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a0 Planejamento das Cidades: -competéncias técnicas e saberes profissionais na Europa e nas Américas (1850-1930) lvone Salgado e Angelo Bertoni Orgs. © 2010 dos autores Direitos reservados desta edicdo RiMa Editora Processos FAPESP 2005/55338-0 e 2009/10228-3 C1566 Da construgao do territérie ao planejamento das cidades — competéncias técnicas e saberes profissionais na Europa ¢ nas Américas (1850-1930) / organizado por lvone Salgado e Angelo Bertoni — So Carlos : RiMa Editora, 2010. 224p.iL. ISBN ~ 978-85-7656-197-2 4. Pianejamento de cidades. 1. Autores, II. Titulo. cpp -711.2 {, Arquitetura, 2. Urbanisto. 3. Constuglo de territérios. COMISSAO EDITORIAL Dirlene Ribeiro Martins Paulo de Tarso Martins Carlos Eduardo M, Bicudo (Instituto de Botanica - SP) Evaldo L. G Espindola (USP - SP) Joo Batista Martins (UEL ~ PR) {7 | 4086 Eduardo dos Santos (UFSCar - SP) meee t ra Michéle Sato (UFMT - MT) oe ouso so) 2do 94.2. Aiba jeroc.AY9S/ 43 vnww.rimaeditora.com.br Rua Virgilio Pozzi, 213 ~ Santa Paula 13564-040 — Sao Carlos, SP Fone/Fax: (16) 3411-1729 Sumario pitulo I-A Circulagio. Transadlant As referéncias tedricas dos urbanist: Primeira metade do século XX irlos Roberto Monteiro de Andrade a ‘ica da Idéia de Cidade Jardim: ‘as brasileiros na ipreulo UI — A Estrutura Agréria na Form: das Cidades do Oeste Bae ae a Regina Truppel Constantino co do Tecido Urbano e385 \ Décaula dle 1930: Dimensio usbano industrial ® de saberes e priticas: no campo do urbaniong apitulo VI — Intercambios Internacioy it nales i E iagtdad Apuntes para un estado del arte oC onseUCEION de ta licia Novick at IV_ Da Construcao do Territério ao Planejamento das Cidades Capitulo VII — O Oeste de Sao Paulo como Territérios em Fluxos Modernos Célio José Losnak Parte II - Os Percursos Profissionais — Instrumentos para o estudo da circulacdo de saberes eruditos e técnicos... ~ LOL Introducao — A Trajetéria Profissional no Estudo da Circulagéo. rs - 103 de Saberes sobre a Cidade .. Angelo Bertoni - Ed Capitulo VIII = Vicenzo de Giaxa (1848-1928) e a Igiene delle Citta Gabriele Corsani e Pier Luigi Palazzuoli Capitulo IX — A Atuagio Profissional de Carl Friederich Joseph Rath em So Paulo no Campo do Higienismo e da Geografia ... Ivone Salgado - 128) Capitulo X — Saturnino de Brito e a Construga0 do Saber Urbano no Brasil — Entre importagées, adaptagées ¢ inovagoes ... Angelo Bertoni oF Capitulo XI - Estudo da Trajetéria Profissional do Engenheiro-arquiteto Luiz I. R. de Anhaia Mello Maria Stella Martins Bresciani . 149 Capitulo XII - A Engenharia na Construgao-Estruturagio dos Setores Pablicos de Obras Urbanas do Estado de Sao Paulo — O caso da Comissao de Obras Novas de Abastecimento de Aguas da Capital de Sao Paulo (1926-1927). Rodrigo Santos de Faria 7 Capitulo XIII = Imagens Dispersas — Politica ¢ cultura na gestio do engenheiro-arquiteto Francisco Prestes Maia (1938-1945) . 79 Marisa Varanda Teixeira Carpintéro Capitulo XIV ~ Pracas ¢ Jardins do Oeste Paulista — A formacdo e transformagio do espaco ptiblico com a introducao da ferrovia . 189 Marta Enokibara .. 209 Sobre os Autores APRESENTAGAO resto de Ginzburg a metafora inspiradora de suas quatro visé a literatura inglesa dos séculos XVI ao XIX, ja que ele, por ausecy ohn Donne o mote Newhum homem é uma itha, como lembra o autor de crate olet’nea de ensaios.' Ao escolher 0 mote como titulo da coletines, Gaetan plicita uma referéncia intencional as ilhas britanicas, mas também tray nen m de um territ6rio isolado, uma ilha. Para desconstruir os limites inerenves insula- A timos de te- s los entre autores vivos e entre autores i ‘ores vivos € mortos, Coloc: centro dos argumentos suias diividas a respei aes de uma pretendida fi nb inais, encontra escritos marginais ao livro, com pee Processo de produciio do texto e para o qual contribuiram os comenté ruditos entre amigos; traz para o leitor tr d : 1S; rechos acrescentados em edicd ee me ea 3 a uentes, deixa-se levar pela “intuigio de uma afini ree idade morfolégica entre” um texto *Sem divida, 0 motivo mai i eU-se ao card ins S ivo maior de minha escolha quatro cdades rn 12 Projesio de um territério ocupado pelas cinguenta i: tundadas pela vontade férrea do tirano Utopus. Nao me detenho GINZBURG, C. Nenhuma ith i Co é Companhia das Letras, 20040 04M Beem leva o titulo O velho ¢ 0 novo mundo visto de utopia. p. 17-42 ro a expressio de CHOAY, EA regra ¢ 9 modelo. Sio Paulo: Perspectiva, Quatro visdes da literatura inglesa. S20 Paulo: 1985. p. 7. VI_ Da Construgao do Territério ao Planejamento das Cidades no carater exemplar da construgdo-narrativa de More ao expor, pelas palavras de Hitlodeu, essa sociedade insular, embora as minticias da descrico permitam listar as regras de comportamento prescritas, desenhar © tragado geométrico das ruas € a implantagaa das casas ¢ demais edificios de Amaurota, modelo para todas as cidades de Utopia, nem na critica 4 sociedade inglesa do inicio do século XVI € seu contraponto, o pais idealizado em Utopia por ele designado por commonssealth (reptiblica). Penso ser o procedimento da andlise de Ginzburg 0 que mais nos inte- ressa: € instrutivo em seu didatismo, além, é claro, do deleite oferecido pela escrita pontilhada pela brilhante erudicao do autor. Ao longo das paginas, Ginzburg expde com clareza ¢ fina ironia a dimensio Kidica das mensagens trocadas entre o inglés More e Erasmo de Roterdam na se- quéncia de trabalhos compartilhados e anteriores 2 escrita de Utopia. Testemunham também as afinidades entre os dois autores: ter Erasmo dedicado seu livro O elogio da loucura a More, que o acolhera durante a escrita em sua casa londrina, € ter Erasmo cuidado da primeira edigao de Utopia. Outro personagem importante da narrativa é Pieter Gillis, primeiro secretario da cidade de Antuérpia, a quem More, por sua vez, dedica Utopia e que ficcionalmente o teria apresentado ao navegador portugués Rafael Hitlodeu. Alias, o poema introdutério do texto é atribuido a Gillis, bem