You are on page 1of 46
Rev. Fac. Edue., So Paulo 5 (1/2): 9-54, 1979. PSICOLOGIA E IDEOLOGIA* Nohan Chomsky Agradecomos 4 Editora, a gentileza da autorizagdo para a tradugio e publicacdo de: CHOMSKY, Nohan,| Psychology and ideology. In: « For reasons of state. New York, Pantheon Books, A Division of Random House, 1973. cap. 7, p. 317-364, Ir H4 um século, um liberal inglés descrevev o chinés como uma “Saga inferior de maledveis orientais"(1). Ne mesma época a antropologia tornou-se profissionalizada como uma disciplina “intimamente associada com 0 surgimento da raciologia"(2). Confrontada cam as afirmagSes racistas da antropologia do século XIX, uma pessoa racional faria dois tipos de questdo: Qual é o estatuto cientifico dessas afirmagSes? e: A que necessidades sociais ou ideolégicas clas servem? As questOes so logicamente independentes, mas as do segundo tipo surgem naturalmente al medida em que as pretensdes cient{ficas s3o solapadas. No caso da antropologia racista do século XIX a questo do estatuto cientffico nfo é mais considerada seriamente ¢ nao ¢ também diffeil perceber qual era sua fango social. Se 0 chinés era maledvel por natureza, o que se poderia objetar contra um controle exercido por uma raga superior? * Este capituio foi ampliado a partir de um ensaio publicado em “Cognitions", vol, 1, n9 1, (1972), Aigumas partes aparecerem de forma ligelramente modificada, como ima resenha de “Bayond Freedom and Dignity” de B. I. Skinner om “New York Review of Books”, dezembro 30-1971. A discussfo do trabalho de Hermstein apareceu, em parte, em “Social Policy”, 1972, vol. 3, a9 1, (1972), e, em parte, em “Ramports”, juiho, 1972, No que diz respeito & resposta de Hermnstein ¢ outros comentérios meus (em parte incorpo- rados aqui) ver “Cognition”, vol. 1, n9s 2,34 (1972). _ (1) “Economist” — outubro 31 — 1862 — Citado por Frederick F, Catirmonte em sua resenha sobre “The Race War", por Donald Segal, “Journal of Modern African Studies” (no prelo). (2) Marvin Harris - “The Rise of Anthropological Theory” — pp. 100-1. Por volta de 1860, diz ele, “‘o determinismo antropoldgico ¢ o social. se linham timado quase sindnimos”, CHOMSKY, Nolan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev Fac Educ, S80 Panto, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés. Consideremos agora uma generalizagSo da pseudociénoia do século XIX. Nao sSo apenas os chineses pagdos que sfo maledveis por natureza, mas todas as pessoas. A ciéncia mostrou que é uma ilusio falar de “liberdade e dignidade”. Aquilo que uma pessoa faz é totalmente determinado por seu equipamento genético e por sua historia de reforgos. Por isso, deverfamos usar a melhor tecnologia behaviorista para modelar e controlar o comportamento tendo em vista o interesse comum. Novamente, podemos perguntar acerca do estatuto cient{fico dessa afir- magdo ¢ as fungdes sociais a que elas servem. Mais uma vez, se o estatuto cienti- fico € incipiente, sera cntao particularmente intcressante considerar o clima de ‘opinides dentro do qual essa afirmagao é levada a sério, Em suas especulagdes acerca do comportamento humano, as quais devem distinguir-sc claramente de sua investigagio experimental sobre 0 condiciona- mento operante, B.F. Skinner oferece uma verso particular da Teoria da malea- bilidade humana. A recepgdo publica desta Teoria é assunto de algum interesse. Skinner foi condenado como alguém que abria caminho para © pensamento to- talitdrio ¢ louvado por advogar um ambiente social firmemente controlado. E acusado de imoralidade e elogiado como porta-voz da ciéncia e da racionalidade nos assuntos humanos. Aparece como atacando os valores humanos fundamen- tais ao clamar por controle ao invés de defender a liberdade e a dignidade. Parece haver algo escandaloso nisso, ¢ uma vez que Skinner inveca a autoridade da ciéncia, alguns criticos condenam a propria cigncia, ou “a visio cientifica do homem”, por apoiar tais conchis6es, enquanto outros asseguram que a ciéncia vencer4 o misticismo e as crengas irracionais. ‘Uma andlise mais cuidadosa revela que a aparéncia ¢ enganadora. Skinner nao esta dizendo nada acerca de liberdade ¢ dignidade, embora ele use as palavras de uma forma estranhae idiossincrésica.’ Suas especulagdes s0 desprovidas de contetdo cientifico ¢ nem sequer atingem as linhas gerais de uma ciéncia posst- vel do comportamento humano. Além disso, Skinner impoe certos limites az bitrérios a investigacZo cientifica que virtualmente garantem o malogro conti- nuado. No que tange suas implicag6es sociais,a ciéncia do comportamento humano de Skinner, por ser muito vazia, estd to préxima dos liberais quanto dos facistas Se algunas de suas observagdes sugerem uma ou outra interpretacio, é preciso, acentuat que esta ndo se segue de sua “‘ciéncia” mais do que de sua negagdo. Creio que seria mais correto encarar a obra de Skinner “Além da liberdade e da dignidade” como um'teste de Roschach, O fato dele ser amplamente apontado to CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villulobos. Rev, Fac. Bduc., Sado Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés, como indicando o caminho para 1984 é, talvez, uma indicagdo sugestiva de certas tendéncias da sociedade industrial modema. Nao hé duivida de que uma teoria da maleabilidade humana possa ser posta a servigo de uma doutrina totalitaria, Se, de fato, liberdade ¢ dignidade so simples relfquias de crengas mfsticas superadas, entio que objegGes se poderia fazer contra controles estreitos ¢ eficazes que asseguiassem a “sobrevivéncia de uma cuitura”.? Dado o prestigio da ciéncia ¢ as tendéncias para um controle autoritério centralizado que podem ser facilmente detectados na sociedade industrial moderna, € importante investigar seriamente as afirmag6es de que a ciéncia do comportamento ¢ a tecnologia a ela relacionada proporcionam 0 meios para o controle do comportamento. O que de fato foi demonstrado, ou até mesmo plausiveimente sugerido, a esse respeito? Skinner nos assegura repetidamente que sua ciéncia do comportamento est4 avangando poderosamente @ que existe uma eficaz tecnologia de controle. “€ fato”, alega ele “que todo controle é exercido pelo ambiente”(3). Conse- qientemente, “Quando parece que estamos devolvendo o controle a prépria pessoa, nés simplesmente transferimos um modo de controle para outro” (p. 97). A unica tarefa séria consiste entZo em planejar controles menos “aver- sivos” e mais eficazes, um problema de engenharia . “As linhas gerais de uma tecnologia j4 esto claras” (p.149}. “Dispomos da tecnologia fisica, biolégica © comportamental necessérias'para ‘nos salvar’; 0 problema ¢ como conseguir que 25 pessoas as usem” (p. 158). um fato, afirma Skinner, que “o comportamento é modelado @ mantido por suas consequéncias” e a medida em que as consequéncias cantingentes 20 comportamiento so investigadas, cada vez mais “elas esto assumindo precedén- cia sobre as fangGes explicativas previamente atribufdas a personalidades, estados de espfrito, sentimentos, tragos de caréter, objetivos e intengdes"(p.1 8): “A medida em que uma ciéncia do comportamento adota a estratégia da fisica| ¢ da biologia, o agente autdnomo, ao qual o comportamento tradicionalmente foi atribuido, é substitufdo pelo ambiente — o ambiente no qual a espécie evolui ¢ ao qual o comportamento do individuo é modelado ¢ mantido”.(p.184).| Uma “andlise comportamental” est4 assim substituindo os “apelos tradicior nais a estados de espirito, sentimentos € outros aspectos do homem auténomo” e “est de fato muito mais avangada do que, geralmente admitem seus crfticos”. (p. 160). O comportamento humano é uma fungdo de “candigdes ambientais ou genéticas” e as pessoas nfo deveriam objetar “quando uma andlise cientifica liga (3) B.F, Skinner — “Beyond Frecdon and Dignity”, p. 82 ~ As xeferénoias subse- ‘qUentes serio feitas indicando apenas o némero da pégina. 1 CHOMSKY, Nohaa. Psicologia ¢ ideotogia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev. Fac Educ., So Paulo. 