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A CIDADE DE SAO PAULO planejamento urbano e meio ambiente Marla Ldcla Leonardi Libéneo Pesquisa recém-realizada pelo DataFolha (1) sobre o nivel de conhacimento e consciéncia da populagéo da Cidade de So Paulo sobre os problemas ambientals apurou a exis- téncia de uma pluraidade de preconceltos ou nogées do senso comum sobre o que é meio ambiente, Também entre estur diosos do tema, professores e entidades eoolégicas é gran- de a diversidade de opinibes e definigées. Por que isso ocorre? A novidade do tema entre nés e a falta de estudos apro- fundados néo so suficientes para explicar essa difculda- de em conceltuar. © melo ambiente envolve uma série de ‘componentes que devem ser considerados ao se tentar defini- lo, tals. sejam: a) as representagGes de melo ambiente existentes no quadro te6rico de varias disciplinas, como a psicologia social ¢ a psioblogia do melo ambiente; ) osaber sobre omeio ambiente instaurado no quadro te6rico da ecologia humana; €) © concetto de melo ambiente, concebido a partir da and- lise de definig6es provindas de diferentes disciplinas, como ‘@ sociologia, antropologia, geografia, histéria; ‘Was Lisi Leona treo - Hittacra. Mestre em Cline Sodas. Deore do (ene de Eauengto Abel ca Serta Gs Seve Obras ca PSP. Autor do he "Almmngie da dado do 840 Paul” (0 ) (() otha ee sPauo, Sto Pado, 290781. ‘S30 Paulo em Perspectiva, 5@2):51-61, abriljunho 1991 d) as caracteristicas das préticas pedagogicas centra- das sobre o meio ambiente, sejam formais ou néo-for- mais (2). Torna-se cada vez mais claro que a reflexéo ¢ a discus- séo sobre 0 melo ambiente necessitam do referencial te6rico @ metodolégico de varias disciplinas, e portanto de Postura e prética interdisciplinares. Mals que Isso, & pre- iso construir uma ética, como diria Gramsci, para o estudo cientifico da questéo ambiental. Trata-se de formar clda- dos capazes de refietir e atuar diante das questdes colo- cadas num determinado contexto social. Mas 0 quo a cl- dade tem a ver com isso? Tudo, ja que ela também 6 crlagtio da sociedade. Cidade e sociedade se alteram, em alguns momentos podem encontrar-se, em outros combater, caminhar em ciregdes opostas, mas sempre influenciam- se mutuamente. © plansjador urbano, ao pensar Sao Paulo, também formulou uma utopla para a cidade, assim como o profes- sor, 0 migrante, 0 administrador, a crlanga, o construtor ete. ‘A cidade sonhada, imaginada @ planejada, porém, difere da real, e esta pode ou no Impregnar-se por aquelas Idélas ou representagées. Essa constante tensfo entre o imagi- nario @ 0 real se reflete em varios campos, entre os quals 0 meio ambiente. As representagdes socials do melo ambl- ente sao 0 resultado da percepgio, da Informagao, do conhecimento @ das relagdes socials vividas histérica cotidianamente pelo individu @ que vao influenciar sua tomada de posigao (3). 86 recente mente a ecologia abriu espago para incluir 0 homem nos seus estudos, seja como ser biolégico, seja como ser social que produz cultura e intervém no meio ambiente. Os estudos da Escola de Chicago, nos anos 20, nos Esta dos Unidos, constituem um bom exemplo da tentativa de aproximar a sociologia e a ecologia, produzindo Importan- tes estudos da chamada Ecologia Humana. Novas allangas 880 possiveis entre disciplinas que estudam © homem e a atureza. Isso reflate a mudanga de prioridade, antes colo- cada nas “questées naturals", com a tendéncia de naturall- zar os problemas socials. A problemiética do melo ambiente, Porém, identifica-se cada vez mais com as questées socials, © que implica a discussdo dos aspectos biolégicos, econdmi= 0s, politicos, culturais. Embora seja dificil definir meio ambiente, aqui ser ‘compreendido como uma totalidade composta de fatores (2) Ess condos wan auras rrr 20 rile alate so sponds or Marcos anion. Ral na su ese ce Deoraco “Le repateitine aca: ds Tentenremort ot ee prtzuse pedepgigure qustlenes drs potseee 4s ecarce a Sto Pauo(ran™ Lawn Unveaté Calque de Lowa, 1900, (9) Confome [DOISE W, Law eprecaiaton secs: detrilons dun coreg, Conmasons. Pa (ao)286, 0 52 socials, biolégicos e fisicos que produzem agées @ efeitos interativos @ que condicionam a vida dos grupos humanos. Muitos foram os estudos sobre Séo Pauio neste sécu- lo, entre planos, projetos (setoriais e globals), diagndst!- 608, prognésticas, projegdes eto. Como e em que momento ‘comega a surgir preocupagéo com 0 melo ambiente? Pre- servagdo ou destrulgo? Demolir para construlr ou preser- var como patriménio histérico? Muitas foram as transfor- ‘mages pelas quals passou SAo Paulo, desde que era uma cidade provinciana com caracteristicas comune a varias outras cidades do Pats até a explosée como grande metrépok Foram selecionados para este trabalho trés momentos Privilegiados da histéria'de So Paulo no que £9 refere aoe seus planos urbenisticos: a década de 30, quando tentava- se construr a cidade modema, expressa no Plano de Ave- nidas de Prestes Mala; a década de 60, quando uma equipe de jovens planejadores cirigidos pelo padre catéllco fran- és Lobret pretendeu transformar S80 Paulo numa cidade fumanizada; ¢ a segunda metade dos anos 60 e a década de 70, quando So Paulo passou a ser vista como espago do capital, como a cidade economicista dos planos ambi- ciosos: © Plano Urbanistico Bésico (1968), 0 Plano Metro- politano de Desenvolvimento Integrado (1970) e o Plano Di retor de Desenvolvimento Integrado (1971). Nesses trés momentos © melo ambiente foi enfocado de vrs formas, As vezes nem mesmo apareceu como objeto de preccupagées, mas sempre existlu, escondido em vé- Tias fabulagées ou idéias para a cidade. € preciso desven- dar, trazer & luz 0 meio ambiente do real e do imaginério, isto 6, 0 da cidade ¢ 0 do plano. E claro que o tema “planejamento urbano e melo am- biente” no seré esgotado neste trabalho, sua atualidade © importincia merecem estudos aprofundados. Esta é uma primeira abordagem, e por isso mesmo sujelta a crfticas © A cidade moderna eo melo ambiente Desde 0 final do século XIX Séo Patio esté se recrian- do, alterando. A Semana de Arte Moderna, em 1922, foi um ‘momento importante da histérla da Cidade. Mas parece que @ arquitetura demorou um pouco mals do que a Iiteratura, as artes plésticas @ o teatro para se reconhecer como pau- lista, carioca, brasileira ou até mesmo moderna, Séo Paulo era uma cidade mutante nos anos $0. As ati- vidades econdmicas, 08 trabalhadores, as manifestagdes cultural, 0 tragado fisico, tudo se alterava. A chécera da Baronesa de Itapetininga, por exemplo, deixara de ser um ‘espago privado. Era, agora, o centro da Cidade. A chécara do Baro de Ramalho se transformara no bairro da Consola- 0, a de Paulina de Souza Queirés, que fcava préxima & Faculdade de Direito do Largo Sao Francisco, fora cortada pela Avenida Brigadeiro Lufs Anténio. Muitos