro- va. Dificilmente se poderia imaginar modo mais pobre e empobrecedor de apren- der. Qualquer mée cuida do aprendizo- gem de seu filho de outra maneira e muito mais efetiva: primeiro, “cuida” que ele aprenda, em ambiente de envolvimento pleno, afetivo-racional, corporal-espiritu- al; segundo, mantém-se como orientado- ra e avaliadora do proceso, sabendo cla- ramente que a aprendizagem é dindmi- ca que sucede no préprio filho, e que nenhum procedimento externo pode subs- tituir a evolugée autopoiética intrinseca; terceiro, quer seu filho auténomo, ou seja, influencia seu filho de tal modo que ele nao se deixa influenciar — ele precisa, da maneira mais efetiva imagindvel, consti- tuir vida, familia, trabalho, lugar prépri- os. Trata-se ai de processo claramente reconstrutivo e politico: o que entra na vida do filho, entra por dentro, na condicgé de sujeito — seria estranho a qualquer mae reduzir seu filho a objeto, e se isto fizer, a relagdo é doentia; e neste processo forja- se sujeito capaz de histéria propria. As didéticas “académicas” podecem, quose sempre, do defeito de pretender lineari- zar a realidade complexa nao linear e de exercer nos alunos influéncia tinearizan- te, como se eles fossem produtos de au- las (DEMO, 2002a). Por conta de méto- dos pretensamente racionais e légicos, abata-se o saber pensar critico e criativo, que medra apenas em ambientes de pes- quisa e eloboragéo prépria (DEMO, 1996). A aula, que foi um dia grande in- vengGo humana, perdeu seu charme, tor- nando-se mecanismo surrado de repasse de conhecimente ultrapassado, tipico café velho requentado. Ocorre também, que, entrementes, sucederam grandes mudangas no mun- do, em particular com a informatizagéo. A informagéo torna-se mercadoria mais disponivel e acessivel, a ponto de poder ser encontrada a todo momento, sem maiores dificuldades. Repassar informa- eee Ensai eal. pol. pibl. Educ., Rio de Janeiro, 112, n. 43, p. 669-695, abrijun. 2004 Aula ndo & necessariamente aprendizagem 675 G0 vai passando para méquinas eletré- nicas, fornando desnecessérios o profes- sor e a escola/universidade que apenas repassam informagdo. Acresce que o mundo da informética pode ser bem mais atraente, ao vivo € a cores, com efeitos especiais e gente bonita (TAPSCOTT, 1998)*. A aula reprodutiva néo tem mais nenhum sentido. Para os alunos é perda de tempo, sem falar que pode conter ele- mentos imbecilizantes, & medida que im- pede o saber pensar. A mensagem da ém de oferecer capitulo mui 4 Existe o poléi interessante de critica ao instruc e ha de vir dos professores, pois sao tendencialmenta muilo conservadores; vird desses ", quando [4 no suportarem mals es aulas reprodutivos. aula reprodutiva é clara: j4 vem pensada -o aluno ndo precisa pensar, basta copi- ‘ar e devolver na prova. Por conta deste instrucionismo principalmente, a apren- dizagem no Brasil tem sido catastréfica, para dizer o minimo. Os indices do SAEB (Sistema Nacional de Avaliagéo da Edu- cacao Basica) tm mostrado, desde 1995, cifras descendentes®, e os dados do “Pro- vao", se bem analisados, também mos- tram desempenho alarmante na univer- sidade*. ismo, sugere que a sustentada por técnicos ligados ao governo anterior, segundo a qual a queda das cifras nao significaria piora crescente, por razdes estatisticas. Entretanto, é bom lembrar que, em quatro Pontos da série hislérica, ocorrendo queda continua e bem perceptivel, torna-se pelo menos suspefto minimizar tais resultados, Disciplinas/ | __Medides de Desempenho Anos 1995 | 1997 [i999 [2001 Portugués | 188.2 | 186.5 (170.7 | 165.1 Matematica | 190.6 | 190.8 | 181.0 | 176.3 ‘ Tabela 2. Percentual dos conceitos obtidos pelas Instituigées de Ensino Superior no Exame Nocional de Cursos (Provao) - Brasil e Grandes Regides - 2000. Dependéncia Administrativa/Regides AeB Cc DeE Cursos avaliados 882 1155 808 Dependéncia Administrativa F Federal 58,04 28,03 13,93 Estadual 36,73 35,92 27,35 Municipal 19,65 39,65 40,70 Total Publica 42,53 33,24 (24,24 Particular 20,18 47,51 32,31 Regides Norte 16,03 37,40 46,56 Nordeste 28,04 36,21 35,75 Sudeste 30,44 41,12 28,43 Sul 39,97 41,47 18,56 Centro-Oeste 25,61 44,72 29,67 Fonte: MEC/INPE (IPEA). Ensaio: aval. pol. piibl. Educ., Rio de Janeiro, x12, n. 43, p. 669-695, abrijun, 2004 Aula reprodutiva Néo estou questionando qualquer aula, mas a aula reprodutiva. E aquela que apenos repassa informagéo, divorci- ada da potencialidade disruptiva do co- nhecimento e da aprendizagem, que su- pde o aluno como objeto de instrugao, condenado também a reproduzir o que recebeu de maneira reprodutiva. E fun- damental perceber o contexte instrucio- nista dessa aula: primeiro, é oferecida por professor reprodutivo, ele mesmo resul- tado de processo reprodutivo em sua “for- magao” original — sempre “aprendeu” com aula e imagina que os alunos sé aprendem com aula; segundo, é recebi- de por aluno reprodutivo, cuja fungéo central é memorizar, decorar conteddos e devolvé-los na prova — muitas vezes tam- bém é levado a crer que somente apren- de com aula, aceitando que a didatica crucial de aprendizagem seja aula expo- sitiva, Por certo, aula expositiva ndo pre- cisa ser reprodutiva, até porque, como mostra a biologia e a hermenéutica, néo somos seres reprodutivos, mesmo que o quiséssemos. Nao somos computador, mas entes autopoiéticos. Exposigso pode ser expressGo do saber pensar e provo- car nos alunos também o saber pensar, desde que néo sejam reduzidos o objeto reprodutivo. Relagdo instrucionista é aque- la que reprime dinémicas reconsirutivas poliicas, privilegiando a linearizagéo da relago pedagégica, tipicamente autori- téria: de fora para deniro, de cima para baixo. Antigamente, aula foi invengdo bem bolada, até porque era procedimento bdsico de aprendizagem dos alunos. Nao havendo livros e informagéo & vontade, era mister escutar os que os possuiam. l. Educ., Rio de Janeiro, v.12, Entretanto, néo 6 menos verdade que a aprendizagem mais efetiva néo era, tam- bém naqueles tempos, digamos, medie- vais, aquela que se reduzia a reproduzir ‘© mesire na condigéo de mero discfpulo, mas aquela que repercutia na autonomia das pessoas. “Dava aula” precisamente aquela figura que havia deixado de ser discipulo (GELB, 1998}, tinha voz prépria, produzia conhecimento, Esta habilidade pode ser facilmente rastreada na histéria da humanidade: dominou a histéria quem soube pensar, ndio 0s povos que imitaram os outros e perderam o trem (KLEIN, 2002; DIAMOND, 1999; MARSHALL, 2000; LYOTARD, 1989). Embora seja expressdo politicamente nao correta, cha- mamios de “povos primitivos” aqueles que n@o desenvolveram suficiente autonomia endo tomaram em suas maos © préprio destino. Para fazer historia propria, é prescindivel saber pensar com autonomia. A aula tinho e tem ainda o lado interes- sante de ser evento feito por um profes- sor apenas, mas que pode ser assistido por uma multidéo. E util e funcional que muita gente possa aproveitar da sabedo- ria de alguém que produz conhecimento préprio, Esta funcionalidade, todavia, nao pode substituir a aprendizagem de cada um, porque ninguém pode pensar pelo outro, Autonomia néo pode ser do outro, mas prépria, embora nao precise ser con- tra o outro (DEMO, 2002c). Claramente, conhecimento é fendmeno ambivalente: © mesmo conhecimento que esclarece, é © que também imbeciliza. E comum que quem saiba pensar néo aprecie que ou- tros também saibam pensar. A aula re- produtiva vai tomando, neste contexto, fungéio de tatica de imbecilizagao, 4 me- dida que evita o saber pensar. Aceita-se que as pessoas se informem, mas nao se formem. E 0 que ocorre no neoliberalis- - 43, p. 669-695, abi Aula niio € necessariamente aprendizagem 677 mo das empresas que querem seus tra- balhadores estudando: apreciam que sai- bam pensar em termos de dominio da informagao util para a produtividade e competitividade, mas evitam a dindmica formativa, porque esta levaria natural- mente a questionar o sistema: a riqueza produzida coletivamente néo poderia ser apropriada por um sé (GOMEZ, 2001; GENTIL, 1997; GENTILI; SILVA, 1995). Aaula foi, com 0 tempo, também cada vez mais “enfeitada”, entvando na peda- gogia como pega chave da aprendizagem. A midia tem contribuido enormemente para “enfeitor” a aula, através