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POR UMA PEDAGOGIA DA PRESENCA Amténio Carlos Gomes da Coster Brastia~ 1991 fort ie Seen Ceol PEDAGOGIA DA PRESENCA Nio tenho difvidas em qualificar este livro como uma obra pionei- fae excepcional da cultura atino americana, Como toda obra desta na- tureza admite. varias leituras © inoerpretagSes mulltiplas, Uma leitura su- Perficial tenderia a colocé-la na corrente das conseqiiéncias do enorme rocesso de mobilizaco social no. campo dos direitos da infincia que se desenvolveu no Brasil nos sitimos anos. Acredito, pelo contririo, ‘que as idéies contidas neste livro so parte decisiva das causas deste rocesso, No difftil ¢ muitas vezes estreito espaco existente entre a subor- dinacdo de qualquer mudanga a transiormagées estruturais e o pragma- tismo imediatista, Antonio Carlos constr6i um territério para o diflogo, Um lugar onde educandos ¢ educadores em circunstincias especialmen- te diffceis enfrentem o desafio da liberdade na mais paradoxal das si- tuagdes: privados de liberdade. Um, 0 ‘educando, privado da mais cle- ‘meniar das liberdades, 0 outro, o educatior, privado de razbes para en- tender a liberdade, Pedagogia da Presenca € um catdlogo de razées para entender a liberdade, Resulta pelo menos curioso que uma reflexio, que sem divide vai muito além de suas inteng6es explicitas, tenha como ponto de partida um universo obscuro, marginal ¢ relegado como 0 & 0 dos adolescentes infratores, Antonio Carlos costuma resumir esta ddvida em poucas pa- lavras: “Somente uma sociedade que aprende a tratar com respeito e ignidade aqueles que considera os piores, paderd um dia respeitar in- tegralmente a todos os scus cidadios”., Pedagogia da Presenga ¢ a face oposta de uma razio corporativa Parece-ne importante confessar aqui abertamente que me aproxi- mei com'receio A uma proposta (reJeducativa para jovens infratores. Pedagogos ¢ juristas tém atrés de si uma ampla tradic&o de desconfian ‘sa miftua € de eriticas recfprocas, nas quais ambos quase sempre tive- ram razo. — Tradicionalmente, a “razao jurfdica"* funcionou como Alibi e me- canismos de legitimagio para ignorar as conseqiiéncias (softimentos) reais de decisées burocraticamente corretas, Os eufemismos e 0s “co- mo se” constitufram as bases reais do (ni) direito de menores na ‘América Latina. A “razio pedagégica”, por sua parte, funcionou como 6 instrumento cientffico para eludir ou rejeitar aspectos percebidos co ‘mo formalisms absurdos: 0s direitos ¢ as garantias.. ‘A doatrina da “situagio imegular” foi o pacto de cavalheiros que sintetizou 28 tazBes € contradigdes cesses juristas © desses pedagogos. juiz “pai e mestre” ¢ as politicas de repressio-protecio consti- tuiram a base de um dilema que seus préprios eriadores jamais foram capazes de resolver: apenas foi possfiel oferecer amparo A inffincia abandonada © delinquente prévia declaracio de alguma forma de inca pecidade © imposicio de algum tipo de segregacto. Pedagogia da Presenga pSe em evidéncia o carter reducionista e estéril do debate juritico-pedagézico tradicional Mais que isso, Antonio Carlos mostra caminhos concreto de supe- racdo do falso dilema protegdo-repressfo, ‘Assim como sempre me"pareceu absurda a explicagio psicolégica do ato criminal, na medida em que a existBacia deste dltimo depende de uma definicéo de carter normatiyo, mantive também reservas frente aos tratamentos especializades para os privados de liberdade. Os pro- ‘cossos coatives de ressocializacSo constituem invariavelmente um eu- femismo para designar’ um modelo que privilegia um processo de st pressio da cidadania e manutengdo da “ordem e normalidade” da pré- pria instinuicao. Dois autores alemfes, Georg Rusche © Otto Kirchheimer, em um livro de 1939), que na América Latina ainda niio recebeu a atencio que merece, reproduzem 0 informe de ume pris fio suiga de 1838, air ‘mando: “A. conclusto & qual se chega no documento € a de que a con- digdo necesséria para a re-insergao social do detemto © a submissio