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés, — SS Seu comportamento a condigfes extemas"(p.75) ou quando uma tecnologia comportamentai melhora o sistema de controle. Nao apenas tudo isso demonstrado, como vird também a ocorrer que, ame dida em que a ciéncia do comportamento progredir, ela estabelecers mais plena- mente estes fatos. “E da natureza do progresso cientifico que as fung&es do homem autOnomo sejam, uma por uma, assumidas pelo ambiente controlador, a medida em que o papel deste for senda melhor compreendido”(p.58), Esta é 2 “visdo cientifica”, © “fax parte da natureza da investigagiio cientifica” que a Prova se modifique em seu favor (p. 101). “Faz parte da natureza de uma andlise experimental do comportamento humano que ela se desvencilhe das fungoes pre- viamente atribuidas ao hamem autonomo ¢ as atribua ao ambiente controlador” (p.198). Além disso, algum dia a fisiologia “explicard porque o comportamento esta de fato relacionado com os acontecimentos antecedentes dos quais se pode mostrar que ele é uma fungtio” (p.195). Tais afirmacSes se enquadram em duas categorias. Na primeira esto as declaragOes acerca do que foi descoberto; na segunda, assertivas sobre aquilo que a ciéneia deve descobrir em seu inexordvel progresso. E provavel que a esperanga, o medo ou a resignagdo induzidos pela Proclamaco dé Skinner resul- tem, em parte, de tais afirmag6es acerca da inevitabilidade do progresso cient{fi- co em dirego 4 demonstragfo de que todo controle é exercido pelo ambicnte, © que 2 habilidade do “homem auténomo” em escolher é uma ilusfo, AfirmagSes: do primeiro tipo devem ser avaliadas em termos da prova apre- sentada por elas. No caso presente, esta é uma tarefa simples, Nenhuma evidéncia ¢ apresentada, De fato, como ficaré claro quando voltarmo-nos para exemplos| mais especificos, a questo da prova estd fora de questo, uma vez que as afirma- g6es, quando analisadas, transformam-se em incoeréncia ou trivialidade, As declaragSes acerca da inevitabilidade das descobertas futuras ‘so ainda mais amb(guas. Est4 Skinner dizendo, enquanto matéria de necessidade, que 2 ciéncia revelaré que © comportamento € totalmente determinado pelo ambiente? Se assim for, sua declaragio deve ser afastada como sendo Puro dogmatismo, estranho a “natureza da invostigefio cientffica”. £ bastante concebivel que, 6 medida que a compreensfo cientffica progrida, cla venha a revelat que, mesmo com detalhes completos acerca do equipamento genético © da historia pessoal, uma onisciéncia Laplaceana poderia prever muito pouea coisa acerca daquilo que um organismo fard, E até mesmo possivel que a cigncia possa qualquer dia Proporcionar razes de confianga para esta conclusio (se de fato ela é verda- deira), Mas talvez Skinner esteja apenas sugerindo que o termo “compreensao cientifica” se restrinja 4 previsto do comportamento a partir de condigSes am- bientais. Se assim for, ent%o a ciéncia poderd tevelar, & medida em que ela pro- gredir, que “a compreensao cientifica do comportamento hurmano”, nesse sen- 12 CHOMSKY, Nohan. Psicologia e ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev. Fac. Educ., Sd Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés, tido, é inerentemente limitada, Até 0 momento, nfo dispomos de nenhuma evi- d&ncia cientifica, nem do embrifo de uma hipdtese interessante, acerca de como @ comportamento humano é determinado. Portanto, nés s6 podemos expressar nossas esperangas acerca de como uma ciéncia futura venha a demonstré-lo, Em qualquer caso, as declarag6es de Skinner nessa categoria sio dogmiticas ou desin- teressantes, dependendo da interpretagao que delas fizermos, © elemento dogmatico do pensamento de Skinner se revela mais ainda quando ele afirma que “a tarefa de uma andlise cientffica é a de explicar como © comportamento de uma pessoa, enquanto sistema fisico, se relaciona com as condigdes sob as quais a espécie humana evoluiu e sob as quais o individuo vive”. (p.14). Certamente, a tarefa de uma andlise cientifica consiste em descobrir os fatos ¢ explicé-los. Suponhamos que de fata o cétebro humano opere por princf- pios fisicos (talvez nfo desconhecidos) que provem a subsisténcia da livre es- colha, apropriada 4s situages, mas afetadas apenas marginalmente pelas contin: géncias ambientais. A tarefa da andlise cientifica néoé —como Skinner acredita — demonstrar que as condigtes as quais ele restringe sua atengdo determinam completamente o comportamento humano, mas sim descobrir se de fato elas 0 fazem (ou s¢ elas 80 de fato significativas), o que é uma questo muito diferen- te. Se tais condigdes nfo determinarem o comportamento, como parece muito plausivel, a “tarefa da andlise cientifica” seré a de esclarecer as questBes ¢ desco- brir uma teoria explicativa inteligivel que trate.com os fatos reais. Certamente nenhum cientista acompanharia Skinner em sua insisténcia na necessidade a priori de que a investigagdo cientffica levard a.uma conclus&o particular, anteci- padamente especificada, Em apoio a sua crenga de que a citncia vird a demonstrar que o comporta- mento é inteiramente uma fung#o de acontecimentos antecedentes, Skinner aponta que a fisica avangou apenas quando “deixou ds personificar a3 coisas” ¢ de atribuir a elas “desejos, impulsos, sentimentos, objetivos” etc. (p.8). Da mesma forma, ele coneluj, a ciéneia do comportamento 36 progrediré quando deixar de personalizar as pessoas ¢ evitar referéncia a “estados internos”. Sem divida, a fisica progrediu a0 rejeitar a idéia de que o desejo de uma rocha de cair soja um fator de seu “comportamento”, porque de fato uma rocha nfo tem esse desejo. Para que o aigumento de Skinner tenha‘alguma forca, ele precisa mostrar que as. pessoas nfo possuem mais desejos, sentimentas, impulsos do que as rochas. Se as pessoas diferem das rochas nesse sentido, entdo a ciéncia do comportamento hu- mano terd que levar esse fato em conta. Da mesma maneira, Skinner est4 certo‘ao afirmar que “a fisica moderna ¢ grande parte da biologia” n¥o-discutem assuntos tais como. “crise de fe” ou “perda de confianga”.(p.106)..Evidentemente, dessa obsérvagdo. correta nada se segue com ‘relapdo a ciéricia do comportamento humano. A Fisica e.a biolégia, 13, CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev, Fac. Educ., $4 Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés. observa Skinner, “no progridem por olhar mais de perto a alegria de um corpo que cai... ou a natureza dos espfritos vitais ¢ nés nfo precisamos tentar desco- brit o que sfo realmente as personalidades, os estados de espfrito, os sentimentos Ou outras prerrogativas do homem autdnomo pata prosseguirmos com uma andlise cientffica do comportaniento”; e nés devemos negligénciar os “estados mentais supostamente mediadores” (p.15). Isto € suficientemente verdadeiro se de fato nfo existirem estados intermedidrios que possam set caracterizados por uma teoria abstrate da mente, e se 23 porsonalidades etc., nfo forem mais reais do que a alegria de um corpo que cai. Mas se as afirmay6es faticas so falsas, entHo nés certamente precisamos tentar descobrir 0 que sio realmente as “prer- Togativas do homem auténomo” e determinar os “estados mentais mediado- res” — pelo menos se quisermos desenvolver uma ciéncia do comportamento humano que tenha algum conteddo intelectual ¢ alguma forga explicativa. Skin- net poderia argumentar, mais racionalmente, que sua “ciéncia” nifio despreza essas prerogativas ¢ os estados interiores, mas apenas descreve de outra forma os fendmenos discutidos nesses termos. Veremos diretamente qual o conteido dessa afirmagfio. Dificilmente 6 possivel argumentar que a ciéncia sO avangou por repudiar hipéteses concernentes aos “estados internos”. Rejeitando o estudo dos estados interiores postulados, Skinner revela sua hostilidade nfo apenas A “natureza da investigagdo cientifica”, mas até mesmo a comum pratica de engenharia. Por exemplo, Skinner acha que a “teoria da informagdo” torna-se -problemitica quando tem de inventar um “processador” interior para converter a energia aplica- da em produto final. (p.18) Esta ¢ uma estranha mancira de descrever o assunto; a! “teoria da informagdo” nio se torna “problemética”. Pelo contrério, a considera- ¢40 do processador interior na teoria matemdtica|da informagtfo ou suas aplica- bes a psicologia seguiram uma pratica de engenharia normal e cientifica. Su- ponhamos que um investigador se veja diante de um aparelho cujo funcionamen- to ele nao compreende e suponhamos que por meic de um experimento ele possa obter informagées acerca das relagGes entre 4 energia € a produgdo do aparelho. Ele nfo hesitaria, se fosse racional, em construir uma teoria dos estados internos do aparelho e testd-la segundo provas ulteriores. Ele poderia também continuar tentando determinar os mecanismios que funcionam das formas descritas por sua teoria dos estados internos, e os princfpios f(sicos em agfo — deixando aberta a possibilidade de que princfpios fisicos novos e desconhecidos possam estar en- volvidos, uma matéria particularmente importante no estudo do comportamento dos organismos. Sua teoria dos estados internos pode muito bem ser 0 dnieo guia itil para pesquisas ulteriores. Contestando, a priori, esta estratégia comum de pesquisa, Skinner apenas condena sua estranha variedade de “ciéncia do compor- tamento” a uma inépcia continuada. 