de todos os truques motivadores e atrativos, sem perceber que esid “enfeitando defunto”. Exemplo dos mais tipicos 6 a teleconfe- réncia: muito atrativa e Util como exposi- 60 informativa, néo passa de aula. Nao garante aprendizagem (DEMO, 2001a). NGo cabe imaginar que com ela seja pos- sivel montar um curso de cabo a rabo, Porque faltaria completamente a relagdo autopoiética. O aluno precisa pesquisar e elaborar impreterivelmente, e nenhum artificio consegue substituir tais exigénci- as. Entende-se 0 lado cémodo da aula para o professor e parc o aluno: aquele fala, este escuta. Um finge que ensina, outro finge que aprende, j4 dizia Werne- ck (1993). E comum que o alune reclo- me, por vezes em altos brados e apoiado em sua familia, da falta de aula, sobretu- do quando é motivade a pesquisar e a elaborar, porque Ihe parece que a apren- dizagem esté na absorgae de contetdos. Entretanto, o maior “enfeite” da aula é a nogdo bem difundida enire professores de que é central por conta do cultivo da “re- lagéo pedagégica”. E monumental esta frivolidade. Trata-se de pedagogia es- dréxula porque esquece que processos formativos so autopoiéticos, nunca ins- trucionistas, sem falar que alinhamentos autoritérios ndo forjam qualquer qualida- de pedagégica. E preciso entender por relagdo pedagégica a dindmica que ocor- fe, por exemplo, na convivéncia entre mae e filho: sem aula, sem prova, sem repasse de contetdos, estabelece-se en- tre ambos comunicagéo complexa néo li- near capaz de gestar a autonomia do fi- lho, fazendo-o emergir como sujeito ca- poz de histéria propria. A orientagéo e a avaliagao que a mae exerce frutifica em autonomia, porque a relagio é libertado- ta. Nada disso ocorre na aula reproduti- va, drasticamente linear. Infelizmente, também a educagéo & distncia tem perdido suc chance de fun- dar-se em aprendizagem reconstrutiva Politica, & medida que nela existe, muitas vezes, apenas distancia, néo educagao (DEMO, 2003). A expectativa de que, & distancia pode-se repassar conhecimento mais facilmente por via eletrnica ou simi- lor, agride a relagdo autopoiética, acres- centando-se a isto ainda toda sorte de frav- des possiveis. A presenca virtual vai se impor, com certeza, de tal sorte que exigir presenca fisica didria se tornard algo com- pletamenie obsoleto. Entretanto, presenga virtual néo preciso agredir a aprendiza- gem, menos por conta do auto-estudo, do que por conta das vantagens reais de po- der estudar mais & vontade, sozinho e em grupo, mas sempre de modo reconstruti- vo politico, A educagao a distancia tem cedido & tentagéo da prépria aula repro- dutiva: encurtada fundamenialmente, sim- plista, facilitada, resumida, impede que o aluno leia, pesquise, elabore, porque tudo vem pronto. © saber pensar esté expulso deste ambiente linear, no fundo imbecili- zante (MORAES, 2002). Ensaio: aval, pol. pibl. Educ., Rio de Janeiro, v.12, n. 43, p. 669-695, abr ji 678 Pedro Dema Como “trambique de professor”, a aula reprodutiva tem sido sua arma de autodefesa e de ataque. E autodefesa, porque pleiteia por ela a manutengéo da relagéo prepotente, consumada no direi- to de reprovar. E ataque, porque reforca sua posigao de comando na sociedade, revidando a relagdo classica de conheci- mento e poder. E neste sentido que se questiona hoje o conhecimento eurocén- irico: de um lado, autodefesa de culturas prepotentes; de outro, ataque a todas as outras culturas, consideradas inferiores. Trata-se de procedimentos tipicamente instrucionistas, nos quais se espera a su- baliernidade dos outros (SANTOS, 2003). Dificilmente o professor teria a coragem de aceitar que os alunos o escutem se quiserem, pois corre 0 risco de néo ter ninguém que o escute. Para evitar este efeito de poder (POPKEWITZ, 2001}, criou-se em alguns sistemas (nérdicos, so- bretudo} a figura da aula com pretensao apenas expositiva, como é a “Vorlesung” alemé. Freqientemente é faculiativa, comparecendo apenas os interessados. Hé aquelas muito procuradas, como séo as aulas de Habermas. Ovtras comegam com alunos e acabam sem alunos, por- que, de verdade, o professor s6 tem os alunos que merece. Se der aula realmente pertinente, haveré quem o escute, Caso contrdrio, fica sozinho. Talvez este tenha sido 0 corretivo mais inteligente para pro- fessores que apreciam alunos cativos. O portante néo é a aula expositiva, mas os processes de pesquisa e elaboragdo propria dos alunos, sob orientagao e ovo- liagéio dos professores. As grandes aulas exposifivas podem ser muito dteis como informagdo, comunicagéo, apresentagdo, mas nunca substituem as atividades auto- poiéticas da aprendizagem reconstrutiva politica. Este tipo de aula, quando toma- do a sério, implica naturalmente que seja elaborada previamente, facultando aces- so & sua expressdo escrita. Discussdo mais acirrada existe em tor- no do curriculo intensivo, contra o exten- sivo. Este € 0 dominante nas instituigées escolares: serve para repassar o contet- do previsto no semestre em cada maté- ria, através de um numero de aulas. Este procedimento foi muito reforsado pela ridicula invengae da LDB dos 200 dias letivos, como se aiuno aprendesse mais, escutando mais aulas (DEMO, 1997b)’. Trata-se de oferta horizontalizada, atra- vés da qual se entope o aluno de contev- dos, em série. Nao se leva em conta a dinémica disruptiva do conhecimento, confundindo-o com simples informagéo: esta pode ser repassada, conhecimento sé pode ser reconstruide. Por curriculo intensivo entende-se outro modo de 9 or- ganizar, com base na verticalizagao da oferta, através da qual o aluno assume temas e os pesquisa a fundo, com elabo- ragdo prépria e sob orientagdo e avalia- do do professor. Em vez de “ver” a ma- téria toda prevista no curriculo, pode ter dela idéia apenas incipiente, e dedicar- se a alguns temas ou mesmo a um tema 86, exercitando a habilidade de pesquisar ¢ elaborar, o que Ihe faculta, para a vido, enfrentar qualquer tema novo. O curri- culo néo pode entupir o aluno com con- teddos, mas fazer oferta bem menor, embora mais denso, compensade farto- 7 € claro que nao estamos contra aumentar os dias de aprendizagem, que poderiam ser muito mais que 200, Estamos contra oumentar as aulas, porque esta direcGo esté muito equivocada. Os dados do SAEB sinalizam que, precisamente no fempo em que se introduziram os 200 dias lelivos, o aprendizagem estaria caindo, ano a ano. Ensaio: aval. pol. piibl. Educ., Rio de Janeiro, 112, n. 2». 669-695, abrfjun. 200% Aula niio € necessariamente aprendizagem 679 mente pelo aprofundamento através da pesquisa e elaboragao prépria. Saber pensar é condigéo essencial de qualquer processo adequado de profissionalizagéo: néo se dispensa dominio de contetdos, mas insiste-se em saber pensar, para dar conta sobretudo de contetdos novos e manter-se profissional inovador. Esta idéia do curriculo intensivo teria ainda a gran- de vantagem de diminuir o némero de professores, | que dar aula nao é nogéo central. Qualquer curso de graduacéo pode ser sustentado por seis a dez pro- fessores, desde que sejam de preferén- cia de tempo integral e capazes de apren- dizagem adequada, em si e nos alunos. Faz parte da histéria do professor a nogdo medieval do “profeta” ou do “sa- cerdote”, o que mantém desnecessaria- mente a educagao na sacristia, Nao se tem nada contra que, a nivel pessoal, o professor se entenda por profeta ou sa- cerdote como motivagéo profunda e sen- tido da vida, Mas hoje tende-se a argu- mentor pela via da profissionalizagéo sim- plesmente, com base em direitos e deve- tes. A nogdo de profeta ou sacerdote pode ser infeliz porque, no campo religioso, sso entidades definidas como “porta-vozes”, em si fipicomente reprodutivos, o que néo pode ser aceifo em educacdo. Professor & profisséo imanente, ndo transcenden- fol. Antigamente as profissées eram sa- gradas. Hoje sao tipicamente mundanas. Nem todos que af entram séo necessari- amente vocacionados, nem cumprem ai misséo ou carma histérico, mas apenas se tornam profissionais capazes de dar conta de sua proposta pela via da quali- dade formal e politica (DEMO, 2000c) Concretamente falando, parte significati. va dos professores basicos leva vida mui- to dura, tende a fazer parie dos excluidos na sociedade e, se possivel