in- condicional & autoridade, ponto que permanecen praticamente inaltera- do nos programas de reforma até hoje em dia. Se os detentos se resig- nam a uma existéncia silenciosa, regular ¢ Iaboriosa, a pena resultar- ‘hes-4 mais tolerdvel, ¢ uma vez que a rotina tenha se transformado em hébito, ter-se-4 cumprido © primeiro passo rumo & re-habilitagio, de- vendo garantir-se na medida do possfvel, que a re-habilitagiio continue inclusive depois que 0 detento tenha sido colocado em liberdade. A obediéncia é exigida néo tanto por razées de um sereno funcionamento da prisio, quanto para o bem dos préprios detentos, que devem aprea- der a submeter-se voluntariamente ao destino das classes inferiores”. Embora sendo extremamente cautelosos, existem indfcios para afirmar qu: 0 fracasso das fungées declaradas dos programas oficiais de ressocializagao pertence, para assim dizer, &fisiologia e nfo & pato- logia de tal modelo. Pedagogia da Presenga constitui um ¢lemento poderoso’ para ‘quebrar a Isgica perversa dos programas oficiais de ressocializagéo. Antonio Carlos expressa isso quando diz que 0 educando “tert ainda a liberdade (0 direito) de exprimir, quando isto comesponder & sua vontade ¢ ao seu entendimento, a indignacio salutar que induz & deniiacia ¢ a0 combate da injustiga © da opressio que povoam a vida dos homens numa sociedade como a nossa. A verdadeira socializacio, Portanio, nio ¢ uma aceitasdo décil, um compromisso sem exigéncias, ou uma assimilagéo sem grendeza. Ela é uma possibilidade humana que se descnvolve na diregdo da pessoa equilibrada ¢ do cidadao pleno”. © cariter pioneiro e excepcional de Pedagogia da Presenca fica demonstrado. Com ela irrompe definitivamente na América Latina uma verdadeira Presenca da Pedagogia. Emilio Garcia Mendez Brasflia, maio de 1991 LG 5 Ruche Oto KieAbsiner, “Pnisirent and Soil Strctre", Columbia Ue yersity Pres, New York, 1939 (versio castelhasa “Pena y Esuucturs Social”, Edivora ‘Tetis, Bogoti, 1984), = ae a 1 — Pedagogia da Presenga 2—Uma Géncia Ardua e Sutil .. 3 — O Carter Prefigurador da Pedagogia de Makareako 4~ Paulo Freire © 05 Educadores de Rua. ‘5 —Meninas ds Vida PEDAGOGIA DA PRESENCA da solido a0 encontro Introducio 1 Presenca: uma necessidade bésica 02 Aprender a fazer-se presente 03 Caminho de emancipagao 04 Ao encontro de si mesmo 05 0 adulto no mundo dos adolescentes 06 Conhecer a processo 07 Adoescéacia e solidio 08 Muito alén da adaptagéo 09 A contraticdo entre a missio ¢ os meios 10 Reciprocidade: a dimenséo essencial da presenga 11 A relagio educador-educando: alguns obsticulos de base 12 A autoridade na Pedagogia da Presenga 13 A selegio ¢ 0 perfil bdsico do educador 14 Liberdade educagio 15 A servigo do desenvolvimento pessoal e social “Quando alguém vive @ beira-mar acaba por néo se aperceber do murmiirio das ondas @ sua volia. O hdbito € wna espécie de sono, acompanhado de obscure desejo de nada mais ver, de nada mais ou. vir, diminuindo as tensées da’Vida. Diariamente chamado a responder 4 midliplas necessidades de grande nimero de jovens, o edicador jé nndo interpreta corretamente comportamentes due vadriaan com o estado de esplrito eas horas do dia’, Pierre Voirin 10 . INTRODUCAO © trabalho educativo 6 ¢ sempre’ set uima fonte inesygotdvel de aprendizagem, Basta querer aprender. © automatismo ¢ a rotina fazem com que experitncias valiosas se percam por falta de sensibilidade, in- teresse ¢ sutileza do educador em capté-las e delas fazer a matécia de seu) crescimento, como pessoa como profissional ¢ como cidadio. Quando a experiencia do dia a dia'é valorizada, a rotina se transmuda em aventura. A relacfio educador-educando se oferece como espago de desenvolvimento pessoal'e social de seus protagonistas, Relacionar-se de mancira significativa com adolescentes em difi- ‘culdade € alguma coisa que, a partir de uma consistente disposicSo in- terior, pode ser aprendida. Esse aprendizado nasce do entendiniento & do treino. Esta introdugéo a0 trabalho’ sSeio-educativo junto a