14 CHOMSKY, Nohan, Psicologia © ideologia, Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev. Fac. Fduc., S40 Paulo, 5 (1/2):9-S4, 1979. Original Inglés. © antagonismo de Skinner pela ciéncia também se revela por seu trata- mento das materias de fato..Os psicélogos interessados pelos fatos argumentam que a aquisiggo da linguagem pela crianga bem como a aquisigdo de vdrios con- ceitos é, em parte, fungS0 do desenvolvimento e que por meio de processos de maturagdo a linguagem da crianca cresce “como um embrifio” e que o isolamen- to interfere com certos processo de crescimento, Skinner rejeita essas hipdteses (pp. 139, 141, 221) e afirma que as continggncias verbais e outras contingéncias ambientais explicam todos os fenémenos observados. Em nenhuma parte, ele nos fornece qualquer prova ou argumento racional disso, nem tempouco ele mos- tra qualquer outra fatha nas teorias, talvez incorretas, mas perfeitamente inteligi- veis, que ele sumariamente rejeita. (Ele apresenta todavia, objecbes irrelevantes, que por qualquer motivo lhe parecem aplicdveis — ver pAginas citadas acima), Seu dogmatismo a esse respeito ¢ particularmente curioso uma vez que certamente ‘ele nZo negaria que processos de maturagdo geneticamente determinados esto envolvidos em outros aspectos do desenvolvimento, Mas nesta drea, ele insiste em que a explicagao deve ser buscada alhures. Embora sua conclusao possa, por puro acidente, ser corteta, ainda assim seria diffcil imaginar uma atitude mais oposta 4 “natureza da investigacdo cientifica”. Nio podemos especificar a priori que postulados ¢ hipéteses sio legftimos, O apriorismo de Skinner, nesse aspecto, ndio 6 mais legitimo que a afirmagdo de que a fisica clissica n¥o é “ciéneia” porque recorre a “forca oculta da gravidade”. Se um conceito ou principio encontra seu lugar em uma teoria explicativa, ele n&o pode ser exclu/do por razdes metodolégicas como as discussdes de Skinner sugerem. Em geral, 2 concepgdo que Skinner faz de ciéncia ¢ muito estranha. ‘Nio apenas suas admisses metodolégicas a priori excluem todas as teorias, com excegdo das mais triviais, mas cle é também dado a estranhos pronunciamentos tais como afirmagdo de que “as leis da ciéncia sfo descrigtes das contingéncias de reforgo” (p.189) — a qual eu, felizmente, desisto de codificar. £ importante ter em mente que as criticas de Skinner nfo definem a pri- tica da ciéncia do comportamento. De Fato, aqueles que chamam a si mesmos de “cientistas comportamentais” ou “behavioristas” variam amplamente no que tango as construgdes teOricas que eles desejam admitir. W. V. O, Quine, que em outras ocasides tentou trabalhar dentro dos limites de um quadro de referéncia Skinneriana, vai ao ponto de definir o “behaviotismo” simplesmente como a insisténcia em que as conjecturas ¢ conclus6es devam eventualmente ser veri- ficadas em termos de observag5es (4). Como ele destaca, qualquer pessoa razod- vel € behaviorista nesse sentido. A proposta de Quine significa a abdicagao do (4) W.V. 0, Quine — “Linguistics and Philosophy”, em Sidney Hook e@. - “Lan- guage and Philosophy”, p.97. 15 CHOMSKY, Nohan. Psicologia e ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos, Rev, Fac. Educ., Sho Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés. vehavorismo como um ponto de vista susbstantivo, o que igualmente bom. Qualquer que seja a fung#o desempenhada pelo “behaviorismo” no passado, ele transformou-se em apenas um. conjunto de restrigGes arbitrarias @ uma teoria “legitima” da construg&o e nfo hd tazZo por que algném que investige o homem ¢ a sociedade deva aceitar 0 tipo de grilhGes intelectuais que os fisicos certamen- te nfo tolerariam e que condenam toda procura intelectual a insignificincia. Note-se que o que esté aqui em questo nflo o “behaviorismo filos6fico”, um conjunto de idéias acerca das reivindicagbes legitimas ao conhecimento, mas © behavorisme enquanto um conjunto de condigGes impostas A legitima teoria da construgZo no estudo das habilidades e realizagdes mentais e da organizagfio social humana. Assim uma pessoa pode aceitar a versio de Quine do “behavio- rismo” para a teoria cientifica da construg4o, abandoriando assim, de fato, a dou- trina, mas aceitando 20 mesmo tempo que as teorias cientfficas construidas de acordo com a condi¢ao de que as hipdteses devem ser eventualmente verificadas, em termos de observacdo, nJo constituem verdadeiramente “conhecimento”. Se consistente, tal pessoa rejeitard também as ciéncias naturais como nao constituin- do um “verdadeiro conhecimento”, E poss{vel, é claro, impor condiges de se- veridade arbitréria a0 conceito de “conhecimente”. Nao importa qual seja 0 interesse desta tarefa,nioé 0 que euestou discutindo aqui, Nem tampouco estou. discutindo se o sistemade regras (2 prinefpios inconscientes que a mente constrdi, ‘ou © esquefaatismo inato que proporciona a base para tais construgdes, deveria apropriadamente ser chamado de “conhecimento”, ou talvez deva receber outro nome. Em minha opinifio nenhuma investigagio do conceito de conhecimento no sentido comum: Propotcionard uma resposta para esas questes, uma vez que ele € muito vago e impreciso exatamente nos pontos eriticos. Esta nfio é todavia @ questo que se coloca agroa ¢ nfo prosseguirei com ela. Consideremos agora mais cuidadosamente o que quer Skinner dizer quai- do afirma que todo comportamento é externamento contrdlado e que 0 compor- tamento é uma fungdo das condighes genéticas e ambientais. Quer cam isso, ele, dizer que 0 conhecimento pleno de tais condig8es permititia, em prinefpio, es- Pecificar previsSes acerca daquilo.que a pessoa fara? Certamente nfo. Skinner quer dizer que as condig6es ambientais e genéticas determinam “probabilidades do respostas”. Mas ele € to vago quanto 2 essa nocfo que iif é claro se suas declarag6es acerca do determinismo levam a algo. Ninguém duvidaria de que © fato de eu emitir uma sentenga em inglés ao invés de em chines é ‘‘determina- da” por minha experiéncia passada, ou que a probabilidade de que eu-produza uma sentenga em lingua humana ao invés de fazedo em algum sistema imagindvel mas no acessivel ao homem seja “determinada”’ por minha constituiggo genética. N4o necessitamos que as ciéncias comportamentais nos digam isso. Quando pro- 16 CHOMSKY, Nohan. Psicologia © idcologia, ‘Trad. Maris da Penha Villalobos, Rey. Hac. Educ., SX Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979, Original Inglés. curamos porém previsées mais especificas nada encontramos. Pior, descobrimos que as limitagdes a priori que Skinner impde A investigagso “cientifica” tornam impossfvel para ele formular os conceitos relevantes, ¢ muito menos investigéos. Consideremos, por exemplo, a nogio “probabilidade de emissfo de uma ‘sentenga inglesa ao invés de uma chinesa”. Dada uma caracterizagao do “Inglés” ¢ do “Chinés” por uma teoria abstrata dos estados internos postulados (estados mentais, se quiserem) é poss{vel dar algum sentido a esta mnogo — embora as probabilidades,sendo negligencidveis sob qualquer caracterizag0 conhecida dos fatores determinantes, serio sem interesse para a previsto do comportamento (5). Mas para Skinner, mesma essa realizago marginal ¢ imposstvel. Para Skinner, aquilo que chamames de “conhecimento de Francés” ¢ um repert6rio adquirido A medida em que uma pessoa aprende a falar francés (p.197). Por isso as proba- bilidades serio definidas por tais “repertorios”. Mas o que significa dizer que alguma proposi¢go inglesa que eu nunca ouvi ou produzi pertence a meu “re- pertério”, mas nfo qualquer proposi¢fo chinesa (de tal forma que a primeita tem maior “probabilidade”)? Os skinneriamos, neste ponto da discussio, recor- Tem a“similaridade” ou “‘generalizago”, sem nunca caracterizar a forma pela qual uma nova expresséo é “similar” a exemplos familiares ou “generalizada” a partir deles, A razo para esta falha é simples. Até onde sabemos, as proprie- dades relevantes podem ser expressas apenas em termos de teorias abstratas que podem ser tomadas como descrigdes dos estados internos postulados do organismo, e tais teorias sio exclufdas, a priori, da “ciéncia” de Skinner. A consequéncia imediata € que o skinncrianismo deve resvalar para o misticismo (inexplicdveis similaridades © generalizagoes de um tipo que no pode ser espe- cificada) tao—logo as discusses atinjam o mundo de fato. Enquanto a situagio & mais clara no caso da linguagem, nao hé razo para supor que outros aspectos do comportamento humano cairio dentro do alcence da “ciéncia” constrangi- dos pelo a priori das restrigdes skinnerianas, Incidentalmente, seria interessante ver como os defensores de Skinner respondem a essa inabilidade em tratar com quest6es factuais concretas. Aubrey Yates, por exemplo, referese 4 critica de Breger e McGaugh(6), que afirmam que €5) Nés podemes, é claro. plancjar cizounsténckas nas quais o compertamento pode ser previsto de forma bastante aproximada, como qualquer interrogador militar no campo o sabe. E nés podemos reduzit o problema 4 tivialidade encarando os desejos, in- * tengSes, objetivos, etc. de uma pessoa como parte das citcunstancias que eliciam 0 compor- tamento, Se nds realmente pretencemos itudir-nos, podemos coatinuar “traduzindo” dese- jos, intengdes e objetives para uma terminologia da teoria do condicionamento operante, de acordo com a linha que exploraremos a seguit. (6) L. Breger e J. L. McGaugh — “Critic and Reformulation of ‘Learning — Theory’ Approches to Psyechoteraphy and Neurosis”, Psychological Bulletin, maio, 1965. 17 CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia, Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev, Fac. Educ., So Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés. © estudo que Skinner faz do uso ¢ da aprendizagem da Iingua nfo pode mane- jar fatos que podem ser explicados postulando-se uma teoria abstrata (uma Qramatica) que é aprendida ¢ usada. Yates apresenta a seguinte refutagdo que ele considera como “devastadora”: “‘a afirmagdo de que a crianga aprende e utiliza uma gramética nfo 6 ......... um fato que Skinner tenha que explicar, se sua teoria deve permanecer vidvel, mas urna inferéncia ou uma construgso tedrica”. “Ninguém jamais observou uma “gramética” e a crianga seria incapaz de espe- cificd-la; € bastante improprio estabelecer uma construggo tedria para explicar © comportamento verbal complexo e depois pedir que Skinner explique essa construgao teérica pelos meios de sua prdpria teoria”(7). . Mas Breger ¢ McGaugh nffo insistem em que Skinner explique a construgdo te6rica “gramdtica” com os meios de sua propria teoria (ndo importa o que isto possa significar); antes, eles argumentam que empregando 2 construgi#o tedrica “gramética” é possivel explicar fatos importantes que escapam dos limites do sis- tema de Skinner. Uma resposta apropriada conststiria em mostrar que a explica- a0 proposta € falha, ou entZo que Skinner pode explicar esses fatos de outra ma- neira ou que esses fatos nao so importantes para seus fins praticos. Mas o “argu- mento devastador” de Yates, bem como a recusa de Skinner em encarar 0 pro- biema, constituem simplesmente uma evasdo. Por uma l6gica similar, um mistico poderia argumentar que sua descrigfo do movimento planetdrio nfo é destruida por sua incapacidade de tratar dos fenémenos que sfo explicados pela fisica newtoniana a qual, afinal de contas, é apenas uma teoria que visa explicar os fatos. Quanto A observago de que a gramftoca nfo pode ser “observada” ou especificada pela crianga, € claro que nenhuma construgo tedrica 6 “observada” e a insisténcla em que as caracterizagdes abstratas dos estados mentais internos sejam accessveis a introspeceo, pela crianga ou qualquer outra pessoa, é nova- mente (ndo obstante sua distinta ambigiiidade) mero dogmatismo que deve ser descartado em uma investigacdo séria. A teoria explicativa que Breger e McGaugh discutem pode ser falsa, mas ¢ itrelevante notar que cla nio pode ser observada ou descrita pela pessoa cujo comportamento é pretensamente explicado pelo uso dessa teoria, Infelizmente, esse tipo de manobra é bem tfpico. A prépria resposta de Skinner a cssas criticas € nao menos reveladora. Ele acredita que as pessoas o atacam e argumentam contra sua “imagem cientifica do homem” porque “a formulag#o cientifica destruiu reforcos contumazes” ¢ (7) Anbrey J. Yates, Behavior Theropy, pag. 396, Skinner também afinma, em- bora se tate de algo itrelevante para qualquer consideragdo racional, que “ o falante no sente as regras gramaticais que se sup6e que ele aplica na composig&o de sentengas, € que 06 homens falaram gramaticalmente por milhares de aitos antes que alguém soubesse que havia segras” (pag. 16). 18 CHOMSKY, Nobun. Psicologia € ideologia, Trad. Masia da Penha Villalobos. Rev. Fac. Educ., Sao Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979, Original Inglés, faz com que o “comportamento previamente reforcado pelo crédito ou a admi- ragdo seja levado a extingZo”, uma vez que “ndo se pode mais dar créditos ou admirar uma pessoa por aquilo que cla faz”. E a extingfo “frequentemente produz ataques agressivos” (p.212). Acusa também seus criticos de “instabili- dade emocional”, citando Arthur Koestler ¢ Peter Gay que afirmam que o behaviorismo é “uma-monumental trivialidade” marcada por uma “ingenuidade inata” e pela “bancarrota intelectual”(p.165), Skinner ndo tenta destruir essas crfticas apresentando resultados que nao sejam uma monumental trivialidade. Ele incapaz de perceber que a objegdo 2 sua “imagem cientifica do homem” deriva, no da extingdo de certo comportamento ou da oposigfo a ciéncia, mas da habilidade em distinguir a ciéncia da trivialidade e do erro ébvio. Skinner nfio compreende a erftica bdsica: quando suas formulagGes so interpextadas literal- mente, clas sio trivialmente verdadeiras, nio fundamentadas em prova, ou cla- ramente falsas; e quando suas assergbes sito interpretadas de forma caracteris- ticamente vaga e metaforica, elas sio apenas um pobre substituto do uso comum. Tais criticas' nfo podem ser superadas pela magica verbal, por uma simples rei- teragio de que um estudo é cientffico ¢ que aqueles que ndo vém isso ou so opostos a ciéncia ou perturbados. Da mesma forma, Skinner afirma que a caracterizapao que Koestler faz do behavorismo est4 pelo menos setenta anos atrasada, mas ndo aponta quais sio 0 grandes progressos dos ultimos setenta anos que foram negligenciados por Koestler. De fato, as reais conquistas da ciéncia do comportamentalismo, na medida que as conhecemos, de forma alguna apoiam as conclusées de Skinner (desde que estas nfo sejam triviais). E por esta razfo que se deve presumir que, segundo Skinner, o leitor nfo “precisa conhecer detalhes de uma anzlise cienti- fica do comportamento” (p.22), sendo que nenhum deles ¢ apresentado, Nao a profundidade ou a complexidade dessa teoria que leva Skinner a ndo de- line&-la para o leitor Ieigo. Jacques Monod, por exemplo, em seus recentes tzabathes sobre biologia e assuntos humanos (8), fornece uma apresentagdo bas- tante detalhada das realizagSesida biologia moderna que ele considera relevantes Para suas especulagdes (que siio claramente identificadas). Quero acrescentar que no estou criticando Skinner pela relativa falta de resultados significativos nas ciéncias do comportamento quando comparadas com, digamos, a biologia, mas por suas declarag6es irresponsiveis sobre a “ciéncia do comportamento” que o leitor no precisa conhecer mas que, segundo ele alega, produziu todo tipo de resultados notéveis face ao controle do comportamento. (8) Tacques Monod — Choice and Necessity, CHOMSKY, Nonun. Psicologia ¢ ideologia, Trad. Maria da Penha