fora, teria Ey Insaio ava, pol. pribl, Kelue., outra profissdo. Isto ndo empana aqueles professores que exercem sua labuta com paixdo, mas néo podem ser tomados como regra, em nenhuma profissio. Nem mesmo entre os médicos, que, sabidamen- te levam vida muito ocupada e estressan- te, pode-se afirmar isso hoje: a atragao maior que a medicina exerce sobre os estudontes é de ser possivelmente a pro- fissao mais volorizada socioeconomica- mente na sociedade. Nao faltam ai mer- cendrios € aventureiros. Assim, entre pro- fessores nao se pode deixar de lado o fascinio que pode exercer a manipulagéo do conhecimento e do comportamento alheio, herange arcaica na sociedade e que remonta aos antigos pajés: estes se concebiam porta-vozes de autoridades divinas, desenvolviam linguagem propria e ininteligivel para o povo, e se insinua- vam como mediadores indispenséveis nos relagdes com a divindade, rivalizando, muitas vezes, com os caciques em ter- mos de poder efetivo (BOEHM, 1999). No mundo secularizade de hoje parece obsoleto continuar pleiteando para o pro- fessor a imagem deste pajé. A educagéo precisa afastar todas as relagées funda- mentalistas, porque muito prejudiciais para a formagéo da autonomia das pessoas. Nao se pode ofuscar o fato de que o professor estabelece com o aluno rela- g6es de poder. Néo as vemos mais de maneira linear, como se poder funcionas- se apenas de cima para baixo. Aprende- mos, entrementes, que, sendo poder di- némica complexa néo linear (DEMO, 2002b), os que estdo por baixo nao sé fazem parte da unidade de contrdrios, como podem até mesmo, dependendo das circunsténcias, virar a mesa. Quem esté no poder, aprecia a relagdo linear e forga os dominados a obedecerem sem mais. Quem esté fora do poder, aprecia tin de Janeiro, 12, m. 43, p. 669-695, abnijun. 2004 BO 680 Pedro Demo a relagéo néo linear, porque néo aceita ser apenas objeto de manipulagao (HAR- DT; NEGRI, 2001). Na aula reprodutiva, a relagéo de poder tende a ser linear e tem por resultado “alinhar” o aluno, pro- vocando efeito de poder tipicamente im- becilizante (os alunos nado sGo imbecis, mas podem ser imbecilizados). Quando @ relugdéo pedagégica entre professor e aluno é tecida por alividades autopoiéi cas como pesquisa e elaboragdo prépria no aluno e orientago e avaliagéo no pro- fessor, a relagdo de poder torna-se com- plexa no linear e pode abrir horizontes emancipatérios. Nada funciona aqui de modo automatico e mecdnico, porque néo se trata de determinagées causais. Como dizia Paulo Freire (1997), € possivel a influéncia libertadora, desde que estabe- lecida entre sujeitos auténomos, em am- biente de confronto civilizado. Porquanto, © oprimido que nao se confronta, acaba solidério com o opressor. O professor tem como tarefa crucial exercer influéncia de tal modo que favoresa, néo impega, a avtonomia do aluno. Por isso, este ndo pode apenas ficar escutando, tomando nota e fazendo prova. E neste sentido que aula reprodutiva é trambique de profes- sor. Serve para ele. Ned para o aluno. No ambiente instrucionista, a aula re- produtiva é a regra: geralmente, profes- sores que ndo produzem conhecimento préprio repassam aos alunos conheci- mento alheio. E duplamente reproduti no professor e no aluno, e nisto dupla- mente inttil. O signo da aula é tao forte que, para alguém ser reconhecido como professor, basta dar aula, Quem ensina boas maneiras, ensina « dirigir automé- vel, ireina jogadores de futebol, etc., é professor. E sob esta penumbra densa que muita gente virou professor sem nunca ter sido, nem poder ser. O correlato des- fa aula reprodutiva 0 publico cativo, so- bre o qual se exerce algum poder, por vezes grande poder, quando se tem o di- reito de reprovar, expulsar da sala, re- preender, dar liges de moral. Sobretudo em instituigdes privadas, inventou-se 0 “horista”, aquela figura que é contratada para dar aula, sem mais. Hoje é mister ter 0 titulo de mestre pora dar aula em instituig6es de ensino superior. Nao é qualquer um que pode dar aula, por cer- to. Mas néo se inclui na docéncia a pers- pectiva autopoiética: néo se exige que o professor saiba aprender bem, pora que possa fazer o aluno aprender bem. Tudo giro apenas em torno da aula, Esta idéia jambém esta no centro de professores que dao aula porque sdo profissionais em ceria Grea (exemplo, comum sao aulas dadas por magistrados), muitas vezes confundin- do-se experiéncia com repeténcia. Em si, nao cabe defender que todo professor deve ser de tempo integral. Professores que trazem experiéncia para a aprendi- zagem sdo bem-vindos. Eniretanto, o cen- iro da questdo é outro: em qualquer caso, © que define o professor, no é 0 aula, mas a habilidade de aprender a apren- der em seu campo profissional, seguida da habilidade de fazer 0 aluno aprender. Temos professores com fitulagao maxima e que aprendem pouco ou nada e nao se interessam pela aprendizagem dos alu- nos. $6 dao aula, daquelas tipicamente reprodutivas. E temos horistas que séo professores de verdade, porque estudam continuadamente e reconsiroem conhe- cimento préprio sistematicamente. A ri- gor, quem nao estuda, nado tem aula para dar. Mais: quem ndo reconstréi conheci- mento, néo pode fazer o aluno recons- truir conhecimento, Para que o aluno pes- Ensaio: aval. pal. pibl. Educ., Rio de Janeiro, 12, a, 43, p. 669-695, abrdjun. 2004 Aula niio é necessariamente aprendisagem 681 quise e elabore, supde-se professor que pesquise e elabore®. O efeito linear do aula reprodutiva assume proporcées gri- tantes em salas enormes e cheias de gen- te, quando se torna invidvel a relagao autopoiética em qualquer sentido. Preva- lece, entéo, apenas a relagdéo comercial: custos minimos para grandes lucros. E por isso que, para dar conta de grandes au- ditérios, cabe a aula tipica, expositiva formative, mas inepta para a aprendiza- gem adequada. Apés esta aula, é mister que exista oportunidade de estudo, pes- quisa, elaboracéo, argumentagao, funda- mentagao, individual e coletive. A aula expositiva, sozinha, é apenas supletiva. A oula reprodutiva é sempre inutil. Aula boa e aula ruim Aula é essencialmente atividade expo- sitiva: expSe-se assunto para que outros possam escutar e dar-se conta do que se falc, Sua fungdo é tanto mais condizente, quanto mais se pode fazer muita gente escutar a um professor s6, maximizando enormemente o alcance desta atividade. Isto ocorre em “conferéncias”, cuja senti- do nao é aprendizagem, nem reconstru- gao do conhecimento, mas informagéo geral e genérica. Sao dteis e por vezes muito procuradas, mas néo substituem o esforco reconstrutivo. Nao se pode dei- xar de valorizar a arte de expor, bem como a necessidade de expor, para informar, comunicar, abrir horizontes, oferecer su- gestées, Inventou-se 0 curso de jornalis- mo, em grande parte, para colocar as noticias dentro desta habilidade de expor de tal maneira que todo o mundo enten- da. Vai ai também o bom jogo da retéri- ca, nao aquela dos politicos totalmente banalizada e matreira, mas aquela dos gregos, que a viam como arte de con- vencer sem vencer (PERELMAN, 1997; PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 1996). A aula expositiva pode ser resul- tado eminente do esforco de argumenta- 60 do professor, na qual mostra toda sua capacidade de elaboragéo e comunica- G0. Este tipo de aula precisa ser defen- dido e continua em alta. O problema é que predomina, de longe, a aula repro- dutiva, fruto, geralmente, de professores muito mal preparades, desestimulados e cansados, além de ambientes muito con- traditérios, nos quais predomina a rela- gGo comercial em educagéo. Para que a aula seja boa, alguns pon- tos precisam ser levados em conta: i) pre- cisa estar comprometida com a apren zagem em quem dé aula e com a apren- dizagem em que escuta a aula; daf segue que a aula seré sempre expediente si pletivo, por mais util que possa ser; mero instrumento secunddrio, jamais o sentido da didatica; ii) precisa ser elabo- rada, reconstruida, significando que o professor corece de estudo continuado, evitando-se logo que dé qualquer aula sobre qualquer assunto; sé se pode dar aula daquilo que se produz, a rigor; iii) Precisa ser atraente ou pelo menos su- portével, envolvendo os ouvintes para além da mera assisténcia forcada ou pa: siva; nem todo mundo expée bem, mas é preciso pelo menos expor algo de inte- resse e pertinéncia; iv) néo pode abusar * Esta relocéo ficou mais clara com © programa PIBIC (de iniciacéo cientifica) do CNPa, que dé bolsa @ estudantes que pesquisam sob orienlagéo do professor. Hoje reconhecemos como muito exitoso, ndo 36 pora 0 aluno que finalmente aprende a oprender ou aprende a saber pensar, como para o professor que percebe ser (CALAZANS, 1999). ensdvel pesquisar e eloborar para poder orientar e avalizar condignamente Ensaio: aval. pol. pibl, Edue., Rio de Janeiro, 1.12, n. 43, p. 669-695, abrjun. 