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Se ea tod Pe RO ag her ou viimac, sempre, como objet fase de seus seo- seus pris impulss ou mesmo dahistria que se pro- Se ue ae Se ed See ed SE ee Ste cg ee Tg ee ee et eet toe Se ea ed Tate aed eet Cy cad isa Cea elt teehee >. WOH RTOLTO)S N E CONFLITO\ ARESISTENCIA NEGRA RODS SOAS 3 NAS MALHAS DO PODER ESCRAVISTA: A INVASAO DO CANDOMBLE DO ACCU Senhores ¢ autoridades eseravistas na Bahia, como em ‘oda pare, usaram da violéncia como metodo fundamental de “controle dos escravos. Masa eseravidio, como vimos nos capi- ‘ulos anteriores, nfo funcionou ese eprodvziu baseada ape- ‘ass na forga. O combate & autonomia e indsciplina escrava, 20 trabalho efora dele, se fer airavés de uma combinagto da ‘ioléncia com a negocio, do chiote com a recompensa.! ‘Os escravos também nto enfrentaram os senhores so- ‘mente através da forca, individual ou coletiva, As revolts, +t formacio de quilombos © sua defesa, a violencia pessoal, -conviveram com estratéyias ou teenologies pacifcas de resis. ‘Encia. Os escravos rompiam a dominagdo eotidiana por meio de pequenos atos de desobediéncia, manipulagdo pessoal ‘Sutonomia cultural. A propria acomodagio eseraa tinha un ‘tor sempre ambiguo, “Correntcras perigosas e fortes pass ‘yam sob aqueladociidade e ajustamento", percebeu 0 histo ‘Flador Eugene Genovese.” Os senhioresentendiam que a scomodaeto era preciia e ‘quando possve! procuravam negociar 0 prolongatiento da ‘Paz, Da mesma manira, os escravos compreendiam que © ‘ais egociador dos seahores, ou feitore, um dia usaria com erocidadeo chivote, Na escravidio nunca se vvia una paz ‘Yerdadelra,o cotidiano significava uma espéce de guerra no -convencional, Nessa guerra, tanto eseravos quanto senhores 2 ‘vuseavam ocupar posiges de forga a partir das quas pods: sem ganar com mais facidade suas peauenas bata, Sbvio que os senhores © seus agentes deinham uma enorme ‘antagem nica, baseada no acesao'8poderoson reco mg teriais,socais, militares esimb6lios. Por iso os ect veram de enffentvios com intligncia ¢ eriatividades Bes desenvolveram uma fina male pessoal, uma deseoncertaate ‘ousadia cultural uma visto de mundo abera 0 nove O novo, &verdade, muitas vexesirompeu no etiiano eseravo sob a forma de revolas coletivas. Estas nem sempre tiveram como objetivo a subversto weral da ordem esraisa, ‘mas apenas fim de melhorat aspects expofiens da vida dog escravos. Num ou noutr eat, elas nao foram ato ineficaes de desespero, como sugerem alguns.” Muitas reolas foram planejadas com cuidado por hes Hiderangas © io foram insteis mesmo quando derrotadas, pois «amveaca sempre pee- sente de que viessem a acontecer crava um cla faocivel aos escravos nas negociagbes rotineias com os senhores. Estes ruitas vezes preferiam recuar a arriscar suas vidas a8 dos ‘membros de suas familias. ‘Ao longo da primeira metade do séoulo XIX a Bahia se consltuiu mum ambiente favoravel a resistencia sera. Foi fundamental em imei usr 9 erent vita da popilagdo negro-mestiga, em especial a dos afticanos. foram importados em mimeros qv chessram aati 8 por ano em certos periodos, visando atender a demanda da ‘economia agueareira que, desde o final do século XVII, or8 aingida por fortes ventos de prosperidade. Os novos : tora vitham principalments ta tea do gif de Beni S= doeste da atual Nigéria,e do antigo reino do Dome, Repiblica do Benin, terras dos nagOs, jees haussis ete, Em 1811, esses africanos ji representavam S07 hidade africana que vivia em Salvador, atingindo tmeados da década de 1830. Os outs eram Costa da Mina e do sul da Africa, de Angola ma Na Bahia, como em outras rgites escravist do, essa etnias afrianas foram las pertencam mais de 60% dos esravos a -escravos, corea de 33% dos 65 500 habitantes de Salvador em ‘tomo de 1835. Negros e pardos nascidos no Brasil formavam ‘perio de 40% dia populacio da cidade. {A formidvel densidade da populagio africana na Bahia Tavoreceu sua representatividade cultural, suas identidades 6 teas esua disposigio de luta. A