outros espagos se abriram @ se democratizaram nesse inicio de sécuio. © habitante de Séo Paulo vinha de varios lugares: do meio rural, de outras cidades, de distantes palses. Nesse ‘contexto de pats atrasado, que se industrializava tardiamen- te, como entender uma cidade que se desejava modema? ‘Que modernidade era essa? Era a modemidade que s6 0 progresso traria, @ progres- 80 significava ser conhecido, aparecer entre os povos cl- vlizados. Este progresso, porém, s6 viria com a indéstria, @ S40 Paulo ja dispunha, nos anos 20 e 30 deste século, das condigdes gerais de produgéo necessérias para assumir a lideranga do setor industrial. Capital havia, provindo do café; ‘trabalhadores também, vindos de diversas partes do mundo, principalmente da Itélia. S20 Paulo vivia o proceso de transigéo de um modo de produgéo pré-capitalista e uma sociedade tradicional agroexportadora para uma socieda- de urbano-industrial, fruto do desenvolvimento do capita- lismo industrial € financeiro. ‘A arquiteture da cldade mostrava essa mistura de gostos @ estos dos varios poves que chegavam, Incorporando modelos externos promovidos pela burguesia industrial nascente, que desejava superar habitos e alitudes de pals colonial @ escravocrata, Daf 0 ecletismo arquitet6nico que tanto Séo Paulo comoo Rode Janeiroproduziam e que parecia, as vezes, uma cépia caricatural dos estilos europeus. A inovagao. a formagéo de um estilo préprio ¢ a implantagéo do funcionalismo modemista s6 ovorrerlam nos anos 30. Mas 86 um reduzido némero de moradores privlegiados péde ter acesso & arquitetura modema. As dificuldades técnicas fram grandes, 08 custos altos, as informagées restritas. As classes trabalhadoras, porém, habitavam os cortigos © os bairros afastados clandestinos, Fol com esse contexto espacial segregado, reflexo da contradigao da sociedade capitalista, que defrontaram-se Prestes Maia e seu Plano de Avenides. Era 1930 e fazia ape- has um ano que Le Corbusier visitara Sao Paulo, a convite de Paulo Prado, também patrocinador da Semana de Arte Moderna. © Plano de Avenidas fol concebido no contexto social, econémico, politico e cultural de construgdo da nagéo burguesa. Seu autor, engenhelro formado pela Escola Politécnica de Séo Paulo, era 0 modelo acabado de uma formagao profissional que forneceu quadros importantes - politicos, urbanistas ou técnicos - para o Estado burgués. (6) TOCQUEVILLE. AO Ano Reine ‘p.101-102. ‘So Pauio om Perspectva, 6(2):51-61, abriljunho 1991 Todos os grandes debates que mobilzam a cidade até hole Jé estavam presentes no Plano de Avenidas: concep¢ao de urbanismo, papel do urbanista, planos globais ou seto- tials, campos de intervengao do Estado, circuiacéo e trans- portes, zoneamento @ ordenagao do uso do solo urbano, reas verdes, moradia, embelezamento da cidade, iniola- tiva privada versus iniciativa piblica e outros. Foi a primel- ra proposta global para a Cidade, abrangendo sistema vié- tio, cireulagéo e transporte - inclusive a proposta do metré © as estradas de ferro -, diretrizes para embelezamento @ arruamento, recomendagbes sobre zoneamento, expanséo da cidade @ legisiagao tributéria. Seu objetivo, embora néo explicto, era construir uma cidade. Propunha a construgéo de varias vias radials e perime- trals - abertura, portanto, de novos espagos, 0 que pressu- unha demoligéo dos antigos (o Plano dava grande énfase 8 desapropriagdes). Foram especificados condigées, pra- 08, legislago, pregos etc. Prestes Maia pretendia muit- plicar 08 centros, J& que 0 antigo néo reunia condig6es pa- ra expandir-se. A abertura de grandes espagos na diregéo leste-ceste visava & Implantagéo de atividades Industrials, (© matré permitiia o acesso rapido da mao-de-obra ao local de trabalho. Por todos os Angulos que se analise, o Plano de Aveni- das pode ser considerado um plano “de conjunto", mesmo © autor negando darhe esse nome. As propostas de In- tervengo eram coordenadas e intagradas a uma visio de cidade modema. E cidade modema era aquela que possula dificuldades naturais, universais a toda grande cidade. Prestes Mala afirmava que a exist8ncia desses problemas indepen- dia de boas administragées ou otlentagao sensata, dai a oportunidade de 0 urbanismo, como ciéncia nova, propor solugdes adequadas. A cidade da burguesia urbano-indus- trial, apesar © por causa mesmo de seus problemas “natu: rais", era extremamente dinamica @ imprevisivel quanto ao crescimento populacional © da rea urbana, daf a proposta de expansio desta. Prestes Mala preconizava a busca de recursos junto ao governo estadual: “O auxilio estadual 6 naturalmente ex- cepcional, mas perfeitamente justificével no caso, So Paulo 6 a sede do governo @ o seu prestigio reflete-se sobre todo © Estado” (4), Essa iddia de supremacia da Capital frente &s demais cidades do Estado lembra Paris, retratada por Tocqueville: “No século XVII Patis 86 era a malor cidade da Franga. Em 1789 [4 € a propria Franca” (6). Moderna era a cidade bela. 0 Plano propés a remod. ago do parque Anhangabat, transformando-o na “sala de Visitas” de Séo Paulo. E moderna era a cidade cuja admi nistragao detinna 0 controle, planejamento © coordenagéo 53 dos transportes utbanos. Daf as minuciosas normas conti das no Plano. Embora preocupado com a habitagéo popular, que jé era problemética na época, Prestes Maia nao the deu énfa- '8e, JA que no a considerava como responsabilidade do Es- tado, mas dos proprios interessados, chegando até a aler- tar para os riscos das solugdes ousadas e da municipall- zago das habitagbes. Quanto aos parques e éreas verdes, sua finalidade seria preservar a beleza natural, e como tal ndo precisariam de grandes projetos, afirmava o Plano. Bastaria realizar ser- vigos sumérios e franqueer a érea a uma “freqdéncia limi- tada’, O Piano afirmava nao haver necessidade de mais de um grande parque em Sao Paulo - 0 das Cabeceiras do Ypiranga, iniclado na época, Citava os seguintes locals como vidvels para instalagao de parques pequenos: reserva flo- restal do Alto da Serra da Cantareira; parque do Pary; par- ‘que da Ponte Grande; parques Tatuapé e Lapa, na belra do rio Tleté; Butanta, junto ao horto estadual; Aclimagéo, aproveitando logradouro existente. parque Ibirepuera jé hhavia sido esbogado, assim como o playground da Luz e outro parque na varzea do Carmo. O Plano continha, também, IndicagSes para parques esportivos, destinados a adoles- centes ¢ adultos. J& os playgrounds infantis mereceram malores, consideragées no Plano. Além de serem érea de recreagéo, tinham papel disciplinador e moral, devendo estar localizados dentro © préximos das escolas. Essa breve abordagem do Piano de Avenidas de Pres- tes Maia j4 permite verificar que néo houve referéncias diretas ‘a0 meio ambiente, fosse natural ou construldo. © termo pre- servagdo aparecia vinculado & beleza natural, apenas. Como preservar 0 meio ambiente socialmente construt- do, a cidade, seus bairros, seus monumentos, se o que estava fem questo era construir uma cidade modema? Desapro- priar, demolir, construir eram algumas das pelavras chaves, no Plano. 