You are on page 1of 96
Coes (que fe. nl uma idade uma ciate? O quo tem sido ‘omum a odes ss blades avs ds tor pos? Ser que a causa bisa os raves preblras das malorscdadesbaseias€ osu tamanho, coma feime senso camum em insist? Como podem ees problemas es adequadamene enteledss? (fercerresposts pata esses e autas pigunls, ce ora no simpli, mas, 20 meso tempo acessvel aun pio Fig, oobjetive destelivo. Ap nos debrsarmos mais datdamente sobre certes questoes que envolvem a causas dos problemas ur banos es naneres de suerélos,verfeamas que a espostes Hue riuios, na quotileno, t8m na ponta da lingua séo apenes en sanadoremente “byes” com reqdénela,ineomplets ou equ vovadas, No que aqueles que no sf0 pesquisadores do urbano rio devam se prenuncl sobre as causes eas sigs a alo que osafige em seus espapos de moras, rabalho,crcuagao 0 lazer —longe dsl Els podem devemfazt4o poistdmo defo de tomar partonas decsdas soir ofutur de suas cidsdes. No 0, no svi mals proviso se es nudessem paticpar de dabates edelberagbesslblicos tendo ravadoalgum ipo d2con- Into prvio como aoervo de conherimentosénicosieifios que, hi loads, vem sendo produndo sobre as edades brsslers ou sobre a cidade em goa? Do Autor (pela Bertrand Brasil) ODESAFIO METROPOLITANO ‘Um Estudo sobre a Problematica Sécio-Espacial nas Metrépoles Brasileiras PREMIO JABUTE™-2001 Giéncias Humanas ¢ Educagio MUDAR A CIDADE ‘Uma Introdugdo Critica ao Planejamento & Gestdo Urbanos Marcelo Lopes de Souza ABC DO DESENVOLVIMENTO URBANO 23 edigio BERTRAND BRASIL (Copyright © 2003 Marcelo Lopes de Souza Capa: Leonard Carvalho Esitoragdo: DEL 2005 Impresso no Brasit Printed in Brazil CaPsBrail. Catalogacio-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. Souza, Mareelo Lopes de, 1963- $7164 __ ABC do desenvolvimento urbano / Matcelo Lopes de Ped. Soura—2* ed. ~ Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005, 192p. ISBN 85.286-1013-6 4, Regiées metropoltanas. 2. Desenvolvimento urbano. 3. Crescimento uebano. 4. Reforma urbana, I. Titulo, cpp -307.76 03.0521 CDU-316.334.56 ‘Todos os direitos reservados pola: EDITORA BERTRAND BRASIL LTDA. Rua Argentina, 171 ~ 1° andar ~ Sao Cristévao 20921-380 ~Rio de Janeiro — RJ ‘Tel: (Oxce21) 2585-2070 — Fax: (Oxx2) 2585-2087 [Nao € permitida a reproducio total ou parcial desta obra, por {quaisquer meios, sem a prévia autorizago por escrito da Editora ‘Atendemos pelo Reembolso Postal. SUMARIO Por que livros de divulgagao cientifica, nas ciéncias sociais, so tio ares? (Uma conversa prelimi com 0 leitor) 9 Introdugo: refletindo sobre as eidades, seus problemas e as manei- ras de supers-los. 19 1.0 que faz de uma cidude uma cidade 2. Quando e como surgiram as primis cides? 41 3. Dacidade individual ade urbana 49 4A cidade vista por dentro 6 5. Problemas urbanos e conflits sciis 81 6.0 que devemos entender por desenvolvimento urbana? 93 7. Das falas explicagdes sobre os problemas urbanos is Fala os. 108, receitas para supe 8. Reforme urbe: conceivo, protagonists e histiia LLL 9-Os instrumentos da relorma urbana 123, Fee 10, Os obsticulos eo aleance da reforma urbana 133, 11. “Trmnos" e “primas” da reforma urbana: orgamentos ‘particjpativos e organizag0es de economia popular 139 Conclusio: Das tribos & “globalizagdo” ~ a aventura humana e 0 papel das cidades 153 ‘Termos técnicos explicados 167 Bibliografia comentada 181 Sobre as ilustragdes 189 ‘A cidade em progress [Nao eresceu? Cresceu muito! Em grandeza e miséria [Em graga edisenteria Deu franguia especial & doenga venérea E 2 ala quinguilharia ‘Tornou-se grande, sérdida, 6 cidade Do meu amor maiort Defxa-me amar-te assim, na élaridade Vibbrante de calor! (Do poems A cidade em progresso, de Vinicius de Moraes) Por que livros de divulgacdo cientifica, nas ciéncias sociais, sao tao raros? (Uma conversa preliminar com o leitor) ‘Um professor de Fisica que tive, no tereiro ano do ensino médio —chamado, naépoca, de? grau—,costumava,fazendo um gracejo de duvidosa qualidade, dividir as eiéneias em “exutas” e “ex6ticas”. Fora mais ou menos dois anos antes, no camego do ensino médio, ‘que eu comecei a enveredar mais seriamente pelo caminho que me levaria, anos depois, a optar profissionalmente pelas “cincias exsti- ‘cas”, Entretanto, as minhas grandes paixbes itelectuais, durante a ‘maior parte da adoleseéncia, foram outras: Astronomia e, justamen= te, Fisica, Foram essas duas paixdes que, se nfo me abriram propria ‘mente as portas de um mundo maravilhoso, o mundo dos livros (as {uss ji tinham sido abertas anos antes), certamente me estimularam ainda mais a explori-lo, Foi por essa épaca que travel contato com algo fundamental para despertar vocagbes nos jovens, assim como para a informagio do piblico leigo em geral: as obras de divulgago cientfica. Inesquecivel, para mim, 0 convivio com autores eapazes de tra- , 0 leitor deve consular @se580 ‘Termos téenicas explcados. 0 simbolo s6 foi uilizado, porém, quando da primeira apargio da mesma palara no texto. ‘A bibliogrfia ni foi citada, no corpo do texto, dentro dos padedes académicos comvencionas, para torn eta mais escor reita € menos pesada, Quando algum nome de autor for mencionado, porém, oletor irs, normalmente,encontré-lo também ao final do livo, na sesio Bibliografia comentada, 6 evidente que um texto como o presente, que aborda assuntas bem diversitieaes a respei da dinimicn una, dos problemas dis eidadese das tenttivas de enfrentament dsses problems, 0c em temas que vém Sendo estu- dados hs geragdes. Por outro ldo, este lvro no € um tratado, mas sim uma ola de divulgagio. Po ess ao, a bibliogratia fo restin- ida a alguns abathos fundamen, de acessorelatvamente fi para o Iitorinteressado, As referacia $0 quse todas em lingua portuguesa, e sempre se trata de livios, munca de artigos publicados em algum periddico especializado e de diffeil acesso, © motivo € simples: nfo se desejou, com a bibliografia, demonstrar erudigao, ‘mas, realmeate, orienta eajudar o leitor(presumivelmente, um leigo ‘ou, na melhor das hipSteses, um estudante de graduagio dos primei- 10s periods) interessado em aprofundar o seu conhecimento (© presente livo deriva de uma significativa experiéneia de pes- {quisa do autor no campo dos estudos urbanos.E, no entanto, diferen- temente dos meus livros anteriores, ndo foi algum projeto em particu Jar, ou um conjunto de projets, que forneceu a inspiragioe 0 contex- to mais imediato para a feitura do trabalho. Complementarmente Aquilo que escrevi piginas atris, posso dizer que a inspiragio foram ‘as minhas muitastentativas de explicr, para leigos ¢ paraestudantes de graduagdo (os quais, ao menos quando se encontram nos periodos iniiais, muitas vezes no apresencam uma bagagem de conhecimen- to especifico significativamente superior & de muitos leigos), concei tos, teorias, processos empiricos ¢ instrumentos de planejamento. ‘Traduzir em linguagem clara todo um acervo acumulado de conheci- rmentos, sobre a base de minhas préprias pesquisas ou das de colegas préximos ou distantes, de mado a informar um grande pablico, foi 0 patses perféricos, semiperi- {fericos e centrais), 6 vista como um espago de concentrasio de opor- 40 de ~» necessidades bésicas materiais (mora- “ia, sade.) e imateriais (cultura, educagao..), mas, também, como tum local erescentemente poluido, onde se perde tempo e se gastam _nervos com engarrafamentos, onde as pessoas vive estressadas & “amedrontadas com a violénciae acriminalidade. ‘Apesar da gravidade dos problemas constatados no dia-a-dia da Vida de qualquer morador de cidade grande (e, cada ver mais, tam ‘bém média) brasileira oletorleigo que se dirigr a uma livraria bus- ccando uma obra para informar-se sobre a natureza das questoes ‘envolvidas, a glnese eas causas das dificuldades o as possibilidades de promosio de cidades mais justas e agradaveis rd, provavelmente, se desapontar DiscussGes sobre esses assuntos ni tém faltado, mas tm ficudo excessivamente confinadas em um ambiente académico ‘ou de profissionais de planejamento urbano. As obras disponiveis sobre esses temas foram escritas por especialistase para especialistas (eestudantes universtirios destinados a se comarem profissionais da frea). Ao grande pablico restam, assim, principalmente, as opinites, andlises ¢ impressdes veiculadas pela imprensa, da autoria de jorna- lista, politicos e administradores pablicos, © s6 uma vez ou outra também de pesquisadares de temas urbanos e profissionas de plane- Jamento urbano. Ocorre, porém, que, nfo apenas devido ao fato de ue as andlises de jomalistas