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Pro-Posicoes - vol. 13. N. 2 (38) - maiofago, 2002 Propostas pedagdégicas ou curriculares de educagao infantil: para retomar o debate! Sonia Kramer* “educagée Infanti”... Chegor fol afc, mas soir eu néo quera* Resim: 0 texto ¢ rato de esa eisessio fein no iter da pesquisa sobre “Formac de Profssionas da Educicio Infinl no sto do Rio de Janciro Tem como objetivo apresentar referencia teria ctaborado ata fundameatara anise dis propostas edges a eurseuares de elucago infanol de formagio dos seus profsonai elaboradas pels secrearas rmunicpas de educa. Iniimene, o texto sao tema e anata aguas facets ch dirensio politen que the € subjacente A seg, dscuee problematcn o tema no campo 2 educacio infntl, trazendo o debate presente cm textos academicos ¢ documentos do MEC. Um foco especial do projet ¢ 0 rege de tetris de profsionais ede propostas de trabalho redizatas por equipes Palawios-chave: Fduca¢io infant, polities piblicas, proposta pedagégiea, proposta caurticula,infincia. Abstract: This paper is based on several seminars and workshops that took place as academic procedures of a research on “Formation of professionals of children éducation in the State of Rio de Janeiro/ Brazil". The purpose of this article is to present a theoretical approach prepared in order to fundament the analysis of childhood education pedagogical (or cusriculat) proposals and formation of teaching professionals developed by municipal government policies, Initially, the text presents and analyses, some facets of the political dimension generally subjacent to these policies. Then, the article discusses some issues and focuses different problems specially concerned with childhood education in Brazilian official documents Its important to say that the main purpose of this research is to study teacher life histories as well as history of groups and projects. Key-words: Farly childhood education, government policies, pedagogical project, curricular projeet, childhood, Este trabalho traz uma discussio de cariter teético sobre proposta pedagsgiea ou curricular de educacio infantil Essa discussio foi desenvolvida para fundamen- tar a anilise das propostas pedagégicas ou curriculares de educagio infantil, um dos |, Wstoho asresetoa na 24a Reurid Arual da AED. Casexrbu, 2001 * roesson do Deporte ae Eascaco 06 PIC 6080 3 nao PUC — he) 65 Pro-Posig6es - vol. 13, N. 2 (38) - maiojago. 2002 ‘campos da pesquisa institucional “Formagio de Profissionais da Educagio Infantil no Estado do Rio de Janeiro: coneepgdes, politieas e modos de implementacio”, na ctapa deseavolvida de agosto de 1999 até julho de 2001, com apoio do Conselho [Nacional de Desenvolvimento Cientifica e Teenolégico (CNPq) e da Fundacio de Ampato a Pesquisa do Estado do Rio de Janciro (FAPER)) O objetivo da pesquisa € conhecer a formacio de profissionais da educagio infantil, endo adotado quatro diferentes estratégias metodologicas. Assim, com a finalidade de delinear um panorama da cducagio infantil e da formacio de seus profissionais, foi enviado um longo questionstio aos entio 91 municipios (hoje sio 92). Por outro lado, foram realizadas entrevistas individuais com profissio- nais responsiveis pela educagio infantil e que atuam nas secretarias municipais de educacio da Regio Metropolitana (aqui vale eselarecer que das 1.500.000 criancas de 0 a 6 anos existentes no Estado do Rio de Jancito, 1.100.000 residem nna Regio Metropolitana). Além disso, vém sendo realizadas entrevistas coletivas reunindo responsaveis pela educacio infantil que atwam nas secretatias munici- pais de educacio ¢, também, de acio ou desenvolvimento social bem como de fundacdes municipais que respondem pelas politicas de infancis. A sistematiza- (20 dos dados obtidos com 6 questionitio foi organizada em um relatétio que seci entregue, como atividade de pesquisa, aos municipios. O material colhido pas entrevistas encontra-se em processo de andlise. Uma terecira esteatégia metodolégica adorada para identifiear concepedes foi a anilise de propostas pe- dagégicas ou curriculares enviadas anexas 20 questionirio ¢, postetiormente, em correspondéncia especifica aos municipios, Por fim, acreditando que uma proposta acontece na pritica, estio sendo feitos estucos de caso — monografias de especiali- zagio, dissertagies de mestrado e teses de doutorado — voltados para a analise de propostas especificas de educacio infantil e de formagio dos profissionais. © presente trabalho é fruto de discussio coletiva® e tem como propésito apresentar 0 marco teético elaborado para fundamentar a anilise das propos- tas sistematizadas por eserito (publicadas ou no), Os estudos de easo nio sao contemplados aqui, mas vale destacar que os consideramos fundamentais para um maior entendimento da questo. Em primeiro lugar, o texto situa 0 tema e analisa algumas facetas da dimensio politica que Ihe & subjacente. A seguir, discute © problematiza 0 tema no campo da educagio infantil, trazen do o debate presente em textos académicos ¢ documentos do Ministério da Educagio (MEC). Outros textos vém sendo escritos sobre diferentes verten- tes da pesquisa, tanto no que se refere & educagio infantil, seus problemas e conquistas, a0 impacto softido pelos municipios (por exemplo quanto a séri- es/ciclos e as classes de alfabetizagio). Um foco especial do projeto é 0 res- gite das trajetdrias dos profissionais e das histdrias das propostas de trabalho realizadas por equipes, uma dimensio coletiva que com freqiiéncia é descontinua, interrompida, em que muitos elos se perdem. 