Villalobos, Rev. Hac. Educ,, $£o Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés, mW Vejamos agora as provas que Skinner apresenta acerca de suas extraordi- nérias declarag6es: como a de que uma “andlise do comportamento” revela que a tealizagdo de artistas, escritores, estadistas ¢ cientistas pode ser quase inteira- mente explicada em teomos de contingéncias ambientais (p.44), que é o ambien- te que torna uma pessoa s4bia ou compadecida(p.171), que “todas. essas ques- tées acerca de fins, sentimentos, conhecimentos, etc. podem ser refeitas em termos de ambiente ao qual a pessoa foi exposta” e que “aquilo que uma pessoa ‘pretende fazer’ depende daquile que ela fez no passado e do que aconteceu em soguida”(p.72), ¢ assim por diante. De acordo com Skinner, além do equipamento genético, o comportamen- to é determinado inteiramente pelo reforgo. Para. um organismo faminto, a comida é um reforgo positive. Isto quer dizer que “tudo aquilo que 0 organismo faz e que é seguido de comida serd mais provavelmente feito outra vez quando o organism estiver faminto”(p.27); mas “2 comida sé ¢ reforgadora em um estado de privagdo”(p.37). Um reforgo negative € um estimulo que aumenta a proba- bilidade do comportamento que reduz a intensidade desse estimulo; cle é “aver- sivo" e grosseiramente falando constitui uma ameaga (p.27), Um estimulo pode tornar-se um seforgador condicionado por associagfo com outros reforgadores. Assim 0 dinheiro “s6 € reforgador apés ter sido trocado por coisas reforgadoras” (p.333, © mesmo é, em geral, verdade no caso da aprovagso ¢ da afeicao. (O leitor pode tentar algo que Skinner sempre evita, a saber, caracterizar os “estf- mulos” que constituern “aprovagdo” — por exemplo, porque a afirmagSo “este artigo deve aparecer em tal jornal” € um exemple de aprovagio quando feita por uma pessoa ¢ de desaprovagdo quando feita por outra”). O comportamento ¢ modelado e mantido pelo arranjo de tais reforgos. Assim, “alteramos as forgas selativas das respostas por reforgo diferenciado dos cursos alternativos de ago” (p.94-5); 0 xepertério de comportamento de uma pessoa é determinado “pelas contingéncias de reforgo 4s quais ela ¢ exposta enquanto indjviduo” (p.127); um organismo passaré de uma intensa atividade para uma completa quietude de- pendendo dos esquemas segundo os quais ele foi reforgado” (p.186). Como percebe Skinner (embora alguns de seus defensores no o fagam) (9) um controle meticuloso € necessdrio para modelar um comportamento de forma altamente especifica. Assim, “a cultura... . ensina uma pessoa a realizar perfeitas discri- minagées tomando mais precisos os reforcos diferenciados” (p.194); um fato (9) Ver, por exemplo, Kenneth MacCorquodate”. “On Chomsky’s Review ot Skinner's Verbal Behavior”, Journal of the Experimental Analysis of Behavior, vol. 13, nL (1970), 20 CHOMSKY, Nohan. Psicotogia e ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rer. Fac. Educ,, $40 Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979, Original Inglés, que causa problemas quando “a comunidade verbal nao pode organizar as con- tingéncias sutisinecessdrias para ensinar refinadas distingdes entre estimulos que so inacessiveis a ela”; “como resultado a linguagem dz emocdo nio é precisa”. (p.106). © problema do “planejamento de uma cultura” consiste em “tornar o meio social tio quanto possivel dos estimulos aversivos” (p.42); “tornar a vida menos punitiva e ao fazé-lo liberar para atividades mais reforcadoras 0 tempo e a energia consumidos na esquiva 4 punica0”. (p.81). E um problema de engenharia, ¢ poderiamos prosseguir com ele se pudéssemos ao menos superar a preacupagfo irracional com a liberdade ¢ a dignidade. O que se exige ¢ um uso mais eficaz da tecnologia disponivel e melhores meios de controle. De fato, “Dispde-se de uma tecnologia do comportamento que reduziria com mais su- cesso as consequéncias aversivas do comportamento, consequéncias préximas ov distantes, e ampliaria as realizag6es de que € capaz 0 organismo humana” (p. 125). Mas, “os defensores da liberdade se opSem a seu uso” contribuindo assim para o mal-estar social e para o sofrimento humano, E esta irracionalidade que Skinner pretende ajudar a superar. Nesse momento introduz-se uma questo perturbadora, embora Sbvia. Se a tese de Skinner ¢ falsa, ent#o ndo hd razio para que ele tivesse escrito seu livro ou para que nds o leiamos. Mas se sua tese ¢ verdadeira, também no ha razdo pata que cle tivesse escrito seu livro ou para que n6s o leiamos. Pois a Gnica razdo seria modificar o comportamento, e 0 comportamento, de acordo com a tes, € inteiramente controlado pelo arranjo dos reforgos. Por isso, a leitura do livro s6 pode modificar 0 comportamento se isto for um reforco, isto é, se a leitura do livro aumentar a probabilidade de que o comportamento que Jevou a leitura do livro (admitindo'um estado apropriado de privagéo). Neste ponto, parece que estamos zeduzidos a uma algaravia incoerente. Como contraargumento poder-se-ia afirmar que mesmo que a tese seja falsa, ainda assim hd uma razo para se escrever o livro, uma vez que certas teses falsas so ilustrativas © provocativas. Mas diffeitmente se pode recorrer a esta safda. Nesse caso, a‘tese € elementar ¢ semt muito interesse em si mesma. Seu tinico valor reside em sua possivel verdade. Mas se a tese € verdadeira, entdo ler ou escrever o livro parcceria uma imensa perda de tempo, pois isto nao refor- ga qualquer comportamento, Skinner certamente argumentaria que ler o livro, ou taivez 0 proprio livro, é um “reforgo” em algum outto sentido. Ele quer que sejamos persuadides pelo livro, e sem surpresa nossa, ele refere-se a persuasio como uma forma de controle do comportamento, embora se trate de uma forma fraca ¢ ineficaz. Skinner ¢s- pera nos persuadix a fomecer mais campo de ago para os tecndlogos do compor- tamento e, aparentemente, acredita que a leitura desse livro aumeatard a proba- 24 CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev. Fac Educ, $0 Paulo, 5 (1/2):9-54, 1979. Original Inglés. bilidade de que nos comportemos de forma a permitir-lhes maior alcance (liber- dade). Assim, ler o livro, poderia ele alegar, reforga este comportamento. Mo- dificard nosso comportamento face a “ciéncia do comportamento” (p.24). Deixemos de lado o problema, insuperdvel em seus termos, de especificar @ nogao “comportamente que fornece maior campo de ago aos tecnolégos do comportamento”e consideremos a alegagdo de que a leitura do livro pode re- forgar esse comportamento. Infelizmente, a alegagao 6 claramente falsa se usarmios 0 termo “reforgo” com um sentido que lembre seu significado técnico. Relembremo-nos que ler o livre reforga 0 comportamento desejado apenas se ele for uma consequéncia do comportamento; ¢ obviamente por nosso destino nas mos dos teenélogos do comportamento néo ¢ um comportamento que leve (c que portanto possa sex reforyado) a Jer o livro de Skinner. Portanto, a alega- (40 86 pode sor verdadeira se privarmos o termo “reforgo” de seu significado técnico. Combinando essas observagées, vemos que nfo hé tazo para que se leia o livro ou para que Skinner 0 tenha escrito, a nfio ser que a tese do livro seja divorciada da “‘ciéncia do comportamento” sobre 2 qual eta pretende repousar. Consideremos um pouco mais a questo da “persuasio”. De acordo com Skinner nés persuadimos (“modificamos mentes”) “pela manipulagdo das contin- géncias ambientais”, especificamente “indicando est(mulos associados com con- sequéncias positivas” ¢ “tornando uma situado mais favordvel a ago, como por. exemplo, descrevendo consequéncias reforgadoras provéveis”(pp.91-3). Mesmo. deixando de lado © fato de que a persuacdo, assim caracterizada, é uma forma de. controle (uma variedade de “refor¢o”) desconhecida paraa cigncia de Skinner, seu argumento néo é de forma alguma melhorado. Suponhamos que Skinner alegasse que seu livro pode nos persuadir apontando as consequéncias positivas da tecno- logia do comportamento. Mas isto nJo ocorrerd, Nao basta para ele apontar tais consequéncias (por exemplo, descrever cenas de pessoas felizes); é preciso também que ele nos mostre que elas sao efetivamente uma consequéncia do comportamento recomendado, Para nos persuadir, cle precisa estabelecer uma conexdo entre o comportamento recomendado ¢ a agraddvel situagio que ole descreve, A questiio é colocada pelo uso do termo “consequéncia”(10). Nfo basta apenas reunir uma descri¢io do comportamento desejado ¢ uma descri- ¢ao do estado “reforgador” de coisas, “(desprezando novamente o fato de que lem mesmo essas nogies podem ser expressas nos termos de Skinner). Fosse (10) Como aponta Koestier, em observagio feita as citagées de Skinner, o tipo de estudo deste resulta em um mendigar por problemas em uma escata herdica™ (pag. 165). Nio resolveria responder, como faz Skinner, afitmando que isto ¢ “um xingamento” eum sinal de instabilidade emocional, Antes seria necessdric mustear que esta ndo é a verdade literal e ébvia (como de fato €). 