2004 682 Pedro Demo da atengdo dos ouvintes, em particular de criangas; estas ouvem com atengdo ape- nas alguns minutos, sendo indcua a aula longa: a crianga pode estar olhando, mas nao esté escutando, como qualquer estu- do bioldégico iria mostrar; v) precisa ser envolvente, no sentido de estabelecer entre professor e aluno ambiente de emo- cdo possivel; nao se trots de causer pra- zer imediato, porque néo nos interessa- mos apenas por aquilo que dé prazer (se assim fosse, poucos estudariam matemd- fica ou fariam mestrado/doutorado), mas de travar relacionamento que envolva os pessoas em quesiées que os movam a escular com atengdo e permanecer inte- ressadas; vi) precisa ser curta, porque, de todos os modos, pesquisor e elaborar sem- pre sGo mais importantes que escutar aula. Parece claro, assim, que o sentido da aula estd no cuidado com a aprendizagem do aluno: a isto serve caracteristicamente e a isto jamais deveria impedir. A aula deve mofivar a crianga a reconstruir conheci- mento préprio, ndo apenas a copiar e reproduzir. Deve reforcar a formagéo do autonomia, nado sua subalternidade sem- pre reproduzida. Podemos chamar de aula uti! uma série de possibilidades que incluem pelo menos: introdugéo, explicagéo, arruma- G0, conferéncia, informagéo, exposigéo, motivagéo. Q) introdugéo: este tipo de aula serve para introduzir assunto, questéo, tema, oferecendo panorama geral de abertura e por vezes também o convite a interes- sar-se por horizontes novos e inovadores; pode contribuir para: i) visGo geral; ii) fa- miliarizagao primeira e incipiente; iii) con- tolo inicial com alguma perspectiva até entdo desconhecida; iv) idéia geral de algo especifico e novo, por enquanto mantido no or; v) aproximagae tentativa de algum horizonte de pesquisa ou conhecimento, do qual se tem o primeiro relance; vi) lan- gamento de idéias perlinentes e que po- deriom vir a ser de interesse gera! ou importantes para o piblico; b) explicagéo: este tipo de aula busca aclorar para 0 pubblico dimensdes funda- mentais para a compreensdo de deter- minado questionamento; pode contribuir para: i) esclarecer conceito, sobretudo quando o professor se certifica que esté mal entendido/digerido; ii) tratar teoria, para que se torne mais explicita, se reve- le seu pano de fundo referencial, se esta- belece sua vinculagéo com o tema; iii) vis- lumbrar polémica ou ponto obscuro, evi- tando-se embaralhamento de idéias e nogées; iv) levantar questionamento, seja para avivar a discusséo, ou para esclare- cer panos de fundo mal tragados, ou ain- da para estabelecer delimitagédes catego- rigis em jogo; v) deslindar autor, com 0 objetivo de especificar sua importancia ou n@o a respeito do tema em tela, em par- ticular sua contribuigéo reconstrutiva para © conhecimento; ¢) arrumagéo: este tipo de aula procu- ra ordenar a discussGo ou o assunto, de tal modo que se possa enfrentar as ques- tes na devida calma e adequagao; pode contribuir para: i) superar momento de bagunga, no qual os ouvintes se perdem na desordem, tornando-se improdutivos; ii) evitar confusao, seja em termos de pro- cedimentos a adotar no campo da meto- dologia ov da teoria, seja para contornar conceitos e categorias mal postos ou fora de lugar; iii) reencontrar o fio, quando, por alguma razéo, se perdeu no tumulto 0u no vazio; iv) porar para tomar félego, sobretudo em ambiente de pesquisa e ela- boragdo intensa, quando as pessoas, can- Ensaio: aval. pol. pibl. Educ., Rio de Janeiro, 412, a, 43, p. 669-695, abefjun, 2002 Auli ndo € necessariumente aprendizagemn 683 sadas de reflexdo sistemdtica e exigente, preferem momentos de exposigéo mais arejode; v) colocar ordem na casa, sem- pre que se perde o rumo ou as rédeas; d) conferéncia: este tipo de aula re- presenta a verve expositiva de professo- res, sobretudo frente a grandes publicos, muitos vezes como teste ou reconheci- mento de importante mérilo académico; pode contribuir para: i) comunicagéo de Pesquisas e conhecimentos reconstruidos pelo conferencista; ii) aula magne, geral- mente feita em inicio de semestre ou de semindrio, entendido como sé- rie organizada de exposigées de interes- se especifico ou geral; iv) teleconferén- cia, formatada em ambiente eletrénico, cada vez mais usada, por conta de sua atratividade e abrangéncia de publico, por vezes acompanhada de algum retorno dos ouvintes; v) alcance de publico grande, para dar oportunidade de assisténcia aos mais variados interesses; vi) cullivo da esfera publica de comunicago, disponi- bilizando informagées para quem dela precise, em particular facilitando acesso do piblico em geral; €) informagdo: este tipo de aula pode ser muito Util para veicular uma das “mer- cadorias” mais relevantes da sociedade intensiva de conhecimento, que é infor- magéo; pode contribuir para: i) apresen- tar perspectivas inovadoras ainda nao dis- Poniveis, como resultado de pesquisas e experincias, em porticulor quando de utilidade publica; ii) acesso publico de perspectivas cruciais para o vide das pes- soas, como, por exemplo, atualizagdo profissional geral ou especifica; ii) aces- so de alunos ou de auditérios especificos, por conta de interesses especificos; iv) antncio de disponibilidades pertinentes, a0 alcance de todos que se interessarem, como, por exemplo, informagéo sobre direitos e deveres; v) tratamento do fluxo vigente de informagdo, para saber de suc dindmica, ritmo produtivo, novidades, gargalos; vi) revelagéo de novidades até entéo desconhecidas; f) exposigdo: este é 0 tipo da aula clas- sica e que sobrevive porque é indiscutivel sua Ulilidade € adequag&o como didatica supletiva; pode contribuir para: i) expor assunto, como se faz nas salas de aula, desde que nado de modo reprodutive no professor e mais reprodutivo ainda no alu- no; ii) ordenar tema, para mostrar suas portes, dimensées, tamanhos, se ter uma idéia do que se pretende estudor, pesqui- sar, elaborar; iii) resumir assuntos para facilitar © primeiro acesso dos alunos ou do publico, desde que néo seja apenas “tichar livro” ou facilitar © trabalho ou ra leitura por parte dos outros; iv) facilitar 0 acesso de pessoas neéfitas ou interessadas recentemente, desde que nao se trate de “facilitagéo” banalizada, tipicamente reprodutiva; v) selegdo de te- mas e assuntos, para sopesar relevanci. as, oportunidades, alternativas; vi) medi agéo de propostas de estudo, pesquisa, elaboragées, no sentido de cuidar da aprendizagem dos alunos; 9) motivagdo: este tipo de aula é mais propriamente supletivo, porque pretende demover 0 publico a interessar-se no os- sunto ou a engajar-se em alguma em- preitada reconstrutiva; pode contribuir pora: i} reforgar a atengdo, quando esté dispersa, perdide, cansada; ii) incitar os alunos € iniciativa em determinada tarefa escolar ou académica; iii) animar as pes- soas, quando 0 desénimo pode tomar conta dos processos de aprendizagem mais exigente; iv) distender as pessoas, quando, sob o peso de reflexdio mais so- SSSSSSSsSSsSsSs Ensaio: aval. pot. pibl. Educ. Ria de Je 2, 1. 43, p. 669-695, abrjun. 