2, Oteo 6 proaaico parece ua sie de semings &deboes reclzacs pela equips de pesquisa, Paticpoter:Arelse Nase merto, Dana da tiga Menai, Jos odo Deborl tsa Maa Delgado {de Conaho, Moin Fernanda Resende Nures, Max Licks de Sours e Melb, Menoné do Shc Foo, PIC (Cone, Pasa Yorn. 66 Pro-Posiges - vol. 15, N. 2 (38) - maiofago, 2002 1, Propostos pedagégicas/curiculares: aigumas facetas de sua dimenséo politica © tema das propostas pecagdgicas pode ser rastreado a partir de diferentes pontos. Na histétia das idéias pedagdgicas no Brasil, ele data da escola nova e se telaciona & discussio sobre os mecanismos internos a escola. Dicotomias tradici onais tém estado presentes ¢ tém assumido diversas verses, na tentativa de pen- sar o tempo, 0 espaco, os atores € o trabalho de garantir acesso aos conhecimen- tos: contetilo ou método; transmissio ou construcio; processo ou produto; salas ambiente ou ensino por problemas, entre outros modos de organizar 0 cotidiano escolar; centrado no aluno ou no professor (o que de todas as polarizagées parece a mais bizarra, pois © trabalho edueativo no pode prescindir da relagio, da interacao). Recentemente, o debate sobre curriculo assumiu proporcdes teéricas importantes, reeditando uma polémica da srea do curriculo ~ universalismo ou telativismo? (Forquin, 1997) ~ que, embora antiga, tornou-se mais densa i luz da discussio contemporinea da epistemologia e da sociologia eritica do conheci- ‘mento, Esta polémica tem se ampliado e se complexificado no cenitio académico (basta ver o debate sobre multiculturalismo ¢ globalizacao) e repercute nas politi- cas puiblicas: muitas gestdes tm procurado superar impasses ¢ conflitos de ot- dem tedrica e pritica’. Do mesmo modo, tem sido expressiva a procugio acadé- mica sobre diferentes perspectivas tedricas, metodologicas e politico-ideolégicas do curriculo’ ‘Vale lembrar como € dificil ir além do mando académico ¢ influcnciar proces- sos de tomaca de decisio no campo das politeas piblicas. A distincia entze 0 que se produz teoricamente sobre a escola brasileira (e 0 que conhecemos de outros ccontextos) ¢ as nossas redes escolates reais ¢ ainda um problema grave. No que se refere a pesquisa, as dicotomias presentes no ato de investigar tém sido enfrenta- das. O estuclo de histérias de professores mostra a fragmentacio entre sujcito © ‘objeto, fruto da diluicio do sujeito na sociedade eontemporanea, com sérias con- soqincias bastante discutidas (mas nem sempre resolvidas) no campo das cién- cias humanas ¢ socinis, Diferentes pesquisadores tém enfatizado a importancia de levar em conta os sujcitos (professores, erianeas ¢ jovens, familias) na produgio cas propostas e nos estudos dos processos educacionais. Um eampo que parece proficuo é a necessidade de conhecer nfo s6 historias e trajetdrias individuais de professores, mas também as histérias das propostas ¢ das equipes institucionais, SeUS rumos, erros e acertos. A origem das discussdes sobre cutriculo, no Brasil, se vincula ao estudo da escola, em especial 10 movimento escolanovista, sua crenga no poder da escola a busca de alternativas inovadoras (parques infantis; escolas-parque, ete). A énfa- se na formagio das clites condutoras ~ pedra de toque da educagio do Estado Novo — interrompeu esse processo. Com a redemocratizacio da sociedad — apés 1945 ~ ¢ retomada a defesa da escola publica como dircito de todos, em especial 3. Derfe mies poser cir a aparéncis de Foto Age. Bsa, Ble Heante, Dodema, Sano Ate So Bera co Gar'po, gya do ik dm ce eas Gor Crs Mae Grae, 4. Vet ere utes: Bests (1998) Sct (1998), xe (198) opt 1698), ce (1998, 67 Pro-Posg60s - vol. 13, N. 2 (38) - maioiogo, 2002 fos anas 50). Na década de 60), esta defesa convivia com discursos académicos € politicos que tratavam da educagio como se as alternativas estivessem fora da escola, nos movimentos de educacio popular. Aqui se situa a importincia de Paulo Freire, ilésofo de uma edueacio voltada para a acio cultural c a liberdade. F ji havia naquele momento secretarias de educagao (como a de Natal ¢ “De pé ro chao também se aprende a ler”) que aereditavam em uma escola piblica popu- lar ¢ buscavam meios de aleangi-la. Porém, apenas a partir de 1985, com a con quista do dircito as eleigdes, perdido com a ditadura militar, esta questo entratia na ordem do dia de varias gestdes pablicas. A contribuicio de Freire se coloca também af: sua obra fornece importantes subsidios da Area da educacio de jovens ce adultos para a da formaczo em servigo de professores. Plancjamento curticular entendido como interveneo macto é heranga da ditadura militar (Geio a tebogue dos acordos MEC/USAID). Tentava-se de preparar equipes voltadas 4 modernizagio administativa, & hegemonia politico-ideologiea num con- testo de tensio politica e fagilidade institucional. Instituigdes federais ou programas fortes e de atuagio em todo 0 tertitério nacional (Mobral, Minerva, Rondon) tenta- ‘vam ocupat o espaco dos movimentos socials que, pela forca, haviam sido esvazia- dos. Na ditadura, a implantagio de novas metodologias foi © carro-chefe de muitas secretarias estadais de educagio; 0 MEC tinha recursos ¢ investia em formacio: 0 plano era formar quadros. B, na contra mio das intengSes do governo federal, al imas seerctarias estacuaislevavam ieléias de Frcinet ¢ Freire sem expliciti-los. Aqueles foram anos de projets de intervengio, cursos ¢ programas contradirios. ‘Também nos anos 70, Piaget parecia trazer a chance de uma educacio onde 0 sujeto € ativo, pensa, constréi. Ninguém poderia supor que anos mais tarde Piaget, Emile Ferreiro ¢ 0 construtivismo seriam acusacos de aligeirarem a qualidade da escola. Esta foi uma das polémieas que, nos anos 80), tomou a academia: de um lado, Saviani, Libineo ¢ outros pescuisadores reunidos em torno da proposta da chamada pedhgogia eritico-socal dos conteidos © Gadlti, Freire, Nosella © outros identifica- dos com a chamada de pedagogia lberttia, eritica’. Apés a ditadura c com a wolta d cleigdes para Estados e Munieipios,o debate assumi proporedes de narureza politica cada vex. mais acentuada, embora muitas vezes errdnea do ponto de vista tedrico, pois a realidade € muito mais rica do que classificagdes reducionistas que fazem muitos pesquisadores’. Um