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Cad. Est. Ling., Campinas, (17): 109-131, jul/dez. 1989 TOPICO E SUJEITO: DUAS CATEGORIAS NA SINTAXE?* MARY AIZAWA KATO (Universidade Estadual de Campinas) 1. INTRODUGAO Dentro de uma perspectiva tipoldgica, Eunice Pontes, em seu trabalho j& cléssico de 1981, faz uma descoberta interessantissima sobre 0 portugués oral do Brasil. Usando a tipologia de Li e Thompson (1979), que divide as Iinguas em a) Iinguas com proeminéncia de sujeito, b) linguas com proeminéncia de tépico, c) Iinguas com proeminéncia de sujeito e té- pico e d) linguas sem proeminéncia nem de sujeito e nem de tépico, a au- tora descobre que o portugués oral pode ser classificado como lingua de proeminéncia de tépico e de sujeito, o que o coloca na mesma tipologia do japonés. Os exemplos (1) @ (2) mostram as construgées de tépico em por- tugués e em japonés: (1) a. A Maria, 0 carro dela quebrou. b. Mari-wa, kuruma-ga koshoshita. (2) a. Essa casa entra sol. b. Kono ie-wa hi-ga ataru. Neste trabalho pretendo comparar o estatuto categorial e fun- cional do sujeito @ do tépico no japonés e no portugués do Brasil, Iinguas supostamente do mesmo tipo em relagdo a propriedade ilustrada em (1) e (2). Uma descrigéo do mesmo fenémeno dentro de Iinguas do mesmo pa- rametro poderé trazer intravis6es que a andlise de uma unica lingua pode * Trabalho apresentado no Seminério de Gramética Formal, Campinas, Unicamp, agosto, 1987, com modificagées a partir das questdes levantadas no referido encontro. Agradego a Sumiko ikeda e Flamfnia Lodovici pela leitura e revisdo do texto. Os erros que permanecem séo de minha responsabilidade. nao propiciar. Entretanto, adotando a perspectiva da sintaxe paramétrica, nao poderei deixar de opor essas Iinguas a outras, cujo valor em relacdo a essas propriedades é marcado negativamente. Partirei dos estudos sobre 0 japonés, Ifngua bem descrita tanto do ponto de vista funcional quanto do formal, procurando correlacionar 0 que ocorre no portugués do Brasil em relagdo a distingo entre estruturas com SN-ga e SN-wa em japonés. O trabalho faz parte de um projeto maior sobre a Ordem dos Constituintes no Portugués do Brasil .** 2. TOPICO E SUJEITO EM JAPONES Os estudos sobre as particulas -wa e -ga no japonés, que pare- cem correlacionar-se com 0 que vimos denominando tépico e sujeito na descrigéo do portugués do Brasil, tsm merecido grande atenc&o por parte dos linguistas que trabalham com o japonés. Merecerao nossa atengao trés desses estudos: 0 de Li e Thompson, em uma linha tipolégica-funcionalis- ta, 0 de Kuno (1973), estudo cléssico sobre a estrutura do japonés, o de Kuroda (1976), em uma finha Idgico-filosfica e outro desse mesmo autor (Kuroda, 1986) j& na linha da Teoria da Regéncia e Ligac¢ao. O estudo de Li e Thompson, em que se baseou 0 trabalho de Eunice Pontes, considera as conhecidas particulas-wa e -ga do japonés como marcadoras das fungées de tdpico e sujeito respectivamente: “In Japanese and Korean, which are both Tp(topic- proeminent) and Sp(subject-proeminent), there is a mor- pheme marking the topic (wa and (nJin, respectively) as well as one marking the subject (ga and ka respectively). “(p.466) Para Kuno (1973), que faz um dos estudos mais exaustivos so- bre os usos de -wa e ga, a primeira é afixada quando o SN 6 0 tema ou té- pico da sentenga, devendo esse SN ser genérico ou anaférico. E ainda usado quando o SN aparece contrastivamente a outro, sem que nenhum deles seja genérico ou anaférico. (3) a, Otoko-wa ganko dessu. a’ Os homens so teimosos. ** Projeto financiado por Bolsa de Pesquisa CNPQ (300814/87-89). 10 (4) a. John-wa nani-o shiteru? a a’. O que o Joao esta fazendo? b. John-wa shimbum-o yonde-tru. b’. O Joao esta lendo o jornal. (5) a’ *Ozei-no hito-wa parti ni kimashita. a’. Muita gente veio a festa. (6) a. Ozei-no hito-wa parti-ni kimashita ga, omoshiroihito-wa hitori-mo imassen deshita a. Muita gente veio 4 festa mas gente interessante néo havia nenhuma. Note-se que, nesses exemplos de Kuno, néo consta nenhum do tipo considerado construgao de tépico em portugués, como os exemplos em (1) e (2). Correspondem a sentengas com sujeito anteposto e de predi- cagao simples sobre uma entidade selecionada pelo verbo. A particula -ga 6 usada, segundo Kuno, para sujeito de descri- g6es neutras e€ sujeito individuado de um conjunto (ou listagem exaustiva, segundo suas palavras). Nao € facil entender o que Kuno quer dizer com descrigées neutras, mas seus exemplos sdo, em geral, de descrigéo de ce- nario (exemplo (7)), ou ainda de introdugdo de uma figura no cenério (e- xemplo (8)), mas nunca uma predicagao sobre uma figura j4 introduzida, pois, nesse caso, terlamos um SN anafoérico. (7) Inu-ga neko-o oikaketeiru. a’, Um cachorro esta perseguindo um gato Tegami-ga tsuita. Chegou (uma) carta. (8) Quanto a sujeito individuado de um conjunto, o exemplo que pode ilustrar & (9): (9) a. -Dare-ga tsuita-no?_ a’ - Quem chegou? b. -John-ga tsuita. —_b” - O Jodo chegou. (Port. Bras.)