2008 oad Pedro Demo fisticada e complexa, aparece a tendén- cia ao desinteresse e abandono; v) envol- ver as pessoas, em especial quando se trata de empreitadas mais complexas e exigentes, que apenas poucos provavel- mente se disporiam a aceilar ou a en- frentar; vi) emocionar as pessoas, se for © caso investir mais a fundo na presenga altamente participativa, em particular quando o assunto exige este tipo de pers- pectiva. Por af se vé que néo é dificil encontrar dimensées uteis da aula expositiva, que continua patriménio do bom professor. Seria recomendavel néo chamar a tudo que ocorre em sala de aula de aula, como por exemplo, seminérios, rodas de dis- cussdo, dramatizagées, elc., porque per- de-se af a face “expositiva” e que 6 mais prépria da aula cldssica. Por vezes, 0 pro- fessor recorre a outros expedientes néo tanto porque os sabe compor com 0 com- promisso de aprendizagem dos alunos, mas para apagar a chatice da aula re- produtiva. Ai néo foz bem nem c aula, nem oulros expedientes. Surgem, entéo, indmeras mistificagdes da aula, entre elas: a) aula divertida: sempre retorna a presséo mercadolégica da aule divertida, aquela que faz a turma rir, gritar, refes- telar-se e exige do professor habilidades complexas e complicadas, como as de re- tirar coelho da cartola; é imprépria esta pressdo, porque néo se irata de entrete- nimento, mas de aprendizagem recons- trutiva politica; nada contra aulas olegres e envolventes; mas nem todos os profes- sores sdo bons “palhagos” ou contadores de piada; o que é mister exigir deles 6 0 compromisso com a aprendizagem dos alunos, tendo como pressuposto a prépria aprendizagem; tudo fica ainda mais facil, se o professor for figura divertida, mas isto néo 6 da esséncio; pode facilmente ecorrer que os alunos se diveriem mais do que aprendem; b) efeitos especiais: ha professores que recorrem a artificios para chamar a atengao, como so, por exemplo, drama- tizag5es; estas, se bem feitas, podem ser muito teis, mas como regra nao resul- tam de processos de pesquisa e elabora- gG0 prépria, recaindo facilmente na re- produgdo inconseqiente; nesta mesma categoria oparecem recurso a teatro, vi deos, filmes, que sempre podem ser muito pertinentes, mas podem redundar em procedimentos sem devida fundamenta- G60; por vezes, apenas enchem o tempo, mas néo promovem a aprendizagem; ¢) muita eletrénica: a nova midia co- loca 4 disposigéo um sem numero de ta ticas eletrénicas que podem prender a ‘atengdo dos alunos, como, por exemplo, © recurso co data show; este € muito Gtil para tracar roteiros de tratamento de as- suntos, colocar na tela chamadas e apon- tamentos, entreter com cores e textos bem desenhados, mas, no concreto, a quali- dade da aula nao esté no data show, que & mero instrument, mas na sua qualida- de argumentativa e interprelativa; é in- discutivel a importéncia da nova midia como motivagéo sobretudo de criangas e adolescentes, o que ja basta para reco- mendar seu bom uso; entretanto, motiva- gG0 ainda nao é aprendizagem; o oluno pode estar cada dia mais motivado a brin- car com eletrénica e mais longe de apren- der de maneira reconstrutiva; 0 mesmo vale para a internet, onde facilmente tudo se copia, nada se cric, embora nao seja necessdrio que isto ocorra; d) aula como didética central: este 6 0 equivoco mais fatal, porque se instala o Ensaio: aval, pol, pill, Educ., Rio de Janeiro, 12, n. 43, p. 669-695, abr fu - 2004 Aula nfo € necessariamente aprendizagem 685 instrucionismo como procedimento corri- queiro e definitivo; faz parte do professor que sé sabe dar aula, pouco importando se aluno aprende ou nao; professor de matemética tem compromisso inarreda- vel de fazer seu aluno aprender mate- mética; se o cluno néo aprender, néo é ainda professor de matematica, mas ape- Nas porta-voz repetitivo; ai temos um dos equivocos mais comprometedores da pe- dagogia obsoleta (DEMO, 2000a): ofe- rece solugéo cémoda e futil ao professor que se imagina profeta de idéias alheias, enquanto o aluno é submetido ao instru- cionismo mais agudo; e) enfeite de defunto: nao cabe mais apenas tratar de fazer da aula coisa mais airaente, bonita, envolvente, porque se trata sobretudo de superar a aula; nao é que isto ndo tenha sentido ~ a aula preci- sa ser atraente, envolvente, interessante; mas, como pesquisar e elaborar séo sem- pre muito mais decisivos, é preciso atre- lar a aula a esses objetivos, néo o contré- tio; © enfeite da aula geralmente enco- bre © pavor de ficar sem ela, sobretudo de perder o publico cativo; 4) aula autoritéria: com objetivo decla- rado de disciplinar alunos, professores aparecem como capatazes compromissa- dos em enquadrar as pessoas em tipos de comportamento muito mais subalter- nos que crialivos; este problema declinou um pouco com as novas leis que prote- gem criangas e adolescentes, provocan- do em muitos paises certo pénico entre professores, que ja ndo podem mais gri- tar com os alunos, espancar, ov tratar mal; mas ainda é assim que muitas escolas mais parecem quartéis, sob aplauso de pais que nao conseguem, em cosa, dar conta dos filhos; @) aula rotineira: & aquela que é a mesma anos a fio ou a vida toda do mes- mo professor; os alunos por vezes se di- verlem com ela, porque jé sabem tudo que vai acontecer, até mesmo as questées da prova; por tras estd professor que ndo es- tuda, nao tem idéia da potencialidade dis- tuptiva do conhecimento, ndo sabe apren- der e pensar, tolhendo a chance dos alu- nos de formagéo critica e criativa. Em favor do professor é necessério reconhecer que, sendo nossa universida- de fenémeno recente (ndo tem sequer 100 anos) e sendo a formagao dos pro- fessores bdsicos extremamente precéria, néo seria de se esperar que os ambientes escolares fossem muito mais adequados em termos de reconstrugao do conheci- mento e da aprendizagem. Sobretudo nos interiores, seria pernéstico exigir que so- mente exisiam escolas @ universidades, quando houver professores plenos. E di- reito poder comegar como se pode. En- tretanto, o que deveria ser inicio conces- sivo, acaba sendo a regra. Tornou-se nor- mal que, advindo a massificagao da es- cola basica como direito e dever constitu- cional, professores ndo saibam elaborar textos proprios, néo disponham de proje- fo pedagdgico escrito e sempre renova- do, n&o fogam materiais didéticos prépri- 0s, n&o acompanhem sua matéria na dis- cussdo cientifica em voga, nao tenham acesso a revistas cientificas e especializo- das, ndo constituam biblioteca prépria minima, Torna-se tragico quando profes- sores de portugués e matematica, no fun- do, nao sabem portugués e matematica, no por culpa, mas porque estdo encai- xados no processo degradante da educa- G0 pobre para o pobre (DEMO, 20014). Neste contexto, entende-se mais facilmen- te 0 que se poderia chamar de “projeto Ensaio: aval. pol. pibl, Educ., Rio de Janeiro, «12, n. 43, p, 669-695, abrjjun. 2008 686 Pedro Demo nacional de salvamento da auls", sendo alguns de seus componentes: i) os 200 dias letivos da LDB, troféu maior dos pro- fessores que s6 sabem dar aula e nisto insistem como sua maior rozdo de ser; ji) 0 Conselho Nacional da Educagéo (CNE}, que ndo sé exige rigidamente os 200 dias de aula (por exemplo, néo se permite que se faca formagéo permanente dos pro- fessores nesse periodo, obrigando-os a se recapacitarem nas férias, fins de semana ou outros momentos que ndo os de tra- balho normal, como deveria ser), mas ainda facilita o encurtamento dos cursos, a comecar pela pedagogia, por vezes sob a alegagdo de que o tempo néo é fator mais relevante (para aulas certamente é!); ignora-se que a aprendizagem de teor autopoiético tempo é fator essencial, por- que © processo de formagao nao pode ser atropelado, substituide ou amarrota- do em receitas prontas; ili) 0 “provao", go restabelecer nos cursos superiores o mesmo ambiente do vestibular: pdra-se © curso para ministrar mais aulas com o objetivo de preparar a “decoreba” neces- sdria para se sair bem na prova e fazer boa figura no MEC; iv) aula como tradi- gGo sagrada, icone central do professor, palco iluminado do desempenho de uma figura que se sente menos decadente, & medida que imagina manipular auditéri- os e roubar a cena; v} professor como profeta, tipicamente de causa alheia, por- ta-voz de mensagem que nunca foi sua, porque néo a sabe reconstruir com mao prépria; vi} aluno cativo, como presa in- defesa de um predador safo que quase sempre fala mais do que sabe, exige do cluno 0 que nao faz (aprender bem}, pre- ga 0 que néo pratica (valor do conheci- mento como fundamento da autonomia humana}; vi} rito de autopromogao, ja que sempre é tentador desempenhar-se diante de um publico que, se néo aplaude, é obrigado a escutar atentamente; apesar da miséria injusta do professor, ser pro- fessor ainda permite esperar alguma re- veréncia; vii) pajelange