dos maiores problemas foi difusio equivocada do construtvismo feita por universidades, politicas educacionais € reformas curriculares. Ainda que de fendamos a pluralidade de alternativas curriculates, contra a idéia ou a pritica de buscar um suposto melhor desenho cutticular, estudando Piaget, Vygotsky, Wallon ¢ autores brasleiros que com seriedade tim se debrucado sobre suas teorias, pensamos «que para ser construtivista, o professor precisa necessariamente apropriar-se, em pro- fundidade, dos conhecimentos da lingua, matemiitica, ciéncias naturais ¢ socials, ando a esses saberes uma sélida formagio cultural’. Teata-se, pois, de formagio cien- tifca ¢ cultural. Nao tendo existido sérios, constantes, ¢ consistentes projetos deste 15 Verreerncion Savor 1902: ecaxite sobre “0 Pema do Dactaca 6 Fo bid, ods des anos 82, 6. Ea erica pede ser encertraca amn Keer 1993), ene culos 7. Uma neraia nesta ina cormecou ose dasa, po cro de 200), © pat de raboho conunio ene o Depatamarso do scucarce da IC Ro fxpacteareriao compe doco d9 Cute do ipaco}2g60 om Eeoagee Horio 0 Socata Maric db Edse0780 doo Jonata, 68 Pro-Posigbes - vol. 13, N. 2 (38) - maiofago. 2002 ‘ipo, confiinclu-se os professores irando-se dees 0 pouco que tinham e pretendeu-se colocar no lugar conjuntos distorcidos de informacées genéricas muito distantes da consistincia teéxiea da epistemologia genética ou da perspectiva sécio-histériea do conhecimento, Fste problema é constatado ainda hoje nas propostas pedagégieas atuais 2. Propostas pedagdgicas ou curriculares ~ e a educagao infantil? ‘A anilise das politicas do governo federal e iniciativas locais evidencia dile- mas de secretarias de educagao e desenvolvimento social de municipios que tem recursos, estabeleceram @ mudanga como prioridade e investiram na educagio infantil € nos primeitos anos do ensino fundamental. Com base nessas experién- cias e na produgio académica desta area ousamos dizer que, no Brasil, o debate em torno do curriculo tem mordido as pontas do problema mas nio 0 miolo: ou se refere A escola; ou sc vincula & dimensio macro, aborda modelos, desenhos € politicas numa perspectiva ampla, supondo que & possivel mudae & forca o real com decretos, projetos, referenciais ou parimetros sem mudar as condicdes. importante haver teferenciais, mas muitas wezes se tem chamado de referencial © que € curricula, Nao é possivel delinear um projeto de educacio infantil sem recursos materiais ou humanos. Tais problemas sio fruto da mancira como se deu a monicipalizaco, sem oferecer condigées matcriais © humanas pata a auto- nomia dos municipios: a falta de quadros € um dos tipos de problemas. Como «getir educacio sem equipe, sem conhecimento sistematizado? Por outro lado, se rio existe proposta pedagégica escrita, como conhecer a proposta que existe nas priticas? Como agarrar © curriculo que esta em curso? As vezes, a proposta esta escrita, mas niio esta em vigor; em outeas situagdes, 0 texto foi elaborado por uma equipe sem ou a despeite da participagio dos profissionais. Se uma secretaria no tem uma proposta por escrito é porque a questo nao tomou uma dimensio pilblica, sistematizada? Nio podemos deixar de tentar conhecer 0 que existe 4 doce, nas escolas, creches € pré-escolas. F. como fazé-lo? Proposta pedapégica; proposta curricular; projeto politico-pedagdgico; projeto politico — é tudo a mes- rma coisa? Quais as diferencas? Reromando 0 contexto em que esse debate se deu pela primeira vex no Brasil, vale lembrar que, em 1995, por iniciativa do MEC/Secretaria de Educacio Fun: damental (SEF)/Coordenacio Geral de Bducagio Infantil (CORD, pesquisa- dotes brasiliros produziram textos sobre esses temas ou conceitos, Liderado por Angela Barreto (Coordenadora da CORDI, naquele momento), esse proceso ocorreu logo apés ampla discussio sobre formagio dos profissionais da educa- Gio infantil (que culminou com 0 seminétio realizado em Belo Horizonte em 1994 e sobre critérios de qualidade para creches e peé-escolas”). © trabalho teve como objetivo identificar as propostas existentes e elaborar uma metodologia de anilise de propostas, que subsidiasse estados e municipios a empreenderem st préptias andlises de concepcio das propostas ¢ da sua implementacio, Varias 3 ve NECREICOEN IPA), 9, Ye MECISEFIOOED 19950), 6 Pro-Posigdes - vol. 13, N. 2 (38) - maiojago. 2002 foram as’ ctapas:iniclalmente, houve a produgio te6rica sobre o tema (proposta pedagégica ou curricular, projetos). Fam seguida, foram definidos eritétios para anilise das propostas ¢ sua implementagio: 0 MEC solicitou a secretarias de eclucagio dos Estados e seeretarias municipais de edueagio das eapirais de todos os Estados suas propostas pedagégicas ou curriculares de edueagao infantil, ¢ este constiuiu o material analisado, No terceieo momento, foram compostas equ pes com participantes do MEC e consultores que estiveram nos locais das pro- postas analisadas, visitando ereches pré-escolas, enteevistando profissionais, Diversos relatérios foram esctitos; © produto final foi publicado pelo ME subsidiar as equipes de secretarias municipais ¢ estaduais na andlise ¢ elaboracio de propostas em educacio infantil”, Mais uma vez a questio da formagio dos profissionais emerpiu como questio critica ¢ urgente. Desta anilise de propostas € claborngio de uma metodologia, cabem comentirios de natureza politica ¢ te rico-metodolégica. Em primeiro lugar, vale destacar que 0 enfoque teérico- metodolégico sobre curriculo ou proposta curricular, a visio sobre politica pilbi- c2.