adoles- centes em dificuldade procura articular estas duas dimensbes da pret Sizagem de modo a propiciar que, a0 seu final, cade participante real- ‘mente incorpore novas maneiras de entender ¢ agir. ‘O educador, que atua junto a jovens em dificuldade, situa-se no fim de uma corrente de omiissdes € transgress6es. Sobre seu traballio ecaem as falhas da familia, da sociedade ¢ do Estado, Sua atuscéo, freqiientemente, a dltima linha de defese pessoal ¢ social do seu edu- cando, Nao pode o educador, no entanto, refugiar-se na sinalizacio pu: me simples do cariter disfuncional dos mecanismos impessoais da lei, das institnigbes ¢ da sociedade as exigéncias do processo educativo. A ele cabe, por imposigéo de sua conscigncia’ éti¢a ¢ politica, o dever dé perseguir a eficdcia na ago, néo se deixando reter nos momentos do testemmnhoe da dendncia, Um primeiro passo neste sentido & reconhecer os requisitos intrin- Sec0s a ago educativa. O segundo passo é empenhar-se, dé mancira sistemdtica, em incorporé-los a0 seu modo de compreender e de atuiar frente a sitmgSes que variam de um momento para 0 outro, de educan- lo para educando, de situacao para situagio, (Capacidades como aprender coin 08 préptios efros, actitar 0 outro Como ele & ¢ interessar-se pelas potencialidades ¢ limites de cada jovem Séo requisitos mais importantes que a coragem, o herofsinio € 0 zelo exe tt ‘emo, que parecem ser a marca de educadores tidos As vezes como essoas fora co cou, Educadores capazes de atuar de forma excep- cional frente a situagSes as mais diffceis, ‘emocional e tecnicamente preparado € que ele use o bom senso para evitar situagdes que venham a requerer mobilizagdes extremas de habi- lidades © sentimentos, Para isso, faz-se necessdrio um esforco. cons- iente © sincero de apegar-se ao quotidiano de forma atenta, eriativa © met6dica, Refletir sobre os acontecimentos comuns do dia a dia nos parece © melhor dos caminhos, Quando incorporamos este tipo de atitide, jé fo somos vftimas do tédio e do aborrecimento, porque continuamente estaremos fazendo descobertas sobre nossos educandos ¢ sobre nés ‘mesmos, Sem isso, nos condenamos % rotina, & auto-complactncia ¢ 20 desinteresse, Na acdo educativa, a linha que separa.o sucesso do fracasso 6 fi- hha, quase imperveptivel, © tende a deslocar-se. com as oscilacées dis realidades intemas ¢ externas do educador e do educanda. Limitagdes existem em qualquer aspecto da relaggo entre quem ajuda ¢ quem 6 ajudado, Algumas sio superiveis, outras nos convidam a conviver com, elas, aprendendo a conhecé-las e a neutralizar ou reverter os seus in actos sobre processo de mudanga ¢ crescimento no qual, por opcio © dever, estamos sempre empenhados. Exte livro se dirige a todos ‘aqueles educadores interestados em melhorar seu desempenho, através da aquisigio de novas motivagdes, de novas vis0es, de novas estruturas de compreensio, de novos valo. Tes, de novos hfbites © de novas atitudes frente a si mesmo, aos seus €ducandos ¢ a tudo 0 que diga respeito ao seu trabalho. Pierre Voirin nos leva apreender a dimensio da presenga no pro- cess0 pedagdgico em toda a sta complexidade, inteireza e implicasGes, Esta introduco 20 trabalho s6eio-edueativo junto a adolescente em di- ficuldade pretende, pois, serum pegueno passo na direcio do. grande eesforgo que se faz necessério para.a melhoria das formas de atencio di- Teta aos jovens em circunstancias especialmente diffceis, de um modo geral, ¢, de forma muito especial, acs adolewemtes a quem se atribua 2 ‘autoria de ato infracional. Nesta Pedagogia da Presenga esto condensadas, adaptadas & rea lidade brasileira e acrescidas de algumas observagdes, andlises © for- mulagdes de nossa parte ~ as idéias bésicas defendidas por Pierre Voi- rin em “A Educagao de Jovens em Dificuldade”'W), uma obra que refle- tea experitncia de toda uma vida dedicada a essa modalidade de traba- Iho social e educativo, seja como educador de linha, seja como docente na formacio de outros educadores. Antonio Carlos Gomes da Costa (1) VOIRIN, Pietre, Educa;So de Jovens Dilfcois Lisbon, Faris 2000, 1972. 