0 Plano de Avenidas pode ser analisado em varios niveis. Se considerarmos melo ambiente apenas como @ concep- 980 fisica da Cidade, @ anélise urban(stica revela a predo- rmindncia dase enfoque em relagéo aos demals. O urbano naturalizou-se no Plano. Autonomizou-se, tornando-se a categoria privilegiada para pensar, projetar a Cidade, Os parémetros e limites socials, econémicos, culturals estavam fem segundo piano. Desta forma, o crescimento da Cidade néo foi questior nado (6). Ao contrério, tratava-se de abrir espagos para o desenvolvimento industrial, tanto no &mbito da produgéo ‘como de circulagao de mercadorias. A metrépole era a meta. Pesquisas ainda néo realizadas poderéo indicar a exten- so das periferias e 0 aumento dos cortigos que a execugéo do Plano de Avenidas acarretou. A populagéo trabalhadora passou a habltar cada vez mais longe, em locais sem infra ‘estrutura de servigos @ equipamentos urbanos. A preocupa- ‘go com 0 embelezamento restringiu-se as éreas privile- iadas. © répido acesso ao centro, possibiltado pela aber- tura de novas vias, valorizou os terrenos, gerou especulagéo @ afastou a populagéo pobre para os arredores. Intensificou- ‘80 a especializagaio das areas centrals, com a implantagéo de comérclo e servigos para a elite, em detrimento das habitagdes de baixa renda e do comércio popular, expulsas ara zonas mals afastadas, Os balrros-jardins, constru(dos pela Cia. City, foram os grandes beneficiérios da abertura das vias de acesso. Era o novo locall de residéncia das clas- ses dominantes, ¢ 0 automével, seu meio de transporte. ‘Sao muitas as evidéncias de que o Plano acabou por Privilegiar 08 [4 favorecidos. Defelto do Plano? Desvinua- mento? Crelo que néo. So as forgas sociais e pollticas, os movimentos sociais, os partidos politicas, os interesses pre~ dominantes que fazem o éxito ou fracasso de um plano, ur- banistico ou qualquer outro, © Plano de Avenidas subvertou a estrutura urbana e criou ‘espagos. O melo ambiente alnda néo existia como realida- de ou categoria de pensamento. Havia apenas o sitio ur- bbano, desocupado em grande parte. Tratava-se de tomar posse dele. Assim, a atual configuragéo da Cidade de So Paulo, com 0 centro dedicado a comércio @ aos servigos, 1s petiferias para a habitagéo popular e 0 quadrante sudoes- te para residéncias de alto padréo, & decorrente do Plano. ‘A conformagéo da rea central também. Propor outro des- tino para a Cidade que néo fosse seu crescimento era, tal- vez, Ir contra a histérla, numa atitude nostdigica e avessa as mudangas. H4, 6 claro, varias andlises ideolégicas no Plano. Ideo- légicas no sentido de esconder o real, parclalizé-lo. Por ‘exemplo, explicar os problemas da Cidade como se fossem naturals, universals @ toda grande cidade, Nao ha no Pla- no, nem na burguesia, nenhum interesse em buscar a orl- ‘gem dos problemas: cabe ao urbanismo “neutro” corrigi- los. E uma visio acritica da cidade e do trabalho do urbanista. Um outro nivel de reflexdo sobre 0 Plano de Avenidas diz respeito a0 modernismo. A burguesia inventou a ideolo- ‘gia do modernismo, identificando-o com a industrializagéo, urbanizagéo © progresso. Esse modemnismo, num contex- to de pais subdesenvolvido, manifestou-se como um sonho. © projeto de construgo da Iéentidade nacional passava também pela kdentidade paulistana. Se a luta pela construe 940 dessa nagéo burguesa na economia, politica, cultura, arte fol progressista porque “pode se contrapor as forgas oligérqulcas © conservadoras e ao imperialismo internacio- ‘ral, pagou-se um prego porém: o de termos mergulhado numa Visio critica do mundo” (7). A moderna arqultetura brasi- lelra também revestiu-se desse cardter. Planos, programas @ projetos elaborados para So Paulo foram assumidos como valores em sl, pouco questionados pelos grupos socials. ‘A nascente burguesia paulista produziu uma idéia de cidade multo semethante & sua propria auto-imagem: jovem @ conhecedora de suas difculdades, até bem-vindas, pois @ colocavam no rol das outras grandes cldades desenvolvi- as, Essa cidade, como a prépria classe, tinha consciéncia do papel privlegiado que the cabia frente as demals cida- des brasileiras, isto é, aos grupos socials. Os problemas da Cidade seriam solucionados, j& que a elite dirigente sabe- fla enfrentar 08 desafios. “O futuro sera grandioso”, afr- ‘mava Prestes Mala. Para a Cidade © para a burguesia. ‘A modema Séo Paulo somava condig6es particulares de vitalidade e cinamismo, diziao Plano. Novamente identiica- va-se a cidade com a prépria classe dirigente. Uma era a outra, A modernizagao do ambiente fisico é inspirada, é forgada por e forga também a modernizagao da alma dos cidadéos. Se néo de todos, pelo menos de seus dirigentes. As necessidades da vida moderna que a Cidade precisava atender ram os proprios anselos de classe que a burguesia industrial apresentava como se fossem de todas as demais classes, Nesse proceso de expansio da burguesia industrial Urbana em dlregéo ao restante das classes do Estado e do Pais, @ além da fébrica, no cabia contengéo ou restrigéio ao crescimento, Pensar no melo ambiente, na preservagéo ambiental, no estabelecimento de normas de ocupagéo limitava, Impedia o crescimento. Ndo cabia nem a burgue- sla nem & sua cidade, Nao se colocava jamais, era ir contra © destino de metrépole, A cidade humanizada e o melo ambiente A Cidade de Sao Paulo na década de 50 vivia o mo- mento desenvolvimentista que dominava o Pals, Nessa época de emancipagéo econémica pretendida pelo governo fede- ral, a orientagao era implantar 0 capitalismo nacional, E ele avangava. Com suas contradigées, centrallzagdo, acumu- ago @ integragao no mercado mundial. Nesse contexto, a cidade real, expresséo dessa sociedade, val se deffontar ‘com 0 desatio posto pelo ideal de cidade humanizada for- mulado pelo padre Lebret na filosofia da Economia Humana, () OFMz, RA Moderne Tradigto Brae, Sho Pa, Easter, 188, 36 (@) SABMACS, Entutura Unere ex Aglomeragho Pullen. Sie Pais 1988 pt ‘Sto Paulo em Perspectva, §(2):51-61, abriljunho 1991 que entusiasmou jovens planejadores, politicos catélicos @ estudantes de arquitetura, entre outros. © Estado brasileiro havia mudado no perfodo 1956-60 ‘e0m © governo Juscelino Kubitschek. O planejamento, prin- clpalmente econémico, jé havia se instalado: o Plano de Metas do governo federal fora aprovado. A realizagao dos cingilen- ta anos em cinco, lema do governo Juscelino, era tarefa estendida a todos 08 cidadéos, chamados de “soldados do desenvolvimento". Uma nova consciéncia social se forjava, Incluindo @ adeséo de amplos segmentos urbanos. A indus- ttializagéo fol concebida como