e polticos costumam nfo primar pelo ‘igor, mas, ainds por cima, em decorréncia da brevidade e da super= ficialidade quase que impostas pelo tipo de vefculo de divulgagao (jornal, revista, televisio ou ridio), hd uma enorme caréneia de and- lises que, som serem, novessariamente, “complicadas”,sejam corre- 1s, profundas e abrangentes. Conforme eu jé disse na "conversa pre- liminar com o letor", é esse tipo de lacuna que o presente livro quer ajudar a preencher. Refletir sobre as cidades e seus problemas significa refletir sobre alyo a respeito do que ja yente lia que tea" reaps ponta da fngua. “O problema é a falta de planejamento”, costuma-se ‘ouvir; “essas eidades cresceram demais, & preciso livrar-se de uma parte da populagio", dizem outros, normalmente sem explicar como seria a forma mais adequada de “livrar-se” de um suposto “exveden- te populacional”; “a parti de um milho de habitantes qualquer cida- de torna-se insuportivel”,asseveram virios, com ar de quem esti de posse da verdade suprema e inguestionsvel; "6 preciso impedira for- magio de novas —> favelas”, elamam no poucos, ao que outros ou ‘eles mesmos acrescentam Ser imperativo remover as favelas jé exis- tentes (afinal, a favelas so, para tantos moradores da classe média © abastados, “antros de marginals", ameagas constants & paz na cida- de ao valor dos iméveis de sua propriedade). Que respostas, entre- tanto, so essas? Ao observé-las com rigor e atenglo, pode-se notar ‘que ahrigam esterestinos, clichés. preconceits lamentiveis e perigo- sos, na esteira de equivocos e simplificagtes. A midia, muitas vezes, ‘mais contribui pars reproduzir e amplificar visdes distorcidas que para corrigi-as. Entender a cidade e as causas de seus problemas é ‘uma tara muito menos simples do que se podera imaginar. Eenten- dee corretamente a cidade e as eausas de seus problemas é uma con- digo prévia indispensével&tarefa de se delinearem estratégias eins- trumentos adequados para a superagio desses problemas. Sé que informar-se sobre essa temstica no deve ser visto como tarefa somente para especialistas: ainda que apenas em um nfvel muito aproximativo e genético, os individuos nao versados no assunto pre- cisam conhecer corretamente as causas dos problemas dos espagos ‘onde viveme as linhas gerais dos debates correntes sobre como supe rar os diversos problemas. Essa € a nica maneira de participar mais ativamente, como cidado, da vida da cidade, nto se deixando tute- lar einfantilizar tho facilmente por politicos profissionais e téenicos 1 servigo do aparelho de Estado. 1.0 que faz de uma cidade uma cidade? s Definir € uma coisa que nada tem de muito simples, pois exige fm razoivel, as veze a mesmo um elevado (depenendo da com plexidade daquilo que se deve defint) poder de abstraglo, “Abstea- 10 termos pejorativos, ao cantrério do que buscar coisas em ‘eomum, ou regularidades, entre coisas diferentes. Essas ois" Bn ijn pen compere poteater posers hist6ricos... Por exemplo: se eu falo “cio”, estou lidando com um el de absragto mor do que quand alo “par alec ¢ Bsc snd agin guns ilo doen co Ren qe un é pastor alemio", © “meu exo Rex” situaese em um nivel ‘mente conereto, © express, inclusive, uma singularidade, ou seja, ‘uma coisa que 6 Gnica (pois aquele eo chamado Rex, que é0 meu, & Tinico, no sentido de que s6 existe um); “co” situa-se em um nivel muito geral, pois existem muitos milhdes de cles no mundo, perten- ccntes 1 numerostssimas ragas. As definigdes cientifieas, normal- mente, se referem a fonémenos bastante ou até mesmo extremamen- te {e gerais, ov mesmo universais, como se di, em especial, nas cincias hnaturais, Ninguém se interessaria em construr um conceito a propé- sito de algo que seja nico. Nas cifucias, mesmo nas socais, a pes- aquisa de relagaes € parte essencial do trabalho, e as comparagSes, ‘menos ou mais explictas, menos ou mais intensas, dificiImente podem estar completamente ausentes. O singular eo particular deve serentendidos & luz do que é geral (0 que nio significa, absolutamen- te, que apenas o que é geral interessa: € necessério, sempre, analisar as variagbes, as espocificidades e as suas causa inclusive conside- rar 0s fendmenos singulares). ‘A cidade é um objeto muito complexo e, por isso mesmo, muito iffeil dese definir, Como niio estou falando de um determinado de cidade, em um momento historico particular, € preciso ter em mente aquilo que uma cidade da mais remota Antigtidade e cidades ‘contemporsineas como, digamos, Csiro, Nova Torque e Téquio, mas também uma pequena cidade do interior brasileiro ("uma dessas cidades tio pacatas que nem tm lugares que no devam ser frequien- tados”, para recordar uma frase do humorista Millie Fernandes), tém em comum, para encontrat uma definigdo que dé conta dessa imensa vvariagio de easos concretos, Conceiluar 0 que seja um cdo é, segura ‘mente, uma tarefa menos espinnosa... ‘Oeconomistae gesgrafo slemo Walter Christaller, no seu livro Lugares centrais na Alemanha Meridional, onde expés a sua famosa “teoria das loalidades centrais”,j6 haviaregistrado (em 19331), em ‘uma nota de rodapé, a exist@ncia de uma "numerosa literatura sobre ‘o conceito de cidade”. Numerosa e, como ele também mostrou, pre ‘ihe de controvérsias. A literatura a respeito do assunto “cidades” e, ‘conseqiientemente, também as discusstes sobre 0 conceito de cidade, aumentaram exponencialmente no decorrer do século XX. O nivel de controvérsia a respeito do conceito, porém, no diminuiu ~ pelo con- trério. Assim sendo, nfo seria uma temeridade pretender, em um livro de divulgagio cientifica, enfrentar tema tio delicado? Sem divida, ¢ uma temeridade. Mas, que fazer? preciso que nos enten- atividaes print. (Ovorre, porém, que coisa no to simples assim. Nao 6 to simples, ‘io tanto porque s vezs, podem ser encontadas, como mindsculus ‘hots em meio a um oceano de espago constuldo, “extravagdncias espciais” como plantagdes de hortalias, verduas e legumes (oer- cultura), desenvolvidas debuixo de tomes de alas tensfo~ ose, em terres que, dificilmene se prestariam para qualquer outro aprove- lumento econtmico, Esse tipo de “extravagincia espacial” se v8, nds hoje, em alguns subirbios do Ro de Janeiro, cidade onde moro trabalho, e com a qual estou mais Famiirizado. Nto, deciidamen- fe. coisa nfo é tho simples, principalmente, porque, nas bordss a (ae, €conum exis uma “aixa de ans” ene o uso da terra tiicamente rurale o urbano Esa fuia de transigdo€ chamada, entre 06 godgrafos anglo-saxdes, de franja rural-urbana, e, entre 0s france- ses, comumente de espago periurbano. No Brasil amas as expres- ‘sbes sio empregadas pelos estudiosos. Quanto maior a cidade, em _ gral. mais complexo tende a sero espago periurbano.Nele se encon- tram misturadas duas “lgicas” por assim dizer, de uso da terra a (ural ea urbana, A “Iopica” rural éa da tera enguanto tera de abe tho para a agricultura ¢ a pecudria; o solo, aqui, tem valor no apenas Aevido& focaltngt do terreno, mas, ambém, um valor turtseco, io bs diferenga de ferlidade natural Ha “ASgien” urbana éa.d0, solo enquanto um simples suport para atividades que independem de ‘hols aiributos de fertiidade: produgZo industrial (indéstria de trans- Toxo consrug civil), aividadestercirias, habtagoecit- {ula (russ, avenidas ete.) O que pode confundir€ que, na fanja lias Vea Tice vitvel do expago (apuisngen son- Minin endo um aspecto “rural, ds vezes até belamente bueslivo ~ guns planagdes, muito verde, grandes espagos servindo de pasta- | 27 Ai a ‘gem para algumas eabegas de gado -, quando, na verdade, por tris dlisso se verifies uma presenga insidiosa e cada vez mais forte da “I6giea” urbana de uso do solo, Grandes areas servindo de pastagem para umas tantas eabegas de gado, por exemplo, nada mais sfo,fre- ‘gientemente, que uma “maquiagem’” para glebas mantidas como reserva de valor por empreendedores urbanos; sio, assim, terras de ‘esneculago, “em pousio socal”, por assim dizer, e que Serio conver tidas, depois de muitos anos ou mesmo apts algumas décadas, em Toteamentos populares ou condomfnios fechados de alto status, dependendo de sua localizagiio. Nem tudo aquilo que parece ser, por cconsegtinte, de fato é, em matéria de espago periurbano... (Ver, para ‘uma contextualizagdo mais aproptiada do espago periurbano na ci de, 0Cap. 4, A cidade vista por dentro.) ‘Além de tudo isso a cidade é, igualmente, um “centro de gestio do territirio”, por sediar as empresas. Porém, nem tudo se resume & economia! A cultura desempenha um papel crucial na producto do cespago