€ 0 papel do Ministério que tisham inteprantes da equipe da CORDI ¢ consultores situava-se na directo oposta 4 do préprio MEC, comprometido com adefinicio de parimetros curriculares para todos 0s niveis de ensino da educacio bisica. Esta divergéncia acarretou, entre outros problemas", a suspensio do ma- terial (as “carinhas”), a mais importante contribuigio do MEC 4 edueacio infan- til; © documento oficial passou a ser o Referencial Curricular Nacional para a Educacio Infantil, alvo de intensa controvérsia académiea, tanto pelo seu modo de claboracio quanto por seu contetido" ¢, ainda, as formas de implementacio. Por outro lado, a discussio sobre proposta pedapégica ou curricular, feita pelos consultores, apresentou um panorama sintético dos possiveis modos de entender a questio. A Ieitura das diversas concepgdes pode ajudar a recolocar o debate desenvol- vido na tea académica ¢ no campo das politicas piblicas. Para tanto, a seguit sintetizamos as principais idéias contidas no documento do MEC (1996), em resposta 4 questiio: “o que € proposta pedagégica e curriculo em educacao infan- 1il?”, Essas idéias foram o ponto de partida para a construgao de procedimentos, critérios e instrumentos da andlise das propostas pedagdgieas ou curriculaces realizada pelo MEG, naquele momento. Kishimoto (1994 ¢ MEC/SEF/COEDI, 1996, p. 13-15), para responder & questo coloeada, retoma a etimologia da palavra currculo, derivada do termo latino cas ~ carro, carruagem, significando um logar no qual se corre, Seu uso meraférico em edloca- io seria a busca de um eaminho, uma ditecio, que orientaria o percutso para atingit certs finalidades, A autora procura mostrar a evolucio do significado de “curriculo” na literatura americana, reflesindo diferentes concepeties de ensino: a idéia de um grupo sistematico de cursos ou seqjiéncia de maséras necessirias & graduacio num campo samplo de estudos (p.13) se ajustatia & idéia predominant na expansio do ensino nos To, Gresctaa pods sar encanto xn MECY Ef COEDL (1996 11-880 dhorgincia ocabou prowccorse a subetlugco do nga Bolo per Gls Wai, TZIMEC. RteroncioCunicuks Noclral pa a Edscoz00 Ir, 1998; FARA ALG, oPALNAGES, S(O, Eaicocbo Fon poeLDB nares e cost, Campros Ec. socio, 199 70 Pro-Posigées - vol. 13, N. 2 (38) - maio/ago, 2002 Estados Unidos (de 1876 a 1929), com énfase na memorizagio. A partir de 1929, vloriza-se as experiéncias sociais da erianga, 0 que se reflete na eoncepgio de eurrculo como “conjunto de experiéncias que 0 aprendiz adquire sob a responsabilidad da escola” (p.13); 0 aluno ¢ priorizado e nao apenas o contexido curricular. Para Kishimoto, ‘na Europa, termos similares a curriculo (ais como, programa ¢ planos de estudos) também sofreram mudangas de signifcados. Programa deisou de ser reccituitio de conteios ¢ se tornou conjunto de atividaces escolares; plano de estudos — catilogo de nogdes € mecanismos a serem adquiridos no decorrer de certo tempo de escolaridade, assumiu sentido préximo ao de curticulo. O uso indistinto de plano de estudlo, progra- ‘ma, proposta pedagdgica e curticulo também aparece no campo da educacio infant, diz Kishimoto, encontrando-se na literatura a palavra “cursiculo” usada na acepcio ‘mais antiga de conteiidos a adquirir em areas como arte, musica, moviment, linguagem ou na acepeio de experiéncias a serem adquiridas pela erianca; 0 termo “programa” se refere a propostas govemamentais ou institucionais, a linhas de trabalho ou mesmo como sinénimo de curricula. A autora define curiculo como “explicitacio de intengies que dirigem a organizaco da escola visando colocar em pritica experiéncias de apren- dizagem consideradas relevantes para eriangas e seus pais”; programa como “delinea- ‘mento de linhas de trabalho que pode ocorrer no plano mais geral (governamental ou ‘nsttucional)” e peoposta pedagégica como “explicincio de qualquer orientacio pre- sente na escola ou rede, nao implicando necessariamente 0 detalhamento total da mes- ma”, Entendendo experigncias de aprendizagem como “a interacio entre 0 aluno ¢ as condigées exteriores do ambiente a que ele pode reagit”, Kishimoto pondlera que, sendo (s alunos individualidades distinta,interpretam e vivenciam as situagdes de modo vari- ado, nesse sentido, cada sluno tem um cursiculo (p13). Para ela, as escolas entendem experiéneias de aprendizagem de mancira variada segundo objetivos que enfatizam aspectos filoséficos on reativos ao desenvolvimento infant ressaltam facetas cognitivas, afetivas socias ou fsicas; privilegiam 0 atendimento infantil e necessidades dos pais; optam por fortalecer a linguagem, conteidos académicos, aspectos expressivos, ctat- vos Fsta variedade de orientagées deve ser objeto de discussion, no sentido de explicitar opcdes psicol6gicas, sécio-culturais, epistemoligieas e politcas que assume experién- cias de aprenclizagem. O curticulo inclui definigdes sobre o tipo dle escola que se deseja, ‘que se pretend ofrecer, a forma de administr-la, 0 contexto histotico, ideoigico, filosdlico, sociolégien, cultural, politico, econdmico e psicolégieo em que se insere; tata das relagdes da escola ¢ seu curriculo com 2 sociedade como um todlo, as metas, 0s ccontetidios, os recursos, a avaliagio, 0 desenvolvimento de estratépias ¢ modos de plane- jare implementar o curricul, se orientado para a resolucio de problemas, para o desen- volvimento infantil ou para experiéneias instucionais nacionais ou domésticas, Para a autor, 0 curriculo deve ineluir tudo 0 que se oferece para erianea aprender, abrangen- do conceitos, principios, procedimentos,atitudes, os meios pelos quais a escola oferece tais oportunidades ¢ formas de avaliagao, pois é explictacio das intengdes que permi- tir a orientacio da pritica peeagégiea. Na definigéo de um curricula, ela diz, & preciso responder: a que crianea se destina? Qual é a concepgio de educacio presente? O que ensinar? Como ensinat? De que forma, 0 que e como avalar? Para a autora, a resposta ‘tas questbs inclu elementos que comportam um curriculo.e si0.0 que se convencionou, chamar fundamentos que influenciam e priorizam as decisses no curricula, n Pro-PosigGes - vol. 13, N. 2 (38) - maiofago. 