? b” - Chegou o Jodo. (Port. Europa) Na prépria pergunta, hé implicitamente uma interpretagéo de listagem exaustiva: de todos aqueles que se esperava que chegassem, quem chegou? E posstivel, a meu ver, reduzir os dois usos a apenas um s6. Se analisarmos os exemplos dados por Kuno, verificamos que o sujeito, na concepgao usual que damos a esse termo, recebe o -ga quando ele é parte da informagao nova que se quer veicular. Poderiamos dizer entdo que -ga introduz referentes no discurso, seja este conhecido ou nao do ouvin- te. m1 Kuno descreve também o interessante fato de que, com verbos epistémicos (saber=dekiru, compreender = wakaru,), e adjetivos e nomes transitivos, isto 6, com predicados estativos, 0 objeto 6 marcado com a particula -ga, havendo, nesses casos, uma neutralizagao na codificagao do sujeito e do objeto. (10) a. John-wa Mari-ga suki dessu. a’, John gosta de Mari. b. John-wa eigo-ga dekiru. b’. John sabe inglés. Poder-se-ia perguntar, no caso, como farfamos para marcar o sujeito como foco em sentengas contendo predicados estativos. A resposta 6: usando a partfcula -ga duas vezes: (11) a. John-ga Mari-ga suki. a’. E o John que gosta de Mari. Por outro lado, se quisermos fazer de Mari o tépico da senten- ga, podemos ter (12), que 6 uma sentenga ambigua: (12) a, Mari-wa John-ga suki. a’. A Mari, 6 0 John que gosta. a’. A Mari gosta do John. Seguindo a andlise de Kuno, deveremos dizer que -ga tem duas fungées na sintaxe (marcador de sujeito e de objeto de estativos de uma sentenga) e duas no discurso (sujeito de descrigées neutras e de listagem exaustiva), que reduzimos a uma (sujeito focal)2, Pode-se pensar que, da mesma forma que a posigao inicial da sentenga, em portugués, pode ser in- terpretada discursivamente como tdépico ou foco e sintaticamente como sujeito, no japonés a particula -ga permite duas interpretagées do ponto de vista sintatico - sujeito ou objeto de predicados de estado - e uma do ponto de vista discursivo - a de foco. De qualquer forma, tanto a anélise de Kuno, quanto a de Lie Thompson supdem que o japonés tenha as duas categorias - sujeito e tépi- co - e que elas sao caracterizdveis de formas distintas. Analisando, porém, os critérios usados por Li e Thompson para diferenciar tépico sentencial de sujeito, verifica-se que a questéo nao é tao simples. Esses autores atribuem para o tépico a fungdo de estabelecer um quadro de referéncia, dentro do qual uma predicagao é verdadeira. O su- 2 jeito, por sua vez, teria a func&o de fornecer a perspectiva da agao ou do evento em relagéo ao verbo. Como propriedade decorrente dessa fung&o, 0 tépico estaria sempre em posicdo iniciai, afirmagdo que podemos contestar corn o japonés, no qual o SN-wa pode aparecer em segunda posig30: (13) Gakko-e —boku-wa kinco ite-timashita. para a escola eu-top ontem fui. (14) Nekko-ga_boku-wa kirainano-dessu. gato eu-top nao gosto Os autores dao como outra caracteristica dos tépicos o fato de eles serem necessariamente definidos. Sujeitos séo preferencialmente ou prototipicamente definidos (cf. Pontes, 1986), o que enfraquece esse crité- rio diferenciador. Outra caracteristica diferenciadora de t6picos e sujeitos, segundo os autores, esté no nivel de vinculagdo semantica do SN com o verbo. Para os autores, 0 sujeito € um elemento selecionado, enquanto 0 tépico nao o é necessariamente. Os préprios autores nao s4o consistentes, porém, quando apontam para o fato de Iinguas de proeminéncia de sujeito terem pronomes expletivos, como it, no inglés, e ce € il no franc&s. Ora, na teoria atual, o sujeito é uma posigao nao-temiatica, 0 que significa que ele nao precisa ser preenchido por elementos que tenham papel temético sele- cionado pelo verbo. N&o sendo uma posicao temética, a posigéo sujeito pode ser ocupada por categorias vazias ou por pronomes expletivos. Nada impede, portanto, de o sujeito ser ocupado por itens lexicais que nao te- nham papel semantico associado ao verbo. Podemos dizer entao que a teoria chomskyana atual prevé os tipos de preenchimento de sujeito possiveis nas !{nguas naturais, através da postulagdo de que sujeito 6 uma posi¢ao néo-temdtica (ou nao necessa- riamente temiatica). Todas as I[nguas teriam a possibilidade de ter elemen- tos com papel temdtico preenchedno o sujeito, mas quanto ao tipo de ele- mento nao teméatico, as Iinguas teriam que ser parametrizadas. Linguas como o inglés e o francés permitiriam elementos semanticamente vazios, mas no permitiriam elementos semanticamente plenos, mas nao exigidos pelo verbo, enquanto 0 japonés e o portugués do Brasil permitiriam ele- mentos semanticos plenos, nao requeridos pelo verbo, mas s6 permitiriam elementos semanticamente vazios quando realizados por categoria vazia. Assim, terfamos a seguinte distribuigéo translingufstica: |, Categorias néo-referenciais (expletivos): (15) a. O Atsui. quente (=est4 quente) 113 b. O Estd quente. c. It is hot. d. c'est chaud. Il. Categorias tematicamente obrigatérias: (16) a. Kodomo-ga utate-iru. (=tem uma crianga cantando) crianga est& cantando b. Uma crianga esta cantando. c. A child is singing. d. Un enfant chant. Ill. Categorias referenciais, sem vinculagao tematica: (17) a. Kono ie-wa kaze-ga fuku. esta casa vento sopra (esta casa sopra vento) b. Esta casa venta muito. c. a. Se considerarmos apenas as categorias lexicais e no as vazias, podemos dizer que hé trés tipos de linguas, resumidos em suas