mera presena de um ntimero tio erande de africanos intimidava sotores importantes da classe senhorial, ¢ com rarao, Entre 1807 © 1835, escravos ‘razidos da Africa realizaram mais de duas dezenas de conspi ragdes e revoltas, mantendo o regime eseravista em perma- nente sobressali, Paralelamente, os africanos se empenhs: ‘ram com vigor no aperfeigoamento de suas instituigdes de bar: ‘gana coma populacio baiana, com brancos, mulatos ecriou Jos. A construcio e constante recriagio da identidade étnica -esteve no centro dessa dinimiea africana, ‘Na revolta ou na negociagio, os africanos também se _aproveitaram das incerteras que se alastraram, sobretudo mas ‘do exclusivamente, entre a populagio livre, durante a tr sicdo de colénia portuguesa a provincia brasileira. As idéias Iiberais da épocs, as dissidéncias entre os brancos, a Guerra de Independencia e as freqientes revoltas populares, federa- Tistas e militares dos primeiros anos do Império enfraquece- sam a classe senborial baiana.’ Apesar de mantida a eseravi ‘dio, pode-se dizer que ela foi colocada na defensiva por escra- ‘05 que souberam explorar sous instantes de fraqueza, Em meio a esse clima social, politico e cultural agitado, Jum candomblé nas imediagdes de Salvador fol, em meados ‘de 1829, invadido pela policia. Publicamos em apéndice o re- {ato deste episidio, feito pelo juir de paz da freguesia de Nossa ‘Senhora de Brotas, Antonio Gomes de Abreu Guimaries," O. Juizado de Paz apareceu no cenério brasileiro exatamente no final da década de 1820. Os ocupantes do cargo — em geral pessoas remediadas, raramente sieas, mas com alguth presti- _sio — eram eleitos por seus pares sociais para se encarregs: fem dopelciamento devas rege, Aviinvam-tos nese 05 quarieirlo, os guardas municipais e ‘partir 1851, 0 guards nacional u Segundo varias de suas cartas espalhadas na documen- lagto do Arquivo Piblico da Bahia relativa aos julzes de pc Antonio Guimaries era de origem portuguesa, easado, fata fihos, cerca de sessenta anos em 1829, pequeno proprietirio de terra eeseravosem Brotas eem laparica. Apesar daidade, era um homem cheio de energia, polémico, fisieamente tivo, Ble cuidava da ordem numa freguesia de porte médio, afas- tada do micleo urbano, semi-rural, com uma populae%o em tomno de 3 mil pessoas — numa cidade de aproximadamente ‘62 mil habitantes em 1829 — talvea amaioria “de cor”, ince sive muitos africanos libertoseescravos que ojuiz procurava a. custo eslocar nos eixos. O texto deste capitulo se desenvolve a partir do texto do juiz. Guimaraes, Nele discutimos 0 pensamento e o comporta- ‘mento de um homem na defensiva contra eseravos ousados, senhores permissivos eautaridades eomplacentes. Mis mo fi ‘zemos apenas uma anilise de texto. Acompanhamos e deba- femos os argumentos do juiz de paz, (re)introduzindoes no ambiente histérico a que pertencem. No centro dacena, oean- dombié desempenha papel privlegiado de representagao poli tica ereinvencio cultural dos africanos na Bahia. O enredo se cages porter oreo a invasio de um eandomblé em sua Este recebera queixa de um liberto tista, de que uma patrulha, sob as ordems do 3B ‘candombiée se apropriara de 20 mil ris, panos da Costa eum tal operavam no cotidiano um inconveniente estremesimento das hierarquias sociais. Os escravose apaniguados de homens rieos e poderosos achavam perfeitamente legtime desfiae 05 putts blancs baianos, mesmo aqueles invests de Tegal, O fendmeno no era ineiramente nove — Vilhena © conde da Ponte j se queixayam disso — mas: Se generalizon essa época devido & pressio da rmaciga de afticanos e de suas sucessivas rebelides finela do cotidiano ele favorecia tanto eSeav0§ ihores. Da perspectva destes, era interessante ‘qe 0s eseravos como que reprsenisvai frandeza, servindo como instruments Je 3 ‘podler na sociedade. Com isso 0s senhiores também afastavam ‘para longe de si as tensBes da escravidio. Da perspectiva dos ‘scravos, significava que nem sempre a reduedo deles & perso- nalidade social do senhor — parte importante da logica