2002 Oliveira define curricula cducacional como “‘balizador de ages”, estando associ- ado 3 orientagio politico-ideoligica-téenica que, de modo mais ow menos consciente, tem seus proponentes. Assim, “o curriculo envolve modos distintos de encarat © hhomem e sociedade, de conceber 0 proceso de transmissio e elaboragio do conhec- ‘mento e de sclecionar os elementos da cultura com que necessariamente a escola (MEC/SEF/COEDI 1994, p.). Pactindo de uma concepcio sécio- inreracionista do desenvolvimento infantil e considerando a crianga como cidadi, com plenos direitos de partcipar de ambientes estimuladores para scu desenvolvi- mento e de construir signifieagdes ¢ formas cada vez mais complexas de sentir ¢ pensar, a autora afirma que é no espago construido na intera¢io com outras pessoas que ocorte a acio educativa. Considera 0 eurriculo como um roreiro de viagem coor denada por um parceiro mais eficente: 0 edueador ou professor. Atividades sio pro- ‘ptamadas, estcuturando um cotidiano dinimico, agradavelmente disciplinado pela adequada participagio de todos, em clima de autonomia ¢ cooperagio. Embora tam- ‘bem incluam as necessrias tarefis de cuidadto, como merenda € higiene, as atividades sém seu foco central no wabalho proptiamente pedagégico realizado com as criangas, Enfatiza que o planejamento curticular deve explcitar a fundamentacio tedrica ¢ as alternativas de estruturacio do ambiente de aprendizagem ¢ desenvolvimento das criancas, incluindo a onganizagio do espago fisieo-social, Ressalta que o planejamento das atividaces feitas com as criangas integta-se com outros aspectos institucionais, como as condigées dle trabalho do edueador/ professor, sua qualifieagio profissional ‘cos programas de cxpacitagio em servigo a que tem acesso, o niimero de criangas pot turma, o horério de atividades, os recursos humanos, mateiaise financeiros existen- tes. A’autora conclui que, sendo uma tarefa continua, o planejamento curricular © a formacio em servigo podem ser ineegrados numa estratégia de planejamento participative. Machado (1994 ¢ MEC/SEF/CORDI, 1996, p.15) responde & questo “o que proposta pedagégica e curtieulo em educagao infantiP™, revisando definicio que de- fendia no liveo “Pré-cscola é nio € escola” (Machado, 1992). Considera que é impos- sivel definie 6 que ensinar sem uma elareza do porqué, por quem, para quem © para qué ensinar, além do quando, do como e de onde. Nesta perspectiva, a autora identi- fica um curticulo com uma sétie de hipéteses/pontos de partida, um conjunto de principios c acdes. Quanto aos prineipios, Machado aponta as concepo6es relativas Infincia e as relagdes desenvolvimento / aprendizagem / ensino; a funseao da insttui- fo e da edlueagio; a0 papel do profissional, da familia c da comunidad, as quests relativas & divisto de trabalho, nogdes de hierarquia, poder e comperéncia. As aces implicariam observar, selecionar, escolher, decidir, organizar, refletr, sonar reali- zat, ou seja, fzzer. Reconhecendo que os termos proposta pedapdgica, proposta edueativa, projeto pedagégico ou projeto educativo tém sido utilizados com significa- dos similares na literatura sobre a crianca de zero a seis anos, para indicar 0 conjunto de principios ¢ acdes que rege 0 cotidiano das instituigdes, « autora prefere adotar © termo projeto educacional-pedagégico, apresentando os motivos para essa opsio, O primeiro deles é que a palavra projeto taz 2 idéia de plano que sugere uma organitra- Go, com determina finalidade, a partic das concepedes, dos sonhos ¢ das intenges daquele(s) que projeta(m), Por sua vez, projeto implica tomar posigoes, decir € esco- 72 Pro-Posigdes - vol. 13, N, 2 (38) - maiofago. 2002 ther, evando-se em conta limites € possbilidades do real, Estas agdes partem ce uma realidade configurada, mas também anteceddem uma agio conecteta no seal, estabele- ‘endo condigSes para essa aco. Além diss, 0 termo projeto sugere aidéia ce esboro, de “incompletude” a ser traduzida em realidade, permanentemente transformada no cotidiano; dosa com equilibro a definicio /indefinicio que deve petmear o plano cuja intencio € servir de guia 4 acio dos profisionais nas instituigdes cle educagao infant. Machado, recorrendo ao dicionisio, entende que o termo “\proposta” tem um signifi- cado mais vago que 0 termo “projeto”, construindo-se na acio de propor, anteceden- do projero. O uso de projeto educacional indica, para a autora, intencao © compromis- so do adulto em relacio A erianca, nos planas fisico, psicoldgico ou social. Ao complementar com o “‘pedag6gico”, a fungio do atendimento institucional is erian- ‘as menores de sete anos tem também um eariter de “intencionalidade”. A autora conclu que um projero educacional-peclagogica, numa instituigio de educacio infan- ti, deve contemplar trés planos: um plano responsivel pela definigio de politcas contempla a historia da instmucio e sua Fangio; a visto de crianea, desenvolvimento infant, conhccimento, aprenclizagem, ensino; 0 papel dos profissionais envolvidos; principios e objetivos geras;telagées instiicao, familia, comunidade. Outro plano specifica procedimentos de cada insttuigio tals como prioridades, cixos ¢ diretrizes para 0 trabalho da equipe de profissionais ¢ dos educadotes com 03 grupos de erian- ‘a5, formas de organizacio dos tempos, espagos ¢ matcrais de uso coletivos caracte tizacio dia insticuigio quanto a period letvo, faixa etivia, horitios; eritérios de confi- guragio dos agrupamentos, procedimentos durante 0 period de adaptagao, dias de chuva, emengéncias médicas etc. (a equipe envolvida diretamente no trabalho com as criangas). O terceizo plano diz respeito 4 agio cotidiana dos educadores junto as criangas (sclegio de temas c organizacao de atvidades, materiis, espacos ¢ tempo); as atividades dos educadores em relacio ao trabalho pedagégico (instrumentos de acom- panhamento, andlise ¢ planejamento, reunides com supervisores); as atividades da cequipe (passcios, festas, reunioes com pais, participacio em eventos da comuniclade). Mello (1994 e MEC/SEF/COEDI, 