caracteris- ticas no quadro abaixo: Sujeito lexical Sujeito lexical temético no temético referencial nao-referencial(expletivo) italiano sim nao inglés sim nao japonés sim sim Vé-se que as IInguas no se parametrizam em relagao a sujeito teméatico, mas sim em relagdo ao tipo de sujeito nao-temético. O portugués alinha-se, a esse respeito com o japonés. Para Li e Thompson uma outra caracterfstica que distingue t6- pico de sujeito esté no fato deste acarretar concordancia enquanto aquele ndo 0 ocasiona, senéo marginalmente. Esse critério sé & utilizével em lin- 14 guas que tém flexdo de concordancia, que no 6 0 caso do japonés. Mas mesmo no portugues esse critério é discutivel, como veremos mais adian- te. 3. TOPICO E SUJEITO EM PORTUGUES A partir da distribuigdo das fungées entre as particulas -wa e -ga, podemos nos perguntar se a mesma distribuigso se dé entre o que vimos chamando de Tépico, isto 6, 0 sintagma em posigéo ndo-argumental, em posi¢éo & margem do nucleo sentencial, e 0 sujeito gramatical, aquele que é regido pela Flexéo. Em portugués, ao lado da forma (1)a. podemas ter a forma (1)b. como sujeito posposto. Além disso, a forma (2)a., em que o sujeito gramatical aparece posposto, ndo tém a correspondente com o sujeito anteposto: (1) b. A Maria, quebrou o carro dela. (2) b. *Essa casa sol entra3, Esses dois fatos nos levam « fazer a seguinte pergunta: a particula -ga, relacionada pelos autores acima referidos com a categoria sujeito, em Ifn- guas de proeminéncia de tépico e de sujeito, corresponderia tanto ao su- jeito anteposto quanto ao posposto? Pela descri¢éo de Kuno fica claro que © que ele diz a respeito de -ga tem muito mais a ver como sujeito pospos- to. Desde os estudos de Perlmutter (1976) sobre a posposigao com os ver- bos inacusativos, até o de Nascimento (1984), sobre o problema da inver- so em geral, no portugués, a interpretagdo mais restrita do sujeito pos- posto em termos de indefinitude, de listagem e de contraste, tem sido apontada apenas para 0 sujeito posposto. Séo essas exatamente as carac- tefsticas apontadas por Kuno para 0 uso do -ga em japonés. Por outro lado, as caracter{sticas do que seja um tépico para Li @ Thompson correspondem justamente as caracteristicas do sujeito ante- posto, considerado por Pontes como o sujeito prototlpico. Assim, o sujeito anteposto 6 normalmente definido, ao contrério do posposto: (18) a. A carta existe. b. *Uma carta existe. (19) a. Dormiu urna moga neste quarto. b. *Dormiu a moga neste quarto. (Nascimento, 1984:86) 0 sujeito anteposto & aquele com que concorda o verbo: 115 (20) a. As cartas chegaram. b. *As cartas chegou. (21) a. Chegaram as cartas. b. Chegou as cartas. Note-se que, com sujeito posposto, a concordancia se torna opcional, ha- vendo a tendéncia de se suprimi-la totalmente como mostra a pesquisa empfrica de Decat (1983), com dados do portugués do Brasil. A autora mostra, com corpus do portugués coloquial e escrito, que nem sempre 0 sujeito, definido em termos da gramatica tradicional, determina concor- dancia (grupo |) e, ao contrério da suposigao de Li e Thompson, a concor- dancia do verbo ocorre frequentemente com o que chamarlamos tépico (grupo II): Grupo! (22) a. Saiu as notas de matemética. b, Nao existe duas Iinguas exatamente iguai: Grupo I! (23) a. Minhas gavetas néo cabem mais nada. b. As minhas canetas acabaram a tinta. c. Os meninos cresceram a barba. d. Essas torneiras nao sairam agua até hoje. e. Seré que ndo podemos construir uma escada onde a su- bida caiba todos nés juntos? Para resolver o impasse, Decat considera o SN posposto em (83) como SNs que perderam suas propriedades de sujeito e os SNs ante- postos em (84), como tépicos que adquirem estatuto de sujeito. Mas nessa mudanga o SN considerando sujeito, em sua andlise, passa a nao ter aquela selegdo tematica que Li e Thompson exigiam para sujeito e néo pa- ra tépico, de tal sorte que esses SNs nao seriam nem sujeitos e nem tépi- cos pelos érios de Li e Thompson. Terlamos que admitir pois que essa selegao 6 dependente de uma escolha paramétrica. Até aqui temos entao a equiparagdo de -wa e -ga a dois tipos de sujeito em portugués: anteposto e posposto, respectivamente, nao havendo 4 necessidade de uma outra fun- g&o gramatical. Um outro fato do japonés descrito por Kuno foi 0 caso de ver- bos estativos, que requerem o -ga para 0 objeto além de poder exibi-lo com o sujeito. Seria interessante relacionar esse fendmeno do japonés com 0 que ocorre na sintaxe dos chamados verbos psicolégicos como emocionar-(se), divertir-(se), encantar-(se) etc, que tém também a proprie- dade de afirmar um estado do sujeito e que apresenta em termos de ordem 116 um tipo de neutralizacdo das categorias sujeito e objeto: (24) a. Eu me emocion b. A pega me emocionou. ¢, Me emocionou a pega. (25) a. O velhinho me encantou com o choi b. O chorinho me encantou. , Me encantou o chorinho. (26) a. .. ssid = Ele gosta da atriz) b. A atriz Ihe agrada. c, Agrada-Ihe a atriz. . Note-se que temos aqui, novamente a possibilidade de correlacionar © SN-ga a um sujeito posposto (forma c.