urbano e na projesfo da importancia de uma cidade para fora desea lites fisicos, assim como 0 poder. A cidade & um centrn de zest do teritrio no apenas enquanto sede de empresas (privadas ‘estatais), mas também enguanto sede do poder religioso e politico. ‘Além do tnais, uma cidade no & apenas um local em que se prod- zzem bens ¢ onde esses bens sto comercializados ¢ consumidos, & ‘onde pessoas trabalham; uma cidade € um local onde pessows se ‘organizam ¢ interagem com base em interesses e valores 0s mais iversos, formando grupos de afinidade e de interesse, menos ou mais bem definidos terrtorialmente com base na identficagio entre certos recursos cobigados eo espago, ou na base de identidades terri- toriais que os individuos buseam mamtere preservar. ‘Uma questo interessante, a respeito do conceito de cidade, € a sequint: existe um “tamanho mimo” para se poder falar de cade? E,se existe, qual & ele? A partir de mil, cinco mil, dez mil habitants? ‘A respostaa isso 6 bem menos simples do que se poderia pensar. Cada pais adota os seus proprios eritéris oficais para estabelecer 0 que € uma cidade ou, maisamplamente, um ndcleo tide como propriamen- te urbano -, distinguindo as cidades de micleos rurais eomo aldetas € povoados. Iss fuz muito sentido, quando se tem em mente que,em um pals onde predomina um quadroem que a populagio rural érarefeitae vive dispersa, um aglomerado de umas tanas centenas de habitantes joule jd apresentar fungdes urbanas, enquanto que, em outro pats, no {ual a densidade demogrifica do campo € muito elevada¢ a populagao rutal vive concentrada em aldeias, um nleo de uns tantos milhares de hhabitantes hem pove ser, hasicamente, rural. Fixar um limite mfnimo. fom matéria de nimero de habitantes, como forma de se estabelecer 0 aque & cidade e o que nfo 6, om um determinado pats, € 0 jeito mais ‘ebmodo de se enfrentar a tarefa prética de distinguir entre ndcleos lrbanos erurais, e pode mio dar em resultados ruins, desde que se pro- ‘ei. isso tomando por fundamento um conhecimento sido da rea Jidde sécio-espacial do pafs em questio. No entanto, essa solugio ajuda muito pouco na hora de se entender o que é uma cidade, proble- mg esse antes de ordem qualtativa que quantitativa, ‘Além da estipulagio de Timites demogréficos mfnimos hi, tari- ‘hém,crtérios “funcionais” muito vagos, que deixam tudo em aberto: 0 caso do Brasil, onde nicleos urbanos sto as cidades e as vilas, endo que as primeiras slo sedes de muniefpios ¢ as segundas so seules de distritos (subdivisdes administrativas dos municipios). E, de filo, nenbum outro conteddo se associa a essa “definigio” brasileira ‘ficial de cidade e de vila: € certo, sem ddvida, que uma vila, que sedi um simples distrito, 6 menor que uma cidade, que sedia todo um muniefpio; mas, aelevagfo de uma vila categoria de cidade, na ‘ester da emancipagio do distrito e eriagdo de um novo munici pois, se um municipio pode comportar vérios distitos e, portanto, diversas vilas, no pode haver um municipio com duas cidades), € im processo essencialmente potion, Uma cidade pode tor, agsizn, uitos milhdes ou apenas uns poucos milhares de habitantes, e uma simples vila de um muniefpio populoso pode ser maior que a cidade que sedia um outro municfpio, em outra egido.. Ede se esperar, evidentemente, como cu jadisse, que os ertérios yam sentido e reflitam, a0 menos substancialmente, a reaidade do pl.em questo (no caso do Brasil, como se pode ver, 0 tipo de eri- lUrio adotado se presta pouco a esse tipo de consideragio). Entre- tanto, que “realidade” é essa que os limites formais adotados na maioria dos patses deveriam, de algum modo, refletr? Uma cidade, para ser uma cidade, precisa, mais que possuir um dado nimero de habitantes x ou y, apresentar uma certa centralidade econdmica (@, adicionalmente, também politica) algumas caracteristicas econd- ‘mico-espaciais que a distinguem de urn simples nGcleo formado por lavradores ou pastores, agrapados, em um habitat rural concentrado. or questdes histércas ligadas a tradigbes ow & seguranga, Em uma cidade (ou, mais amplamente, em um nécleo urbano) se concentram classes sociais nfo vinculadas, diretamente, 3 agricultura ou & pecud- Fla, como os capitalists, os trabalhadores (industrais, do comércio ct.) os profissionais liberas. Daf decorre que as atividades econ ‘micas ali desenvolvidas sero diferentes das que se podem encontrar em um mero povoado rural; jése viu que a vida esondmica da aldeia do povoado gravita em tomo da agricultura e da pecudria, ¢ que na aldeia € no povoado 0 comércio € os servigos so simplérrimos e vol- tados para o auto-abastecimento local, reduzindo-se a bens de consu- mo muito rotineiro (alids, muitos bens que os moradores de uma cidade, especialmente de uma grande cidade, compram no comércio de bairro, em uma aldeia ou pavoado costumam ser feitos em casa pelos préprios habitantes, como 0 pio e outros alimentos). Na cida- de, em contraste com isso, a vida econ6mica é diversificada, ¢ 120 mais diversficada quanto maior fora cidade. Ou quase... [Na verdade, a diversificaglo das atividades econdmicas da cida- de no depende 56 do seu tamanho demogréfico, do seu nimero de habitantes. Ela ocorre, também, muito em fungio da renda das pes- soas que lé moram (tanto da renda média quanto, evidentemente, da sua dictribuigdo),além de outros fatoree hierico eulturais. Além da diversidade econémico-espacial, também a sofisticagdo dos bens e servigos ofertados no nicleo urbano terd muito a ver com a renda média da populagio. F, por fim, a centralidade econémica, e, por conta disso, 0 status do n‘cleo como um centro de gestio do tert rio, te4, igualmente, nilo s6 a ver com a quantidade de habitantes, ‘mas, também, com a renda dos habitantes € outros fatores. Uma cida- de média em uma regio pobre, como o Nordeste brasileiro, tenders a ‘fo apresentar comérco © servigos tio dversificads e sofsticados «quanto uma cidade de mesmo porte em urna regito mas préspera, com ma presenga bem mais exprossiva de estatos de renda médios, como o interior de S20 Paulo ou 0 Sul do pals, por exemplo. E essa mesma cidade Toclizada em uma reito brasileira comparativamente prosper, se comparada a uma cidade de mesmo porte da Alemanha, 86 mostrard muito menos diversificada e sfistcad: ma cidade de 100.000 habitantes, mesmo em éreas relativamente présperas do Brasil, nfo costuma oferecercertos bens eservigos tipicamente pre= sees em cidadesalemas do mesmo port: servigos médicos altamen Ae expecializados, espetéculosteatrais—e, nfo raramente, 8s vees a comércio e servigos menos sofistcados,abundantemente presentes fem uma cidade alema desse pote, como livraras, esto quase ou (otalmente ausentes de una cidade média-pequena brasileira, O tama tho demogréfico, assim, muito pouco explica sozino: 0 que expica caractrsticas econdmico-espacias, em matéia de diversiicago, sofisticagao e cetralidade, €0 que ela representa enquanto mercado — (tamanho do mercado potencial claro, mas também o nivel ea dis- tibuigdo da rend eas carctristica culturus ds consumidores, Restmindo: no que diz respeito as cidades, pode-se dizer, se me peter a brineadeira, que, de mancira semelhante 20 tipo de res- Post que os exélogos costumam dar para individuos do sexo mas- Culino, atormentados com certas preocupagdes a espeito de sua, Aigamos, performance sexual, “tamanino ndo é documento", ou $6 0 a certo ponto—j que isso, pors 5, no basta, ou de muito poueo ‘diana isoladamente.. ‘Anda a prop6sito do assunto tamanho demogeafico, pode-se omplomentar 0 quo ve dsceantriormente ness capitulo Com ui Aiseussio introdutria sobre a questo da hierarquia urbana, a ser omplementada no Cap. 3, Da cidade individual & rede urbana. ‘Tocs jf ouviram falar em metrdpoles e megalépoes. Ess palavras fevestem, por um lado, conceits, usados hi décadas por estudiosos Als problemas urbanos e do planejamento egestio das cidades, mas, {4p mesmo tempo, sio usadas popularmente, pela impreast e pelo onde pébiico, feqUentemente sem qualquer rigor. & bem verdade que, mesmo entre pesquisadores ¢ estudiosos, persistem algumas controvérsias conceitusis au operacionais; € possfvel € necessério, seja Id como for, fornecer, aqui, um eselarecimento geral baseado em ‘conhecimentos que sio, hoje em dia, largamente consensuais entre aqueles que estucam as cidades. ‘Costuma-se pensar em uma cidade como uma entidade isolada e fortemente individual: a cidade x (uma cidade qualquer, hipotética) fi fundada em algums momento, hé alguns ou muitos séculos,cres- eu, sofisticou-se.. Ocorre