dever, imperiosa necessidade © condigao de vida. Industrializagao é desenvolvimento, dizia- se. E desenvolvimento se faz com capital, nacional ou es- trangelro. ‘Como era a Cidade de Sao Paulo, a maior do Pafs, nesse contexto de Brasil grande? Para diagnosticé-la, 0 prefelto Toledo Piza contratou em 1956 0 sacerdote, sociélogo, teblogo © humanista francés Louis-Joseph Lebret e encomendou- Ine um estudo sobre Sao Paulo. Para isso constitu-se uma ‘empresa, a Sagmacs (Sociedade para Anilise Gréfica @ Mecanogréfica Aplicada aos Complexos Socials), forma- da por jovens profissionais que, dirigidos pelo padre Lebret, elaboraram 0 estudo “Estrutura Urbana da Aglomeragéo Paulistana”, concluldo em 1958 e entregue ao novo prefeito Adhemar de Barros. O estudo da Sagmacs do padre Lebret néo viu Sao Paulo com esse sentimento de euforia desenvolvimentisia que o PPafs vivia. “S40 Paulo 6 um ser vigoroso que no deve querer vvestir com as roupas de sua Infancia ou de sua adolescéncla, E preciso talhar e coser para ele vestimentas proprias para ‘sua idade adulta admitindo, sem diivida, que chegue mesmo ‘a tomar-se um gigante, Mas, para que o gigante nao se torne um monstro deverd conscientemente sustar seu crescimento, 20 chegar ao tamanho limite que Ihe permita corresponder as suas fungSes econdmicas e humanas” (8). © crescimerto da Cidade fol explicado como resultado de 400 anos de espirito empreendedor de seus moradores, vidos de servirem-se de toda nova oportunidade e desejo- 803 de ser condutores, aos invés de conduzidos, Essa ati- tude, aliada ao fato de ndo se ter pensado jamais Séo Paulo como grande cidade, aflrmava o Estudo, teria gerado um crescimento anérquico. Algumas constatagées: @ expanséo da cidade se dera de modo caético, ao sabor dos loteamen- tos; a ferrovia separava em vez de unir os bairros; as vies clreulares projetadas néo haviam sido construidas; ndo se reservaram éreas adequadas para o crescimento do cen- tro; centros comerciais elementares, secundérios e terclérios haviam se formado espontaneamente, em arruamentos mal delineados; 0 direito de propriedade do solo era considerado Intocével @ se sobrepunha a utlidade social, esia sim ca- 55 paz de assegurar e garantir o bem-estar coletivo. A valor zagdo especulativa, antleconémica e anti-humana era a conseqiéncia dessa exacerbagdo. Os grandes vazlos urbanos, a baixa densidade demogréfica dos novos lotea- mentos @ as grandes disténcias penalizavam as familias tra- balhadoras, que néo contavam com servigos urbanos basicos como gua, luz, transporte coletivo, coleta de Iixo, escolas @ postos de satide. No centro da Cidade e éreas vizinhas, 0 alto prego dos terrenos © a gananoia dos especuladores levaram & construgdo de altos edificios que exiglam amplia- (go dos equipamentos béisicos. As classes populares, con- cluia o Estudo, viviam em nécleos urbanos que mals pare- ciam reas de acampamento ou de ocupagéo proviséria. © resultado é que Sao Paulo torou-se um “imenso mosaico de quadrados ¢ figuras curvilineas ajustadas umas as outras... um fenémeno doentio de tipo canceroso, pois cria continuamente novas zonas doentes em sua pertferla agrava incessantemente a profundidade do mal na diregao de seu centro” @). Sao Paulo era um grande centro industrial, comercial @ de servigos, ndo hé diivida. Mas & custa de grandes desni- vyeis sociais e sottimento de grandes camadas populacio- nais, afirmava 0 Estudo. A precariedade dos equipamen- os e servigos urbanos na maior cidade do Pals ndo podia mais ser escondida: transportes, habitagéo, educagao, satide, sistema vidrio e outros bens essenciais eram deficientes ou inexistentes para a maloria da populagéo. A referéncia primeira e Unica era o homem, © essa é a diferenga funda- mental entre 0 Estudo da Sagmacs e tantos outros que 0 antecederam © 0 seguiram. Do ponte’ de vista urbanistico, a cidade que aflorou da interpretagao da pesquisa assusiou os planejadores. “Séo Paulo vem se apresentando como tipo quase acabado de aglomeragao desumana, mais semelhante a um acampa- mento do que a uma cidade... E uma cidade inorganica, sem perimetro de construgao, sem zoneamento, sem espagos verdes suficientes, sem dreas reservadas, sem parques para recreio © esporte. Nao existem bairtos orgénicos de vida coletiva” (10). Essa situagéo urbanistica fol diagnosticada como reflexo da estrutura social. “A dlsperséo dos niveis centre classes socials, 0 muro de classes é muito maior na Capital do que nas cidades do Interior, essa dlsperséo & excessiva e caracteriza um desenvolvimento mal equlibra- do e, por fim, 0 seu crescimento desordenado @ néo organl- co acarretard fatalmente a manutengéo de grandes cama- 1B om Go ar en 82 ASS, ne (32, PRAT I SAGMACS. pat, 9.65. ioe mous, (89) LEBAET, Ls. eDSSROCHES, Kcr LamsthodedTEeonome et uarame,Eeonene Humane, Pars (12342, Isa. Areauao erin idem pa 56 das da populagdo em um nivel de vida subproletério acen- tuado” (11). Que ética, entendida como manelra de conceber 0 mundo, estava referendando essas andlises? E de que forma o meio ambiente se colocava nesse contexto floséfico? Dificll res- ponder, JA que essas questies nem sempre esto transparer tes no Estudo. Deve-se buscar agul e all plstas que possam indicat caminhos. Assim, 0 prefelto Toledo Piza justfcou a contratagéio do Estudo com o intento de langar as bases de um planeja- mento “sério © bem estudado", escolhendo 0 padre Lebret por causa da “serledade de sua organizagéo, eutoridade moral de que 8e revestia @ a flosofia que norteava sua agéo. Ninguém melhor que o padre Lebret para assumir a diregéo de um trabalho sério © profundo, que desse condigdes de Vida préximas &s naturals e onde se pudesse viver feliz, mesmo aqueles menos provides de recursos naturais” (12). A filosofla que norteava a agao do padre Lebret era um conjunto de princfpios te6rico-praticos e de conduta indl- vidual conhesido por Economia e Humanismo, definido por ‘ele como “um engajamento diante da miséria do mundo, um ato politico de miserioérdia, entendido no sentido evangé- lico @ etimol6gico” (13). Os trés princfpios dessa fllosofia ‘880: 0 reconhecimento de uma miséria universal que co- loca em perigo a propria existéncia da natureza humana; @ urgéncia de um engejamento universal, capaz de atacar a civlizagéo que produz essa miséria; 0 estabelecimento de Um itinerdrio pessoal e vivo que, partindo do estudo do homem concreto no tempo presente, pesquisa as causas de seu Infortinio e prossegue Intervindo efetivamente no sentido de atenuar ou suprir essas causas. Embora sendo um estudo da Cidade (e da regiéo do fentorno) € no um plano, a Sagmacs propés intervengées ‘em vérlos campos. & através delas que podemos inferir 0 ‘deal de cidade que norteava. "Uma cidade, mesmo bem ‘ordenada materialmente e administrada segundo as regras normals, no 6 verdadeiramente humana senéo através da