22 CHOMSKY, Nohan. Psicologia e ideologia. rad. Maria da Pentha Villalobos. Rev. Fac, Educ, Sao Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Origirtal Inglés, isso suficiente para “persuadir” ¢ nés poderfamos “persuadix” alguém do contré- rio, simplesmente reunindo uma descrigfo de um estado de coisas desagradaveis e@ uma descrigao do comportamento que Skinner espera produzir. Se a persuasio fosse simplesmente uma questiio de apontar os estimulos reforgadores, ent%o qualquer argumento persuasivo reteria sua forga se seus passos fossem casualmente intercambiados ou se alguns de seus passos fossem substituidos por descrigGes arbitrarias de est{mulos reforcadores. E 0 argumento perderia sua forga se as descrigdes de circunstdncias nao desejéveis fossem casual- mente introduzidas. E claro que isso 6 um absurdo. Para que um argumento seja persuasivo, a0 menos para uma pessoa racional, ele deve ser coerente; suas con- clusdes devem seguir-se de suas premissas. Mas estas nogdes esto totalmente fora do aleance do quadro de referéncias de Skinner. Quando ele afirma que ao “‘deri- var novas razées a partir das antigas , o processo de dedugo ‘apenas’ depende de uma histéria verbal muito mais longa” (p.96), ele estd apelando para o absurdo de forma patética. Nem Skinner, nem qualquer outra pessoa, apresentou a mais palida prova de que “o processo de dedugZo” “possa ser caracterizado em seus termos com base na hist6ria verbal”, por longe que seja. Uma aproximacio que nfo € capaz nem sequer de formular apropriadamente, e muito menos solucio- nar, o problema do por que da inteligibilidade de novas expresses, mas nfo digamos, uma permutagio de seus elementos componentes, (ver acima p.5 deste artigo), nfo pode nem sequer comegar a considerar asnogdes de “argumento coe- rente” ou “processo de dedug&o”, Consideremos a afirmag%o de Skinner de que “nds experimentamos tzocamos comportamentos verbais, ndo opinides” (Assim revela uma anélise behaviorista (p. 195). Tomando literalmente, isto significa que se, sob uma ameaga plausivel de tortura, eu forgo alguém a dizer, repelidamente, que a Terta no se move, entdo eu alterei sua opiniao. Sdo desnecessdrios quaisquer comentarios ¢ percebemos de imediato o significado da “andtise de comporta- mento” que leva a essa conclusio, Skinner afirma que a persuasdo ¢ um meio fraco de controle e diz também que “alterar as mentes é tolerado pelos defensores da liberdade e da dignidade Porque se trata de um meio ineficaz de mudanga do comportamento ¢ aquele que altera as mentes pode por isso escapar da acusag&o de que ele controla as i pessoas” (p. 97). Suponhamos que seu médico lhe dé uma descrigfo clara € poderosa de como vocé vird a morrer de cincer de pulmao se continuar a fumar. E necessariamente o caso de que este argumento serd menos eficaz na modifi- cago de seu comportamento do que qualquer arranjo de reforgos reais? De fato, ser a persuasio eficaz ou nao depende do conteido do argumentos (para uma pessoa racional), um fator que Skinner nfo pode comegar a descrever, © problema se toma ainda mais grave se considerarmos outras formas de “mu- 23 a CHOMSKY, Nohan, Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Pena Villalobos. Rev. Fac. Educ., Sko Paulo, § (1f2):9-54, 1979. Original Ingiés. danga de mentes”. Suponhamos que uma descrigo de um ataque de “napalm” sobre uma aldeia vietnamita levasse alguém, no andit6rio americano, a praticar um ato de sabotagem. Neste caso, o estimulo efetivo nfo é um reforgo ¢ 0 modo de mudar o comportamento pode ser muito eficaz e o ato que & pratica- do (0 comportamento “reforgado”) é inteiramente novo {nfo pertence 20 repertério} e pode nem sequer ter sido sugerido no “estimulo” que induziu a mudanga de comportamento. Em quatquer aspecto possfvel, a descri¢go de Skinner seria ento simplesmente incoerente. Desde suas conferéncias “William James”, em 1947, (14) Skinner tem lutado com estes ¢ outros problemas correlatos, Os resultados sfo nulos. Con- tinua impossive] para Skinner formular as. nogGes revelantes em seus termos, e menos ainda investig4-las. Mais do que isso, nenhuma hipétese cientifica nao trivial com provas de apoio jamais foi produzida para consubstanciar as declaragGes extravagantes que ele tanto aprecia (12). Ainda mais, este registro (11) Ver seu “Verbal Behavior” que incorpora e amptia essas conferéncias, (12) Ao resenhar o “Verbal Behavior” de Skinner (Language, vol. 35, n® 1, (1959), Pag. 26-58), cu afirmei que parecia haver s6 um resultado, a saber, relativo & modificagao de comportamento do falante (digamos a produgfo de substantivos plurais) por “reforgo” por meio de expressdes tais como “certo” e “bom”, sem consciéncia da parte do falante. © resultado ¢ de interesse apenas secundario, uma ver que, evidentemente, 0 comporta: mento do falante nesses aspectos podesia; ser modificado de forma muito mais eficaz por ‘uma simples instrugio, fato oste que néo pode ser incorporado ao sistema skinneriano, se este for interpretade de forma estrita. E claro que, s¢ 0 sujeito estS consciente do que o experimentador est fazendo, 0 resultado nfo tem nenhum interesse. Ocorre que este pode mpito bem ser 0 caso. Vejase D. Dulary, “Awareness, Rules and Propositional Control: a Confrontation with $-R Behavior Theory”, em Theodore Dixon e David Horton, eds, Verbal Behavior and general Behavior Theory. Parece, portanto, que née foram obtidos resultados claramente incomuns no estudo da fala humana normal pela aplicago do modelo de condicionamento operants. Leitura interessante, relacionada com este problema, € a ‘obra de MacCorquodate.’“On Choinsky Review of Skinner”, Nao posso agi corrigit 0s varios erro’ ‘{tais como a mi compreénsia da ‘nogfo de Fungo” que kevou-e a‘inimeras confusdes). A maior confusio do artigo ¢ a sepuinte: MacCorquodale admite que eu estava tentanto destruir as teses de Skinner ¢ afirma que eu nio apresentei nenhum dado contra chs. Mas, meu objetivoeta muito mais © de demonstrat que quando as afirmagGes de Skinner; sdo tomadas literalmente, elas sfo faisas (McCorquodale nfo discute comprecisio neahum exemplo} on entao vazias (como quando dizemos que a resposta “Mozart” estd sob controle de um estimulo sutil), e quemuitas de suas afirmagdes fatsas podem ser convertidas em verdades desinteressantes pelo emprego de termos tais epmo “teforgo” com toda a impreci- so de “gosto”, “quero”, “aprecio”, ete, (com uma perda de precisfo na transigfo, é claro Porquanto uma terminologis rica e detalhads 6 substifu‘da por alguns termos que esto a“ CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev. Fac. Edue-. 