como a montagem do alfabeto utopiano, ele que, de seu lado, informa ao lei- tor ter recebido 0 poema das préprias maos de Hitlodeu. Logo, temos com os qua- tro personagens — 0 ficticio Hitlodeu e os amigos autores — quatro homens procedentes de trés paises unidos na composicao da trama. Quando o navegante Hitlodeu passa a narrar em detalhes as caracteristicas da itha Utopia por onde passara em suas viagens, More introduz o registro da verossimilhanga pela aproxi- macio &s novas rotas “descobertas” pelos portugueses trangada na projecio ficcional que organiza a conversa com um More agora também ficticio. A riqueza da andlise de Ginzburg é composta pelo acolhimento de cartas escritas ou imaginadas € trocadas entre os trés € com leitores, epistolas e comenta- rios acrescentados em sucessivas edigées. Afirma também ser imprescindivel, para acompreensao do livro, nao limité-lo 4 tradigdo renascentista e sim relaciond-lo “A tradigao literéria que remonta a Luciano de Samésata”, autor traduzido por More ¢ Erasmo em 1505. Da leitura desse ensaio retenho a sugestéo de Ginzburg sobre 0 carter transnacional da escrita de um autor ou a impossivel tarefa de circuns- crever seus textos a um contexto e a uma linhagem literaria tinica remetida a Platao ou Aristételes, opiniao compartilhada por Francoise Choay.* A proposta de Ginzburg presente nesse ensaio vem ao encontro do eixo ted- rico ¢ do procedimento de método que norteiam as pesquisas do projeto tematico 4. Choay, como Ginzburg, comenta os créditos devidos & Repiiblica de Platao, mas lembra a relacdo com Luciano, “cuja veia satirica exerceu sobre ele (More) a mesma seducio que sobre Erasmo: A regra ¢ 0 modelo, Op. cit., p. 37. Apresentagio Vit dberes eruitos ¢ téenicos na configuuregia ¢ reconfiguragto do espago urbano, Estado de Sa illo, séeulos XIX e XX. Desde 0 inicio colocamos na base de nossas indagec oe internacional ou transnacional dos textos do campo urbanistico, ee a Compusemos a rede discursiva formada pelas varias linguaigens presente, ny lucao dos especialistas da area, suas interligacdes, referencias, didlogos e con- meos, argumentos expandidos na tarefa de convencimento e persuasio dos ad- inistradores pitblicos, empreendedores imobilidrios e habitantes das cidades A imensao transnacional presente na producao do texto e o carter modelar da te pia somados 4 sua repercussio de longa duracio, releituras, interpretagoes e pata fins praticos trouxeram para o debate a reflexao de Francaise Choay sobre 0s por cla denominados de instauradores, por serem capazes de constituir aparelho conceitual auténomo” que permite “conceber ¢ realizar espacgos bs « Afinal, indica Choay, o texto de Utopia superpoe dois espacos utdpleos ¢ duas imagens: uma delas é o lugar nao determinado, mas minuciosamente dese to: oulra € um prototipo, modelo reproduzivel, que permitiu a escritos subsequen. es formularem projecies idealizadas de sociedades estruturadas pelo ener do espaco urbano e passiveis de serem universalmente reproduzidas.* Ao analisar trés categorias de textos — Os escritos de urbanismo ~, Choay define 0 contraste entte os tratados, compos- dle diretivas para a aplicacio dos princfpios das regras,e as utopias, elabon eas ‘modelos de sociedades ideais a serem seproduzidos. Em suas palivras:“engguanto gra albertiana’ conforma uma operacaio que, idéntica a si mesma, no curso do Po engendra ao sabor das circunstancias e dos descjos espacos inviefinidanen. Aiferentes, o modelo de More, espaco-modelo e modelo de espaco, esta conte ado para sempre & duplicacio". Trata-se, portanto, de um protétipo, um motela » com “tragos espaciais mal localizados e reproduziveis, depende (.) exelucren, lente da ordem humana e de um estrito sistema de normas culturais”.® Os tratados de arquitetura, as utopias _Em estudo sobre o “maneirismo” Giulio Carlos Argan’ também utiliza as 0u tipologia, proximas a de modelo e de regra em Choay, re ¢€ 08 tratados renascentistas a partir da releitura do ‘i, eem particular por Serlio seguidlo por Palladio, Argan mento ao percorrer as trajetorias de artistas e arqui Bae mm 4 e arguitetos onstitufram sua pratica de releitura dos Antigos fundamentada na " str6i, assim, seu argu “concep- >. CHOAY, FA regra e.0 modelo. Op. cit. p. 6. 6: CHOAY, F. A regra e 0 modelo. Op. cit. p. 153-155, 7% ALBERTI, L. B. De re Aedificatoria, 1452, 8. CHOAY, FA nigra e 0 madela. Op. cit. p. 161-163, ARGAN, G. C. A arquitetura do maneirismo. (1981). In: Clissico ¢ antichéssico. O Renasci i B.tog 8 Brunelleschi a Bruegel, Sio Paulo: Companhia das Letras, 1999 p. VII Da Construgao do Territério ao Planejamento das Cidades cao do escorco arquiteténico”, dado as regras da perspectiva permitirem “o empre- go livre, nao determinado por princfpios estruturais ou proporcionais a priori, das morfologias deduzidas dos antigos”. Sérlio, diz ele, substituiu a relagdo edificio- espaco pela relacao edificio-paisagem e assim definiu “a elasticidade espacial” pela estratégia das regras da perspectiva, do “escorgo” como “recurso estilistico funda- mental”. “Cada elemento”, afirma, pode e deve “ser passivel de modificagdo, em razao da circunstancia espacial em que é empregado”. Sua leitura elucida nogées fundamentais para a pesquisa urbanistica e arquiteténica ao expor que “o tipologismo arquitetonico” do século XVI nasceu com Sérlio em “seu empirismo fundamental”, “com a intengio, nao muito d mulada, de generalizar um vocabulério classico da arquitetura, caso fosse impossi- vei uma experiéncia direta dos monumentos antigos”. O tipo, diferentemente do modelo, sempre um prot6tipo, se dispde como “uma espécie de ‘média’ deduzida da comparagao de todos os monumentos antigos aparentados por uma clara ana- logia formal ou funcional”, cuja “finalidade especifica é 0 projeto”. Tem-se, desse modo, esclarecido um ponto fundamental ¢ inerente a transferéncia do projeto baseado no tipo para 0 processo de edificacio: “a passagem para a tealidade con- creta nunca acontece arbitrariamente, mas pela adequacdo