de dominagio na escravidio — Ihes era desvantajosa. Pode-se dizer que tirayam proveito de sva condicio de propriedade. ‘cescravo do visconde de Piraja transformava o poder do ‘dono em poder préprio na slquimia de sua politica didria de sobrevivéncia e enfrentamento dos homens livres, homens ‘como. juz de Brotas. Fstecoitado vis enfraquecido seu papel de zelador da ordem. Para ele, aquelas pequenas subversoes do cotidiano, as veres apenas simbélicas como as festas, nilo ‘ameacavam somente sua avtoridade, mas eriavam condigbes para a insurreieao geral que os senhores tentavam evitar com -apolitica de negociagies e concessses. ‘Visivelmente desiludido com 0 rumo das coisas, o juiz ‘Antonio Guimaraes sentia falta de outros tempos mais eoe- ‘rentes, quando “uma ordem do finado Conde da Ponte fera) ‘estritamente executada (...) no escapando ao castigo seu ‘préprioescravo”.” Veladamente, ele sugeria ao presidente da ‘provincia que seguisse o exemplo daquele governador colonial ‘e nfo de senhores coniventes com a indisciplina de seus es- ‘cravos quando afastados de casa, O juir. no admitia que os ‘escravos ganhassem qualquer espago de manobra dentro da ‘escravidio. AKEACCU oaguim Baptista e 0s andnimos homens e mulheres do ‘candomblé do Acci tiveram seu terrtério e seus objetos ic ‘ais desrespitadosepossivelmente nunca recuperaram o que 4 policia thes roubou, mas fizeram ver ao juiz de paz Antonio GuimarSes que aqulo no podia ser feito comodamente, Suas ‘armas nfo eram muitas, nem muito potentes, mas eles as ‘usaram com habilidade, Souberam aproveitar-se das incer- ‘eza8 do tempo, especialmente da inseguranca eausada pelas ‘nimeras rebelides baianas, e explorar as dvergéncias nas 2 fileiras adversitias quanto a0 método de controle escrve, CConseguiram mesmo transformar adversérios maturals em: aliados muitas veres involuntirios. Com isso, foram aos Doucs superando suas prpras dvs mbors mea a «fiminassem completamente, ¢ rompendo o isolament ‘inham sido empureades oS © episédio da invasio do candomblé do Aceé revela ‘Alguns dos elementos bisicos para a compreensio do deseme penho do candomblé como insttuiglo central de represen: {agdo € negociagio dos negros na Bahia. O candomble parti cipou da contestagto violenta aos senhores mas foi principal mente atuando fora dela que ele desenvolveu e sstematizon ‘umestilo de resistGneia que ira de alguma forma amortecer a queda dos africanos na eseravidio. Para isso foi necessirio due estes se abrissem para o Novo Mundo, se abrissem para aqueles nascidos na “terra de Branco”, inclusive 0s prérios brancos da terra. Bles criaram canais ce eomunicagao com es poderosos ¢ incorporaram como membros de seus rituals os afco-baianos, enfraquecendo dessa mancira a agio dos excra~ vocratas intolerantes e a dvisfo africano/erioulo to cara a0 sistema da escravidiao.” Feitas as aliangas, a ruptura com © isolamento pide ‘percorrer caminhos mais ousados. O candomblé do Aeei veio A tona, sau da clandestinidade batendo “com estrond” durante trés dias, se expondo publicamente. Depois da i= vasto, seus membros continuaram jogando abert, enfren- taram um juiz de paz, denuneiaram-no a0 presidente da provincia, inventaram como aliado um viseonde da aisto- fracia baiana. Agindo assy, afirmaram na pritica 0 dirt de cxistir e venerar seus deuses, que era negado por mieio de Iki locais e nacionais e através de atitudes como a de Antonio Guimardes. Foi uma luta desigual e dura para escravos & Tibertossujeitos a enormeslimitagdes de toda ordem. Em vista da legitimidade social, eultural e mesmo paliien do « domblé na Bahia de hoje — a Babia que hoje se diz Tera ‘Todos os Orixis tanto como de Todos 0 Santos = dizer que jviz de paz ganhou a batalha mas endo guerra = POST:SCRIPTUM © Acc provavelmente no foi primeiro embate, ¢ com certeza nao foi 0 siltimo, entre 0 juiz de paz Antonio Gui- mares € 0 povo de candomblé. Pesquisas posteriores a re Gacho deste capitulo confirmam e ampliam o que acabamos

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