real associagéo de todos os cidadéos que Ihes conoer- nem. ‘Sem uma organizagéo e uma administragéo desse tino, 6 llusério pensar que 0 espirito de responsabilidade ooletiva 0 senso critica, que s80, de acordo com a pesquisa socl- o6gica, muito fracos na populagdo, venham a desenvolver- se, 6 quando se chegar a assegurar de modo satisfatério para toda a populacdo as indispenséveis infta-estruturas que definem e caracterizam uma verdadeira cidade, ser& possibiitada a essa populagéo a alegria de viver, a conft- anga, a establidade e 0 equilibrio que a pesquisa sociol6- ica revelou anormalmente fracos. Nao se pode viver feliz (ora, permitirviver feliz 6, desde o tempo de Aristételes, fungo essencial de uma cidade) na desordem, na permanente ‘esperanga frustrada, na improvisagéo indefinida” (14). Esses Ideals so concretizaveis, afimou o Estudo. A cidade habitével 6 sua possibiidade, “Por cidade habitéve! entendemos uma cidade: onde a circulagao seja isica e econo- mmicamente possivel; onde toda a populagdo urbana possa encontrar condigdes normals de vida familiar e coletiva; onde © custo dos servigos urbanos no sela tal que reduza sistema- ticamente a érea dotada de equipamentos satisfatrios” (15). A cidade humanizada do padre Lebret e da Sagmacs Possui varios © belos atributos: ela é bem ordenada mate- rlalmente; acministrada democraticamente; descentralizada administrativa © polticamente; norteada pelo zoneamento Corganico (néo-funcional); seu crescimento 6 limitado e a especulagéo coibida; possui uma lei orgénica especial. Em sintese, @ cidade humanizada era orgénica, plane- Jada, descentralizada, democrética, coletiva e, talvez, cris- '8. Ela exigia outro governo € novos lideres. A “Economia & Humanismo” pretendera formé-los. E 0 melo ambiente, onde ficava nossa concepgéo? Se entendermos meio ambiente como uma totalidade, inclu- indo aspectos naturals e aqueles resultantes da agéo humana, © Estudo da Sagmacs privilegiou o meio ambiente construl- do, © homem é a principal referéncia. Havia preocupagées com © meio fisico ou natural como pano de fundo. Quando © Estudo define o perimetro de urbanizagio e propée con- troles rigidos para eviter a ocupagao periférica, jusifica essas medidas em fung&o da depredacéo do meio ambiente e do enearecimento na implantagdo da infra-estrutura. nos locals distantes, Mas 0 fundamental era a agéo do homem no meio. Pelo menos duas andlises que o Estudo suscita so Importantes. Em primeiro lugar, tratava-se de um estudo Interdisciplinar, fato novo @ até raro entre estudos e planos Urpanistioos. Houve, ¢ claro, a participagéio de profissio- nals de varias formagSes, como arquitetos, engenheiros, alguns economistas e socidlogos. Mas a énfase do trabalho ‘ndo estava no fisico-territorial e sim no humano. Nesse sen- tido, 0 Estudo aproxima-se de outros formulados no campo da ecologia contempordnea, que cada vez mais aprovelta contribuigSes de outras ciéncias, Em segundo lugar, hou- ve interesse em estudar a cidade a partir do cotidlano de ‘sua populagéo: 0 comer, it para a escola € para o trabalho, © viver conereto (¢ sofrido) da maioria do povo. Nesse sen- tido, 0 Estudo da Sagmacs também bastante atual. Isso néo impede que se verifiquem equivocos na con- ‘cepgo do Estudo. Um deles era a visdo dos integrantes do (4) SAGNAGS, op pp. V5, V8. Ges nue 418) SAGNACS. op ok, pv8 (18) Gnausci, Obras Eso, So Pao, vara Marne Ears 187, p48 ‘Sao Paulo em Perspectiva,5(2):51-61, abrilunho 1881 ‘movimento Economia e Humanismo ¢ elaboradores do Estudo de Sao Paulo sobre o trabalho do planejador. Acreditavam nna possiblidade de o planejamento, néo s6 urbano, levar a Promogéo humana até as classes carentes. Era como se eles se colocassem como intermediérios entre a avalancha do poder eccnémico @ uma populagao vitima, Como se fosse Possivel ao intelectual trabalhar acima dos interesses “menores" do poder econémico, ¢ também acima das lim- tages da populagdo pobre, Uma situagao intermediéria, de demiurgo. Os planejadores da Sagmacs acreditavam ser possivel a methoria das condigtes de vida através da ra- cionalidade do planejamento. Por outro lado, 0 urbano era concebido como categoria auténoma de conhecimento, daf seu descolamento do real ‘A importéncia que 0 aspecto fisico-territoral assumiu nos Pianos urbanisticos, e em parte também no Estudo da Sagmacs, reflete a influéncia que a arquitetura modema, a Carta de Atenas e Le Corbusier exerceram nos planejadores Uurbanos: mudando-se a cidade, mudar-se-la a sociedadel A cidade humanizada, aquela do padre Lebret @ da Sagmacs, como fosse muito mais imaginérla do que real, do se coneretizou. Por que isso ocorreu? ‘A Sagmacs no teve condigées histbricas para se In- ‘serir como contribuigo técnica @ politica nas condigbes do pais. Faltou sustentago politica, J4 que nem segmentos das classes socials, nem as instancias piiblicas munioipals (ou 08 partidos assumiram as propostas da cidade human zada Outra explicagéo pode estar na limitagéo do pensamen- 10 catélico. Gramsci colocou bem essa questo: “Do ponto de vista flosético, 0 que ndo satisfaz no catolicismo ¢ o fato de que, no obstante tudo, poe a causa do mal no préprio individuo, ou seja, concebe © homem como individuo bem definido e limitado... A humanidade que reflete em cada In- dividualidade & composta por diversos elementos: 1) 0 Indlviduo; 2) 08 outros homens; 8) a natureza... O individuo do entra em relagao com outros homens por justaposig& ‘mas organicamente enquanto passa a fazer parte de orga- rismos, dos mais simples aos mals complexos. Assim também © homem nao entra em relagdo com a natureza simplesmen- te pelo fato de ser ele mesmo natureza, mas ativamente por melo de trabalho e da técnica, Mals ainda, estas relagdes no so mecnicas. S4o ativas e consclentes... Por isso se pode dizer que cada um muda a si mesmo, se modifica, na medida em que muda e modifica todo o conjunto de rela- ‘g6es de que ele € 0 centro de ligagdes. Nesse sentido, 0 fil6sofo real & e néo pode de deixar de ser o politico, 0 homem ative que modifica o ambiente, entendendo-se por ambiente 0 conjunto de relagbes que cada um passa a fazer parte” (16). 