que as cidades, muito freqlentemente, situamse to préximas umas das outras que ainteragdo entre elas vai, A medida que erescem e se relacionam mais © mais eatee si, sofrendo uma transformacio importante, Com o tempo, jé no se trata mais, apenas, de que 08 bens produzidos em uma sio vendidos na outra, ot de que os habitantes de ura buscam certos servigos mais especializa- dos na outra, ou, ainda, de que eventuais instituigdes politico- administrativas,legislativas, judicsria,reigiosas ou militares, sedia- das em uma, exergam seu poder também sobre a outra. O que vai ‘conrenda que elas se situam fia priximas eos vinculos entre elas se tornam tho intonsos que certos fluxos passam a “costuté-las” muito fortemente e, no fundo, elas passam a existir como se fossem uma s6, ‘ap menos sob virios aspectos. No caso, o fluxo mais significativo 6 0 ‘de trabalhadores assalariados, que residem em uma cidade e traba- tham em outra: € 0 que se chama de movimento pendlardidrio (local de residéncia -> local de trabalho -> local de residéncia), ou commu zing em inglés. Em algumas stuagbes, sho os proprios tecidos urbanos de uma e de outra que, em dado momento, se enconiam ese juntam; tem-se, entlo, o fendimeno da ~> conurbacto. A parti dai, esti-se democracia dteta em substituigho & monarqua eA aestocraci, especialmente ‘Atenas. O fto de term exstido pouces excess a oss gra vi- dentemente, no quer dizer que ela nfo poss se; Jesafada e supera- da novament Recapitulando: as primeira cidadessurgem como resultado de transfrmagbessocasgerais—econdmicas, el oyicas, poltieas € coulturais-, quando, ara além de povoados de agricltores (om aldeias) que eram pouco mais que acampames permanentes de produores dretos que se tornaram sedenrcs, urgem ansenamen- tos permanentes mores e muito mais compleyos, que vio abrigar uma ampla populagto de nlo-produloes: 80¥ymantes(monars, axistocats),funcionérios (como esribas), Satyrdotes e gueeifs. A cidade ird, também, abrigar artesilos especialigados, como carpin- teiros, ferreiros, ceramistas, joulheiros, tecelGes ¢ construtores navais, ‘05 quais contribuirlo, com suas manufaturas, pats o florescimento do csoméreio entre 0s povos. Em viros sentidos, por conseguinte, @ cidade difere do tipo de assentamento neokten que a precedea, menos compexo. nirelanto, a5 cidads coninuarim 8 tenSformarse durante 0s milésios sepuites ao seu apareiment,¢ comin a wansfoumar~ se sem cesar, A Revolugdo Industrial ma Euony, partir de fins dO séeulo XVI, e, mais amplamente, 0s process de industrials pelo mundo afora, também tiveram um imptero enorme sobre 0 tamanho €a complexidade dis cidades. Muito emborahajara0es para se usar mesmo termo para assentamentoy xp diversosquao 4 pequena Ur, noalvorecer do fenémeno urban, uma grande cd de cortemporinea, & de se pergunar: poder conoeito de cidade passa incélume, inalterado, por milsios de agsfonmagBes mate- Tia, poticaseculturais? Presumir que sim sea gcreditar que 5+ 08 concetos no So histrios, mas sim etm mutes. © QUE seria um equivoco, Daf sugirem, em momen, diferentes, novos termos.e novos coneivos, como conurbasio. melee megalepo- Je, que se arescetam e eniquecem & nossa vita do qu sja ot do au pode sero fendmeno urbano, Presentement, com a ubanizag0 acelerada do campo, em sentido econo, mara ultra, j iz, como se viu no capitulo anterior, que a cidade, de certa maneira, "esti em toda parte"; no s6 seus limites fsicos se mostram cada vez mais complexos, com a conurbagio e a integragio de cidades for- mando aglomeragées, metrSpoles e megalGpoles que se superpOem & ‘uma malha territorial formada, as vezes, por muitas dezenas de muni- cipalidades, mas, além disso, € a pr6pria idéia de um “earmpo” como lum meio muitssimo diferente ds cidade em matéria de relagdes de produgto, além de culturalmente tradicional e rets6grado, que vai perdendo a sua validade. Estamos caminhando, em grande parte, mais para diferengas de graue intensidade, deixando para trés 1 op0- siglo cidade/eampo em sua versdo mais rigida, Por outro lado, dentro Ue muitas grandes cidades, fendimenos de dissolugio, ou de fragmen- {go soviopolitico-espacial, vém tendo cada vez mais lugar (ver, sobre isso, 0 Cap. 5), O futuro dé que conseqUéncias tudo isso teré para a propria idsia de “cidade”. 3. Da cidade individual a rede urbana ‘exposigio girou, alé agora, em torno de cada cidade, indivi- ie considerada ~ sua economia, sua influéncia, a génese das cidadcs... No méximo, foram meneionadas easas artioula densas de cidades (a ponto de, em certo sentido, exist que como uma tinea cidade) que sto as metrSpoles eas megs ue se estendem, respectivamente, em escala local (“local nda", pode-se dizer) e sub-regional ou regional. corre, porém, stem, no mundo todo, muitas dezenas de milhares de cidades, alguns paises muito grandes, como o Brasil, midhares de cid esmo no interior de um Unico pafs, € claro que nem todas elas se anticulam diretamente entre si; algumas se atculam muito forte e iretamente entre si (mediante meios de comunicaglo e transporte, ppermitindo fluxos de informagdo, bens e pessoas), mas outras se at cculam apenas indirotamente, por intermédio de outra cidades. O que importa € que, seja no interior de um pats, seja em escala planetéria, nenhuma cidade existe totalmente isolada, sem trocar informagio € bens com 0 mundo exterior; easo contrrio, nfo seria uma cidade, De ‘maneira muitissimo varidvel no que concerne ao tipo de fluxo e, sobtetudo, dintensidade dos fluxos, todas as cidades se acham liga- das entre si no interior de uma rede ~ no interior da rede urbana. costume falar da rede urbana como se ela fosse um Fendmeno, por assim dizer, “nacional, pelo fato de que os estudos e eassifica- ‘es das cidades ao longo da rede urbana, usualmente, possuem uma, brangéncia nacional: rede urbana brasileira, rede urbana alemi, rede ‘urbana argentina. Todavia, todos sabemos que as cidades de um pais eso, dreta ou indiretamente,ligadas as cidades de outros pal- ses. Os bens que sio consumidos, ou as informagoes trocadas entre empresas, o dinheiro enviado por emigrantes © o$ lucros remetidos por filiais de empresas multnacionais ~tudo isso,e muito mais, mos- ira como, mesmo na eseala internacional, a cidades esto articuladas entre si, econ6mica, cultural ¢ até politicamente. Em dltima andlise, a rede urbana é um fendmeno que pode ¢ deve ser examinado em diferentes esealas: pode fazer muitissimo sentido em se falar de uma ‘rede urbana regional, especialmente em uma regido com uma forte cocréncia de idemtidade sSeio-espacial e de fluxos internos; contudo, cela seri, ao mesmo tempo, um subconjunto de uma rede urbana ‘maior, nacional, a qual, por sua vez, estaré menos ou mais fortemen- te articulada no interior de uma rede urbana global ‘A rede urbana no é “inocente”, no sentido de ser um “simples” conjunto de cidades ligadas entre si por fluxos de pessoas, bens & informagies, como se isso fosse coisa de somenos importincia ou nada tivesse a ver com os mecanismos de explorasio econémica & ‘exercicio do poder existentes em nossas sociedades. Por intermédio dda rede urbana, tendo-a como suport, a esto do territério se exer- ce, Vamos examinar isso com calma, paulatinamente. De pequenos centros quase sem centralidade, que somenteinflu- “quelam o terrtério do muniefpio (ou seja lio nome que, dependendo ‘do pas, tiver a unidade poltico-administrativa local) onde se encon- “om e para o qual server do sode, até grandes metrGpoles, ao longo “rede urbana se dstribuem mécleos urbanos com tamanhos e cen- “ulidades muito variadas. Dois papéis sfo desempenados por esses ‘leas; para usar as felizes expressbes de Armstrong ¢ McGee (ver ‘Nibliografia comentada), os papéis de eatros de acumulago e de “wentros de difusto. Na qualidade de reatros de acumulagdo, as cidades exercem vi- “ys Tungbes econdmicas. Para comesar, a fungio de extragaio e cap- “4ugdo do excedente alimentar. O excedente alimentar extrafdo do “apo (g8neros agropecusrios ¢ extrativistas) nfo € nelas somente “consumido, mas também armazenado (3s vezes em diversas cidades, longo de uma cadeia de distribuiglo e comercalizagio) e, comu- le, beneficiado (embalado e processado industrialmente) nos jtros urbanos. Tradicionalmente, no os préprios produtores is; mas sim atacadistas baseados om poquenas cidades que reco- ‘05 produtos do campo e os repassam para serem distributdos um outro atacadista, baseado em um centro maior (0 qual, por sua redistribuird parte dos produtos para centros ainda maiores), ou leyam para serer