1996, p. 17-18), ainda neste documento, 20 tratar da questi “o que € peoposta pedagogica e curriculo em educacio infanti?”, parte do pressuposto de que as instituigdes de cuidado e educagio infantil coletivas podem ser espacos privilegiados para socializacio ¢ aprendizagem das criancas, desde que o trabalho esteja organizado © que seja assumida a fungi social de cducar ¢ cuidar das eriangas. Onganizar e sistematizar o trabalho passa, para @ auto- 1, pela elaboragio de uma proposta psicopedagsgica, termo defendido como ade- uado para curriculos de tempo inteptal e para a idade de trés meses a trés anos, ‘mesmo em tempo parcial, por explicitar melhor as caracteristicas e necessidade do sujeiro que aprende. Afiema que se deve fazer opcio por uma aprendizagem signi: ficativa. Baseia-se na definigao de Colle defende a idéia de curticulo aberto!, Mello aponta trés fatores que dever ser considerados na claboragio de um curriculo aberto: a realidade dos atuais equipamentos de educacio infantil, a formagio € {SPara Cetar Caro cure aber concede gerd imporncia is arrendeagensincicucs no conten socal cull e geogico ence s2 adiea o progarna padagoaico. Ropde a ntragco permanente fone o sstema eseueniam, nlogeands asinluérecs dors no Goto desensolmeno do xOgaTS feducotNo que est aber a um contro pncaso 68 woo ocIgrizaGLN” (1991, 4S. 73 Pro-Fosig6es - vol. 13, N. 2 (38) - maiojago. 2002 opcio pedagigica dos edueadores & as necessidades biopsicossociais das eriancas de zero a scis anos. Sua conclusio é a de que, pata evitar etros ji cometidos, a proposta pedagégica deve servir como orientadora dos prineipios e objetivos ge- tis, além de forneeer caminhos de adequagio dos mesmos a diversidade de situa- Ges possiveis c as especificidades regjonais. Para tanto, deve partir do estabelet mento de cfitétios € metodologia de avaliagio, deixando claros seus pressupostos tcdricos, politicos e filoséficos. ‘Ao responder “o que é proposta pedagégica e curriculo em educacio infantil”, 0 MEC aponta, ainda, a opeao de Kramer por uma anilise que ultrapassa 0 enfoque escolar ou administrative que tem marcado as propostas educacionais (1994 e MEC/ SEF/COED, 1996, p.18-19). Naguele texto (como também neste), alo estabelego dlferenca conceitual entre proposta pedagdgica e curriculo; eompreendo cursiculo ou alcenativa curricular de forma ampla, dinamica ¢ flexivel. Um curriculo ou proposta pedagdgica reine tanto as bases te6ricas quanto as ditettizes priticas nelas fundamen tadas, bem como aspectos de natureza técnica que viabilizam sua concretizagio, Par- tindo do pressuposto de que uma proposta pedagégica é um caminho, no um lugar, cede que toda proposta pedagipica tem uma histria que precisa ser contad, considera ue a proposta nasce de uma realidade que pergunta e é também busca de uma resposta; € cilogo. Toda proposta é situada, az 0 lugar de onde fala valores que a construe: reveladitfculdades e problemas que precisam ser superados ¢ a diregio que a orienta, expressando uma vontade politica, que por ser social ¢ humana, nao € nunca uma fala acabada, nfo aponta “0” lugar, “a” resposta, mas um caminho também a consti. Sérios riscos se corre ao buscar uma nova proposta pedagdgiea, especialmente o de negar a experiencia acumulada em toca dagito que se chama dle maderno, Reitero a pperguntafeita naquele texto: por que as propostas pedagrgicas envelhecem tio ripido? ‘Uma proposta peciagSgica é um convite, um desafo, uma aposta pore, sendo ou nao parte de uma politica pibliea, contém um projeto politico de sociedade ¢ um conceito de Cidalania, de educagio e de culture. Portanto, nfo pode trazerrespostas prontas apenas para serem implementadas, se tem em mira contribuir para a construcio de uma socie- dad, onde a justca social seja de fatto garandda, Uma proposta pedagéeica expressa ‘os valores que a consttuem,¢ est igada a essa realidad, enfrentando seus mais agucios problemas Precisa ser construida com a partcipagio de todos os sujitos ~ eriangas ¢ adultos, professores e profissionaisnio-docertes, familias e popullgio em gern —levan clo em conta suas necessidades, especificdades, realidade, Isso aponta, ainda, para a impossbildade de uma propose nica, posto que a realidad & mnilipla ¢ contra. "Toda proposta precisa partir de uma concepgio de infncia como categoria social, com- prcendendo a crianga inserida na histra ena cultura (MEC/SEF/COEDI, 1996, p.19), Uma proposta de educagio infantil em que as criangas desenvalvem, constroem, ‘ow adquitem conhecimentos e se fornam auténomas € cooperativas implica pensar 2 formacio em servico dos que nela atuam. Como os professores favorecerio a cons- trugio de conhecimentos se nto forem desafindos a construicem os seus? Como podem os ptofessores se tornar construtores de conhecimentos quando sia redui- dos a exccutores de propostas e projetos de cuja chboracio niio participaram © que io chamados apenas a implantat? Qual o requisito para tornar uma proposta um Fito presente? Akém das condigies materiais concretas que assegurem processos de mu- 74 Pro-Posigdes - vol, 13, N. 2 (38) - maio/ago. 2002 danga, é preciso que os profissionais de educagio infantil tenham acesso a0 conheci- ‘mento produzido na rea da educagio infantile da cultura em geral, para repensarem sua prritic, se reconstruitem enquanto cidadios ¢ atuarem enquanto sujeitos da pro- ducio de conhecimento. F para que possam, mais do que implantar eurriculos ou aplicar propostas 4 realidade da crechc/pré-escola em que atuam, participar da sua concepeio, construcio e consolidacio (Kramer, spud MEC/SEF /COEDI, 1996, p19} Essa breve analise do documento do MEC mostra que definir curriculo ou proposta pedagigica nao é tarefa simples. Curriculo € palavra polissémica, earre- gada de sentidos construidos em tempos € expacos sociais distintos. Sua evolucio indo obedece a uma ordem cronolégica, mas se cleve as contradigdes de um mo. mento