88 Paulo, 5 (1/2}: 9-54, 1979. Original Inglés. de matogro era previsivel desde 0 comego, a partir de uma andlise dos proble- ‘mas ¢ dos. significados propostos para lidar com eles. E preciso seentuar que 0 “comportamento verbal” é 0 tinico aspecto do comportamento humano que Skinner pretendeu analisar em detalhes. A seu crédito diga-se que, ele reconheceu muito gedo que sé por meio de uma andilise bem sucedida da linguagem poderia ele esperar chegar a bom termo no caso do comportamento humano, Comparan- ~d6 os resultados que foram alcangados nesses 25 anos.com as alegagdes que ainda sao feitas nés podemos ter uma boa vise da natureza da ciéncia do com- portamento de Skinner. Minha impressio é a de que, de fato, as afirmagOes_ esto se tormmando mais extremadas e estridentes A medida em que a falta de habilidade em fundamentélas ¢ 4 medida em que as razGes desse insucesso se tornam mais Sbvias. Nao ¢ necessdrio prosseguirmos com este aspecto. Evidentemente Skinner néo tem, meios para lidar com os fatores que esto envolvides no processo me- diante o qual se persuade alguém a mudar de idéia. A tentativa de invocar um “reforgo” leva apenas a incoeréncia ou pretensio. O ponto ¢ crucial. A dis- eussdo de Skinner acerca da persuasdo e da mudanca de mentalidade é um dos poucos casos em que ele tenta chegar 2 bons térmos com aquilo que ele chama de “literatura da liberdade e da dignidade”. libertario, que ole condena, dis- tingue entre persuasSo e certas formas de controle. Ele advoga a persuasfo ¢ opoé-se a coergdo, Em resposia, Skinner alega que a persuas#o ¢ em si mesma uma forma {(fraca) de controle e que usando métodos fracas de controle nés simplesmente passamos 0 controle para outras condigdes ambientais ¢ nfo para a propria pessoa (pags, 97,99). Assim, afirma Skinner, o advogado da liberdade da dignidade esté se iludindo na crenga de que a persuasfo deixa a questo da escolha por conta do “homem autdnomo”, mais ainda, coloca um perigo para a sociedade porque se p6e no caminho de formas mais eficazes de controle. Como vimos, todavia, os argumentos de Skinner contra a “literatura da liberdade ¢ da dignidade” nfo tém forca. A persuasio néo ¢ absolutamente uma forma de controle, ino sentido de Skinner; de fato ele é incapaz de tratar com 0 conceito ‘em seus termos. Mas hé poucas divides de que a persuasio possa “muder as mentes” ¢ afetar o comportamento, as vezes de forma até bastante dréstica, Uma vez que a persuasfo no pode ser coerentemente descrita em termos de arranjo de reforgos, totalmente divorciados do cendrio em que eles tinham alguma preciso). Ao ndo compreen- der isto, MacCorquodale “defende” Skinner mostrando que, muito freqiientemente, é possi: Vel dar-se uma interpretaglo vazia a seus pronunciamentos, o que ¢ exatamente meu ponto de vista. O artigo é util, desde que scjam climinados seus erros, ao revelat & faléneia do estude do comportamento verbal por-meio de um modelo de condicionamento operante. 25 CHOMSKY. Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos, Rev. Fac. Educ., Sao Paulo, 5 (1/2: 9-54, 1979. Originat Inglés, Segue-se que o comportamento nio é inteiramente determinado pelas contingén- clas especificas as quais Skinner, arbitrariamente, restringe sua atengfo e que a tese principal do livro é falsa. Skinner s6 pode fugir a essa concluso afirmando que a persuasfo ¢ um assunto de organizagtio de estimulos reforgadores, mas sua afirmagao s6 se mantém se o termo “seforgo” é privado de seu uso técnico ¢ usado como um mero substituto para a terminologia detalhada ¢ especifica da linguagem comum (da mesma forma a nogdo de “arranjo ou esquematizagio de reforeo”). Em qualquer caso, “a ciénela skinneriana do comportamento” ¢ irrelevante; a tese de seu livro ou é falsa (se a terminologia for usada em seu sentido técnico) ou vazia (em caso contsério). E 0 argumento contra os liber- ‘trios entta em colapso total. Néo apenas Skinner nao € capaz de sustentar sua afirmagdio de que a persuasio € uma forma de controle, como também ele no nos fomece uma 86 partfoula de prova em apoio de sua afirmagfo de que o uso de “métodos fracos de controle” apenas afasta 0 modo de controle para algum obscuro fator ambiental, nao o transferindo para a mente do homem autonomo. E claro que, da tese de que todo comportamento é controlado pelo meio, segue-se que a confianga em meios fracos de controle transfere o controle para outros aspectos do ambiente. Mas a tese, na medida que ela esté bastante clara, nfo tem suporte empfrico ¢ pode até mesmo ser bastante vazia como vimos ao dis- cutir a probabilidade de resposta” e a porsuasio. Nao sobra para Skinner nenhuma critica coerente da “literatura da liberdade ¢ da dignidade”, © vazio do sistema de Skinner esté bem ilustrado no tratamento que ele dé a assuntos mais periféricos. Ele afirma (pag. 112) que a proposic&o “Voce deveria (precisa) ler “David Copperfield”, pode ser traduzida por “Vocd seria reforgado se voce Jesse “David Copperfield”. Mas o que significa isso? Aplicando literalinente a definigto de Skinner (ver acima) isto significa que o comportamen- to que se segue da leitura de “David Copperfield” seré mais provavelmente prati- cado outra vez se voce tiver necessidade de ler. Ou talvez, isto signifique que 0 ato de ler “David Copperfield” sera seguido por algum estimulo que aumentard a probabilidade desse ato. Quando dtgo a atguém que ele deve ler “David Cop- perficld” ent#o eu estou dizendo algo desse género, Suponhamos que eu diga que voc# deve ler “David Copperfield” porque isto o desitudiré da idéia de que vale a pena ler Dickens ou que entdo isto Ihe mostrard verdadetramente 0 que é © enfado, De fato, nZo importa como tentemos interpretar a sugestiio de Skin- ner, dando ad termo reforgo algo préximo de seu sentido literal, nds cafmos em confusfo, Provavelmente o que Skinner teve em mente ao usar a frase “vocé serd teforgado se ler ‘David Copperfield’ " ¢ que gostaria de lédo, aprenderd algo ‘til e serd assim “'reforgado” Mas isso encerra o jogo. Nés estamos agora usando 26 CHOMSKY, Nohan, Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Peaha Villalobos, Rey. Fac. Educ. $40 Pauio, $ (1/2): 9-54, 1979, Original Ingles. “teforgo” em um sentido bastante diferente do de paradigma de condiciona- mento operante. Nao teria qualquer sentido tentar aplicar os resultados acerca dos esquemas de reforgo, por exemplo, para essa situago. Além do mais, nio & de se admirar que possamos explicar 0 comportamento usando 0 termo no técnico “reforgo” com o significado total de “gostar” ou “apreciar” ou “apren- der algo” ou outro qualquer. Da mesma maneira, quando Skinner nos diz que um passatempo estimulante & “reforgador” (pag. 36), ele nio esta certamente afir- mando que o comportamento que nos leva a nos dedicar a esse passatempo au- mentaré de probabilidade. Antes, ele quer dizer que apreciamos 0 passatempo. ‘Uma interpretagdo literal de tais observagées conduz a uma tagarelice oca ea uma interpretago metaf6rica que simplesmente substitui um termo por um homénimo de um termo técnico.sem qualquer aumento de precisio. O sistema de traduco de Skinner é fécilmente access{vel a qualquer um e pode, na verdade, ser empregado sem qualquer conhecimento da teoria do condicionamento operante e de seus resultados e,semnenhuma informagao, além da observagdo normal, acerca das circunstancias nas quais 0 comportamento se d4 ou da natureza do proprio comportamento, Reconhecendo esse fato, pode- mes apreciar o valor da “ciéncia do comportamento” de Skinner para os fins em Pauta ¢ a visio que ela proporciona. Mas é importante ter em mente que este sis- tema de tradugio leva a uma significativa perda de preciso, pela simples razfio de que 0 alcance total dos termos pata a descri¢o ¢ avaliaco do comportamento, das atitudes, das opinides etc., deve ser traduzido para o sistema empobrecido de terminologia que tomamos emprestado do laboratério (e privado de seu significado na transig&0) (13). Nao é portanto surpreendente entZo, que a tradugdo Skinneriana geralmente perea o ponto em questiio, mesmo com 0 uso metaférico de termos tais como “reforgo”. Assim Skinner afirma que “uma Pessoa quer algo se cla age no sentido de obté-lo quando-se apresenta a ocasigio” (pag.37). Segue-se que € impossivel agir para’obter algo, dada a oportunidade, mas no queré-lo — isto é, agir impensadamente ou tendo perdido o senso de dever (podemos, como sempre, reduzir as afirmativas de Skinner a uma trivia- Jidade, dizendo que aquilo que wma pessoa quer é cumprir seu dever etc.). Fica claro no contexto que Skinner quer dizer “se” como se fosse “se ¢ apenas se”. Assim segue-se de sua definigdo de “quer” que é impossivel para uma pessoa querer algo mas nao é impossfvel agir para obter esse algo quando a ocasifio se apresenta, digamos por razies de consciéncia. (Novamente escapamos da trivia- (13) Ver MacCorquodale, “On Chomsky’s Review of Skinner” como um exemplo tovelador da completa incapacidade de compreender este panto, 27 CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Tiad. Maria da Penha Villalobos: Rev. Fac. Fduc,, $40 Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés. lidade atribuindo tais