benefickados e processados. Os atacadistas asst- ‘com iss0, 0 papel de intermedisrios no processo de dstribuiglo final, nas cidades pequenas, grandes da rede, se estabolece toda uma cadeia de distrib Je comercializago em que os agentes, em nimero bem varidvel, (0s comerciantes atacadistas, os transportadores (no caso de no 08 préprios atacadistas) por fim, os comerciantes varejists. lv um desses agentes econdmicos exigiré, naturalmente, a sua im de luero, Quanto maiores as distncias mas, também, quan- Anis complexa for essa cadeia, mais caro sairé 0 produto para 0 smidor final, sem que o produtor primrio esteja se benefician- {com isso. Como bem lembra Roberto Lobato Cortéa,em seu liveo ‘le urbana (vide Biblografia comentada), 2s grandes redes de supermereados vieram introduzir um elemento diferente nesse qua- dro. Possuindo esquemas priprios de distribuiglo e desincumbindo- se tanto do atacado quanto do varejo, elas simpliticam a cadciae ei- ‘minam 05 intermedidrios. Os produtores, contudo, como salienta Corréa, nfo ganham com isso; de fato, 0 que ocorre& que essasredes de supetmercados auferem margens de lucro excepeionais. E em alguns casos, alé parte da produsio (fazendas préprias)e do proces- _samento ¢ embalagem dos produtos sed sob os seus auspicis. ‘A drenagem da renda fundiaria, ou renda da terra, é uta fungl0 das cidades associada ao papel de teatros de acumulagio. A renda da terra €o pu de rensuerasao obtido pelos propritéri rurat, via de ‘egra grandes proprietérios, que arrendam suas terras a tercciros.. ‘Muitos proprietdros, prticularmente em paises periféricos e semipe- riféricos,entrogam suas propriedades nas mis de capatazes ¢ admi nistadores ou as artendam, total ou parcialmente, passando a resid, «a maior parte do ano, ou mesmo em earater definitivo, nas cidades. ‘Stio proprietérios ausentes quase todo o tempo de suas teas, sendo ‘chamados, por isso, de absentelstas. Seus recursos, que poderiam ser ‘einvestidos no préprio eampo (modernizando a lavoura ¢ a eriago, relhorando as condigaes de vida ede trabalho dos empregados ct.) sii, na realidade, em grande parte gastos com o prGprio consumo pes- soal e familiar (compra de mansbes ¢ de bens de consumo diversos, ‘gastos com viagens), e, em grande parte, empregados em investimen- ‘tos na pepria cidade ((erras urbanas, para serem mantidas, especuls- tivamente, como reserva de valor; apartamentos € outros imsveis para setem alugados; investimentos no mereado financeito). Por dltimo, mas nio com menos importincia, assoma a fungdo {das cidades, ainda enquanto teatros de acumulagio, como focais onde se da acumulagdo propriamente de capital. Essa acumulagio de cepital se furdamenta, em prinefpio, na indistria de ransformagao, nesse bit, pode-se dizer, na exploracdo do trabalhador industrial Mais amplamente, ela remote, também, as atividades tercirias (comércio e prestagdo de servigos), sem contar que no se devem cesquecer as relagdes de dependncia entre o setor produtivoe 0 siste- ‘ma bancitio-financeito. Na qualidade de centrosdealifusdo, as cidades se apresentars 20 0 da rede urbana, como suportes para adisseminagio de bens € ls, das eidades maioces para as cidades menores, at chegar 20 0. Os bens so 0s mais varados produtos fabricados nas cida- unto bens de consumo (ou sa, bens que sero consumidos diee- ene; roupas, alimentos, rinquedos, elerodoméstcos ete.) quan- ns de produ (que sfo aqules bens que servem para produzit tens, como maiquinas industria). 4 a iias podem ser as charnadas “inovagdes”tecnolbgicas (as quais, nos pases do iro Mundo”, freqentemente no passim de pacotes de ecno- 1 ulraassada, comprados dos pases centais) mas também, ls ediretizese informagées das sedes de prandes empresas para silts plantas industais, além de informagbesedados refe- a Muxos fianceiros,no interior da rede banca Por tudo isso e com tudo isso, noise, muito facilmente, que 0 po se achasubmetido cidade, do ponto de vstaecondmico, © /w6 do ponto de vista econémico ~ muito embora, em um pais ijpeifrico como o Brasil, ¢principalmente em suas regides Dobres etradcionas, a vida poltca locale regional seja muito ment influenciada ou até determinada por propriestros fun- ios (geralmente absentofstas) chesando a sua ifluéncia até a nacional. (Nilo foi sempre que a cidade exerceu ese papel to e cada vez «dominant. Na Europa medieval, durante avigéncia do > mado yoducao feuds,» campo era largamente auco-sufictente em a de produgo de bens os mais divesos: de roupas simples a jens, elas, eraduras earados, grande pate dos bens de con- € produgo era manufaturada nas dependéncias ou em anexos Astelo senhorial ou pels priprias servos da gleba. Quanto a ai- endo, obviamente, nem se fala: produtos que 0 moderno lino, especialmente 0 morador de uma grande cidade, adquire, iramente, no coméecio e bai, eran, eno, prxtzidos em ‘io me efi, aqui apenas cosas como po compotas (que, cde passagem, ainda hoje fo, em grande pare, produzidos em ruses rras), mas ao fato de que no havia uma “india 84 ff de alimentos”, como hoje em dia, a receber matérias-primas do campo, provessé-las e reenvi-las as cidades e até de volta ao campo. Hivia, nos burgos e nas cidades, mercados, permanentes e tempor rios (as feiras), onde produtos fabricados por artesios da propria cidade ou oriundos de outros centros, as vezes de patses distantes © Tonafnquas terras,eram comercializados. Isso nio era, porém, Sufi- ciente para caraetrizar uma clara dominfincia da cidade em relagio ‘ao campo. Além disso, o campo era, também, fortemente auténomo relativamente cidade no que se refere & politica e, até mesmo, cul tra. Os modemnos Estudos nacionas ainda nao se haviam formado, © ‘os senhores feudais eram amplamente soberanos em suas possessies. ‘No Brasil, onde nio existiu, propriamente, feudalismo, um certo paralclo com essa situagdo pode ser encontrado nos grandes enge- ‘nhos do periodo colonial, largamente auto-sufcientes sob o &ngulo econdimico. Karl Marve seu colaborador, Friedrich Engels (ver Bibliografia comentada), estiveram entre 0s primeifos a mostrarem, ainda em ‘meados do século XIX, que 0 modo de produgo capitalist ira trazer uma inversio de papéis: a cidade, que durante o feudalismo tinha expresso econdmica limitada e expresso politica, em regra limita- dissima, lutando para preservar a sua autonomia (enquanto “cidade livre” ou “burgo livre") perante 0s senhotes feudais, passaria a ser, gradualmente, “senhora” do campo, submetendo este, No decorrer dos séculos XIX e XX o campo mostrar-se-6 cada vez mais depen dente das vidades, © em particular das grandes cidades: dependente das méquinas e ferramentas produzidas nos cents urbanos; depen- dente dos conhecimentas técnicos ¢ teenol6gicos gerados em univer sidades, laboratrios e cents de pesquisa situads, via de egra, em cidades; dependent dos fetlizantes quimicos, dos agrotixicos ¢ das sementes selecionadas produzidos nos ndcleos urbanos; e, por titi- ‘mo, dependente do sistema banefrio, por meio do crédito ao produtor (Gem o qual a moderna agricultura de mereado nao opera) e do erédi- to-em gerd, sistema esse ancorado ao longo da rede urbana, onde as sedes dos grandes bancos nacionas (inclusive esttais) estrangeiros se articulam com as agéncias de pequenas cidades. ‘As cidades de uma rede urbana sio agrupadas em categorias ficas,conforme a sua centralidade, No Brasil, 0 estudo Regides influéncia das cidades, publicado em 1987 pelo IBGE: (ver Bil in comentada), conssgrou ums hierarquia que vai do centro de (situado um nivel acima do simples centro local, quase sem cen 2), passando pelo centro sub-regional pela capital regional e centro submetropolitano, até chegar & metrdpole regional e, lente, metrdpole nacional. E claro que ess hierarguia somen- fina metr6pole nacional por se o estudo do IBGE uma radon dla rede urbana nacional; no entanto, centro de nivel hieré- sind mais elevado, situados fora das fronteiras do pats, dos Pariem fluxos (informagies, ordens et.) e os quai reeebem (ereadorias, letos, informagoes ete) que articulam as diver- iomias nacionis, podem ser encontrados: & 0 caso, especial- slaschamadas ~>“cidades glabais", com destaque para Nova ie, Londres Tisquio, Seja como for, trat-se de uma pesquisa samente, lasreada teoricamente na Teoria das idades Centrais de Walter Christaller ( em uma revisioextica tlaborada por diversos autores no decorer das décadas poste- A Segunda Guerra Mundial), em que foram levantados, por de amostras, os fluxos de deslocamento para a aquisigdo de servigos (quem adquire