do tipo a irregularida- de do terreno, ao carter do ambiente, as exigéncias dos destinatarios, aos limites do orgamento e, obviamente, ao estro do atquiteto”.!? De seus argumentos retenho a interposidko desse deslocamento entre o de- senho/projeto ¢ a edificacao resultante, coerente & uma plasticidade ou “emprego livre” a ser adequado as injungées de cada process construtivo. Esse intervalo constitui um elemento-chave a ser considerado nos provedimentos de método das questées recortadas pelos pesquisadores do coletivo do prdjeto tematico no amplo painel da urbanizagao e da formacio de saberes sobre as cidudes e a arquitetura, projetos urbanisticos e sua implantacao no terreno urbano. A’sinala ainda a im- portancia do processo de producio em sua dupla trajetoria: a da Yormulagao dos tipos e a da sua utilizagao no agenciamento do espago urbano e na disposicio e edificagao arquitetdnica. Ao colocarmos no centro dos debates as intervengdes em cidades constitui- das ou a implantagdo de novas cidades, conduz os trabalhos da equipe do projeto tematico a preocupacdo com o processo de definig&o espacial do tragado urbano e de decisées entre opcdes possiveis dispastas no campo comum de conhecimentos da area de urbanismo e arquitetura, Sem minimizar a importancia dos resultados obtidos e suas implicacées para a propria vida urbana, 0 processo de formacio do saber urbanistico ¢ arquiteténico assume o lugar de questéo fundamental: apreen- der essa teia complexa e transnacional de saberes sobre a cidade constitufda pela colaboracio de especialistas de formacdo diversa em diversas situagdes de desafios. 10. ARGAN, G. C. A arquitetura do maneirismo. op. cit., 1981. p. 379. Apresentacio 1X. Justifica-se, assim, o estim ésit Se, assim, 0 estimulo ¢ propdsitos dos organi PS ; anizadores do congres: me ° no final de outubro de 2009 de suscitar com 08 colegas convidados o as sobre a ao das idbias ane Bet scot ee da importacao de ideias, instituicgdes, métodos, modelos ur ae ico” 4 5 ts i equi estas ’ s adaptagdes sugeridas pelas nocées de naa nsposigao de outros paises (Europa e Estados Unidos) para ee ee " r lamente estendida para a América latina. A formula ou teorig ‘a do lugar” tornou-se, pelo menos nas tilti “ ’ 8 nas tiltimas quatro ou cinco dé mee al s ‘inco déca- © lugar comum mais repetida nos trabalhos académicos de varias dlisciptina oat : A afirmacio de que ideias e modelos politicos sticos foram introduzidos Por setores da © experiéncias formadoras de um es lizada da boa cidade ou da boa plaridade e objetividade transnaci ec a nacional. Para se- ater ns Percuts0s de propostas fundadoras do campo do urbanismo pode- Bet pescuisa de Giorgio Piccinato" sobre a urbanistica alema das décadas ‘culo XIX com sua clara demarcacdo entre a histéria do urbanismo e i. ; para © levantamento de congres- » nacionais € internacionais, eventos, publi. Pesquisas de campo, exposicdo de experiéncias rvagGes in love. u malsucedidas, viagens, obsei permitiu a Calabi acompanhar, em traba- ‘ posteriores, a a 2 i » aformacao da area do urbanism e trajet6rias de profissionais com dell’urbanista. Germania 1871-1914, Roma: Officina a pees por Donatella CALABI encontra-se na aj i profissionais alemie: a stadt, Cornelius Gurlitt) eno Apér cena, apresentacao da antolo- Reinhard Baumeister, Rud ; re 10 Apendice onde se encontra 0 } exposigdes, publicagdes: p. 543-631, do livro de PICCIN eee ae Core X Da Construgao do Territério ao Planejamento das Cidades formagao diferenciada, bem como a composigao de redes de informacées nas ing prevaleceu a pratica de compartilhamento de experiéncias. Desse ee afirma Calabi, compunha-se um campo de conhecimentos de base interdisciplinar e uma é ialista a ecimentos & i ari especialistas. A troca de conh linguagem ou vocabuldrio comum aos lis ae dees iene deu “origem a um corpo disciplinar mais ou menos especializado e rant aum pequeno numero de pessoas que constituiam a cultura urbanistica da €poca”, uma espécie de sociedade urbanistica internacional ativa € Sane na ‘ i i izaga ituagées de tro- Opri: eracional e na organizagao de situags ropaganda do proprio Ambito op 4 ; itu Z P eee que permitem definir e redefinir com maior preciso nogées, ca tegorias € conceitos.'* Aceitar 0 desafio de conhecer criticamente essa Ree a a ns re modelos, tipologias e praticas, bem ou. malsucedidas, Coa ie + = = pesquisas ¢ da leitura dos documentos produzidos em cae ee en é a so intuito é ndo aprisionar a reflexio ou as respostas as eee ae explicagdo ou interpretacao a priori. A. interpretacao dos ee ca “ Be By ae projetos, planos, fotografias e demais Seas iconograficos Sao) cae tabeleca a teia de leituras, didélogos e concepgdes em que eee ie ee profissionais da drea de intervengoes urbanas nos séculos XIX as _ Trat aaa bém de esclarecer essas nogées-base a partir de leituras criticas cos one ducao bibliografica com suas efetivas contribuigdes para a érea dos estudas : Maria Stella Martins Bresciani IFCH - UNICAMP. CALARI ” cit di ia, Didattica ¢ istituzioni nell urbanistica inglese 1D. “male” ctta: diagnosi e trapia, Didattica c istituzioni nell'urbar i Del pte “900. Roma: Officina Edizioni, 1979; ¢ See ee apie Questioni, strumenti, casi esemplari. Turim: Paravia Scriptorium, 2000. p, 11-21. INTRODUGAO )livro que apresentamos ao piblico é 0 resultado das discuss6es empreendidas 22 Congresso Internacional de Histéria Urbana: Da constri 10 do territério ao mento das cidades: competéncias téonicas e saberes profissionais na Europa ¢ suas meas (1850-1930)", realizado na PUC-Campinas, em Campinas, SP, entre os #826 © 29 de outubro de 2009. Apresenta textos selecionados dos trabalhos apre- id lurante 0 encontro. temidtica proposta para © congresso e para o presente livro pretendeu fo- um debate sobre as trocas culturais e a circulacao das competéncias técni- € a cidade entre as Américas ¢ a Europa. Este debate é central na revisio ‘ifica sobre o nascimento do urbanism ional inaugurada nos anos 1970 a partir dos trabalhos de Giorgio Piccinato | diversas pesquisas que the deram continuidade. Os resultados apresentados— obra confirmam a validade de uma abordagem que se situa entre a escala lo- acional e a transnacional e mostram o papel que podem ter as reconstrugées estudos das trajet6rias profissionais no estudo da circulacdo das ideias. Este € 0 objetivo do Projeto Tematico, financiado pela FAPESP (Fundagao de iparo a Pesquisa do Estado de Sio Paulo), denominado “Saberes eruditos e aécni, onfiguracio © reconfiguracio do espaco urbano — Estado de Sao Paulo, secu Pee ak :coordenado pela Prof* Dr Maria Stella Martins Bresciani do Inctituto sofia e Ciéncias Humanas da UNICAMP (Universidade de Campinas ). te projeto, que se iniciou em 2006 e tem previsio de conclusio em 201 t Por objetivo acompanhar o processo de urbanizacio da cidade de Sao Paulo, a ir do inici ‘0 do século XIX, assim como a extensio do processo de urbanizacao rit6rio em direcdo ao oeste Paulista que seguiu o caminho da estrada de ferro, legia o estudo dos saberes técnicos sobre a cidade — no campo médico, da al aria civil, do direito, da arquitetura ~ investigando como eles orientaram suas os observando como a construciio desses saberes se faz pela difusio de um mento técnico internacional, ados a participar do “2° Congresso Inte: nacional de Historia Urbana”. Alici Iniversidad de Buenos Aires) » Carlos Roberto Monteiro de Andrade (EESC- ah Feldmann (EESC-USP), Gabriele Corsani (Universita degli Studi di ¢ Pier Luigi Palazzuoli (Universita degli Studi di Firenzi). Os demais au. livro pertencem a equipe do Projeto Tematico mencionado. XIL_Da Construgao do Territ6rio ao Planejamento das Cidades O congresso realizado em Campinas pretendeu dar continuidade ao congres- so similar “1° Congresso Internacional de Hist6ria Urbana: Camillo Site ¢ a circula- gio das ideias de estética urbana: Europa e America Latina 1880-1930", ocorrido em Bauru-SP, entre os dias 7 e 10 de outubro de 2004, promovido pela FAAC-UNESP. de Bauru e pelo Istituto Universitario di Architettura di Venezia, Italia. Nessa ocasiao, outubro de 2004, formou-se uma parceria entre a FAAC-UNESP de Bauru, o CIEC (Centro Interdisciplinar de Estudos da Cidade) do Departamento de Hist6ria do IFCH da UNICAMP, 0 CEATEC da Pontificia Universidade Catélica de Campinas e o Istituto Universitario di Architettura di Venezia, com 0 intuito de desenvolver um projeto de pesquisa conjunto sobre a hist6ria urbana e que resultou na elaboracao do Projeto Tematico de pesquisa mencionado. Cabe lembrar que os pesquisadores do Istituto Universitario di Architettura di Venezia envolvidos no Projeto Temitico e participantes do congresso sao (ou fo- ram) presidentes da Associazione Italiana de Storia Urbana (AISU): Donatella Calabi (2001-2009) e Guido Zucconi (2009-2013), sendo incentivadores destaca- dos na ideia de realizacao de encontros cientfficos internacionais no campo da his- toria urbana, O trabalho de organizacao da presente coletdnea nao teria sido possivel sem a valiosa colaboragao do Comité Cientifico do congresso composto por pesquisadores do proprio Projeto Tematico e de demais investigadores de referéncia na area, tanto nacional como internacional, a quem gostariamos de agradecer: Adalberto Retto Junior (Universidade Estadual Paulista “Jiilio de Mesquita Filho”), Alicia Novick (Universidade de Buenos Aires), Ana Fernandes (Universidade Federal da Bahia), Anna Lanna (Universidade de Sao Paulo), Carlos Roberto Monteiro de Andrade (Escola de Engenharia de Sao Carlos, USP), Célio Losnak (Universidade Estadual Paulista “Jtilio de Mesquita Filho”), Edgar De Decca (IFCH — Universidade Esta- dual de Campinas), Guido Zucconi (Istituto Universitario di Architettura de Venezia), Margareth Pereira da Silva (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Maria Cristina da Silva Leme (Universidade de Sao Paulo), Maria Stella Martins Bresciani (IFCH — Universidade Estadual de Campinas), Mario Henrique Simao D'Agostino (Universi- dade de Sao Paulo), Marisa Varanda Teixeira Carpintéro (CIEC — Universidade Es- tadual de Campinas), Marta Enokibara (Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho”), Norma Truppel Constantino (Universidade Estadual Paulista “Jélio de Mesquita Filho”), Silvana Rubino (IFCH — Universidade Estadual de Campinas) e Virginia Pontual (Universidade Federal de Pernambuco). Angelo Bertoni Université de Provence (Franca) Ivone Salgado Programa de Pés-Graduacao em Urbanismo. aia Ot i > CEATEC — PUC-Campinas. Parte I CULACAO INTERNACIONAL DOS SABERES SOBRE A CIDADE: da engenharia sanitaria ao urbanismo INTRODUGAO. CONSTRUCAO DO SABER URBANO E SUA Matriz SANITARIA Ivone Salgado . A segunda é a que revela a diver- € Profissionais que atuam nas tealizagdes técnicas sobre a cidade « que dos por principios cientificos comuns. Ainda, Pretende-se chamar atencio 0 fato de que a construcko de um corpo conceitual pressupde hip6teses de Me nicio da administracdo pablica moderna das Cidades/ estaremos realizando das dimensées enunciadas para o transcorrer do ‘século XIX. 4 Da Construgio do Territério ao Planejamento das Cidades Michel Foucault chamou a atengao para 0 fato de que jé na segunda metade do século XVIII se colocou 0 problema da unificacdo do poder urbano e da necessi dade de organizar 0 corpo urbano de modo coerente, homogeneo, dependente de um poder tinico e bem regulamentado, marcando o surgimento da higiene urbana (FOUCAULT, 1998: 81). A teoria que esta na base do movimento higienista é em grande parte a miasmatica, que atribui ao “veneno” presente no ambiente a causa das epidemias Nega-se 0 papel do contagio justamente quando a doenga afeta muitas pessoas ao mesmo tempo. A causa das epidemias nao poderia, entio, ser alguma coisa que passasse de uma pessoa a outra, mas alguma coisa que era, em dado momento, co- mum a todos. Antes do advento da microbiologia, com as dificuldades em interpretar as causas das epidemias e propor medidas eficazes para seu combate, confrontam-se duas filosofias médicas: a dos “contagionistas” ¢ a dos “infeccionistas” (CHALHOUB, 1996: 65). Os defensores da teoria do contagio, no que concerne a eficdcia pratica, an- tes de Pasteur e Koch, nao podendo individualizar-lhe sua natureza especifica, nao se encontraram em condigées de propor nenhuma a¢ao sanitaria precisa, en- quanto os defensores da teoria miasmatica propdem assegurar a pureza da agua e a frescura dos alimentos, eliminar o lixo urbano, a putrefagao, a sujeira, de modo areduzir os miasmas. Essas ages acarretaram resultados positivos no combate a propagacdo das epidemias nas cidades, dando forca A teoria que estava na sua base (FANTINI, 1998: 182). O movimento higienista, apesar de alguns sucessos importantes, 6, todavia, fortemente limitado pela falta de um conceito de especificidade das doengas e de conhecimentos fundados metodologicamente nas suas etiologias. No contexto higi- enista, uma doenca epidémica pode ser causada por uma série supostamente infini- ta de fatores diversos: o terreno, 0 ar, a Agua, os alimentos, os miasmas, 0 lixo. Dado que nenhuma causa se apresentava como verdadeiramente segura e, além do mais, parecia se misturar € agir ao mesmo tempo, as medidas tomadas para combater as doengas epidémicas deveriam ser, no mais, diversas e numerosas. Um corpo diversificado de profissionais e administradores, visando combater os chamados “males” aos quais as cidades estavam submetidas, sobretudo a grande mortalidade decorrente de epidemias que se difundiram de forma generalizada, pro- puseram e realizaram uma série de interveng6es de carater pratico nas cidades: entre outras, a adogao de sistemas de drenagem do solo imido, alagadigo e/ou pantanoso com pavimentagao e asfaltamento das ruas; a construcdo de sistemas de captagao de Agua limpa e canalizagio da mesma para fornecé-las As residéncias; a canalizaco das Aguas pluviais e do esgoto; a adocao de um sistema de recolhimento do lixo; 0 combate a pratica do enterro—que se fazia nas igrejas ou nos cemitérios a elas anexa- A Construgao do Saber Urbano e a Sua Matriz Sanitaria 5 interior das cidades, com a decorrente adogao da pratica de construgéo dos os ptiblicos “extramuros’; e a construcio de novos edificios, que deveriam ser ‘dos centros urbanos, para acolher algumas atividades consideradas insalu- pee de uma concepgao higienista, muitas obras sanitarias foram entao rea- ¢ administradas por um corpo diversificado de profissionais. A preocupagio asatide publica, sobretudo o controle e a prevengao das epidemias, com a a do célera em dimensao europeia por toda a década de 1820, e o seu drama- 9 na década de 1830, davam a preocupante prova de que a idade das no havia passado. No intuito de evitar a propagagio das doengas que as cidades percebe-se que a implantagao dessa administragao moderna. ides nao foi restrita a grande cidade nem tao pouco Aquelas dos paises que strializavam. Sob o ponto de vista da circulagao internacional de uma cul- ica especializada sobre as cidades, é possivel perceber ampla difusao des- s € praticas em contextos urbanos que ainda nao enfrentavam os processos sa urbanizacio e/ou industrializacio. ja foi muito difundido na literatura sobre a cidade. Sao eles, sem ditvida, os profissionais da era moderna a procurar sistematizar os conhecimentos. icos sobre a cidade. Iniciaram por utilizar as topografias médicas como instru- ) para essa anilise cientifica. Jaa partir do século XVIII, numerosos médicos tentaram descrever as doen- condic6es sanitarias de certa cidade, regido ou nacao europeia, construindo a frequéncia percentual das doencas na coletividade na Franca foi conduzida Société Royale de Médicine; ela foi desenvolvida sobretudo entre 1776 ¢ 1786, ‘seu promotor, Félix Vicq s’Azyr, a prossegue oficiosamente até o ano de sua rte, em 1794, ua correspondéncia com cerca de 150 médicos franceses contém uma docu- 4o impar sobre o estado sanitario ¢ sobre as condigGes climaticas e sociais da cdo francesa as vésperas nos primeiros anos da Revolugao. Nela resulta jente que as doengas infecciosas eram as primeiras da lista da pandemia da embora a nomenclatura e a nosologia do periodo dificultem a avaliacao pre- mpacto real de cada doenca (GRMEK & SOURNIA, 1998: 422). tros ensaios de topogratia médica podem ser eitados, como o de Andrea Valatelli de 303, Della topografia fisico-medica di Venezia. 6 Da Construgao do Territério ao Planejamento das Cidades Num contexto mais amplo se difundem as concepgoes globais da geografia sustentadas por Alexander von Humboldt e por Carl Ritter, que deram vida, no inicio do século XIX, ao grupo (no sentido de uma escola cientifica) biomédico dessa cién- : buscavam-se leis que explicassem a influéncia do ambiente sobre as caracteristi- cas do corpo humano e da sua morte. Essa perspectiva de andlise levou a conclusées muito gerais, mas resultou que os médicos e os gedgrafos do século XIX reuniram uma quantidade impressionante de informagées sobre a hist6ria e sobre a distribui- cdo geografica das doengas (GRMEK & SOURNIA, 1998: 425). A quimica também contribuiu para a explicacao e 0 entendimento sobre a forma de propagacdo das epidemias. Como a teoria miasmatica admitia que as subs- tAncias em decomposigdo, mesmo que em pequenas quantias, eram capazes de pro- vocar no organismo modificagdes patolégicas pelo contato, as explicagdes quimicas do contagio foram dominantes por volta da metade do século XIX e corresponderam perfeitamente As politicas higiénicas da época. A multiplicagao quimica seria como uma reacao em cadeia e era comparada A transmissao do foco de uma casa a outra. Esta é, por exemplo, a base te6rica da proposta de John Snow sobre a transmissio hidrica do célera. O célera, segundo esse médico de Londres, é uma doenga conta- giosa provocada por um veneno capaz de reproduzir-se no interior dos corpos das vitimas. Defendia, em decorréncia, que o veneno se encontrava nos excrementos € nos vomitos dos doentes. Snow demonstra? que a difuso do contégio? se dava através do uso da Agua recolhida de pocos ou fontes d’4gua, provavelmente envenenadas (SNOW, 1855: 34). AAS NOVAS POLITICAS HIGIENISTAS: 0 EXEMPLO DO RIO DE JANEIRO Foi a partir das pesquisas realizadas durante as epidemias de cdlera de 1848 e 1854 que John Snow péde demonstrar que o célera no era somente uma doenga da sujeira que abrangia todas as classes de maneira indiferenciada, era também uma doenga especifica que se difundia através da 4gua contaminada com fezes. 