87 ‘A nfase na transformagéo do individuo @ néo de seg- mentos da populagao, na formagéo da consciéncia em si, 1o para si, impés limites intransponivels & realizagao daquela visdo de “cidade para todos”. As propostas do Estudo cal- ram no vazio. ultra contradigéo do Estudo dificil de ser encaminha- da & a dualidade real versus utopia, que no pensamento de Lobret adquiru contornos agudos, porque exigla do profs sional catélico que considerasse seu trabalho como uma misséo nese mundo. Quando as condigbes objetivas do real limitavam ou impediam a concretizagao da utopia, pro- vocavam angistias @ frustragées pessoals. A prépria idéia de cidade humanizada, que compreen- la a cidade orgénica, democrética, descentralizada, pare todos, entrou em choque com a Idéia dominante, que ainda era a da cidade modema de Prestes Maia e da burguesia ascendente, SAo Paulo moderna era o palco da burguesia. ‘86 a alterago do bioco histérico poderia mudar a cidade. Tampouco a socledade era orgénica, democrética, Justa. ‘Ao contrério: era dividida, injusta, capitalist. Tudo Indica, no entanto, que essa viséo humantstica de cidade no se perdeu. Ela persiste no pensamento ¢ na prética de planejadores como utopia. Considerar a cidade comomelo ambiente a ser preservado endo destruldo-embora melhorado - no 6 também uma utopia? O Estudo da Sag- macs | havia tentado aliar planejamento urbano e meio ambiente socialmente construido. Mas a cidade real era outra histéria, De destruigéo - néo preservagao - do meio natural também do homem. ‘A cidade economicista e 0 melo ambiente Nos anos finals da década de 60, Sao Paulo deixara de ser apenas uma grande oldade. Era agora uma metrépole, ‘a maior do pais. O unlverso urbano em causa 6 0 metropo- litano, Se 0 espago é outro, ampliado ou inchado, tempo e ‘motivo também sao outros. E um tempo marcado pelo medo, censura, ditadura. & nesse universo/espago metropolita- no, o modemo @ o humano ficarn encobertos pelo predominio do econémico. A Cidade se transforma num campo de ba- talha, num “setor produtivo" do capitalismo. Destruir vias, avenidas, bairros, conjuntos habitacionais, oreches, esco- las, prédios, hospitais passou a ser uma das metas. Cons- truir e destruir a cidade & uma técnica capitalista, assim como fazer a guerra, Estado autoritério passa a ser personagem importan- te nesses anos. © “milagre econémico” estava por aconte- {G77 OE sado de 6. Paul. Sto Pal, 0570.3 Asud ANN! O. Estado oPanclanento Tondo no Brash, Ao ce Jano, de, Chlzego rears 1085, 5208 58 ‘cer. Como preparar a metropoie para recebé-lo? Varios planos foram concebldos, nos Ambitos econémico, social, polit co, urbano, regional e setorial. S40 Paulo fol objeto de tres deles, especialmente: 0 Plano Urbanistico Bésico (PUB), composto de sels volumes mais um relatério sucinto, con- clufdo em 1969; 0 Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado do Municfpio de S40 Paulo (PMD)) © 0 Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do Municipio de Séo Paulo {PDD)) instituldo pela Lel 7.688 de 30/12/1971. Era a épo- ca dos superplanos. Veremos, em seguida, como o melo ambiente fol tratado nesses tr8s. documentos. ‘Ap6s 1964 viviese 0 apogeu da tecnocracia estatal. & sintomética a afirmagéo airibulda ao entéo presidente Garrastazu Médici em 1970: “Vamos deixar 0 Congreso com os politicos @ o governo com os técnicos” (17). 0 ob- jetivo do miltarismo de modemizar a administrag&o publi- ca passava pela formacao de uma burocracia efciente, res- ponsével @ consclente de seu papel, pols & ela, dizia 0 presidente, quem na verdade administra o pais, define prioridades. Ao governo militar ndo interessava a mudanga ‘ou reforma do sistema politico-econémico, mas apenas aperfelgoé-lo, Daf no se ter alterado a posse ou 0 uso da terra, fosse no campo ou na cidade. Daf também a utliza- 0 da tecnoestrutura, ‘A Regio Metropolitana de Séo Paulo concentrava, como ainda hoje, a malor parte do capital e da méo-de-obra operéria do pais. Possuia algumas caracteristicas marcantes: @ presenga do migrante, agora nordestino; grandes desniveis socials; era altamente concentradora em relagéo ao Esta- doe ao pals. A regido era uma realidade complexe e em cons- tante movimento. ‘880 Paulo © sua regiéo foram conoebidas pelo Plano Urbanistico Basico como um grande campo de levantamen- to de dados. Informages de todos 0s tipos, nivels, escalas @ séries foram coletadas, @ a partir daf realizaram-se ind- meras descrigées, previsies mateméticas, simulagdo de modelos e arrolamento de alternativas. A sofisticagao das ‘técnices empregadas detectou a conhecida conoentragéio de renda, E mais, a metrépole era fragmentéria, desarticu- lada, desunida. Do ponto de vista urbanistico, cresoaram multo 08 vazios urbanos diagrosticados pelo padre Lebret. ‘As petiferias, iregulares ou clandestinas, ficavam muito afastadas dos locals de comércio © servigos, que por sua ez concentravam-se em alguns poucos espagos da cida- de. Outros problemas detectados na ocupagéo terrtorial eram: 0 retalhamento do solo urbano, fruto do parcelamento esponténeo; a ocupagao de reas impréprias, como a dos mananciais de 4gua e aquelas suletas & eroséo; necessi- dade de somas vultosas de recursos financeltos para a ex- panso dos servigos urbanos ¢ do sistema vidrio. Os ser- vigos constituiam um grande desafo, que alguns poucos dados podem ilustrar. Quanto ao abastecimento de gua, eram atendides apenas 50% da populagao urbana da Regiéo Metropolitana e 85% da do Municipio de Séo Paulo. Quanto a0 esgoto, 35% da populagao urbana da Regiéo © 37% do Municipio eram atendidos. Os despejos eram langados in natura nos tios Tiet8, Pinhelros, Tamanduetel; as enchen- tes nos rios Tieté © Tamanduatei ¢ os indices de poluigao do ar eram preocupantes. Todos os dados da érea soolal - educagéo, sate, hab tagdo, bem-estar social, recreagao, cultura e esportes - in- dicavam um decréscimo na quantidade e qualidade de aten- dimento. A cidade real era caética, local de extrema miséria © extrema riqueza. Para o PUB, porém, ela poderia ser “cor rigida", reformada. Por exemplo, ao analisar a especuila- 40 Imobilléria, o PUB afirma que: “O fenémeno da especu- lagao é uma conseqiéncia natural ¢ inevitével da operacéo do mercado de livre oferta @ procura de terrenos urbanos @ seus efeitos t8m sido sentidos no mundo intelro, sempre que as condigSes de mercado so semelhantes. No entanto, hd medidas corretivas que podem ser aplicadas sem alterar drasticamente as caracteristicas do mercado (18). E compreensivel que os planejamentos acreditassem na reforma ou corregao dos problemas. Vivia-se a ideolo- gia do “milagre econémico”. Os recursos financeiros néo seriam problema, dizla-se, Eles virlam, preferencialmente, do exterior, Era preciso construir uma nova cidade, afitmava o prefeto Faria Lima na apresentagéo do PUB. Era a cidade do “mi- lagre". A metrépole do PUB fol exaustivamente calculada, medida, dividida, somada, subtrafda, Mas isso tudo néo ‘explicou sua transformagao num campo de batalha, no espago privlegiado do capital. Desde 1960, a Grande S40 Paulo passou @ desempenhar importante papel na integragéio da economia local no mercado Internacional. Nessa regiéo instalaram-se 05 meios de produgéo e de gerenciamento das empresas multinacionals - ao lado das nacionais, piblicas ou privadas, de grande porte -, bem como nela se concen- trou a forga de trabalho que fez funcionar essa complexa engrenagem. A nova divisao intemacional do trabelho e &s Impostas pelo sisteria financelro internacional, que passou a exereer influéncia