3 1—PRESENCA: UMA NECESSIDADE BASICA 5 crescente, entre nds, 0 nidiméro de adolescentes que necessitam de uma efttiva ajuda pessoal e social para'a superacao dos obstéculos 20 seu pleno desenvolvimento como pessoias ¢ como cidadiios. O primeiro e mais decisivo paseo para vencer as dificuldades pes- "| | soais'¢ a reconciliagfo do jovem consigo iesmd © com os outros. Esta uma condigao necesséria da mudanga de ua forma de inserco na so- iedade, Nfo se trata, portanto, de ressocislizar (expresso vazia de signi- ficado pedagégico) mas de propiciar ao jovem uma possibilidade de Socializagéo que concretize um caminho mais digno ¢ humano para a vida. S6 assim ele poderd deseavolver as promessas (as possibilidades) trazidas consigo ao nascer. AS omisses ¢ transgressbes, que violentam a sue integridade ¢ desviam 0 curso da sua evolucdo pessoal € social, exorimem-se nas mais diversas formas de condutas divergentes ou mesmo antagCnicas & motalidade ¢ & legatidade da sociedade que o marginalizou, Essas condutas, mais do que ameaca a ser reprimida, segregada e etirpada a qualquer prego — como parece ser 0 entendimento prevale- cente hoje em nosso pats ~devem ser vistas e sentidas como um modo peculiar de reivindicar uma tesposta mais bumana aos impasses ¢ difi- culdades que inviabilizam e sufocam sua existéncia, Quando esses apelos encontram diante de si a indiferenca, a ig- norfincia ¢ o julgamenio prévio dos preconceitos, 0 adolescente tran- case em un mundo préprio, um mundo que se desenyolv sob o signo de um luto interior que € a resultante das perdas e danos infringidos & sua pessoa, A esta altura poucos serio capazes de ouvir e de entender os seus apelos, © seu mundo ficou reduzido e espesso. Sua experiéncia torne- se cada vex mais dificil de ser penetrada, compreendida e aceita. Pela contigtidade que a profissio lhes impée, os educadores, trabalhadores Sociais psicoldgicos seriam as pessoas mais aplas a acolher e respon- der de forma constrativa a esses pelos. Estranhamente, porém, isto di- ficilmente acontece. 1s ‘Quando o quotidiano se transforma em rotina, a intelig@ncia ea 4° nsibilidade fecham-se para o inédito'e © espeetfico de cada caso, de ‘ala situs¢40. O manto dissimilador da “familiaridado” yai aos poucos «Jf sobrindo ¢ ignalando pessoas e circunstincias numa padronizacso cuja Tesposta so #s atitudes estudadas, as frases feitas, os encaminhamentos automatizados pelo h4bito. Este mecanismo, no fundo todos nds o percebemos, ¢ a maneira encontrada pelo educador de ausentar-se da exposicéo dimota a esses apelos, assim como da precariedade de meios, recursos ¢ altemativas colocadas ao seu alcance para fazer face a uma realidade tio dramética. Muitos de nés racionalizamos essa atitude de auséncia programa- da, refugiando-nos no ‘libi estrutural, adiando o enfrentamento. mais humano €.consequente desta questio, para o depois ce mudancas estri turais, que ninguém sabe quando virto, se € que virio, Nenhuma lei, nenhum método ou técnica, neahum recurso log{stico, nenhum disposi- ‘uvo politico-inconstitucional pode substituir o frescor e a imediaticida- de da presensa solidéria, aberta © construtiva do educador junto ao educando, Fazer-se presente na vida do educando ¢ 0 dado fundamental da ago educativa dirigida ao adolescente em situagao de cificuldade pes- soal ¢ social. A presenga € 0 conceito central, o instruménto-chave ¢0 objetivo maior desta pedapogia. Ela € 3 forga que. pulsa no coracéo da- quela “ciéncie érdua e sutil” & qual homens como Antonio Makarén- kot) dedicatam inteiramente as suas vidas, 2 ~APRENDER A FAZER-S® PRESENTE A capacidade de fazer-se , de forma construtiva, na reali- dade do educando nao €) como’ preférem pensar, um dom, uma caracterfstice pessoal intransfertvel de certos individuos, algo de pro- fundo e incomunicével. Ao contrério, esta é uma aptidao que pode ser (2) Antonio Makareako, edueador soviético que nosanos vinte¢ tints, trabltios