2. A primeira edicao do classico trabalho de John Snow, intitulado On the mode of communication of cholera, em 1849, nao continha ainda a prova sobre o papel decisivo da Agua contaminada na difusio do célera. Esta prova s6 apareceria na_edigao de 1855, publicada em Londres. 3. A ideia do contagium na verdade é muito antiga e ligada A metifora, a experiéncia de senso comum: 0 contagio ¢ comparado, ¢ também assimilado, a tintura de um teci- do, & difusio de um odor em um ambiente, ao envenenamento ou A putrefacéo de uma fruta. No caso da tintura, uma pequena quantidade de matéria pode induzir a uma mudanga de “qualidade” em todo o material exposto, como 0 veneno pode matar © organismo mesmo que em pequenas doses. Todavia, € a putrefacdo, associada 20 odor fétido, aos chamados miasmas, 0 modelo dominante para explicar 0 contigio © a infeccao: um fruto em putrefacio, quando em contato com outra fruta, a infecta e produz igualmente a putrefacio (FANTINI, 1998: 172). A Construgao do Saber Urbano ¢ a Sua Matriz Sanitaria 7 A partir de meados do século XIX difunde-se intemacionalmente as ideias de go de sistemas de abastecimento de Agua nos domicflios, com a devida purifi a, como o remédio principal na luta contra 0 célera e demais epidemias, perfodo, inicia-se a implantagao de sistemas de canalizagiio de esgoto, dentre afuncionar com um sistema misto ao de aguas pluviais em 1864, tendo sido eira cidade do Brasil a contar com uma rede de esgotos e a quinta no mundo, de cidades como Berlim, Buenos Aires e Roma (RESENDE, 2002: 53) salubridade do Rio de Janeiro era objeto de preocupagao de longa data. As s topogrficas do lugar, cercado de muitas montanhas, e a escolha de um ‘cota muito baixa em relacdo ao nivel do mar, para a implantacao do nticleo 10 inicial, levaram a uma av: ‘0 bastante negativa da salubridade da cida- periodo de dominacio de uma concepcao higienista que considerava as s alagadicas “perigosas”, como argumentavam os defensores da teoria ica. As propostas dos physicos (médicos) e engenheiros para combater a idade da cidade do Rio de Janeiro no inicio do século XIX revelam a con- o dos lugares alagadicos e pantanosos para uso urbano. A drenagem do solo lo é apresentada, entao, como uma solucao técnica. Quando a corte portuguesa mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1808, 0 prin- te ordenou ao physico-mér Manoel Vieira da Silva que investigasse as cau- doengas que acometiam os habitantes do Rio de Janeiro e que apontasse opinides j4 haviam sido emitidas pelos médicos sobre o assunto. No resultado do, um relat6rio publicado em 1808 pela Imprensa Régia no Rio de Janeiro, omo solucao no combate A insalubridade do Rio de Janeiro, Vieira da Silva : que se aterrassem todos os lugares pantanosos através da canalizagdo das dguas las,° tantas quantas necessdrias, sendo que esse sistema deveria estar articu- /com as marés. ocl Vieira da Silva: Reflexdes sobre alguns dos meios propostos por mais conducentes ara melhorar 0 clima da cidade do Rio de Janeiro. Imprensa. Régia, Rio de Janeiro, 1808. seria o primeiro trabalho médico impresso no Brasil de que se tem noticia. joel Vieira da Silva, op. cit. p. 35. joel Vieira da Silva, ap. cit. p. 35. 8 Da Construgao do Territ6rio ao Planejamento das Cidades Essa canalizacdo dizia respeito a uma drenagem superficial ¢ nao a utilizagio de canos subterraneos.’O préprio Vicq d’Azir’, em seu tratado de medicina, afir- mava que se estivéssemos convencidos destes principios — teoria dos miasmas -, compreen- deriamos facilmente porque todos os lugares subterraneos, baixos, Pantanosos e cercados de montanhas ¢ densas florestas seriam pouco salubres; porque as doencas seriam tao freqiientes e quase todas malignas nos lugares onde o ar estaria impregnado por particulas fétidas (D'AZIR, 1805: 78). Num novo estudo, de 1815, de José Joaquim de Santa Anna, capi do Real Corpo de Engenheiros e Architetos do Rio de Janeiro,’ o engenheiro propoe que se fizesse o enxugo geral da cidade para que se evitassem prejuizos catisados aos morado- res com as inundagdes motivadas pelas grandes e frequentes chuvas. No seu plano, Santa Anna defende a boa distribuicao dos declives das calcadas, evitando a utili- zagio das valas, pois estas seriam de pouco efeito na medida em que eram prejudi- ciais A satide pablica, por serem depésitos das mesmas Aguas, que com 0 efeito do sol acarretava hima evaporagio tao nociva 4 satide publica, por engrossar a athmosfera come particulas humidas e de corrupeao; além de que, nas occasides das grandes chuvas ellas nao dao o despejo, que he necessério."” Dentre as vantagens que 0 enxugo proporcionaria a cidade, Santa Anna destaca: purificar-se 0 ar por meio das particulas salinas, que se evaporéio no fluxo ¢ refluxo das marés!' (SANTA ANNA, 1811: 39). Mas foi apenas na década de 1860 que as areas baixas e alagadicas da cidade do Rio de Janeiro foram drenadas juntamente com a implantagio de uma rede de canalizagao de esgoto. Em 1862, o imperador D. Pedro I estabeleceu um contrato com a companhia inglesa The Rio de Janeiro City Improuvements Company Limited, que adotou para a cidade do Rio de Janeiro o sistema denominado misto, ou “sistema separador par- 7. O physico-mér argumenta ainda no seu estudo que o estado deveria determinar os luga- res onde deveriam ser edificadas as casas, com respectivas alturas das stias portas de en- trada, para que os particulares, junto com o Estado, pudessem participar do aterro das novas ruas, demarcando a direco e a largura das mesmas. 