}4, O que parece ocorrer, con- frontando esses fatos do japonés e do portugués, é que quando temnos sentengas com dois argumentos, em que um deles nao & um agente voliti- vo, as linguas tendem a neutralizar a codificagao desses argumentos na sintaxe superficial, as vezes tratando ambos como argumentos internos, ou marcando os dois argumentos ndo-agentivos com o mesmo caso, ou ainda apresentando ordens alternativas de tal forma que o mesmo argu- mento aparega ou como sujeito ou como objeto do mesmo verboS. 4. Q QUE SUGERE A COMPARACAO DO JAPONES COM O PORTUGUES O que fica claro nessa discusséo comparativa do japonés e do portugués 6 que a distingao entre o -wa e o -ga parece dispensar duas fungées grama- ticais, podendo haver uma distingdo apenas no nivel da fungao textual: té- pico ou foco. Estruturalmente, o sujeito 6 marcado -ga quando argumento interno ao SV, da mesma forma que a posposigéo é uma forma de interna- lizar 0 sujeito em portugués. Assim, se um lingua dispde de duas posigées para o sujeito gramatical, a topicalidade pode ser atribufda ao sujeito anteposto gramatical, em oposi- G40 a0 sujeito posposto, que nao teria essa fungéo, mas sim a de foco da sentenga, isto 6, de parte do predicado. Se, por outro lado, a lingua nao dispde dessas duas posigées, ela dever4 ter outros recursos para marcar a distingao. E10 caso do japonés, uma lingua V-final. Nesse caso, teriamos a diferenga entre sujeito externo (topical) e sujeito interno (focal) marcada através da morfologia casual. Hé, parém, linguas como o inglés e o francés, que embora tenham o sujei- to € 0 objeto em lados contrérios ao verbo, nao dispdem do recurso do "7 sujeito posposto como as Iinguas de sujeito nulo e nem da morfologia ca- sual que permita marcar a diferenga. O que temos, nesse caso, 6 uma codi- ficagdo Unica - sujeito anteposto - tanto para o sujeito topical quanto para © focal, Nesses casos, o Unico indicio segmental sobre a topicalidade resi. diria no artigo: definido para o topical e indefinido para o focal. Note-se que, embora o lugar natural, em portugués, para o sujeito focal seja na posigao pés-verbal, podemos também ter 0 artigo indefinido no sujeito an- teposto para sinalizar que ele 6 focal. H4, porém, no portugués e nessas Iinguas que ndo tém nem o recurso morfoldgico e nem o recurso da or- dem, a possibilidade de marcar o foco através do padrao entoacional des- cendente, ou acentuado no sintagma inicial. Tomando-se o exemplo (9) b’ e b”, do portugués do Brasil e de Portugal respectivamente, verificamos que os dois dialetos escolhem formas diferentes de marcar o foco. Aparen- temente O Jo%o em (9) b’ é apenas um sujeito com acento marcado. Mas podemos supor que tal acento marque uma posi¢do distinta na sintaxe, que propomos em (27) abaixo: (SC=S’ e SFLEX= S) (27) (0 Joao ( (chegou o ) sc iC’ SFLEX i Por esta representagao, 0 sujeito posposto foi movido para a posiga0 de Especificador de COMP, sendo, portanto sujeito de C e nao de Flex. Ora, como todos os elementos interrogativos se movem para essa posi¢ao e so focais por definigae, fica automatica a interpretagao focal de qualquer XP que para af se desloca, seja ou nao elemento interrogativo. Se o elemento focal 6 definido, parece ser esse o Unico recurso para linguas que nao con- tam com o recurso morfoldgico ou o da posposi¢ao, de tornarem o sujeito © foco da sentenga. E importante ressaltar aqui que o iugar do argumento interno do SV e a posigao SX de COMP séo os dois lugares possiveis de se atribuir acento prim&rio na sentenga em portugués, e sao esses justamente os lugares de leitura focal. No portugués do Brasil, temos ainda a restrigao da mono-argumentalidade para a posposigao do sujeito, o que leva essa lingua a explorar mais genericamente o recurso da entoagao, isto é, do movimento para COMP, ou ainda a construgao clivade. (28) a. - Quem abriu a lata de enguia? b. - O Pedro abriu O. b’ - O Pedro abriu O. b’’ - Foi o Pedro que abriu O. No japonés a afixagao do -ga 6 porém, irrestrita - como é irres- 118 trita a posposigao do sujeito em outras linguas romanicas como o italiano @ 0 espanhol - o que permite que estruturas transitivas e bi-transitivas apresentem sintagmas marcados morfologicamente com -ga. Contudo, o japonés parece também explorar a posigao SX de COMP para o elemento focal, como se pode ver pelo exemplo (14), mas o recurso 6 marginal da mesma forma que o movimento interrogativo nao é obrigatério no japo- nés. (29) a, Dare-ga unagui-no kan-o aketa-no? quem enguia lata abriu b. John-ga unagui-no kan-o aketa. ¢. Unagui-no kan-wa dare-ga aketa-no? d. Unagui-no kan-wa John-ga aketa. O fato do japonés poder estender 0 uso do -ga a estruturas nao-mono-ar- gumentais, leva-nos a perguntar como seria a representagdo de uma sen- tenga transitiva com SN-ga. 0 SN-ga em (29) b. seria um argumento irmao do SN acusativo kan-0? ou teria outra posigao ainda dentro de SV? Qual seria a posicéo do SN-wa, que corresponde ao sujeito anteposto em por- tugués e qual a sua posiga0 quando ele corresponde & posigao SN, externo & sentenca como no exemplo (1) a? E atréves de Kuroda (1978) e (1986) que tentaremos responder a essas questées. 