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A PULSAO DE MORTE E AS PSICOPATOLOGIAS CONTEMPORANEAS. Aldo Ivan Pereira Paiva As "Psicopatologias Contemporineas”, cujas patologias mais conhecidas sio os distirbios alimentares, a sindrome do panico, os transtomos borderline, os fenomenos psicossomiticos, as adicgdes, a depressio e a nommopatia, tém sido alvo de imimeras discussdes. Apesar dos debates sobre o tema ainda niio se chegou a um consenso sobre a etiologia ¢ os mecanismos psiquicos subjacentes. Alguns teéricos se baseiam no conceito de pulsio de morte para compreendé-las. Ocorre, entretanto, que esse conceito também ¢ controverso. © conceito de pulsio era considerado por Freud (1920) o elemento mais importante e cobscuro da pesquisa psicolégica, pois reconhecia as limitagdes da psicandlise em compreender a teoria pulsional, especialmente a pulsio de morte, ja que recalqne se aplica por exceléncia a sexualidade, e, portanto, suas teorias privilegiam a sexualidade na etiologia das neuroses ¢ na constituigao do psiquismo. A introdugio do conceito de pulsto de morte na teoria psicanalitica, devido ao seu cardter especulativo, constitui um importante fator de divergéncias entre os pés-freudianos. Laplanche (1988), ao contrario de M. Klein (1984) e Freud, considera errénea a concepeao de uma pulsao de morte inata, e adota a teoria de que o recalque originario é o responsavel pela constitui¢to das pulsdes. O ponto de partida seria a sedugao originéria, na qual a erianga imatura & confrontada com mensagens carregadas de sentido e de desejo, mas cuja chave para decifié-los nto possui. O esforgo para ligar o trauma que acompanha a sedugao originaria resulta no recalque destes.primeiros significantes enigméticos ou de seus derivados metonimicos. Estes objetos inconscientes ou representagdes-coisa inconscientes constituem a fonte da pulsao (objetos-fonte) Algumas teorias sobre a pulsio de morte parecem convergir para o aspecto desligado da sexualidade, Na opiniio de Laplanche (1988), a pulsio de morte veio resgatar ¢ reafimmar 0 aspecto desligado da sexualidade, pois com a descoberta do narcisismo corria-se 0 risco de considerar a sexualidade apenas em sua vertente ligada e investida, quer seja nos objetos ou no proprio eu. Com isso, a pulsio retomou sua caracteristica de mudanga continua de objeto, ¢ © objetive de se satisfazer o mais rapido possivel e pelas vias mais curtas, reafirmando, portanto, algo essencial da sexualidade, seu aspecto “demoniaco”, sujeitado ao proceso primario e A compulsio a repetigAo. Quando Freud trata das experiéncias traumaticas, o excesso de excitagio aparece como insuportavel para o psiquismo, que tenta resolvé-lo por meio da destruigtio. A pulsio de morte teria © papel de apaziguar a desorganizagao provocada pela libido excedente nao ligada. Em Além do Principio do Prazer, Freud reconhece que o principio de prazer, na medida em que busca reduzir, manter constante ou remover a tensao interna provocada pelos estimulos, e o principio de nirvana que visa 4 descarga total e imediata das excitagdes, seriam os fatores que regem as pulsdes de morte, j4 que estas Intam contra a tensto provoeada pelas pulsdes de vida. A clinica psicanalitica contemporanea identifica formas de destrutividade supostamente desligadas das pulsdes de vida, aparentes nas neuroses graves e de carater, nas estruturas narcisistas, nos casos limite, além de angistias catastrSficas, temores de aniquilamento, sentimentos de desvitalizagao ou de morte psiquica. André Green (1988) destaca que em todas estas configuragdes clinicas © mecanismo dominante é o Into insuperivel e as reagdes defensivas que ele suscita, ¢ sugere que o luto como mecanismno estruturante esté ligado as pulsdes de vida, pois permite a simbolizagao, a elaboragao, e superagiio das fixagdes, Em contrapartida todas as estruturas que esto infiltradas pelas pulsdes de morte caracterizam-se por lutos impossiveis, revelando 0 aspecto desligado das pulses. De acordo com a literatura psicanalitiea, as chamadas “psicopatologias contempordneas” desafiam © modelo teérico-clinico clissico, pois os pacientes seriam reffatiios 4 livre associagio. De acordo com Carvalho (2004), dentre as principais caracteristicas desses pacientes, apontadas pelos diferentes tedricos da psicandlise, estariam a auséncia de sintomas como formagio de ‘compromisso, a caréneia de um mundo fantasistico operante por meio do qual os derivados do recaleado possam se manifestar, ¢ a tendéncia a atuagao, sem o recurso da elaboragio psiquica ‘Além da