8. Vieg d’Azir, “Essai sur les licux et kes dangers des sepultures”, in: Ocvres de Vieq d’Azir, Paris, L. Duprat-Duverger, 1805, tome sizigme, p. 78, Trata-se de um tratado de me- dicina com 6 volumes cujo exemplar consultado encontra-se_no Real Gabinete Por- tugués de Leitura do Rio de Janeiro, 9. José Joaquim de Santa Anna. Esta publicacao, editada pela Imprensa Régia, seria uma segunda versio de similar publicada em 1811 e que se intitulava: “Meméria sobre 0 enxugo geral desta cidade do Rio de Janeiro”. 10. Ele ainda sugere a construgio de um canal que deveria cruzar a cidade desde a Ponte de iio, nas costas da cidade nova, até a praia fronteira a ilha das Cobras, com largura aproximada de 40 palmos. Santa Anna considera ainda que para a cidade ser mais saudavel e fresca nao se deveria consentir que se abrissem ruas com larguras menores 4 60 palmos, de tal forma que pudessem entrar na cidade grandes colunas de ar 11. José Joaquim de Santa Anna, op. cit, p. 39. A Construgio do Saber Urbano ¢ a Sua Matriz. Sanitaria 9 »,com duas redes independentes, uma para o esgoto sanitario e outra para o esgo- wial das ruas, recebendo também a primeira as Aguas pluviais dos prédios; 0 ite do esgoto sanitario recebia tratamento antes de ser lancado ao mar. O proje- a construcao do sistema ficaram sob a responsabilidade do engenheiro inglés ard Gotto e as obras do 1° distrito — tratava-se de trés distritos — foram inaugu- sem 1864 (RESENDE, 2002: 106). LEVANTAMENTOS ESTATISTICOS. Oexemplo do Rio de Janeiro revela como, na metade do século XIX, 0 concei- satide publica se difunde internacionalmente junto aos administradores pt € As diversas categorias profissionais responsaveis pela execucio das obras icas (engenheiros, médicos, arquitetos), levando tanto os governos soberanos to os republicanos a elaborarem “politicas sanitarias” que os obrigavam a in- cada vez. mais nas cidades. Mas uma politica desse género somente podetia ser realizada na medida em 2 as autoridades dispusessem de informagées quantitativas sobre as doengas que am as populacdes. Desta maneira, a epidemiologia se torna, a partir da meta- jo século XIX, cada vez mais necessaria para o conhecimento do estado de sat- jas populagdes e para a adocao de medidas coletivas de prevengao e de tamento das doengas. Para conhecer e estudar 0 estado de satide de uma popu- , era necessario rganizar um recolhimento sistematico de informagdes sobre talidade, sobre as causas das mortes e sobre a frequéncia percentual das doen- s em certa coletividade, anotar as estatisticas para cada pais, sobrepor os dados andlises estatfsticas e tirar as conclusdes sobre as relagGes entre as doengas € os diversos fatores endégenos ¢ ex6genos. Indo além de uma simples confirmagao tiga ideia hipocratica que ligaya a natureza das doencas a influéncia do am- ec ao modo de vida, essas relacées foram especificadas a partir de um esforco plicar as condigoes de variagao das doengas no tempo ¢ no espaco (GRMEK JURNIA, 1998: 417). _ Na Gra-Bretanha, a figura-chave do primeiro movimento pela satide ptiblica, Chadwick, um advogado que como iiltimo secretério de Jeremy Bentham aherdado a filosofia da reforma social, segundo principios do utilitarismo, era ardente defensor da teoria miasmatica e atribufa as doencas epidémicas da su- ira As condigées de insalubridade e de alta densidade demogrifica nas qua ybres viviam ¢ trabalhavam (BYNUM, 1998: 468). No seu Report on the Sanitary Condition of the Labouring Population of Great Britain 2) documentou a relagao existente entre pobreza, doenca e morte (em Bethnal N, um subtirbio pobre de Londres, os membros da classe média morriam com € média de 45 anos, contra uma expectativa da classe operaria de 16 anos). 10 Da Construcao do Territério ao Planejamento das Cidades As suas solucdes eram imediatas e simples: égua limpa a ser levada as casas € remogao dos excrementos suspensos na agua, canalizacao que nao permitissem ne- nhuma infiltragao no terreno e utilizacéo dos excrementos humanos como fertili- zante na agricultura. Em 1854, Chadwick foi licenciado, sendo nomeado para substitui-lo, numa reconstituida Comissio, John Simon, que desde 1848 atuava com sucesso como oficial médico do servico sanitario pablico da cidade de Londres, Simon havia conseguido realizar muito em Londres, gracas as suas qualidades pessoais ¢ A conviceao liberal de que os homens de boa vontade poderiam ser educados e operar pelos interesses ptiblicos. Nas duas décadas passadas no governo central (1854-1876) Simon ins- pirou o desenvolvimento do que nos anos 1870 fora o sistema mais amplo de servi- ¢o sanitario piblico no mundo. AS DESCOBERTAS BACTERIOLOGICAS As descobertas bacteriolégicas do tiltimo tergo do século XIX mudaram radi- calmente as explicagGes das causas das doengas (GRMEK & SOURNIA, 1998: 426). Os trabalhos de Pasteur sobre o micro-organismo, a putrefacio ¢ a fermenta- cao, relidos por Lister sob esta base tedrica, serio a base racional das primeiras medidas de antissepsia propostas pelos ingleses!? (FANTINI, 1998: 182). A substituicao de varias intuigdes € hipéteses sobre a natureza do contagio e da infeccao por uma teoria cientifica unitéria resulta do nascimento e do desen- volvimento de uma nova disciplina que, em 1881, Louis Pasteur chamava de microbiologia."