5. TIPOS DE JUIZO E O CONCEITO DE SUJEITO Nos estudos de Kuno e de Li e Thompson admitiu-se a existén- cia de duas categorias sentenciais em japonés: a de tépico e a de sujeito. Uma perspectiva radicalmente diferente & a de Kuroda (1978), para quemo SN com a particula -wa, considerado por Li e Thompson e também por Kuno como particula marcadora de tépico, é apenas marcador de sujeita ‘em japonts. Kuroda aponta para o fato de que sua concep¢ao de sujeito nao pode ser identificada com a nogéo meramente estrutual de sujeito da gramética gerativa nem com a nogao psicoldgica de tépico da escola pra- gueana. Seu conceito 6 estritamente Idgico e se baseia no conceito tradi- cional, Idgico de sujeito. Segundo essa concepeao, sujeito é uma entidade & qual podem ser atribuidos vérias propriedades. A afirmagao ou a nega- ¢0 de uma propriedade sobre uma entidade constitui um juizo. A proprie- dade ou propriedades afirmadas ou negadas constituem o predicado do juizo. Para Kuroda a nogao de tdpico, definida em termos de dispen- 9 sabilidade ou previsibilidade contextual, 6 independente de qualquer ex- plicagéo sobre a forma de um juizo. Assim, as formas O Santos perdeu pa- ra o Corintians ou O Corintians venceu o Santos podem ser igualmente respostas para a pergunta O que aconteceu com o Santos? ou O que acon- teceu com o Corintians? As diferentes formas se justificam em funcao do tipo de julzo que est se fazendo. Em O Santos perdeu para o Corintians temos uma predicacao a respeito do Santos enquanto em O Corintians venceu o Santos, temos uma predicagao a respeito do Corintians. O interesse do trabalho de Kuroda nao reside, contudo, em sua concepgao tradicional de sujeito, que nada apresenta de novo, mas sim em sua reflexdo sobre o estatuto da forma sentencial da Iégica formal moder- na, que dispensa a categoria de sujeito na formulagao de seus raciocinios. A pergunta que faz é a seguinte: se a gramética tradicional 6 baseada em seus conceitos na Iégica tradicional, com 0 advento da forma proposicio- nal proposta por Frege, que anula a nogéo de sujeito da proposigao, quais seriam as consequéncias para a gramitica das linguas naturais? Podemos também eliminar a categoria sujeito? Alguns trabalhos classicos na literatura lingulstica, como os de Fillmore (1969) e Bach (1969), embora sem confessar a influéncia da légica proposicional moderna, parecem ter a base de suas teses na forma Idgica fregueana. Assim, para Fillmore, a sintaxe profunda consiste de um predi- cado mais argumentos casuais (ou teméticos), sendo o sujeito uma catego- ria de estrutura superficial. Para Bach, os nomes sdo predicados em estru- tura profunda, nao diferindo pois de verbos e adjetivos. Na literatura mais recente, Speas e Fukui (1986) propdem que todos os argumentos do verbo, incluindo-se af aquele que vai se realizar como sujeito, sejam engendrados no interior de SV, sendo o sujeito o resultado de um movimento sintatico de um argumento interno para a posigao de especificador de Flexdo. To- dos esses trabalhos responderiam & questéo de Kuroda afirmando que o sujeito no é categoria da estrutura produnda, mas seria uma categoria obrigatéria na superficie. Para Kuroda, porém, que argumenta do ponto de vista Iégico- semantico, hé dois tipos de juizo: aquele privilegiado pela légica tradicio- nal e a que ele chama de ‘categérico’, e aquele privilegiado pela Iégica formal e a que ele chama de ‘tético’. A consequéncia sintética seria a de termos dois tipos de sentenga gerdveis pela base: um com sujeito e outro sem sujeito. Para Kuroda, a sentenga com -wa seria do primeiro tipo e @ sentenga com -ga, do segundo. Nessa primeira proposta de Kuroda, o que podemos dizer é que temos duas possibilidades de projegao sintatica da estrutura léxica pa- ra um mesmo verbo (a ilustragao 6 com a lingua japonesa, que 6 verbo: 120 nal): (30) (arg arg V)—» a. (Q (ara-ge arg-o V) ou b. (arg-wa (O arg-o V)) isvoii Em a. os dois argumentos de V séo gerados como argumentos internos de SV, isto 6, 0 arg-ga faz parte do predicado. Vejam como esta proposta se alinha com o problema dos verbos ergativos ou inacusativos como chegar, acabar, cozinhar etc, que, em portugués, admitem duas posi- ¢6es para o seu argumento: (31) (CHEGAR arg) —® a. (O (chegar arg) Chegou a carta b. (arg (chegar O)} A carta chegou. Vé-se, portanto, nesta perspectiva, que todas as estruturas chamadas de sujeito posposto como (31) a. tem a mesma representagao que as sentengas com -ga em japonés, isto é, aparecem como argumentos internos ao SV. ‘A questdo que permanece é como tal constituinte recebe 0 caso -ga. Portanto, temos aqui o mesmo problema dos sujeitos pospostos em portugués, Para Kuroda, a atribuigéo de caso no japonés se dé de forma linear e automética. Ao primeiro SN dentro de SV confere-se 0 caso -ga. Se houver outro SN, confere-se a este 0 caso acusativo -0. Quanto ao por- tugués, a proposta de Nascimento, baseada na de Rizzi (1981) e Jaeggli (1982) para o italiano, leva em conta a regra-R de afixagdo de Flexdo na sintaxe. A Flexo ficando & direita de V rege o SN sujeito a direita, atri- buindo-Ihe caso nominative’ 6. SUSEI!TO DE SV Em sua proposta de 1976, Kuroda via 0 sujeito SN-ga como in- terno a SV, mas nao discutia sua estrutura interna, 0 que nos leva a supor, pela sua hipdtese de atribuigdo linear de caso, que SN-ga é gerado como irmao do SN acusativo marcado