histérico, assumindo, portanto, varios significados em um mesmo mo- mento. E. possivel verificar, na leitura desses textos, que as auroras fazem op diferentes sobre os termos ¢ a possibilidade de diferencié-los. Kramer afirma niio estabelecer diferenga conceitual entre curriculo ¢ proposta pedagdgica; Oliveira também nio explicita diferenciacio, utilizando mais o termo curriculo, Machado, Mello e Kishimoco, embora reconhecendo a similaridade de significacio com que ‘0s termos tém sido utilizados, buscam diferencii-los © propdem projeto educaci- ‘onal-pedagdgico (Machado) e proposta psicopedagégica (Mello) Apesar das difetengas, ha pontos comuns entre as ins das especialistas, alguns dos quais sio destacadlos no proprio documento do MEC. Independentemente do termo escolhido — curricula, proposta ou projeto ~ as concepgdes aprescntadas pes autoras expressam visGes mais amplas do que as antigas eonceituagses de curriculo como seqiiéncia de matérias ou conjunto de experiéncias de aprendiz gem oferecidas pela eseola. Nos varios textos fica evidenciada a preocupagio com © contexto hist6rico-social do curticulo, proposta ou projeto, uma vez que esti sempre situadofa) num momento e num lugar determinados, dos quais refletem valores ¢ concepgdes. De um modo geral, as autoras consideram importante que 0 curriculo, proposta ou projeto explicite esses valores © as respectivas concepedk especialmente aquclas relativas aos conceitos de infancia, homem, educagao, educa- ‘G20 infantil, conhecimento, cultura, desenvolvimento infantil, Funcao da instiuicao ‘em relagio crianca, & familia € 4 comunidade. Outea preocupacio comum diz respeito @ necessidade de se considerar aspectos institucionais-organizacionais na definigio ¢ implementacio do cueticulo, proposta ou projeto. Esses aspectos inclu- ‘em recursos humanos, materia e financeiros destacando-se a formagio dos profis- sionais. Outro consenso refere-se 4 natureza dinimica ¢ aberta do curticulo, pro: posta ou projeto, ¢ 4 necessidade de que em sua elaboracao e implementacao, haja efetiva participacto de todos os sujeitos envolvidos — criangas, profissionais, fami- lias e comunidade. Retomando o debate, concordo com Machado quando considera a expres: sio “proposta pedagégica” mais ambfgua ou imprecisa. Mas prefito esta ex- pressio, porque subjaccate & imprecisio, hi um posicionamento politico: ainda que um municipio tenha um projeto politico ¢ que uma secretaria de educagio clabore seu projet politico-pedagogico, este projero deve representar uma pro- posta para as escolas, cteches € pré-escolas que, muito mais do que apenas reproduzit, completar ou copiar 0 projeto mais amplo, precisam também elabo- 78 Pro-Posigées - vol. 13, N. 2 (38) - maiofago. 2002 rar seus, préprios projetos, envolvendo todos os atores que fazem a pritica pedagdgica no dia a dia. Ha uma grande confusio sobre os papéis de cada instincia que diz respeito a qual é a unidade ou 0 alvo da acio de uma secretaria de educacao: pensamos que deveria ser a escola, a pré-escola e a ereche, ou seja, as instituigdes educativas, clas proprias lugares de producto e de formacio no apenas de repeti¢io repasse ou cOpia. Porém, com grande freqiiéncia unidade ou o interlocutor a que se dirigem as secretarias tém sido os professo- res, Trata-se aqui de posicio politica (cclativa 4 distribuicio ou concentragio de poder) e da visio de politica piiblica que tm os dirigentes: esta visio/posicio pode ser assumida, intencional e explicitamente (no caso dos municipios que redinem quadros técnicos de qualidade, que tém formagio académica e que bbuscam atualizacko ¢ apoio tedrico para orientar a pritiea) ou pode ser uma reproducio de modos de agir, de relacdes ¢ de procedimentos que tradicional- mente no Brasil tém levado as equipes de seeretarias a colocar-se no centro da acio ¢, de maneita autorititia, a supor que nem as escolas nem os profissionais possuem as condigées para assumir a producio do seu proprio projeto. Nao ousam, no entanto, desencadear estratégias ou introduzir processos que produ- ziiam a mudanga destas condigdes (eecursos, dados e ditettizes). ‘Outros autores tém analsado a relagio entre as politicas, a educagio infantil © a pesquisa, ais como Fatia © Palhares (1999), Candal Rocha (1999) e Setubal (1997). Machado (2000) analisa os desafios da formulagio e implementacio de projetos de formagio ce profissionais ce educacio infant Rossetti Ferrera (1998) busca contribuir para a definicio e implantacio de padhes de qualidade nos scevigos de educagio infan- tl; Campos (1997) aborda pesquisas sobre avallagio dos efeitos da feeqiéncia a progra- mas de educacio infantil. Cotejar as instigantes questdes colocadas por tais estudos € 0 tema das propostas pedaggigicas de educacao infantil trata a possbildade de avango tedrico neste campo, mas nos afastarin do objetivo ¢ do espago dlsponivel para este “Trabalho, A titulo de consideragées finais - probiernatizando a questo Ao longo desses quinze anos, muitos municipios procuraram delinear propostas, certamente a parti de suas eonviceBes ideolégieas, de seus compromissos politicos ¢ de suas condigdes econdmicas,sociais ¢ culturais. Ciclo Bisico de Fducacio, CIEPS, CIACS, vio ocupar espago em debates de natureza académica, politica ¢ cleitoral. As reunides da ANPED do inicio dos anos 90 foram marcadas por relatos ¢ anilises de propostas € projetos de diferentes matrizes tedricas¢ politicas, Pouco a pouco a echi- ‘eagio retoma o centro da cena, tornando 0 curriculo de novo uma questio politica «que provoca a rediscussio do papel do Estado em outras bases tanto internamente ‘como no cenario internacional. Avaliagio, reformas, definigio de parimetros (priori- dds de agendas internacionais) entram nesse campo, confundem ¢ esvaziam 0 de- bate sobre © projeto politico-pedagigico de estados ou muniejpios, porque se trata agora de fazer projetos para cumprie a lei A avaliagZo esti presente em politicas educacionais de todo o mundo; no Brasil, progeamas de avaliacio sio implementados em Estados da federagio € pelo govemno federal. Muitos trabalhos te6rieos sobre 16 Pro-Posigées - vol. 13, N. 2 (38) - maiofago. 