® A nova disciplina insere 0 conceito de germe e de infecgao no interior de uma definicao geral de vida, baseada na teoria celular e, portanto, na continui- dade do tempo e do espago da organizagio biolégica (FANTINI, 1998: 171). Aestrutura te6rica da microbiologia e seus procedimentos experimentais le- vam a reducdio dos fendmenos do contigio e da infec¢ao ao do parasitismo —com 0 consequente abandono da teoria miasmatica e a identificagdo entre contagio e in- fecgao, conceitos que antes eram separados. Uma doenca contagiosa ou infecciosa € consequéncia da presenga continua e constante de um germe (micro-organismo) es- pecifico que se desenvolve no organismo e que é a causa especifica da doenga, mes- 12. No campo estritamente médico, a primeira aplicacao pritica das teorias de Pasteur €a antissepsia, o uso do Acido fénico, liquido e gasoso, para destruir os germes pre- sentes sobre as feridas ¢ transportados no ar. 13. O termo merobiologia foi introduzido inicialmente em 1881 por Louis Pasteur, em alternativa ao termo bacteriologia usado no tertit6rio germanico ¢ considerado muito limitado, por ocasido do Congreso Internacional de Medicina de Londres, que con- sagra 0 triunfo da teoria do germe pela explicacao da etiologia de algumas doengas de grande difusao (FANTINI, 1998: 171). A Construcio do Saber Urbano e a Sua Matriz Sanitaria 11 jue outros fatores (como o terreno ou a constituicao) possam moldar a aio, do a agao do germe e o desenvolvimento da doenga, sem todavia modifi- specie (FANTINI, 1998: 172). " Embora o quadro conceitual da medicina tenha mudado lentamente durante 9 século XIX ¢ os diversos elementos tedricos que constituem a ciéncia robiolégica tenham sido lentamente introduzidos na explicagio dos fendme- émicos, s6 nos anos 1880 esses singulares elementos so integrados numa stura teérica coerente, em uma disciplina cientifica (FANTINI, 1998: 175). ¢ observarmos os Public Health Act de 1875 na Inglaterra, que aprimoraram lacdo existente e estabeleceram nova organizagao do servico sanitario publi- na ampliacao da politica de vacinagao e a implantagao de sistemas de trata- o do esgoto, de fornecimento de agua corrente aos domicilios, de remocao do controle alimentar e de controle da higiene das habitag6es, percebemos que tbe a John Simon a lideranca na implementacao dessas reformas. Enquanto fwick permanece defensor da teoria miasmatica até a sua morte, em 1890, Simon juou as recentes doutrinas da teoria dos germes favorecendo a medicalizacao Os médicos, que sempre tiveram papel importante na satide publica no pe- tratado, com 0 advento da bacteriologia viram sua influéncia aumentar con- avelmente. Nos Estados Unidos, em 1900, os médicos cram responséveis por or cento dos profissionais especializados na satide ptiblica, € os conselhos lo- de satide, dos quais muitos médicos participavam, refletiram um compromisso ite de responsabilidade piblica na prevencio e erradicacao de doengas no do século XIX. Em 1890, 276 dos 292 municipios americanos com populagao 000 habitantes, ou acima disso, tinham conselhos regulares de satide publica sLOSSI, 2008: 78). Bib teis. Ra era da bacteriologia hé a emergéncia de um novo profissional res- nsavel pelo saneamento urbano: o engenheiro sanitério. Observa-se que no inicio lécada de 1910 os departamentos de satide dos Estados Unidos se afastaram ficativamente de uma abordagem “ambientalista” do meio urbano, deixando quest6es para os departamentos de engenharia e de obras ptiblicas. Os novos amas de saneamento basico recairam aos engenheiros municipais. Eles se tor- nao s6 0 braco técnico do movimento da reforma sanitaria, mas também os sores principalmente de saneamento ambiental. A profissao de engenheiro: rimentou um crescimento rapido. Os engenheiros a servico das cidades eram chefes entre a elite tecnocratica, € construia e administrava a nova infraestrutra urbana, e foram emergindo ao ido da classe emergente burocratica de funcionarios permanentes da cidade. 12. Da Construgio do Territ6rio ao Planejamento das Cidades Sem divida, os engenheiros municipais tornarant-se figuras centrais no esfor- 0 de gestao do meio ambiente no final do XIX ¢ inicio do século XX, O titulo “en- genheiro sanitério” passou a representar 0 que muito dos engenheiros municipais passaram a ser no inicio do século XX, A engenharia sanitaria foi uma das novas profissdes sociais, que néo era aquela do médico, nem do engenheiro, nem do edu- cador, mas uma somatéria dos trés (MELOSI, 2008: 80) A nova profissio foi tinica porque ela representava o tinico grupo que possuia conhecimento relativamente amplo do ecossistema urbano da época. Engenheiros sanitarios possuiam conhecimentos de engenharia, bem como as teorias de satide ptiblica ¢ suas praticas, Alguns adquiriam essas competéncias no trabalho. Alguns foram treinados como engenheiros civis ¢ hidréulicos e, posteriormente, estudaram quimica e biologia. Outros comecaram como quimicos ¢ bidlogos ¢ adquiriram formagéio em engenharia (MELOSI, 2008: 80). A engenharia sanitéria combinava a perspectiva generalista de condicdes ambientais com a pratica, o know-how técnico. Como os principais responsveis pelo desenvolvimento das novas tecnologias de saneamento, os engenheiros municipais foram obviamente os responsaveis por perpetuar os objetivos de saneamento ambiental, mesmo na nova era da bacteriologia. Para a maior parte, passaram a aceitar essa nova ciéncia, mas também viram menor contradigao entre os objetivos da antiga e da nova satide publica do que muitos de seus colegas das comunidades médicas ou cientificas (MELOSI, 2008: 80). A caracterizagao da ciéncia sanitaria como um instrumento de satide da co- munidade era entendida, embora nem sempre tao claramente articulada. Construidos na dinamica gerada na idade dos miasmas, muitas cidades conch ram 0 processo de criagao de sistemas permanentes de saneamento municipal na era de bacteriologia através da atuagao dos engenheiros sanitarios. Um dos principais avangos da engenharia sanitaria foi a criagdo do “sistema separador absoluto” em 1879 pelo engenheiro George Warning, que o implantou na cidade de Memphis, Tennessee, EUA. O sistema, caracterizado pela utilizagio de uma rede coletora exclusiva para a Agua da chuva e outra exclusiva para efluentes domésticos, passou a ser adotado no mundo todo. No Brasil, a obrigatoriedade do uuso desse sistema a partir de 1912 deve-se a Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, considerado 6 patrono da engenharia sanitaria no Brasil. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BYNUM, William F. “Medicina e Societa”, in; GRMEK, Mirko D., Storia del Pensiero Medico Occcidentale. volume 3. “Dall’ Eta Romantica alla Medicina Moderna”. Editori Laterza. Roma, 1998, CALABI, Donatella. 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