obsoleta, no sen- tido negative de repassar conhecimentos que jé nem informagéo séo, tamanha sua obsolescéncia. Embora as aulas reprodutivas sejam a encarnagéo mais banal de cépia da pia, temos de reconhecer extrema cria vidade dos professores em defesa de suas aulas, tal qual ocorre nas justificativas homéricas dos alunos em suas “colas”. Nada € mais criativo que uma cola bem feita, ainda que seu objetivo seja apenas reproduzir. Contam-se entre os subterfi- gios do professor em defesa de sua aul ©) “minha aula é de discussdo”: 0 pro- fessor entende mal o que seria discusséo, porque esta n@o pode ser reduzida ao ambiente onde todo mundo diz o que bem entende; se assim for, socializa-se ape- nes a ignordncia; para discutir adequa- damente, supde-se que cada parlicipante comparecga devidamente preparado, com material préprio elaborado, para que tenha o que dizer; assim, colocar todo o mundo para falar, ficar o tempo todo res- pondendo a perguntas ou fazendo per- guntas, agitor os alunos, néo precisa ser boa aula, mas apenas tentativa de enco- brir seu vazio, quando ndo se pesquisa e elabora; entre nés banalizou-se o “semi- nério” em aula, porque reGnem-se os alu- nos no coletivo e comeca-se a falar o que ocorre a cada um — na pratica, socializa- se a ignoréncia, podendo nao ocorrer nada de propriamente reconstrutivo; b) “meus alunos participam": depen- de do que se tem por participagao; pode ser apenas entretenimento, animagdo geral, movimentagéo, encobrindo na pra- ral, pol. piibl. Educ., Rio de Janeiro, 212, 1 t, p. 669-695, ubrfjun. 2004 Aula nio € aecessariamente aprendizagem 687 fica que tudo isto gira em torno de pro- cessos reprodutivos, como é 0 caso ainda muito comum de "decorar” cerlos con- tetdos em ambiente de grande porticipa- G0 dos alunos; é sempre possivel deco- rar a tabuada (coisa que ndo precisa ser ridicularizada), em contexto de grande animagéo geral, s6 que esto onimagdo n&o pode encobrir que estamos treina- mento taticas reprodutivas; ¢) “minha aula é sempre renovada”: por vezes, sé a piada muda, continuando no fundo 0 mesmo texto ou a mesma ex- periéncio; em.si, a aula precisa ser cons- tantemente renovada, por conta da po- tencialidade disruptiva do conhecimento inovador; mas nem sempre este desofio @ cumprido de modo adequado, porque, se o professor ndo souber pesquisar e ela- borar, néo faré mais que mudar de rou- pa, permanecendo o esqueleto sempre o mesmo; d) “minha aula é comunicative”: ha professores que se comunicam bem, de- tendo visivel dom carismdtico que muito facilita sua vida; falam de modo agrada- vel, prendem a atengdo facilmente, o as- sunto é debulhado de modo coerente e interessante; mas isto no é garantic, néo sé porque sempre é possivel falar muito sem dizer nada, como também falar para encobrir 0 vazio do professor; ndo se tra- ja apenas de comunicar conhecimento, que jd seria apenas informagéo, mas de 9 reconstruir com mao prépria, envolven- do os alunos néo sé ne escuta atenta, mas na participagae reconsirutiva politica; e) “minha aula é bem feitinha”: ha professores que ndo cansam de apreciar suas aulas porque sdo bem arrumadas, ordenadas, sisteméticas; isto pode ser trun- fo importante, pois pelo menos aparece bl. Edue., Rio de Janeiro, «12, a. 43, p. 669-695, abr.fjun. 2004 algum ensaio produtivo; mas pode ser enganoso também, se arrumamos bem o que é sempre a mesma coisa reproduzi- da, encobrindo por baixo da ordem 0 vazio da reconstrugo do conhecimento; criati- vidade reclame disciplina, mas ndo é dis- ciplina; pessoas criativas ordenam sua oti- vidade como meio, néo como fim; f) “minha aula é moderna”: professo- res que clardeiam isto referem-se quase sempre ao uso da nova midia; nao se pode desconsiderar este desafio, que vai se tor- nando cada vez mais inevitével; 6 muito importante que os professores sejam con- temporGneos dos alunos, porque reside af uma das maicres motivagées e resp to por parte dos alunos; mas, como é fa- cil mostrar, 0 mundo eletrénico tem sido terrivelmente instrucionista (TAPSCOTT, 1998), sem falar que na internet facil- mente nada se cria, tudo se copia (POR- TO, 1999); nao é sina, de modo algum, mas a modernidade da aula pode ser apenas subterfigic para seu vazio recons- trutivo; g) “tenho dominio da turma": ha pro- fessores disciplinadores, diante dos quais os alunos tremem e permanecem em si- léncio; esta habilidede, mesmo quando no truculenta, néo precisa, nem de lon- ge, ser educativa, formative; mois focil- mente, detém componentes deformado- res, porque impede a dindmica autopoié- fica visivelmente; muitos pais preferem tais professores, porque, tendo perdido as ré- deas em casa com os filhos, imaginam que professores capatazes as reaveriam na sala de aula; de modo, é ledo engano. Aula é didética tipicamenie supletiva. Sua utilidade pode ser aquilatada em fun- cdo da aprendizagem que consegue pro- mover/garantir no aluno. Para tanto con- 688 Pedro Demo vém que seja curta/leve, tome menos tem- po do que o tempo dedicado ao processo de reconstrugdo do conhecimento e te- nha como fulcro o desafio de saber pen- sar no professor e no aluno. Possivelmente, a melhor aula é aquela que orienta e ava- lia, portanto nao se reduz a ficar falando, mas provoca 0 cuidado sistemético e con- centrado com a aprendizagem do alyno. Como o professor ndo pode pensar, pes- quisar, elaborar, argumeniar pelo aluno, sua fungéo é, em primeiro lugar, nao atra- palhar a participagéio ativa do aluno, e, em segundo lugar, apresentor-se como parceiro da mesma jornada. No fundo, precisa fazer o aluno trabslhar, colocé-lo no centro do processo escolar, apoiar e exigir engajamento efetivo no processo de reconstrugéo do conhecimento, divisan- do nisto o cuidado com a qualidade for- mal (bom manejo do conhecimento) e politica (desenvolvimento da cidadania). Nao sendo a aula o componente definité- tio do professor, mas o cuidado com a aprendizagem, qualquer aula néo pode divergir deste centro, mas a ele melhor conduzir. Contetdos ndo se repassam, se desconstroem e reconstroem. E funda- mental atingir a dimenséo intensa do co- nhecimento, marcada pela complexida- de nGo linear, néo a simples extenséo, geralmente condensada em processos de memorizagéo automatizada. O que me- Ihor fundamenta a autonomia do aluno é saber pensar, implicando habilidade pré- prio de iniciativa, ritmo produtivo de co- nhecimento, copacidade de pesquisa e elaboracgée, arte de argumentar e con- fra-argumentar. De pouco valem proce- dimentos horizontalizados, que apenas entopem o aluno com conteudos mera- mente repassados, ndo sé porque somem da cabega em seguida, mas sobretudo porque néo séo formativos, educativos, autopoiéticos. A potencialidade disruptiva do conhecimento e da aprendizagem re- clama dindmicas intensivas, profundas, reflexivas, nas quais a habilidade de ques- tionar, desconstruindo e reconstruindo, é decisiva. Signo deste desafic é 0 que se tem chamado de “contraler” (DEMO, 1994): significa passar por dentro dos li- vros e autores, ler um autor para se tor- nar autor, desconstruir a argumentagdo para reconstrui-la com méo prépria, in- terpretar com autonomia. Poucos alunos e possivelmente poucos professores sa- bem ler, no sentido de Paulo Freire: quan- do falava em “ler” a realidade, sugeria o processo de profunda desconstruséo, para, em seguida, reconstruf-la na con- digéo de sujeito capaz de histéria prépria. © abuso da aula reprodutiva compa- rece mais do que nunca nos cursos no- turnos, quando os professores e os insti- tuigdes colocam na cabeca que, para alu- no cansado e que ndo vai estudar mais depois, 0 jeito é aula direta pura e sim- ples. Nao se atina para a fantéstica perda de tempo que impomos a tais alunos, que, comisto, sdo condenados a aprender tanto menos. Hé que se levar em conta: i) os alunos noturnos possuem o direito de es- tudar & noite; ii) possuem o mesmo direi- to de aprender; iii) n&o hé pior didatica que a aula reprodutiva; iv) é bem melhor ler com 0 aluno e motivar que escreva seu texto; v) 6 ainda melhor pesquisar com © aluno, para que aprenda a se confron- tar com o conhecimento disponivel e re- construir 0 seu; vi) é essencial que o alu- no elabore seu préprio conhecimento, comegando do comego, e, aos poucos, arquitetando sua autonomia; vii) nada & mais importante em sua vida futura do que saber fazer conhecimento préprio, com alguma originalidade e persuaséo; viii} podemos resumir tudo isso na nogdo de aprender a aprender, indicando com ‘aval. pol. piibl. Edue., Rio de Janeiro, 12, n. 43, p. 669-695, abrijun. 