razSes 4 “ocasiio”.). Ora, consideremos a afirmacio de que “tendemos a admirar tanto mais um comportamento quarito menos 0 compreendemos”’ (pag: 53),.Em um. sentido. forte de “explico”, segue-se que nos adntiramos virtualmeite todo comportamento, uma vez que praticamente 1n6s ndo podemos explicar nenhum. Em um sentido mais pobre, Skinner estd afirmando que se Richman ¢ incompreensfvel para nés, mas que compreendc- mos a luta dos vietnamitas, nés tendemos entdo a admirar Bichman, mus nfo a resisténcia vietnamita © conteiido real do sistema de Skinner 86 pode ser apreciade pelo exame de casos tais como os dos exemplos que se’ seguem: “Exceto quando fisicamente contida uma pessoa ¢ mends livre ‘ou digna quando ela est4 sob ameaca de punicao” (pag.60). Assim alguém que se récu- sa a curvar-se diante de autoridade face a uma pura ameaga perde toda a sua dignidade. “Lemos livros que nos ajudam a dizer coisas que esl4vamos prestes a dizer de qualquer forma, mas que nao podfamos dizer sem auxilio” e assim “com- preendemos o autor” (pag.86). © ponto aqui suposto seria o de que Ago lemos livros com os quais esperamos ndo concerdar e que por isso ndo serfamos capaz de compreender o que cles dizem? Se este nao for o caso entao a afirmagio & vazia, Se for, ela é absurda. As coisas que chamamos “boas” so reforgos positivos e 2s coisas que chamamos més séo réeforgos negativos (pags. 104-107); trabalhamos para obter reforgos positives e evitar os negativos, (peg. 107)(14). Isso explica porque as pessoas, por defini¢fo, sempre procuran o bem e evitam o mal. Além disso “O comportamento ¢ chamado bom ou mau”, de acordo com a maneira pela qual ete é usualmente reforgado pelos outros. Na medida que Hitler estava sendo teforgado pelos acontecimentos e por aqueles que o rodeavam seu comportamen- to era bom. Por outro lado, 0 comportamente de Dietrich Bonhoeffer ¢Martim Niemoeller era, por definiggo, mau. No relato biblico, era auto-contraditério procurar 10 homens bons em Sodoma. Relembremo-nos que o estudo do refor- 0 operante, cujas conclusdes estamos agora repassando, é.“uma ciéncia dos valores” (pg. 104). “Uma pessoa age intencionalmente. . . no sentido de que seu compor- tamento foi reforgado por consequéncias” (pag.108) — como no caso de uma pessoa que itencionalmento comete suicfdie. (14) Note-se a substituig3o que Skinner faz na discussio acerca das. coisas que sabem bem por juizos de valor acerca de coisas que chamamos boas (pagi, 103-105). 28 CHOMSKY, Nohan. Psicologia ¢ ideologia. Trad. Maria da Penha Villalobos. Rev. Fac. Educ, Sio Paulo, 5 (1/2): 9-54, 1979. Original Inglés. © her6i que matou um monstro € reforgado pelo elogio “precisamente para induzi-lo a atacar outros monstros” (pag.11) — ¢ assim ele nunca é elogiado em seu jeito de morte ou em seu timulo. A proposigéo “Vocé deve (precisa) dizer a verdade” significa, nessa ciéncia do valor, “Se voce 6 reforcado pela aprovagéo de seus semelhantes voce serd re- forgado ao-dizer a verdade” (pag.112). Em uma subcultura tao cfnica que dizer a verdade seja encarado como absurdo ¢ nao aprovado, alguém que é reforgado pela aprovagao, néo deve dizer a verdade. Ou para ser mais preciso, a afinnagao “Vocé precisa dizer a verdade” ¢ falsa. Da mesma forma, ndo se deve dizer a alguém que ele niio deve roubar se for quase certo que ele possa se evadir com 0 produto do roubo, uma vez que “Vocé no deve roubar” pode ser-traduzido por “Se voc8 tende a escapar 4 punigdio evite roubar” (pag.114). “As invengGes e descobertas clentificas so improvdveis; isto ¢ 0 que se quer dizer com descoberta e invengio” (pag, 155). Assim arranjando formulas matematicas de alguma forma nova e improvavel, eu consigo (por definiego) fazer uma descoberta matemitica. Os estimulos atraem a atengo porque eles tém estado associados com coisas importantes e t8m figutado em contingéncias de reforco (pag.187). Assim se um gato de duas cabegas entrasse em uma sala, apenas aqueles para quem os gatos sfo importantes 0 perceberiam; os demais nZo o notariam. Um estimulo inteiramente novo - quer para 0 indivfduo, quer para a espécie ~ seria totalmente ignorado. ‘Uma pessoa pode derivar suas regras de conduta “de uma andlise das con- tingéncias punitivas"(pag. 69) e uma pessoa pode ser reforcada “pelo fato de que a cultura sobreviverd a ela” (pag. 210). Assim algo imaginado pode ser um “est{mulo reforgador™. (Tente aplicar a esse exemplo a extravagante discussio dos “reforgadores condicionados” que “usurpam” o efeito reforgador das consequéncias retardadas (pp. 120-2), : ‘Uma pessoa se “porta corajosamente quando as circunstancias ambientais a induzem a faz¢-lo” (pag. 197). Uma vez que, como foi apontado anteriormen- te, nés agimos para alcancar reforgos positives, podemos concluir que ninguém age corajosamente quando a punigZo ou a morte forem consequéncias prova- veis (a menos que a pessoa seja “‘reforcada” por estimulos cont os quais ela de- parard apés sua morte). Um jovern que esteja insatisfeito, desencorajado, frustado, nao tem obje- tivo ¢ assim ele ¢ simplesmente alguém que nélo é propriamente reforgado. (pig. 146-147). Assim ninguém terd esse sentimentos se puder obter riqueza ¢ 0s reforgos positivos que ela pode comparar. Note-se que na maioria desses casos, talvez em todos, podemos converter © exo em tautologia confiando na vaguedade da terminologia skinneriana, 29 CHOMSKY. ‘Nohan. Psicologia c ideologia. Trad. Maria da Penta Villalobos. Rev, Fac #due., So Paulo, 5 (1/2): 54, 1979. Original Ingiés, usando; por exemplo, “reforgo” como um temo de cobertura para tudo aquilo de que se gosta, se quer, se pretende, etc. : Podemos sentir 0 gosto da forca explicativa da teoria de Skinner nesses exemplos tipicos: um pianista aprende 2 tocar uma escala de forma suave porque “escalas tocadas suavemente so reforgadoras” (pag.204). Uma pessoa pode Saber 0 que ¢ lutar por uma causa s6 ap6s uma longa hist6ria durante a qual ela aprendeu a perceber @ a conhecer o estado de coisas chamado “luta por uma’ causa”, (pag. 190), etc. Da mesma forma,podemos perceber 0 poder da tecnologia do comporta- mento de Skinner considerando as Uteis observagdes e conselhos que ele ofere- ce: “O comportamento passivel de punigfo pode ser minimizado criando-sc circunstincias nas quais cle tende a nao ocorrex” (pag. 64); se uma pessoa 6 “fortemente reforgada quando ela vé outras pessoas se divertindo.. . . ela pla- nejard_ um ambiente no qual as criangas so felizes” (pag. 150); se a superpopu- laco, a guerra nuclear, a poluigao ¢ 0 esgotamento de recursos naturais sio um problema “nés podemos mudar as priticas para induzir as pessoas a ter menos filhos, gastar merios em armas, deixar de poluir o ambiente e consumir os re- cursos de forma mais lenta, respectivamente” (pag, 152). © leitor poder procurar pensamentos mais profundos do. que estes. Ele poder procurar, mas no os achard. Neste livro, Skinner alude mais frequentemente ao papel do equipamen- to genético do que em especulagdes anteriores acerca do comportamento huma- no ¢ da sociedade. Poder-se-ia pensar que isto conduzisse a alguma modificagdo em suas conclusBes ou entao a novas conclusGes, Mas isto no ocorre. A razZo 4 que Skinner € tio vago ¢ desinformativo acerca do equipamento genético quanto ele o € acerca do controle por contingéncias de teforgo. Infelizmente, 0+0=0. De acordo com Skinner, “A facilidade com que se pode inventar explica- es mentalistas ¢ talvez a melhor medida da pouca atenggo que se deveria prestar a elas” (pag. 160). Podemos transformar isso emt uma verdadeira pro- posigo substituindo “mentalista” por “skinneriana”. De fato, sempre hé uma tradugdo skinneriana dispontvel para qualquer descrig’o do comportamento — sempre podemos dizer que um ato ¢ praticado porque ele ¢ “reforgador” ou “reforgado”, ou porque as contingéncias de reforgo modelaram o comportamen- to dessa maneira, Hd uma explicagdo 4 mio para qualquer eventualidade e dada avacuidade do sistema nuica se pode provar que estamos errados. Mas o comentario de Skinner sobre as “explicagées mentalistas” & certa- mente incorreto, dado 0 uso que ele faz do termo. Consideremos, pot exemplo, as seguintes expresses: {1 —4) (1) 0s dois homens prometeram 4s suas mulheres matar um 0 outro, 30

You might also like