com -0, nos casos de verbos transitivos. ° Kuroda (1986) explicita essa proposta dentro do modelo atual de Regéncia e Ligagao e postula um especificador de V (portanto seu sujei- to) independente do sujeito de Flex4o7. Seria pois um sujeito interno ao. predicado, isto 6, parte dele. O sujeito de Flexdo sé 6 obrigatoriamente 121 preenchido quando hé concordancia, 0 que nao 6 0 caso do japonés. As- sim, a posigaéo pode permanecer vazia ou pode ser preenchida por um SN lexical néo-selecionado pelo verbo, ou ainda ser ocupado por ‘scrambling’, admitindo o movimento de qualquer SX para 14. Daf a origem da ordem li- vre de NPs no japonés. Para a estrutura interna de SV Kuroda propde, como vimos, 0 SN-ga como especificador de V, enquanto que, pelo menos com os inacu- sativos a tendéncia nos estudos de Ifnguas de sujeito nulo é considerar seu argumento como irmao de V, isto 6, na posigéo de objeto. Nascimento coloca o sujeito posposto de intransitivos também como irmao de V, en- quanto outros autores (cf. Belletti, 1988, por exemplo) propée o sujeito posposto de verbos intransitivos como adjunto de SV. Seguindo a propos- ta de Kuroda, o SN posposto e o SN-ga seriam especificadores de V: Fig.1 Fig.2 TaN SN y | | chegou —accarta tegami-ga__tsuita telefonou —_a professora sensei-ga denwa-shita A restrigéo de inversdo, no portugués, apenas para estruturas mono-ar- gumentais nao se reflete no japonés, cujas construgdes com -ga aparecem com estruturas transitivas ou até bitransitivas. Fig.3 sv. John-ga tegami-o —_yonde-iru carta lendo esta 6. CONSTRUGOES COM DOIS SN-ag H&, no japonés, certas construgdes que apresentam dois ou até mais constituintes marcados com particula -ga. Assim, exemplos com verbos estativos mostram que podemos 122 ter dois SNs com -ga, quando o SN que codifica o exeperienciador também é parte do predicado, (31) a. John-ga Emi-ga suki gosta Para dar conta de casos como esse, Kuroda admite que o primeiro SN-ga aparega em adjungao a SV, criando assim um duplo especificador para o V. Fig.4 Flex’ sv. Flex John-ga Emi-ga suki John Emi — agrada (John gosta de Emi) No portugués, esse exemplo corresponderia a algo como (31) a: (31) a’ Agrada ao John a Emi. ou a” Agrada-the a Emi, cuja estrutura seria: Fig.5 Flex’ ne Nv K SN /\ a John vo SN agrada odes No portugués, John recebe Caso obliquo da preposigéo e a Emi recebe ca- 0 nominativo de flexdo apds a regra-R ter sido aplicada. O que dizer do 123 japonés? Kuroda diria que a atribuigao linear se repete no nivel de adjun- go a SV. Assim, no nivel do SV mais baixo, 0 tinico SN recebe -ga, Su- bindo para o SV mais alto, comega-se novamente a atribuigo de caso e af novamente, 0 Unico SN recebe -ga Outro caso de duplo SN-ga se refere a estruturas como (32): (32) a. Kuruma-ga, taya-ga pankushitanda. a’. O carro, furou o pneu. (nao o caminh&o) a". O carro que furou o pneu. a’”” Foi o carro que furou o pneu. Nesse caso, terfamos, segundo Kuroda o SN-ga mais interno como Especi- ficador de SV (sujeito de SV) e o SN-ga mais externo como um SN em ad- jungdo a esse SV. O elemento externo tem o papel temético de possuidor do SN mais interno, 0 que mostra que linguas como o japonés podem ter esse tipo de SN adjungido ao SV. A alternativa de mover esse SN para COMP exigiria que sua extracdo se desse a partir da posigdo de adjungao, onde ele recebe o caso -ga. Na posigéo de Especificador de Comp o -ga apareceria realizado, mas néo seria af atribuido. Se a extragao se desse di- retamente da posigéo onde recebe o caso genitivo, terlamos uma cadeia com duplo caso (SN-ga .... SN.-no) contrariamente & teoria. A solugao de Kuroda parece ser, em vista disso, mais interessante. Como 0 japonés nao tem movimento wh- obrigatério, o foco recursivo poderé ser introduzido por adjungo livre na base, sendo al marcado -ga. J& no portugués do Bra- sil, onde temos exemplos como (32)a’, com 0 Comp preenchido, supore- mos 0 movimento de um SN para Especificador de Comp, sem passagem pele posigao de adjungdo. Uma vez que a posigao de Espec de Comp nao pode receber caso, por definicao, formar-se-& cadeia com a varidvel que ele vincula e que, no caso, teria o caso genitivo (ou obliquo). 7. AS CONSTRUGOES TOP + SUJ Vimos até aqui que (33)a e (33)b. e suas correspondentes japo- nesas nao envolvem uma diferenga de fungdo gramatical. O que diremos ento dos dois SNs de (34)a., onde temos um sujeito anteposto, portanto topical, e um SN anteposto ainda a esse sujeito sem supor duas categoria de fungées? (33) a, O pneu furou. (= SN-wa) b. Furou 0 pneu. (= SN-ga) 124 (34) a. Meu carro o pneu furou, a’, Kuruma-wa, taia-ga pankushita. A tradug4o para o japonés nao diferencia (34)a. de (24)b,, isto 6, 0 sujeito anteposto de a. 6 interpretado como parte do predicado de o carro, da mesma forma que a forma b.: (34) b. Meu carro furou o pneu. b’. Kuruma-wa taia-ga pankushita. O que parece ocorrer & que, no momenta em que entra um novo sintagma anteposto, aquele mais préximo ao verbo sofre um tipo de destituigéo ou de internalizagio ao SV, no sentido de Perlmutter, embora aqui, nada ocorra em termos de ordem, Considerando que o que é entendido como parte do predicado de o carro deve estar dentro do SV, podemos supor