cada vez maior na economia e politica dos paises dependentes ou “associados", allou-se a exis- téncia de forga de trabalho barata e de mercado consum! dor interno. Os Investimentos estrangeiros aplicados, embora reduzidos em termos de economia mundial, acarretaram (ja) PREFETURA GO wuN'ciPio DE sho PAULOGRUFO EXEGUTIVO DE PLANEIAMENTO. Plane Urbenitiee Buses, Sho Pao, 2,188,537. ‘Sé0 Paulo em Perspectva, 5(2)51-61, abriljunho 1991 profundas transformagSes nas estruturas econdmicas & socials. Essa conjuntura explica a presenga do Estado autor ‘ério no planejamento urbano e metropolitano a partir de 1964, justiiada Ideologicamente pela necessidade de ‘controlar abusos individuals ou de grupos no consumo da cidade. Na realidade, porém, 0 Estado precisava conter as pressées dos grupos socials urbanos que ameagavam de- sestabllizar 0 regime. O Estado atuou em todos os setores @ nivels: federal, estadual, regional e municipal, Para inter- vir no urbano, foram criados o Banco Nacional da Habitagéo (BNH) @ 0 Servigo Federal de Habitagdo © Urbanismo (Serthau), através do qual se enfatizou o planejamento local integrado e, por extenséo, a “industria de pianos’ Em Ambito regional, 0 Estado de Séo Paulo ctiou em 1967 0 Grupo Executivo da Grande Séo Paulo (Gegram), que formuiaria 0 Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado. Foi a primeira experléncia de regionalizagéo. E 0 melo ambiente? A questéo ambiental néo preocu- ava? Decididamente, nao. Nem ao PUB nem ao PMDI. A lel do PDDI, que seré posteriormente analisada, fol excagdo. ‘Sobre alguns problemas ambientals de S40 Paulo na 6poca, 0 PUB fez algumas citag6es genéricas: a neces dade de controle da polulgSo do ar, égua e ruidos; a neces- sidade de obras contra as Inundagdes; @ construgéo de emissérios e medidas despoluldoras nos rios Tiet®, Taman- duatel e Pinhelros. ‘A visio de cidade do PUB e PMD! se assemethava a0 sonho de uma grande construtora: abrir espagos, constrult balrros intelros, vias expressas, escolas, novas vias expres- sas, creches, outras vias, hospitals, mais vias, postos de saiide, metré... construir sempre. Nas ambiciosas metas do PUB, privilegiaram-se os transportes @ 0 sistema viério, Destruir também era construit. Preservar, certamen te, nao se colocava, Oprefeito Faria Lima assim expressou sua viséo de cidade: “Humentzar Séo Paulo néo significa apenas construlr vi dutos © pontes, rasgar novas avenidas, pavimentar ruas, ‘colocar guias e sarjetas. Era preciso atender a outros setores basicos, como 0 da educagao e cultura, construlr hospitals, ‘oreches, biblitecas, estabelecer redes de parques @ jar- dins, edificar 08 centros educacionais e recreativos @, prin- cipalmente, quebrar 0 “tabu” do metré. Era preciso tomar a vida do habitante da Capital menos dura, menos tensa, mals feliz. Essa a doutrina da nossa administragéo. Enire- gamos agora a Sao Paulo o seu Plano Diretor. E um plano dindmico, que pode evoluir com a cidade e orentar o seu crescimento até 0 ano 1980. Nés 0 chamamos Plano Ur- anistico Bésico. Sua elaboragdo fol baseada na melhor experiéncia técnica nacional ¢ internacional. Ele sera a 59 ferramenta de um progresso @ de uma expanséo planeja- da, disciplinada ¢ humena, possibiitando & Prefeltura uma aco eficiente, Justa @ flexivel" (19). Os papéis estavam equacionados no PUB. Cidade, sociedade @ Estado conviviam harmonicamente, A sock dade, afirmava o Plano, oriara uma metrépole Cabia ao Estado corrigir as dlstorgées provocadas por seu crescimento @, mais ainda, favorecer 0 seu desenvolvimento. ‘A quem favorecer nao fol explicitado. © PUB possui 3.636 paginas. Poucas sao as referénoias diretas ao meio ambiente natural, & paisagem natural ou as questdes ambientals. Denire as diretrizes para o desenvolv- mento urbeno, recomenda-se “preservar e valorizar a palsa- gem regional, salientando as caracteristcas locals espectti- cas para enriquecer a qualidade do ambiente urbano” (20). Esta genérica diretriz vem acompanhada de outras, contra- ditérias: construir dois grandes centros regionals em Santo ‘Amaro @ Itaquera @, mals ainda, construlr uma nova cidade ‘em Parelheiros, para 800.000 a 1.500.000 habitantes! Como preservar a palsagem e, a0 mesmo tempo, construir tanto? ‘Outro exemplo: o PUB propbe a abertura de 815km de vias, ‘expressas na Regiéo Metropolitana (sendo 388km dentro cdo Municfpio de S40 Paulo) @ de 450km de metré. Como alorir tantos espagos sem destruir @ paisagem natural? ‘A qualidade da vida urbana & definida como 0 reflexo do desenvolvimento econémico e da acelerada expanséo demogréfica (21), 0 que bastante questionavel ¢ remete A questo do preconceito contra os migrantes. O proprio conceito de paisagem urbana é um bom exemplo de linguagem tecnocrética: “E qualidade essencial da pal- ‘sagem urbana, a presenga de determinado quadro organi- zado de sinais urbanos ou informagdes capazes de serem Imediatamente reconhecidos por um observador” (22). © que significa isso? Ou seja, 0 que essa definigao escondia? Poucas eram as propostas concretas para os proble- mas amblentais. © PUB colocava a necessidade de reser- vas florestais © grandes 4reas para recreagéo, sem maio- res especiicagbes. E quanto & polulgéo do ar, recomendava: 1) criagdo de érgao estadual para controle de poluig&o do far, a nivel metropolitano; b) zoneamento industria; ©) in- trodugéo de inovagées tecnolégicas nos veiculos. ‘A metropole do PUB era sofisticada, cosmopolita, inte- grada, sistémica, sem problemas ambientals. A cidade real era outra, tragmentada, desesperangada, favelada. (9 CARE Patra Bacto Pas cP ra cog. ‘ios us 2) tear (2) ae Rare Sueno, p13, (2) leer lar Suc, pa. 60 © Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado (PMDI), assim como 0 PUB, foi elaborado por um consércio de empresas. Concluldo em 1970, ndo fez um dlagn6stico da regldo, tendo aproveitado o do PUB e 0 do metré, cujo planejamento também se fazia na época. ‘© PMD! fez projegdes mais realistas que 0 PUB. Reco- mendou ag6es setorials a médio @ a longo prazos, visando a0 desenvolvimento da Regiéo Metropolitana de S40 Paulo. Os setores enfatizados eram o sistema de transporte, saneamenio e controle do uso do solo. As recomendagées sobre saneamento divergiam daquelas preconizadas no PUB, avangando na compreenséo dos problemas ambientals como resultado da ago do homem. PMDI recomendou preser- Var as represas Billings ¢ Guarapiranga, o Sistema Canta- reira @ 0 alto Tieté da poluigéo @ da ocupagéo urbana, atra~ vvés de legislagao de uso do solo. Indicou, também, preser- var a represa Billings do langamento de esgotos, através dda construgo de emissérios nos tos Pinhelros, Tieté Ta- manduate e do tratamento de esgotos em Pirapora, Pro- pés a prevengéo de enchentes em toda a érea urbanizada da regio do controle des barragens, estagies elevatérias do sistema Light @ outras