o qué e onde) que revelam as central «freas de influtncia variveis dos diversos centros urban, referido estudo de 1987, ele priprio uma revisdo de um estu- jor do pric IBGE: (a Divi do Rr om rege fune= nas, do comego da década de 70), sofreu, na década de 90, ualzag20, promovida pelo IPEA em parceria com o IBGE eo de Economia da UNICAMP (vide referéncia na Bibliogea~ intada [IPEA/IBGE/NESUR, 1999), euja qualidade, po- ree ser inferior a da versio dos anos 80. Apesar de possuir Virtudes, como atentatva de estar em sintonia com as mais bordagens tedricas sobre a urbanizacao e a dimensfo espa- cone ‘ trabalho apresenta algumas defici@ncias eoncei- ‘metodolégicas. Em decorréneia disso, 0 resultado dessa radio- a tede urbana brasileira foram, Bs vezes, posigSes bastante 56 fii questionsveis, como a elevagio de antigas metrSpoles regionals (como Fortaleza, Recife, Salvador, Curitiba, Belo Horizonte ¢ Porto ‘Alegre) 8 categoria de metrépole nacional e a arbuigto do tuto de smetnépoles globais” (As vezes chamadas, no préprio estudo, de smetrSpoles mundiais”) 4s duas metsSpolesnacionss, Sio Paulo © Rio de Janeiro. Que projaglo econémica de monta verdadeiramente ‘em escala nacional possuem essas metrépotes regionai, especial= ‘mente Fortaleza, cuja drea de influéncia imediata se restringe 20 ear ¢ a0 ceste do Rio Grande do Norte, qu justifique a sua elassi- fieacio como metrépoles nacionais? E.como ignoraro fato de que & preendida“ietidpoe global” (ou “mundial do Rio de Janeiro vem perdendo importncia até mesmo como metropole nacional pera ‘Sto Paulo? E fécil ver que um estudo que merece tals ressalvas, mas {que acaba servindo de referéncin para vSros tipos de usuério, con- ‘vibui para gerar, ao lado do problema jé mencionado a propésito da criagto de novas regides metropoltanas, um panorama classificat- rio terminol6gico contraditério. Comoe jf mio bastasse a confusdo ‘crescente em torno do que seja uma metrépole, agora, a depender de testudos como esse, ja ndo se teré muita clareza, igualmente, sobre tquais so as reais condigbes para que algo possa ser chamado, sem maiores éividas, de metrépole nacional ou “global”. ‘Vou me permit ser redundante, para reforgar: uma mets6pole nacional possui uma érea de influéneia que abrange todo Ou quase todo oterritério nacional, Em outras palavras os bens e servigos nela produzidos e por ela ofertados sao distribufdus nacionalmente © ‘omercializados e vendidos em todas as regices do pafs, de mancira Jnequivoca e insofsmével E esse, exatamente, 0 c480 de So Palo, «e, de mancira cada vez mais pélida & medida em que se sucedem 05 ‘anos eas décadas, também do Rio de Janeiro. So essas as duas ini- teas metr6poles nacionas brasileira, sendo que a distincia entre a primeira ea segunda aumenta mas © mai; Sto Paul €, crescent mente, o grande centro de gestio do terrtério no Brasil, Ao mesmo tempo em que o estado de Sao Paulo (c, de forma menos intensa 0 ‘Ceniro-Sul do pats) assiste,hé ts décadas, a uma significative des- concentragio da produgio industrial, a metrépolepaulistana concentra sem parar as sedes das empresas (indistrias, empresas comerias, grandes consultras buncos),o qe significa uma cenalizagto constante em matéria de capacidade de gestdo do teritério, S40 Paulo, rigor, vai alm da condicdo de simples metrépoe nacional: ¢embora subordinad, por se localiar em um pas semiperiftico, ela possui uma importinciaeconémica claramente internacional, inclu sive Sendo centro de gesto tevtorial mas relevante da América do Sul, com destaque para o seu papel no tmbito do MERCOSUL. Sto Paulo com eftito, uma “cidade global” dependente/semiperifsrica fA contralidade de uma cidade, se vn, 6 fungSo,eciaa de tao, sua capaciade de ofertar bens servigos para outros sno rb ‘is, estabelecendo, desse modo, uma érea de influénca, Essa centre —— é de natureza, acima de tudo, econ6mica, Uma cida- ser tanto mis complexae possi uma posigHo tanto mais ele Mimo tar gnome pot oep ‘dade de ofertar bens e servigos e capturar uma drea de sath Inslor No entanto, primeira vst, dois tpos de stuago parecem Prturbar essa presung de correspondéncia entre complexidade do Biotic cena cpst irre are tum primeira situagdo refere-se aquelascidades que, por Paps airs psiem ura edna nasa mesmo “si serem meteépotes nacionas.&, justamente, o que ocorre com Misti. Quando observamoso panorama internacional, constatamos WWF tito comum a cidade-capital ser, a0 mesmo tempo, a grande Hetpote nacional — Lontes, Paris. Maqui. on, até mesmo, uma le primaz, isto €, uma cidade que concentra um percentual vamente grande da popula e da economia do pats, 0 que & Aiequente no “Terciro Mundo", sendo isso, via de rea, una ‘eniga colonial ~ Cidade do Mexico (a metrépote concentra quase ‘1/4 ts populagto do pets), Buenos Aires (a metrépole de Buenos “Mies concentra cerca de 1/3 da populagao argentina)... Contudo, em ‘Apis pulses do mundo, além do Brasit, como os Estados Unidos, IBPA Woslington (que fi uma cidade planejada, assim como Brasfia ‘sein séculoe meio depois) ea Austria, com Camberra, a cide he ue via acaptal do pats ni € uma grande metrSpole nacional. 87 fa 58 Deveria a cidade-capital ser sempre considerada como uma metr6p0- Te nacional, devido ao fato de quea sua abrangéncia é nacional? Nao. Em primeiro lugar, porque, do ponto de vista geogrifco, ela nem -sequer precisa corresponder, propriamente, a. uma metrépole. Em segundo lugar, porque a sua influéncia & muitfssimo especttica politica. E freqdente, por conseguinte, que, embora ki sejam tomadas, formalmente, as grandes decisties legislativas, executivas ¢ judicis- rias, 0s principais grupos de interesse, que pressionam, influenciam ‘ou mesmo determinam 0 curso dos processos decis6rios (as classes dominantes e grupos de elite especificos) estejam baseados em outro Focal, notadamente nos grandes centros econémicos e demogrificas ‘A cidade-capital é, sempre, sob o Angulo estritamente poltico-formal, tum centro de gestio da territério importamtissimo (formalmente, © _mais importante de um pais), mas fo € por iso que sua posigdo na hierarquia da rede deveria ser, automaticamente, equivalente & de uma verdadeira metrépole nacional. ‘A segunda situaglo conceme a centros urbanos, ni necessaria~ mente grandes, que abrigam atividades muito especializadas,alean- ‘gando, com isso, uma considerdvel érea de influéncia. Pense-Se, por ‘exemplo, em uma cidade pequena como Cannes, na Franga, a qualy por conta do festival anual de cinema, é conhecida internacionalmen- te e torma-se, durante alguns dias por ano, referéncia para 0s cinsfilos do mundo inteiro. Outro caso é0 de cidades médias ou até pequenas {que abrigam plantas industrais onde se dé a produgio de bens sofis- ticados, distribuldos nacionalmente ou até exportados para outros paises e continentes. Nenhum desses dois exemplos, porém, fer, a rigor, a presungdo de correspondéncia entre complexidade do centro urbano, centralidade e posigi hieranquica na rede urbana. ‘Uma cidade que sedia um evento de durago limitada, mas de aleance nacional ou internacional, precisard, € certo, possuir uma infra-estrutura adequada, sobretudo uma infra-estrutura de hotéis © restaurantes, capaz de comportar uma enxtrrada anual de visitantes, [Nao é toa que tas cidades, como Cannes (ou, no Brasil, Gramado, rho Rio Grande do Sul), costumam ser, quando no sto grandes cen- tros, pelo menos centros turisticos importantes. Ndo obstante, sua “centraidade”, por assim dizer, &efmera e altamente seletiva e es- pecifica. Findo o evento, ela volta a ser 0 que normalmente é: uma Cidade pequena, ocupando uma posigao modesta na hierarquia da rede urbana. ‘Quanto ao exemplo de uma cidade média ou pequena abrigando uma ou mais plantas indusriis onde se do fabrico de bens soistica- dos, 0 racioe‘nio que af se deve aplicar ndo 6 muito distinto. Trata-se de atividades produtivas espectficas, comandadas a partir de centros maiores, dentro ou até mesmo, no caso de empresas transnacionais, ‘em ikima analise fora do pais. Fendmenos de desconcentracio indus vial vém ocorrendo no Brasil (no estado de Si Paulo a desde a déea- dade 70, e de modo mais abrangente, no Centro-Sul do pats, mas sem- prea partir de Sto Paulo, desde os anos 80), promovendo uma descon- ‘centragto fisia de atividades; isso se d porque, sea localizagao da lunidade produtiva em ur grande centro se beneficiou, incialmente © ‘durante muito tempo, de vantagens locacionais (desfrutando das cha- Inadas > economias de aglomeragdo),ligadas 8 proximidade do mer- ‘eado consumidor e de outras empresas e devido a infia-estrutura de hoa qualidade e& abundancia de mao-de-obra qualificada, a partir de ‘certo momento certos transtornos associados, cada vez mais, 20 ambient fisico, econémico e social das grandes metopoles ~ escas- sz de terra para expanso industrial e conseqdenteelevagio do prego do solo, congestionamentos, poluigao, criminalidade violenta...