que o SV, no portugués do Brasil esteja apresentando uma variagéo em relagao a posicao do Espec de Comp. Fig.6 SFlex Fig.7 SFlex SN Flex’ SN Flex’ nih Nv ne a 7 \ sw Y y SN v v ocarro opneu — furou carro furou a pneu Fig. 8 SFlex sw Flex’ 7 N y\ Flext sN Vv’ 4 kuruma taya panku shita -wa-ga carro pneu furou passado 125 Vejamos agora um caso no portugués formado a partir de aumentos su- cessivos de SNs: (35) a.. Furou o pneu. b. O carro dela, furou o pneu. c. A Maria, 0 carro dela, furou o pneu. Em a, temos uma predicagao sobre o pneu; em b., uma predica- ¢&0 sobre o carro dela e em c. uma predicagao sobre Maria. Veja o parale- lismo com o japonés: (36) a. Taya-ga panku-shita. b. Kuruma-wa, taya-ga panku-shita. c. Mari-wa, kuruma-ga, taya-ga panku-shita. Na medida em que vai mudando 0 sujeito da predicacao princi- pal, o elemento que era marcado por -ga passa a ser marcado por -wa, pois quando & introduzido um novo sujeito, o anterior passa a fazer parte da predicagdo sobre esse novo sujeito. Kuroda nao analisa construgées desse tipo, mas sua teoria dé conta também desses casos. Tomando (36}c. teriamos taya (=o pneu) como especificador de SV, marcado, portanto, - ga; kuruma (= 0 carro (dela)) seria um sintagma em adjungao a SV, rece- bendo, portanto -ga, novamente; finalmente temos Mari, sujeito de Flex, portanto marcado -wa. Ao lado disso, podemos ter também uma dupla predicagdo com SNs marcados -wa. (37) a. Gakko-ni-wa kodomotati-wa imassen. escola-em —_criangas nao esto b. Na escola, as criangas nao estao. Esses exemplos mostram que nao é sé em nivel de SV que podemos ter adjung6es sucessivas. Em nivel de S(= SFlex) isso também ocorre, haven- do nesse caso a marcagao recursiva através do -wa®, Da mesma forma que para Kuroda o SV pode ter dois sujeito - um que é especificador de V’ e 0 outro que 6 0 sintagma adjungido ao SV - Flex também pode ter dois su- jeitos, um deles na posigao classica (SN, S), e 0 segundo, adjungido a SFlex. A particula -wa & 0 Caso atribufdo configuracionalmente a SN regi- do por Flex e este rege igualmente o (SN, S) como também 0 adjunto de S. Se estivéssemos aceitando a tese de Belletti, terfamos 0 caso partitivo para -ga € 0 nominativo para -wa; Kuroda no 6 explicito quanto ao caso das particulas, mas o que fica claro é que para ele -wa é um Caso estrutural 126 enquanto -ga 6 um caso de nivel mais baixo, atribufdo linearmente. Vimos que no portugués também podemos ter justaposigao de SNs como 0 exemplo (36)c. AO contrério do japonés, porém, o portugués contém Concordancia em Flexdo e somente o sujeito na posigéo (SN, S) é que pode com ele concordar. O primeiro SN de (38)a e b, n&éo tem essa re- lag30 com Flex, e portanto, no pode dele receber caso. Para Kuroda, lin- guas que tem concordancia obrigam o preenchimento do sujeito. {sso jus- tificaria a proliferagao de construgées com pronome correferente ao pri- meiro SN, na posi¢ao (SN, S). (38) a. O Pedro, ele vem hoje. b. O Pedro, nés vimos hoje. No japonés, a forma a. € impossfvel, s6 podendo haver dois SNs quando no sao correferentes, como em b., e cada um receber o caso -wa indepen- dentemente, em cada nivel. No portugués do Brasil, 0 caso pertence a ca- deia que se forma entre o SN pleno, em posigao A’ e o pronome. O que se verifica entéo € que qualquer que seja a posi¢éo do chamado tépico, no Portugués, ele nao poderd receber caso independentemente do pronome correferente, lexical ou nulo, em posigdo argumental. CONCLUSOES Resumindo que vimos na comparag3o do japonés e do portu- gués do Brasil, temos o seguinte quadro: 1. hé necessidade de se distinguir Especificador de V’ de Especificador de Flex’, ambos definidos na teoria da X-barra como saturadores das res- pectivas projegées méximas; 2. 0 Especificador de V’ & marcado -ga, em japonés preferencialmente posposto ao V em portugués quando este 6 monoargumental, sendo o caso atribufdo linearmente no primeiro caso e configuracionalmente no segundo; a proposigao constitulda de apenas SV é uma predicagdo pura, de natureza tética, logo 0 Especificador de SV faz parte da predicacao, constituindo-se em elemento focal. 127 Japonés Portugués: { O ( ( S SN-ga X V’)Flex)) —- ( O (Flex (_ O(V’ SN )))) SFlex sv Flex’ SFlex Flex’ SV 3. 0 Especificador de Flex’ é marcado -wa em japonés e & anteposto ao nu- cleo em portugues, constituindo o sujeito de uma asser¢ao categérica. Japonés- Portugués ( SN-wa (( X V’ )Flex)) — (SN (Flex( V X))) - © Especificador de V' 6 uma categoria recursiva em japonés, dando-se a recursio através de adjungéo de novos SNs ao SV, SNs esses que recebem também a parti- cula -ga, pelo mecanismo linear de atribuiggo de caso.. Assim, além do elemento focal na posigo de especificador de V, 0 japonés admite a focalizagdo de outros elementos da proposigo (possuidor, experienciador) adjungidos a esse SV. No portugués a imposigo de monoargumentalidade para a estrutura de inversao exi- ge, independentemente da dupla focalizac¢éo, um espago para focalizar o sujeito de estruturas ndo-monoargumentais. Esse espaco & o Especificador de COMP, para ‘onde se movimentam os elementos que so parte de predicao. O japonés usa mais marginalmente esse recurso. Da mesma forma que adjungéo a SV no japonés, esse espaco dentro de SC pode ser preenchido com outros elementos nao selecio- nados pelo verbo. Temos assim a possibilidade de construir sentengas com um sujeito posposto e um Especificador em COMP, como é 0 caso da sentenga (32)a”, sendo ambos os lugares interpretados como parte de uma predicacao tética. A re- dicago tética pode ainda ser obtida em portugués com sujeito anteposto quando hd um sujeito recursivo externo. Japonés (O ( ( SN-ga (SN-ga( X O Y V ) Flex) SFlex Flex’ SV SV V’ Portugués (SN ((que) (| © (Flex (~ V’ SN(O)))))) SCi C’ SFlex 2 Flex’ SV 205 a . 