medidas. Indicou a necessidade de disposigdo final do lixo de toda a regiéo 0 combate & poluigao do ar, através do controle das indiistrias poluidoras. Um dos objetivos do PMDI era proporcionar & populagéio qualidade de vida urbana compativel 8s suas expectativas, Expectativas de quem? De quals classes socials? No ideal de cidade do PMDI, a Grande S4o Paulo conti ruaria sendo pélo de atragéo de capitals @ méo-de-obra; enfatizavam-se a migragéo, a clminuigdo da taxa de natall- dade © 0 aumento na ocupagéo da periferia, viablizado por transportes répidos, Embora houvesse diferengas nas propostas do PUB e do PMDI, sous ideais de matrépole eram multo semethantes: consistiam na transposiao, para a Regiao Metropolitana, do “milagre econémico”. ‘Com mais semelhangas do que diferengas entre os planos, ‘a metrépole concebida pelo PUB © PMD! institucionalizou- se. Do embate entre a viséo idealizada dos planos e a cida- de real, palco de interesses poderosos, surglu a lel. Do lema ‘S40 Paulo ndo pode parar” de Faria Lima (promotor do PUB) ‘ao mote “S40 Paulo precisa parar” da administragéo Figuel- redo Ferraz (promotor da lel do Plano Diretor de Desenvol- vimento Integrado - POD), interesses preponderaram, posigies se firmaram e o Estado assumiu a postura de legislador, regulador e controlador do crescimento de Séo Paulo. Essa, porém, fol a face aparente da histéria, porque nna esséncia a Cidade toda jé havia sido fragmentada, repar- fa entre 08 grupos dominantes. Mas deve-se reconhecer ‘que a Lei 7.688 de 30/12/1971, do PDDI, trouxe avango na compreenséo do meio ambiente. A Lel define como diretriz principal propiclar 0 bem-estar da comunidade, através da consecugéo dos seguintes obje- tivos: criar @ manter 0 ambiente urbano favordvel as fungées urbanas de habitar, circular, trabalhar, cultivar 0 corpo eo ‘espitito; ampliar a8 oportunidades de desenvolvimento social; € institulr 0 sistema municipal de planejamento integrado. A preservagao do meio ambiente j& melhor definida no PDDI. Enfatiza a necessidade de preservé-lo contra a poluigdo do ar, do solo, dos mananciais de égua e da pal ‘sagem. Todo 0 capitulo V da Lel, artigos 24 a 32, trata do controle da poluigo ambiental. A Lei define normas, regu- lamenta proibigées e trata @ poluigéo ambiental como um conjunto de fatores, envolvendo o ar, som, Agua e solo. Também as éreas verdes, definidas como sistema, S80 tratadas num capitulo inteiro (Vill), nos artigos 41 a 49. O PODI classifica as areas verdes, a taxa de ocupagéo, re fringe bastante seu uso ¢ até Incorpora areas verdes par- ticulares. No item Il alia-se 0 desenvolvimento social & im- Plantagao pelo Municipio de um sistema de éreas verdes destinado & ampliagao @ preservagSo de espagos ajardina- dos arborizados, bem como a instalagéo de equipamen- tos de recreagéo, cultura e esportes. O Municipio também 6 obrigado a estimular 0 plantio de drvores e a preservagéo da arborizago por parte dos particulares, promovendo cam- panhas educativas. A Lei avangou também na compreenséo e reguiamen- tagéio da ocupagio da area dos mananciais @ no tratamento dado as enchentes. Foi bem formulada, clara, direta, sem muitos jargées tecnicos @ trouxe inovag6es importantes em vérias outras questdes, que néo a ambiental em estrito senso. A visao de cidade que estava por trés do PDDI no era muito diversa da do PUB e do PMDI: Organizada, regulada, integrada, sistémica, civiizada, estéri, sem espago para o confronto. Essa era a cidade ideal que se tentou criar por lel. A real era fragmentada, lucrativa, capitalizével Uma viso economicista da cidade - sua transformagéo num grande negéclo - a concebe como setor produtvo local da acumulagéo do capital, da produgdo dé mais valia e do lucro. Portanto, nada tem a ver com a preservagéo amblen- tal, Muito pelo contrério, destrél balrros Inteiros para cons- truir vias expressas, Os planos eram ideolégicos, no sentido de esconder, mmistficar 0 real. Tampouco os conftos da sociedade pode- rlam ser considerados nos planos, Eram documentos “neutros’, tecnocréticos, dai o seu desoolamento do real. As idéias de cidade visavam trazer para esse novo espago do capital a racionalidade da fébrica. Esquecia-se que no capitalismo a desordem do mercado se contrapbe a essa racionalidade pretendida e que a resolugao dessa contradlgéo se dé através de crises periédicas. ‘S40 Paulo om Perspectva, 5(2)51-61, abiljunho 1984 Nessas conjunturas de crise do capitallsmo, como Keynes ‘explicou, 6 importante a atuagéo do Estado na promogéio de investimentos pdblicos para induzir a aplicagSo de re- ‘cursos privados na produgao, e néo na especulagéo. Daf 0 Estado brasileiro miltarista ter promovido uma “revolugéo urbana” pés-64, 0 “inchago” das cidades eto. ra, no foi 0 erescimento desordenado ¢ sem planeja- mento da Cidade de Séo Paulo que levou a situagéo caética de hoje. Foram os interesses poderosos, a dllapidagéo dos recursos naturals e a forma de produgéo e distribulgao da riqueza socialmente construida os responsévels. Raciocinio ‘semelhante se emprega hoje ao acusar os pobres pela polulgo ambiental, sendo que eles séo as maiores vitimas! Lembrando Henrl Lefebvre: enquanto a sociedade ur bano-industrial se rege pela légica da mercadoria, a cidade '3e funda © exprime pelo seu valor de uso. A sintese que 0 ‘arqulteto busca através do urbanismo néo resolve a con- tradigéo. € no Jogo das lutas socials @ das crises que ola ca- minha, porque contém elementos para sua superagéo. Concluséo © planejamento urbano eo melo ambiente séo parce rosa cldade ideal dos pianos ena cidade real, Mesmo quando poUuco aparece nos pianos - como na cidade moderna e na cidade economicista -, 0 melo ambiente é muito presente no real. Confunde-se com ele, |é que entendemos melo ambiente como uma totalidade composta por fatores soc ais, biolégices « ffsicos. E por Isso alguns planos se desco- laram do real, 8 autonomizaram. ‘As trés idéias de cidade aqui analisadas, modema, humanizada @ economicista, n&o s4o excludentes @ nem se encerram nos vérios contextos histéricos em que foram produzidas, elas se contradizem, se sucedem, alteram seus significades, mas néo se esgotam. Moderna, na década de 80, era a cidade bela (entre outros atributos); nos anos 70, modema era a cidade planejada. Hoje, a cidade modera & a “ecolégica’. Melhor do que escolher entre preservar ou destruir 0 melo ambiente, precisamos transformé-lo, com ele, a cidade @ a socledade, : LEITURAS COMPLEMENTARES BERNAN, M. Tudo que 4 Sélido Deamancha no A. So Pai, Compara das Laas, ‘GRUPO EXECUTIV DA GRANDE SAO PALLO. Plano Matropottane de Desemot mento Iniagrado, Sto Pau, 1971 LEFEBVAE. HE Demcho a i Chdad Garslona, da, wd, Elones Parra 1607 PREFEITURA 00 MUNNGPIO DE SAO PAULO, lan Dintor de Deservavimart In ado (Lal r?7.88), Sto Palo, 1071 6

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