-, ‘comesam a desestimular a localizagao em um grande centro que jé ‘eomega a apresentar sina de ssuuragio eu estimular a loclizago em ‘idades menos problemdtieas, mas que apresentam boa infra-estrutura © outros requisitos. Muitas vezes, essas médias (¢ pequenas) cidades Ino crescer rapidamente, tornando-se grandes e tendendo, elas pro pias, a apresentar certos problemas, como se percebe no Brasil (0 ‘v0 de Campinas, hoje em dia abrigando 0 ndcleo de uma metr6pole, bastante ilustrativo). O que importa ressaltar, de toda maneira, é que ‘) gestio tende a continuarcentralizada nos centros prineipais; ou seja ‘A proxlugo,fisicamente, se desconcentra, mas ndo necessariamente © Joule (nfo raro, centralizagdo do poder de gest tertoral até softe ‘uvincremento), o que estéassociadoA permanéni nos centros mais ‘importantes, de atividades econdmicas de ponta, ligadas ao setor financeiroe a servigos sofistcados. utra consideragio a ser feita, no que diz respeito as relagdes hierdrquicas no interior da rede urbana, tem a ver com 0 progresso teonolégieo © 0s fatores institucionals que faciltam, eada vez.mais,o transporte de bens e pessoas, as comunicagdes ¢ a mobilidade espa cial do capital em geral,redundando em aumento das inter-relagbes © interdependéncias econdmicas entre firmas, cidades ¢ pases. A rede ‘urbana sofre transformagGes sob oefeito da globalizagio econdmico- financeira, Pode se dar destaque, quanto aisso, a0 fato de que a com- plementaricdade enire centros urbanos de masma nivel hierérquico conhece um aumento, sobreuc no interior do conjunto espacial for- mado pelos paises e regides que compiem o “Primeiro Mundo”. Mas, note-se esse incremento da complementariedade entre centros de mesmo nivel, alimentada pela maior mobilidade espacial do capi- tal, nfo nos autoriza a dizer que as relagbes hierdrquicas eas dispart- «dades, genericamente, se enfraqueyam. Analisando em escala mun- dial, assim como na escala dos paises e regides do “Terceiro Mun- do”, notaremos que, em parte, hierarquias edisparidades até se forta- lever, se considerarmos o efeito que € 0 de “cidades globais” de pat ses semiperiféicos, conectadas de modo particularmente intenso € sofisticado aos principais centros da economia internacional, apre- sentarem, etn matéria de dinamismo econOmico ¢ padres de consu- ‘mo, mas semelhanga e mais conexio com “cidades globais” de pat ‘es cents do que com muitos centros urbanos stusadus eu seus pro prins pases. Por fim, registre-se que a situagio em que uma pessoa, para adquirir bens e servigos nfo encontrados em sua cidade, dirige-se, primeiramente, para 0 centro de hierarquia mais elevada mais proxi ‘mo dela, e apenas nao existindo af o que procura ditige-se a um cen- iImento pessoas que tro ainda maior, é largamente te6rica. Di ‘movem em cidades de baixa posigdo na hierarquia da rede e que este- jam situadas no entorno de um centro importante ou mesmo de um ‘iicleo metropolitano pensario em “galgar os degraus" paulatina- ‘mente, preferindo, como é de se esperar, ir direlamente a0 centro is importante, queimando ctapas, Isso se da principalmente em. 805 dias, devido &s facilidades de transporte. Dependendo do + aquisitivo, hé aqueles que, mesmo residindo longe de um cen- le alta posigdo na hierarquia da rede urbana, poderio se dar a0 10 de, pegendo um avido, irdireto para um centro maior (por exem- para tratamento médico), as vezes situado até mesmo no exte- j queimando muitas etapss. Em contraste com isso, hd aqueles i, Hlo numerosos, que, devido & sua pobreza, ao nBo encontra- fm sua cidade 0 bem ou o servigo de que necessitam, simples- lero de abrir mio dele, por nfo terem condigaes de buscé-lo [centro maior. A mobilidade espacial € tungHo da renda,eiss0 cia decisivamente a maneira como a rede urbana 6 vivenciada ipria estrutura da rede. Por isso fica fécil entender a razio pela ‘nos paises subdesenvolvidos, e especialmente em suas regices bres e de renda mais eoncentrada, a rede de localidades cen- ‘mostra “achateda”, com uma baixa presenga de centros de ‘ntermedidrio em comperagdo com um grande riimero de cen- "menores, como fez notar Roberto Lobato Corréa em seu livro A “urbana (ver Bibliografia comentada): uma vez que esses cen- rmediétios oferecem bens e servigos consumidos com menor cia c, muitas vezes, apenas pelos segmentos de poder aquisi- \dio ou elevado, a possibilidade de muliplicagio de cidades porte esbarra no fato de a renda se achar muito concentrada. |ss0, 0 perfil da rede urbana se mostra uma boa expressio do desenvolvimento do pais ou da regio. 4. A cidade vista por dentro 2 repetido vias vezes, nos captulos anteriores, que uma especialmente uma grande cidade, & uma entdade sé il complexa.B, no entanto, a cidade foi examina, até agora, Jevarem conta, com detathes como ela se apresenta estruta- ramente. chegad ahora de nos debrugarmes sobre aqui chama de a organizagdo interna da cidade, aqua 6a chave mos as processo8socisisquc animam onécle urbane 0 envolvids na dnc da produ do espago,e que 6, 20 tempo, uma chave privilegind para cbservarmos edevifrr- 1 complexidade enquanto produto sos Para comegar, qualquer cidade apresents diferentes tipos de ‘espagos, de acordo com a atividade predominante. Em éreas onde predomina claramente o uso residencial (as vezes até por causa de restigGes & presenga de outros usos, corporificadas em um zonea- ‘mento ~ esse assunto, 0 do planejamento urbano, sed diseutido mais 8 frente, em outro capitulo) enconta-se, freqientemente, nada mais fou nfo muito mais que um comérvio de bairro, onde as pessoas © familias podem fazer compras para seu abastecimento diério, sema- nal ou mensal com géneros alimenticios e outros de consumo rotinci- ro. 14 em alguns expagos concentram-se 0 comércio e os servigos, apresentando-se como verdadeiras localidades centrais intra-urba- rnas. Ao tratar da rede urbana, a idéia de Localidad central foi resea~ tada com refeténeia a cada nicleo urbano como sendo, no seu con- junto, uma localidade dotada de maior ou menor centralidade em ‘comparagio com outras, Isso no 6 errado, mas é, dependendo da cescala que se considera, uma simplificago, pois os espagos onde 0s bbens mais sofisticados (“bens cenrais” mais importantes, para usar @ linguagem de Christaller) sto produzidos (éteas industriais) ou ccomercializados (espagos comerciais) no esto totalmente dispersos ‘no tecido urban, mas, muito pelo contréio, tendem a se restringir a ‘algumas reas no interior da cidade. A despeito disso, muitas reas no interior da cidade apresentam uma forte mistura de usos do solo, ‘quando ni hd restrigbes legais (de zoneamento) a essa mistura, ou quando as restrighes so desrespeitadas. ‘Os espagos onde as aividades de comércio e servigns se concen ‘ram sto de véris tipos. A grande maioria das cidades possui, clara ‘mente, 0 seu “centro”, correspondendo, o mais das vezes, a0 cents istéhico (local onde a urbo foi Fundada, © que abriga prédios de wm certo ou mesmo um grande valor hist6rico-arquitetOnico). Esse “een- ‘10, no caso das cidades maiores, tendeu, muilas vezes, a se expan- dire evoluir até atngiras dimensOes de uma modema rea central de rnegcios, mais conhecida, entre os estudiosos, pela sigla CBD (abre- viatuta, como se vin no Cap. 1, de central business district). O CBD sozinho, porém, no daria conta de atender a todas as demandas da cidade por bens de consumo nfio-rtineiro. Uma cidade, ao erescer, ‘8 aumemarem as dstincias, ea combinagto de densidade demogré- fica, distncia em relago ao centro e rends da populago faz apare- ‘eerem importantes subeentos de comércio e servigos, © que evita ‘que 0s moradores dos diferentes baits presen, necessaiamente, se desloca para 0 CBD sempre que preisacemt adguirir un bem ‘mais sofistcado que pio, lete ou jornis.E claro que, entretanto, «esse quadro vara muito de aeordo com o porte da cidade: uma cida- de pequena, 8s vezes até uma cidade média, pode no ter eonhecid, “hewristica”, como se diz teenicamente, a qual, a0 longo do pro- e380 de elaboragdo do modelo, estruturae disciplina melhor 0 pro prio raciocinio espacial do estudioso ea prdipria andlise, Um modelo bem construid, porém, € aquele