2004 Aula nia € necessariamente aprendizagem eee isto que precisa aprender durante toda a vida, renovando sempre o que aprendeu, desconstruindo as préprias certezas, con- vivendo com a instabilidade que obriga a rever o que fozemos, mantendo-se flexi- vel e aberto perante os novos desafios, cultivando a formagGo continuada. Muitos sao os problemas pelo cami- nho: i) existe o pacto da mediocridade ~ © aluno nem sempre esta disposto o pes- quisar e elaborar; prefere aula, porque significa 0 menor esforgo; busca apenas © diploma, sem preocupagéo com sua qualidade e o professor entra no mesmo jogo, ou até empurra nesta diregdo, por- que ele mesmo jamais aprendeu a apren- der; ii) facilmente caimos em modismos e invencionices, por falta de esptrito criti- co, base teérica, prepare metodolégico e também de bom senso; apegamo-nos mais facilmente a teorias e autores, do que ao compromisso de aprendizagem do aluno; ao mesmo tempo, mudamos de teoria e de autor conforme os ventos, sem observar 0 que fraria isto de vantagem para os alunos; ili) nao faz sentido im- plantar a zorra ofoita e irresponsdvel, que quer mudar por mudar ou porque quer aparecer; pesquisar e elaborar como pro- cedimentos centrais da aprendizagem reconstrutiva politica nao podem simples- mente ser impostos, ndo mais que de re- pente, de cima para baixo e de fora para dentro, porque sGo pulverizados no pré- prio ato: deixariam de ser dindmicas au- topoiéticas; iv) agées iscladas ¢ soltas néo contribuem para mudangas profundas e coerentes, ndo sé porque uma andorinha nao faz veréo, mas principalmente por- que € preciso refazer 0 projeto pedagé- 0 coletivo « partir do projeto pedogs- gico individual; a instituigéio como um todo Precisa aderir e reconstruir sua histéria diddtica; v} os resultados néo podem ser 689 imediatos, porque saber pensar ndo é receita pronta ou mecénica; sendo dind- mica complexe née linear, nao temos con- trole pleno, nem podemos garantir des- fechos peremptérios; vi) problema cruci- al & o despreparo do professor: para go- rantir a aprendizagem do aluno, o pro- fessor precisa ser capaz de aprender bem; deve saber pesquisor e elaborar de ma- neira eximia, para servir de exemplo e otvar com 0 peso da autoridade do argu- mento; fais mudangas exigem intensa e profunda reconstrugéo dos docentes; vii) complica muito ¢ falla de apoio institucio- nal, porque os riscos ficam apenas com os ousados; por isso, é importante con- vencer a diregéo, para que a luta nao se torne rapidamente quixotesca; viii) por fim, atrapalha demais a sala cheia, muito apta a aumentar os lucros, mas péssima para a aprendizagem reconstrutiva politi- ca; embora ntimero de alunos néo possa ser limite sagrado, € certo que o profes- sor ndo pode desempenhar-se bem com salas enormes e cheias, porque o cuida- do com a aprendizagem de cada um é impossivel, Sabedoric imensa é saber construir a transigéo, com jeito e intelig&ncia, para que a mudanga néo se torne o préximo pesadelo. Em primeiro lugar, cabe desar- mar polémicas estéreis, como a apressada de simplesmente acabar com a aula. Nao é este o problema crucial. Crucial é 0 desatio de garantir a aprendi- zogem do aluno. A aula pode caber, como ficou claro acima, Nao pode ser didética central, e néo pode decair na simples re- produgdo. Segundo, o que queremos sal- var é @ aprendizagem, néo a aula. Os professores precisam entender que o cen- tro do processo é constituido pelo aluno, nao por ele, que 6, ai, figura de orienta- Go e avaliagéo. E inepto insistir no salva- aval. pol. pibl. Educ., Rio de Janeiro, v.22, n. 43, p, 669-695, abriljun, 2004 690 Pedro Demo mento da aula, porque no fundo fazemos mera autodefesa. N&o cobe agorrar-se a isso, néo s6 porque enfeitamos defunto, mas porque fraudamos o aluno. Tercei: ro, a transigéo precisa ser sensata: ndo pode ser apressada, violenta, mal conce- bida e feito, empurrada a ferro e fogo, destituida de acompanhamento e avalia- (Go passo a passo. Nao se trata de aven- tura irresponsdvel, mas da responsabil dade mais essencial do processo educat vo: cuidar da aprendizagem do aluno. Quarto, podemos comecar reduzindo a aula e aumentado a pesquisa. Sem ex- tremismos nem fundamentalismos, a pas- sagem precisa ser lenta pare ser profun- da, comedida para ser coerente, bem pensada para valer a pena. Quinto, & importante gerar espirito de corpo, para que os docentes comparegam com pro- jeto pedagégico coletivo. Sexto, torna-se estratégico que a instituigdo cuide do pro- fessor, para que ndo seja apenas objeto de critica e exig@ncia; de modo geral, os docentes nao sdo figuras satisfeitas com o que a vida lhes reservou, embora pos- sam gostar da profisséo por vocagéo in- contida, Ai temos uma das dividas maio- res da sociedade que jamais tomou 0 pro- fessor realmente a sério. Sétimo, o pro- fessor necessita do direito de estudar ins- crito em seu contrato de trabalho; nao pode exaurir-se em dor aula, porque isto © esvazia rapidamente, tornando-o logo cobsoleto; nao pode estudar apenas no tem- po livre, fim de semana, férias, mas du- rante 9 trabalho, porque é trabalho; no caso ideal, o professor precisa poder tra- balhar em uma instituigao sé e af ganhor © que seja digno para sua vide, néo ape- nas dando aula, mas também cuidando de sua aprendizagem permanente. Oita- vo, néo cabe capotar, como motoristas que querem fazer guinoda tao radical que perdem a estrada e 0 controle do carro. E preciso inovar, porque isto esté escrito na face da potencialidade disruptiva do conhecimento. Mas toda inovagéo sé faz sentido, se favorecer o aluno. Simples aventura, néo. Hoje verno-nos cercados de mitos e balelas e que sdo © signo iniludivel da mediocridade da aprendizagem: i) ten- demos a encurtar os cursos, por vezes como concessdo a cerfa presséo do mer- cado; embora exista mercado que se sa- fisfaga com cursos encurtados, e por isso mesmo é mercado particularmente per- verso para a sociedade, nao se pode es- quecer que o mercado competitivo glo- bolizado exige cada vez mais formagéio primoresa; quem quiser bom emprego, precisa estudar pora morrer, ralar anos a fio, fazer pés-graduagao, aprender inglés @ informatica; na sociedade intensiva de conhecimento néo se pode encurtar co- nhecimento; curso encurtado néo é pro- priamente exigéncia do mercado, mas truque de mercado, para poder usar pro- fissionais mois baratos e engrossar o exér- cito de reserva com gente relativamente qualificada; ii) lemos cada vez menos ou nos contentamos com “fichar livro”; ha o problema de acesso a livros, porque as bibliotecas sdo precdrias, os livros séo caros, a distribuigdo 6 insuficiente; em muitos interiores, mesmo que os docen- tes e alunos quisessem ler, nado teriam li- vros suficientes; mas o problema ainda mais grave é a didética de aula reprodu- tiva que, por definigdo, dispensa leitura no aluno, engendrando nele a subalter- nidade do mero porta-voz; iii} abusa-se do “coletivo", sobretude quando individu- almente aluno ov professor nao dao con- ta do recado; trabalho coletive é quase sempre fuga, ignoréncia socializada, amontoado desconexo; em si, 0 coletivo 6 sempre mais relevante que o indi Ensaio: aval. pol. pibl, Edue., Rio de Janeiro, w12, 1, 43, p. 669-695, abrjjun. 