2002 avaliagio de politicas soeais tm sido produzidos", Voltam-se 4 incluso. ou acent- am a exclusio e a desigualdade? Estivemos perto de ter uma politica nacional de educagio infantile de Formacio de profissionais, mas este processo foi interrompido, Vivemos hoje mais um imen- so retrocesso, Entendendo que uma politica nacional se caracteriza por ter diretr 2es, recursos ¢ dados, consideramos que no Brasil nio existe uma politica nacional de edueacio infantil nem de formacio de seus profissionais. Ha politicas loceis onde conquistas tém se dado, de acordo com a competéncia, 03 recursos ¢ dados disponiveise 0 projeto politico da equipe no poder. Mas a agio do governo (estad- ale federal) ¢ seu papel distributive pode aumentar ou diminuit os espagos de ago dos municipios. Esta é a questio centrak descentralizagio das decisdes, mas centra- lizagio (ou sim, muito que pode ser feito pelas _gestdes locais. F preciso registraras precirias condigGes em que se encontrar muitas secretaras, redes, escolas, ereches ¢ pré-escolas. Toda proposta (sistematizada ou rio) precisa de condigdes, de um patamar minimo de dignidade, pois eriancas, jovens ¢ adultos sto cidadiios de diteito. A propria complexidade e o equivoco da discussio gerada pela énfase no cuidado © na educacio se relaciona 4 desigualdade econdmica ¢ i precariedade das condigées de trabalho e formagio de profissionais que — marcados por uma histéria de servilismo ¢ eseravidio ~ tém dificuldades de compreender a fungao social da educacio de criangas em suas miitiplas dimensoes. Do debate sobre a edueagio de criancas de zero a seis anos nasee a necessidade de estabelecer um curriculo para a educacio infantil, Entretanto, currfculo € identidade e, portanto, & preciso delinear 0 espaco que queremos garantir ria construgao da historia da ceclucacio infantil. Esta identidade assume diferentes perfis, ora pendendo para a ‘escolatizacio, ora para o assistencialismo. Diferentes sio as concepedes de infin- cis, curriculo e atendimento; diversas sio as alternativas priticas eo dia a dia “carregado de experincias ¢ das contradigées inerentes as priticas sociais” (MEC, 1996, p.8). Neste quadro reside diferentes matizes da educagio infantil; tico porque diverso, mas pobre por ainda nio ocupar um lugar de direito: da crianga cidadla, do adulto professor autor pesquisador. Esta diversidade também se faz presente na construcio de um projeto educativo para a educacio infantil. Nos iltimos vinte anos, estiveram presentes propostas decorrentes das priticas soci- ais, da academia e das politicas piiblicas, gerando contornos variados, traduzidos na propria concepgio de currieulo ¢ de proposta pedagégica, A grande questi que colocamos é: como garantit um paradigma norteador do projeto de educacio infantil do pais, respeitando a diversidade? A busca deste paradigma deve garantit 0 caminho trilhado, fazendo com que estas tentativas € apostas facam parte € Referencial Curricular Nacional para a Educagio Infantil parece desprezar conquistas e questbes critieas tais como: de que modo construir um eutticulo na tensio do universalismo ¢ dos regionalis- contribuam para 0 avango deste process 1 va oma ore PERE IR Rete sabe a adapta do poco doimplororiagto depalicas=progames «ccs eea.socerak hlsernnatb Raracbndlbvespaticasoricanbrns cilosepesoeciion C= 1998p 3P- 45: MER, 8 (ag) Pea acasacena!brpassse Gomori, $0 Pao Ea Caree 196, [feng] Arienoo ca Paitecs i, en ade, 198, 7 Pro-Posigdes - vol. 13, N. 2 (38) - maiofago. 2002 mos? Como construir um eurriculo que nfo desumanize © homem, que nao frag mente © sujeito em objeto da sua pritiea? Como romper cam um contexto que no leva em conta as trajetbrias dos professores, as questBes étnicas, a desigualda de sécio-cconémica? Repetimos, no Brasil, 0 debate em torno do cursieulo tem montido as pontas do problema, mas no 0 miolo: ou se refere & escola, ou se vineula 4 dimensio macro, bora modelos, deserhos c polticas numa perspectiva ampla, supondo que é possivel ‘madara fora 0 real, com deeretos, projtos, referencias ou parimetos sem mudar as condigées. Toda proposta pedazégica precisa ser prochuzida coletamente, Entretanto, conhecer propostas peclagégicas em acto implica conhecer os documentos por ela pro- uzidos,¢ também sua historia, seus discursos e as histiias das equipes e suas propos- tas, los de uma conrente tantas vezes descontinuad, partida, interrompida. ‘As lutas em torno da Constituinte de 1988, Estaruto da Crfanga e do Adolescen- te € LDB, de um lado, ¢ as discusses em torno da atuagio comprometida do ME ro inicio dos anos 90, de outro, sio parte de uma historia coleiva de intelectazis, nilitantes, movimentos sociais. Q MEC interrompeu essa trajetria; mas a histéria © as conquistas tedricas ¢ politicas sio também nossas, Essa historia é também ‘nossa, por isso € preciso retomar o debate. Nesta trajetéria, temos avangado no sentido de compreender a infineia como sujeito da cultura ¢ da historia, procuran- do para a formagao, tanto no plano conceitual, quanto na pritica, uma perspectiva que possbilte resgatar trajetdrias de profissionais c lembrar, ropistra, ecver pro postas coletivas de trabalho (histérias das propostas feitas nas redes), uma agio cultural onde o olhar critico da crianea informa o nosso modo de ver a realidade, onde a infincia € vista como categoria central da historia. Se existe uma historia ¢ porque a humanidade teve uma infincia; proposta pedligogica e formagao sto dois lados da importante experiéneia de cultuea de eriangas ¢ adultos Referéncias bibliograficas ANDERSON, P. Balango do neoliberalisma, In: SANDER, Fe GENTILI, P. 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