que nao sonega coisas essenciais © ‘uito menos distorce a reaidade, caricaturando-x;além disso, quem presenta o modelo deve deixar claro que est bem consciente do neni ora, a0 Ke 1 72 a nivel de simplificagio implicado. © que & imposstvel é um modelo reratar "tudo": caso contrério, nfo seria um modelo, Encontrar 0 equilibrio entre “elementos demais”e “elementos de menos” em um modelo grifico & quase uma “arto”; assim como o excesso de simpli ficagdo induz a equivocos,é contraproducente um modelo ser sobre cearregado com detalles, o que o toma pesado e antididtico até para profissiquais da érea. (© primeito e, até hoje, mais famoso modelo de organizacio interna da cidade, 6 0 de E: Burguess, socislogo pertencente 2 céle- bre Escala de Chicago, 0 qual, nos anos 20, propés um modelo em {que a cidade aparecia como um conjunto de circulos coneéntricos (vide figura 4), tendo no centro © CBD, em seguida o anel das éreas dc obsoleseéncia (com seus guetos, sua boemia ete), depois dele oda ‘lassetrabalhadora mais bem integrada e, por fim, 0 anel das cama- das privilegiadas. Para Burguess,representante do que ficou cone ido como abordagem de “Ecologia Humana”, uma certa analogia ‘com as leis da natureza, especialmente com a teoria de Darwin sobre a selegdo natural, seria cabfvel para se explicar a dindica urbana: & sociedade urbana testemunharia a “Sobrevivencia do mais forte” em ‘meio “lta pela vida", com aquelesindividuos mais aptos etalento- sos conseguindo escapar do gueto. O que Burguess e a Escola de Chicago, assim, punham em primeito plano, nio era uma estrutura ‘social menos ou mais justa, mas 0s indivfduos, competindo entre si Expresso mais clara do individualismo norte-americano, impossf- vel. Outros modelos muito conhecidos sio 0 de H. Hoyt ¢ 0 de C. Harris e U. Ulmann (vide figura 5). O modelo de Hoyt toma 0 de Burgest como base, mas 0 torna mais complexo a0 combinar cireu- Jos com setores (refinamento introduzido ao levar-se em conta a influgncia da malha vidvia e dos transportes). Quanto a0 de Harris ¢ ‘Ulmann, também conhecido como “modelo de miltplos ncleos" cle procura fazer justiga 8 descentralizagio do setor tererio no inte- rior da grande cidade, destacando a existéncia de subcentros de comércio e servigos, ¢& presenga de dreas industrais e residenciais localizadas no entomo da cidade, as quais correspondem, no caso das reas residencias, aos suburbs (os quais, diferentemente dos “subir- bios" de certs grandes cidades brasileiras, slo, normalmente, Sreas residenciais de stanus médio ou mesmo alto). Inspirados na realidade americana, esses modelos, independen- femente de seus vieses ideoligicos explicativos, nfo davam conta, adequadamente, nem sequer em termos descritivos, da reatidade ‘espacial de outras realidades que nao a norte-americana. Com 0 Figura 4 MODELO DE ORGANIZACAO INTERNA DA CIDADE DEE. BURGESS 1) iio cena de Nepéis (600) B -reasoranicas SSS Area residencial da classe trabalhadora [BY dre rics etn ena nade alo nivel de simplificagio implicado. O que 6 impossfvel 6 um modelo retratar “tudo”: caso contrtio, nfo seria um modelo. Encontrar 0 ‘equibrio entre “elementos demais® e “elementos de menos” em um modelo gréfico & quase uma “arte; assim como 0 excesso de simpli- ‘icago induz a equivocos, 6 contraproducente um modelo ser sobre- carregado com detalhes, 0 que o torna pesado e antididtico até para profissionais da area. © primeiro e, até hoje, mais famoso modelo de organizagio interna da cidade, € 0 de E: Burguess, socilogo pertencente d céle- bre Escola de Chicago, o qual, nos anos 20, props um modelo em que a cidade aparecia como um conjunto de circulos concéntricos (vide figura 4, tendo no centro 0 CBD, em seguida o anel das éreas de obsolese®ncia (com seus guetos, sua boemia etc), depois dele 0 da classe trabalhadora mais bem integrada e, por fim, o anel das cama- as privilegiadas. Para Burguess,representante do que ficou conhe- cido como abordagem de “Ecologia Humana”, uma certa analogia com as leis da natureza, especialmente com a teoria de Darwin sobre a seleglo natural, seria cabivel para se explicar a dindimica urbana: sociedade urbana testemunharia a “sobreviveneia do mais forte” em ‘meio a “luta pela vide", com aqueles individuos mais aptose talento- 805 conseguindo escapar do gueto. O que Burguess e a Escola de ‘Chicago, assim, punham em primeiro plano, nio era uma estrutura social menos ou mais justa, mas os indviduos, competindo entre Expressto mais clara do individvalismo norte-americano, impossf- vel. Outros modelos muito conhecidos sao 0 de H. Hoyt ¢ 0 de C. Harris e U. Ulmann (vide figura 5). O modelo de Hoyt toma 0 de Burgess como base, mas o torna mais complexo ao combina circu los com setores (refinamento introduzido ao levar-se em conta a influgncia da matha vidria e dos transportes). Quanto ao de Harris e ‘Ulmann, também conbecido como “modelo de mAltiplos nicleos cle procura fazer justiga & descentalizaso do setor tererio na inte- rior da grande cidade, destacando a existéncia de subcentros de comércio e servigos, ¢& presenga de dreas industrais e residenciais Tocalizadas no entorno da cidade, as quais correspondem, no caso das {reas residenciais, aos suburbs (os quais, diferentemente dos “subi bios” de certas grandes cidade brasileiras, so, normalmente, éreas residenciais de sates médio ou mesmo alto). Inspirados na realidade americana, esses modelos, independen- temente de seus vieses ideolgicos explicativos, nfo davam conta, adequadamente, nem sequer em termos descritivos, da realidade espacial de outras realidades que nio a norte-americana. Com 0 Figura 4 MODELO DE ORGANIZACAO INTERNA DA CIDADE DEE. BURGESS 1} istito Centra de Negscios (CAD) “Area de transicéo" Area residencial da classe trabalhadora ‘Area residencial dos estratos de renda mécio e alto Figura MODELOS DE ORGANIZACAO INTERNA DA CIDADE DE. HL HOYT (1) EC. HARRIS EE. ULLMAN (2) 1] oistto cenaae Negscies (C80) 7 Suturo residonciat ‘Aca rsidoncil do eatrato de renda bao {status medofaio) [3 Arca residence! uo etials ue res ns ‘Subore industiat 4 | cea residencat co estrato de renda ato ‘Suboentro de camércioe servigos Coméicio atacadsta ents loves Inausta peseda ‘tempo, assim, foram sendo crticados menos ou mais rofundamente, es vezes substituidos por outros ou até aduptados para as cidades de ‘outros pafses e continentes: surgiram, assim, models espaciais da “cidade européia ocidental”, da “cidade islimica”, da “cidade latino- americana”. O nivel de coneretude, quer dizer, de proximidace com ‘realidade, tendew a aumentar, mas permaneceu, mesrio assim, insu ficiente ~ até porque, nem sempre os autores tinham perfeita cons cigncia de que as realidades cujas cidades eles pretesdiam dissecar por meio de seus modelos eram, na verdade, mais heerogéneas do {que eles induziam o leitor a pensar. Por exemplo, por mais dil que seja, o modelo dos geserafos slemaes Buihr e Mertin para a “cidade latino-americana”, do comego dos anos 80, foi, a rigor, inspirado pelo contato empirico intenso dos autores com alguns poucos paises dda América hispdinica (e, do ponto de vista de sua consitugio gr visivelmente se inspirou no modelo “dos setores” de Hoyt), tendo sido a realidade urbana brasileira, diferente em alguns aspectos da de ‘outros paises latino-americanos, essencialmente deixaa de lado. [No comego da decada de YU, tive a oportunidad de modelar & borganizago interna do Rio de Janeiro, © que dat resultou foi, primet- ramente, um mapa, com um forte grau de simplificagio e generaliza- 0, que presenta uma classificagio dos espagos da cidade, O mapa da figura 6 € uma versio atwalizada e um pouco madificada daquela utra, do comego dos anos 90, O seu nivel de abstragio € muitssimo menor que o de um modelo gréfico que tenha a pretensao de dar conta de aspectos das cidades de todo um pais ou continente, ou ‘mesmo de um modelo grifieo como aquele que, por izes prticas, apresento desdobrado em dus figuras (7 8), tambémsobreo Rio de Fanci, cidade, Essa muito menor abstraglo ado é, em principio, nem uma vantagem, nem uma desvantagem, pois tanto esquemas muito parti- culares, como esse do Rio de Janeiro, quanto modelos mais gerais € abstratos podem ser Gteis, desde que sejam elaboradoscriteiosamen- te, De qualquer maneira, a referida “radiografia” éa organizagao imerna da metepole carioca, na sua maior parte, no deixa de se til para a compreensio da estrutura espacial das grandes cidades brast- flo esse que representa ua seule wiciv Ja evolugdo da

You might also like