2004 Aula néo € necessuriamente aprendizagem 691 al, mas néo se chega ao coletivo sem passar pelo desempenho individual; iv) idéias boas como organizar seminério podem cair no vazio, se os participantes no pesquisarem e elaborarem, porque comparecem para falar 4 toa, perdendo- se por completo a potencialidade disrup- tiva do conhecimento bem reconstruido; y) na educagéo bésica tornou-se moda aprovar sem aprender, seja para arru- mar o fluxo escolar pela idade (néo pela aprendizagem), seja para pretensamen- te néo ferir a auto-estima, seja por conta de teorias frouxas que confundem o di- teito de aprender com ser aprovado; a feniagée de aprovar sem aprender é re- sultado quase fatal de aulas reprodutivas: com isto esconde-se a baixissima apren- dizagem nas escolas; vi) néo queremos mais avaliar, escudados em quimeras como a pretenséo de superar a avaliagéo classificatéria, sem perceber que isto é intrinseco ao processo avaliativo (DEMO, 19974) ov a de substituir por procedimen- tos pretensemente mais emancipatérios, sem perceber que a prépria idéia de emancipagéo é classificatéria, ou de pro- mover procedimenios mais brandos e su- aves, como meros relatérios, sem perce- ber que esies, sendo imprecisos e super- ficiais, podem machucar 0 aluno ainda mais, € assim por diante; o resultado é& claro: os alunos aprendem cada vez me- nos; vii) caminhamos a passos largos para facilitagdes sistemdticas de tudo: estuda- se menos, |é-se menos, encurtam-se os cursos, chega-se mais tarde e sai-se an- jes, aprova-se sem aprender; e quere- mos, @ revelia, oportunidades sem fim, Prepcrando-nos menos para um mundo cada vez mais sofisticade e complicado, cerlamente mais injusto e desigual; viii insistimos nas semanas pedagégicas, que do no fundo a repetigéo da mesma son- sice do que o professor cansa de fazer na escola: aula; com isto o professor néo chega a aprender de verdade, porque nao pesquisa e elabora, apenas fica escutan- do os outros; cada ano coleciona mais um diploma, e o aluno oprende menos; ix} abusa-se da educagdo 4 distancia, vista como panacéia pelos que querem vida facilitada e sem controle, embora possa ser — e ha de ser - modo muito razodvel de aprender; x) abusa-se da internet, so- bretudo para copiar e plagiar trabalhos e informagées, € mesmo comprar trabalhos @ teses de mestrado e doutorado (Demo, 20010). Para concluir: professor descartdvel e professor eterno Nesta polémica sobre aula, torna-se claro que ha um professor descartdvel. Serdé aquele que apenas dé aula repro- dutiva. Esta pode ser dada por qualquer maquina (porabélice, internet, video). Concretamente, na sociedade intensiva de conhecimento e aprendizagem, a pro- fisso que mais vai crescer, provavelmen- te, 6 a de professor ou pedagogo. A soci- edade inteira vai reclamar acesso maior continuado a conhecimento e aprendi- zagem. Ademais, isto vai levar natural- mente a privilegiar a presenca virtual, sem eliminar a presenca fisica, Entretanto, a exigéncia de qualidade formativa também ira crescer e isto determina o desapare- cimento do professor reprodutive, porque totalmente desnecessdrio, além de ser, em termos formativos, uma excrescéncia. Hd, porém, o professor eterno: aquele que cuida da aprendizagem do aluno. Conti- nua dando aula, mas a tem por diddtica supletiva. © centro do processo é a Ensaio: aval. pol. pibl, Bdue., Ria de Janeiro, v.12, n. 43, p, 669-695, abrdjun. 2004 aprendizagem do aluno. Trata-se de “cuidor” do aluno (BOFF, 1999). Esta categoria do cuidade indica relagao das mais forte entre seres vivos, em particu- lar seres humanos. Embora seja também noturalmente relagéo de poder, implica a relagdo pedagégica tipica e intensa, na qual alguém orienta e avalia, enquanto © outro aprende de modo autopoiético. Embora a diferenga social entre profes- sor e aluno persista, ambos fazem, no fundo, a mesma coisa: aprendem, so- bretudo aprendem a aprender. Este pro- fessor maiéutico é eterno. A sociedade vai descobrir, aos poucos, 0 quanto é es- tratégico para as oportunidades de futu- ro, sobretudo em sentido ético e susten- tével. Do bom professor depende, em parte, a cidadania popular, em particu- lor daquele que se dedica 4 escola pu- blica onde estudam os mais pobres. Dele depende, em parte, a oportunidade de entrar para a sociedade intensiva de co- nhecimento e no Primeiro Mundo. Dele depende, em parte, a chance formativa das pessoas, para que ossumam a for- magao continuada pela vide afora. E acinte que o professor continue na Recebido em: 18/06/2003 Aceito para publicagdo: 22/05/2004 Ensaio: aval, pol. piibl, Educ., Rio de Janeiro, 112, n. séria em que estd, sobretudo na educa- G0 bésica, Enquanto for, tendencialmen- te, um excluido, néo tem condigéo de incluir os outros. A aula reprodutiva nao &, por vezes, mania de professor ou seu frambique, mas resultado quase inevita- vel de sua miséria: néo tendo aprendido bem, néo sabe fazer o aluno aprender bem. Quem possou a vida escutando aula reprodutiva, tende a repeti-la indefinida- mente. Aula reprodutiva ndo é s6 gran- de mal; é sobretudo sintoma de um es- tado muito contraditério de coisas e que repercute na imagem horrive! de um dos paises onde menos se aprende. Por fim, se é mister cuidar do aluno, nao € menos fundamental cuidar do pro- fessor. Na educagdo bésica sobretudo é tipico “maior abandonado”, em duplo sen- tido: precisamos orrumar sua formagao e recapacifagéo permanente, para que sai- ba aprender bem; precisamos volorizar socioeconomicamente, para que seja indi- cador seguro da cidadania que a respecti- va sociedade sustenta. Se o professor nao 6 cidaddo acima de qualquer suspeita, toda cidadania esté sob suspeita. Auta nito é necessariamente aprendizagen 693 SSS ABSTRACT Classes is not necessary learning This paper discusses the urgent needs fo focus social public policies in Developing countries. Universal policies are more desirable because they are Based on unconditional equal rights. However, in very unequal societies such As the Brazilian one, this situation febds to aggravate enlarging the inequality Spectrum. Since the mojor goal of this policy is to redistribute income, it becomes necessary to reduce the concentration of wealth and to guarantee for all equal opportunities. Historically, it is easy to verify that universal policies are offen addressed fo rich people, such as those students of Brazilian Federal Universities. On the other conditions. This polemic is deepened when multiculturalism and sociol policies are debated. Finally, the author poinis out that the focus on social policies can be very successful if controlled by policies makers, specially those in the peripheric capitalist societies. Keywords: Social policies focus — Class society and focalization - Universal social policies and multiculturalism ~ income and power distribution and redistribution RESUMEN Aula no es necesariamente un aprendizaje Este articulo discute la complejidad de la polémica sobre enfoque en politica social. Politicas sociales universales siempre son preferibles, porque se fundamentan con base en derechos iguales incondicionales. Sin embargo, en sociedades muy desiguales como la brasilefa, el tratamiento igual a personas tan desiguales tiende a agravar el espectro da desigualdad. Traténdose de redistribuir renta, no sélo distribuir, se hace necesario atingir a los mds ricos, haciéndolos relativamente més pobres. En estos casos, focalizar parece necesario e inevitable, porque sin privilegiar a los no privilegiados, estos no tendran jamds acceso igual. Histéricamente es facil mostrar que politicas publicas uni- versales, cuando son de buena calidad, son reservadas por los ricos (universidades federales, en Brasil, por ejemplo}, y cuando son de mala calidad, son para los pobres, porque en vez de universales, son cosa pobre para el pobre. Esta polémica se hace todavia més profunda por la consideracién del debate multicultural que combina enfo- que universal con particular. La focalizacién sdlo tiene condiciones de que funcione si es controlada por los interesados, en particular en sociedades capitalistas periféricos, Palabras clave: Evaluacién de las escuelas - Neo Institucionalismo - Gestién escolar - Desarrollo organizacional - Estudio de caso. Ensaio: aval. pol. publ. Edue., Rio de Janeiro, v.12, n. 43, p. 669-695, abrjun, 2004 ERRATA ENSAIO : avaliagao e politicas publicas em educagao. Rio de Janeiro: Fundag&o Cesgranrio, v. 12, n. 43, abr./jun. 2004. DEMO, Pedro. Aula nao é necessariamente aprendizagem. Ensaio, Rio de Janeiro, v. 12, n. 43, abr./jun. 2004. Na p. 695, a relag&o das referéncias bibliograficas esta incompleta. Abaixo, na integra: Referéncias Bibliograficas APPEL, K.O. Transformagao da filosofia |: filosofia analitica, semidtica, hermenéutica. Sao Paulo: Loyola, 2000a. . Transformagao da filosofia II: 0 a priori da comunidade de - comunicagado. Sao Paulo: Loyola, 2000b. ARONOWITZ, S. 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