0 Especificador de Flexdo também € recursive em japonés e também a recursao se faz por adjung&o, desta vez a SFlex. Tanto o Especificador de Flex quanto o elemento adjunto recebem independentemente o caso -wa. J& no portugués do Brasil, embora o mesmo tipo de justaposigao de elementos tépicos possa ocorrer, a concordancia que opera apenas com o Especificador de Flex e néo com o elemento adjungido, leva a analisar este como uma posigéo nao passivel de receber caso e que, por- tanto, deve necessariamente estar ligado a uma posigdo argumental. © que a anélise comparativa nos desvendou a respeito do que vem se chamando Tépico e Sujeito foi que as duas fungdes podem ser descritas através de posigées harménicas de estruturas previstas pela teoria X-barra. O SN-ga, que Li e Thompson consideram sujeito no ja- ponés, na verdade, constitui 0 Especificador de V’, portanto o sujeito in- terno a SV, e o SN-wa, que os autores consideram set 0 Tépico no ja- ponés seria, em primeira instancia, o Especificador de Flex, ou o sujeito externo a SV. Ambas as Iinguas permitem mais de um elemento focal na senten¢a, mas usam recursos distintos: Especificador de Comp, no por- tugués e no japonés, e um elemento em adjungao a SV, no japonés. As duas lfnguas permitem mais de um sujeito externo e usam o mesmo re- curso de adjungao a SFlex para codificd-lo. As particulas -wa e -ga sdo univocamente interpretéveis como su- jeito-tépico e sujeito-nao-tépico, respectivamente, numa correspondén- cia mais transparente que no portugués do Brasil, lingua que, por estar perdendo as caracter[sticas de inversao, distribui a fungao focal em duas posig6es: posposta ao verbo e em Espec de Comp. O que a literatura sobre o portugués vem chamando de tépico 6 apenas o elemento em adjungao, isto 6 0 sujeito recursivo de Flex, cuja fungdo é de tépico. Além disso, a literatura nao estabelece distingaéo entre o foco recursivo e o tépico recursivo, chamando a ambos de tépico. Q que quisemos deixar claro, neste trabalho, 6 que tipologias mal definidas furmalmente, que fazem uso de categorias que nao tém tragos distintivos suficientes para serem inequivocamente consideradas como duas categorias no mesmo nivel de anélise, compromete a prépria clas- sificagdo tipolégica, quando esta em si pode ser, na verdade, valida. Finalmente, embora a distingdo entre Iinguas de sujeito e linguas de tépico possa ser relevante para separar tipos de linguas, propusemos que essa diferenca se faga no em termos das categorias tdpico e sujei- to, mas sim, em relagao ao tipo de sujeito que as linguas naturais podem selecionar. NOTAS 1. O acento primério recai, nesse contexto, em Jodo e nao no predicado, como 6 usual, 129 2. Segundo minha intuigdo, outras fungdes néo podem vir marcadas com -ga, senao elas sempre marcadas pelos casos originais sem&nticos: genitivo, locativo etc. 3, O sujeito anteposto torna-se possivel em contexto constrastivo, especialmente com 0 verbo na forma negativa, e melhora ainda mais com o sintagma inicial pre- posicionado: ? Esta casa, sol ndo entra. Nesta caso, sol nao entra, 4. Estudos sobre 0 portugués do Brasil tem mostrado que a inversio do sujeito 6 sujeita a restri¢ao da mono-argumentalidade (cf. Tarallo ¢ Kato, 1989) 5. O que parece ocorrer 6 que 0 japonés tem uma classe maior de verbos que se comportam como os psicolégicos do portugués. Os verbos ‘like’ e ‘think’ em inglés tém ainda uma histéria que mostra como esses varbos tinham o comportamento dos verbos psicolégicos e que sé depois passaram a ter uma sintaxe do tipo dos verbos ativos. (cf. Lightfoot, 1979: cap.6). 6. Para explicar a interpretagao restrita do complemento dos verbos inacusativos nas linguas de sujeito nulo pés-verbal - conhecida como restricao ou efeito de defini- tude - Befletti (1988) propde que esse tipo de sujeito tenha caso partitivo inerente, atribuido na estrutura-P, Quando este caso nao é atribuido, o SN movimenta-se Para a posigao (SNS) e af recebe caso nominativo de flexao. Poderiamos estender a proposta de Belletti e considerar que a particula -ga, ao contrério do que se su- P6e tradicionalmente, nao seja nominativo e Partitivo, sendo o -wa 0 caso nominativo. 7. Veja variantes dessa proposta em Koopman e Sportische (1988) ¢ Fukui (7986). 8. Kuroda (1986) fala em ‘bare NPs’ referindo-se a casos em que o SN n&o vem mar- cado com a particula ~0 ou -wa. No caso do duplo SN-wa, um dos dois parece po- der aparecer sem a particuta, no japonés coloquial. BIBLIOGRAFIA BACH, E. (1968) Nouns and noun phrases. (n: E. Bach e R.T. Harns (eds) Universals istic Theory. 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