falha na simbolizagio, esses pacientes possniriam também uma fragilidade nareisica que os deixariam suscetiveis as angustias de desintegragto © morte, diferentemente dos quadros neuréticos, regulados pelo Complexo de Edipo e pela angustia de castragao. Por fim, a nogao de trauma também aparece como subjacente as patologias contemporsineas, relacionada ao g0Z0 ¢ a0 excesso pulsional, em oposigo a vertente do conflito, ligado ao desejo e A fantasia inconseiente. Todas essas caracteristicas parecem refletir a manifestagio da pulsto de morte, pois a nogao de trauma, a atuagao e a auséneia de sintomas, indicariam uma relagao com o aspecto desligado da libido, ow seja, sujeitada ao processo primério, ao prineipio de prazer e & compulsao a repetigao, evidenciando assim os tragos da redugiio das tensdes & da descarga pulsional a qualquer custo. Diante disso, as chamadas “psicopatologias da contemporaneidade” seriam entio exemplos da manifestag%o da pulsto de morte no psiquismo? A Escola de Paris, cujo maior expoente é Pierre Marty, adota a teoria de que as novas psicopatologias sa0 causadas pelo trauma, entendido como o excesso pulsional que invade o aparelho psiquico do sujeito com poucos recursos de mentalizagao e simbolizagao, e que devido a falta de processamento dessas excitagdes elas se manteriam desligadas até a ocorréneia da somatizagao No Ambito da psicopatologia do trabalho também encontramos explicagdes que se baseiam no mesmo entendimento da Escola de Paris. Dejours (1992) propde a hipstese de que a organizagio do trabalho taylorista & capaz de neutralizar e bloquear completamente a vida mental durante o trabalho, levando o trabalbador a perder suas potencialidades neuréticas, tomando-o obrigado a funcionar como uma estrutwra comportamental. Devido ao choque com a organizagio do trabalho, as aptiddes ligadas 4 mentalizago e 4 produgao de fantasias seriam as melhores defesas contra a tensio imposta pela economia psicossomitica. Esse exemplo nos revela que © mecanismo psiquico produtor das. psicopatologias contemporineas pode ser desencadeado de forma artificial, ¢ ainda se restringir a determinadas circunstancias temporais. Diante disso. como defende Schwartzman (2004), a incapacidade de mentalizagao ou simbolizagio nao deve ser caracterizado como wm trago de personalidade, mas sim relacionado dinamica do psiquismo, muitas vezes circunscrito a um periodo critico da vida, sujeitado As influencias s6cio-culturais dos tempos atuais na dinamica inconsciente Por outro lado, conforme Carvalho (2004) e Ribeiro (2004), as explicagdes que desconsideram o recalcamento como fundamental no surgimento das novas psicopatologias devem ser encaradas com reservas. Para eles o recaleamento da sexualidade infantil continua sendo o fator fundamental na constituigao do psiquismo, ¢ constitui um grande reducionismo separar de um lado ‘ recalcamento. e de outro o trauma, a falha na simbolizacao, e o narcisismo. Eles se baseiam na petspectiva fieudiana de que a recaleamento da sexualidade infantil é 0 fator decisivo na etiologia das neuroses, e consideram que as mudangas sociais e a libetalizagao sexual nao destituiram a primazia da sexnalidade infantil no inconsciente. ‘A tentativa de relacionar as novas patologias 4 pulsao de morte merece um cuidado especial, pois se tratam de manifestag6es que, supostamente, desafiam 0 modelo clissico das neuroses, e, portanto, necessitam de um esforgo para serem esclarecidas, sem perder o rigor te6rico que define o campo da metapsicologia. Da mesma forma o couceito de pulsto de morte, na medida em que ¢ considerado por Freud um dos mais importantes e obscuros para a psicanilise, e devido ao seu cariter especulativo, demanda uma constante tentativa de esclarecer seu papel na metapsicologia No campo clinico, portanto, esse conceito corre o risco de ser usado de forma banalizada, sendo utilizado indiscriminadamente para explicar as manifestagdes sintomiticas de dificil compreensi. REFERENCTA BIBLIOGRAFICA Carvalho, M. T. M. Sobre o aleanee e 0s limites do recalcamento nas chamadas “psicopatologias da contemporaneidade”. In: Cardoso, M. R. (org). Limites. Sao Paulo: Escuta, 2004. Dejours, C. A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho. 5 ed. Ampl. Sao Paulo: Cortez Oboré, 1992 Freud, S. Além do principio de prazer (1920). In: Freud, S. Além do principio de prazer, psicologia de grupo ¢ outros trabalhos. Vol. XVIII da ESB. Rio de Janeiro: Imago. 1996. Freud, $, O Ego e o Id (1923). In: Freud, S. 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