com. overs delinquents, cbtendo results que impressionarim o mild a0 $n ent oe que repercwem ai hoje cnt os edueadores que atm esta dese 16 aprendida, desde que haja, da parte de quem se propée a aprender, dis- Posigao interior, abertura, sensibilidade e compromisso para tanto, Efe tivamente, « presenga nao € alguma coisa que se possa apreender ape- nas.ao nfvel da pura exterioridade, ‘Tarefa de alto nfvel de exigéncia, essa aprendizazem requer a.im- plicagio inteira do educador no ato de educar. Sem esse envolvimento, © seu estar-junto-do-eduicando nfo passard de um rito despido de signi- ficagao mais profunda, reduzindo-se A mera obrigacao funcional ou a uma forma qualquer de tolerancia e condescendéncia, de modo a coe xistir mais ou menos pacificamente com os impasses ¢ dificuldades do dia a dia dos jovens, sem empenhar-se, de forma realmente efetiva, ‘numa agio que se pretenda eficaz, Por outro lado, & importante salientar que, situado no polo dire- cionador da relagio, nlio pode o educador a cla cntregar-se de uma forma ilimitada, imestrita, incondicional e irrefletida, como algumas ‘vezes costiuma ocorrer, Essa. maneira extrema de testemunhar solidarie~ dade¢ compromisso, frequentemente, costuma redundar em_conse- quéneias imprevistveis © danosas, seja para o educador, seja para 0 educando, Pritica em sua esséncia limitads, como afirma Paulo Freire, a equcagao $6 ¢ eficaz na medida em que reconhece e respeita seus limi- tes e exercita suas possibilidades, No caso da relagéo educador-educando, esta maneita de entender agir implica a adogéo de uma estrta disciplina de contengio e despo- Jamento, que corresponde, no plana conceitual, a uma dialética proxi- midade-distanciamento. Pela proximidade 0 educador se acerca ao méximo do educando, procurando identificar-se coma sua problemética de forma calorosa, empatica ¢ significativa, buscando uma relagio realmente de qualidade. Pelo distanciamento, 0 educador se afasta no plano da crftica, buscando, a partir do ponto de vista da totalidade do processo, perce- ber © modo como seus atos se encadeiam na concatenagio dos aconte- cimentos que configuram o desenrolar da ago educativa. Esta é uma postura que exige de quem educa uma clara nocdo do Proceso e uma Agil inteligéncia do instante, implicando a necessidade 7 e combinar de forma sensata uma boa dose de senso prético tom uma ‘aprecifivel veia tebrica. * Diante’ das manifesiagdes inguietantes do educasido — itpulsos agressivos, revoltas, inibigées, intolerincia qualquer tipo dé worm, spatia, cinismo, alheamento e indiferenca — deve o educadot situanse tum angulo que the permita ver, além dos aspectos'negativos, 0 pedido de auxflio de alguém que, de forma confusa, se procura:e se experi- menta em face de um mundo, a seus olhos,cada vex mais hostile iin- teligivel, Ha que estar atento, porém, para o uso que, por parte do educane do, pode ser feito, dos “‘bons sentimentos e: das boas intengGes dé um ceducador insuficientemente familiarizado com situagses deste tipo ou gue se deixou levar demais pelas emogées, pela dimenséo afetiva da te lagdo. © “Jjogo”” que se estabelece nesses casos — manipulacio, chanta- gem afetiva, apego desmesurado,, dependéncia descabida — pode por perder todo 0 processo seo educador no se mostrar caps? de evitare, quando isto nio for possivel, impedir que estas tendéncias ganhiem cor- po.narelacto. Fazer-se presenga construtiva na vida de um adolescente em difi- culdade pessoal e social pois, a primeira ¢ a mais primordial das taro- fas de um educador. que. aspire assumir um papel realmente emancipa- dor na existéncia de seus educandos. Esta, vale salientar, ¢ aptidio que apenas’ em parte pode ser aprencida de forma conceitual. “Saber de experiGncias feito”, a pre- Senca € uma habilidade que se adquire funéamentalmente pelo exerc clo cotidiano do trabalho social e educatiyd, Entretanto, sem uma base Conceital s6lida © articulada, fica muito mais diffeil para o educador roceder & leitura, & organizacéo e 8 apropriagiio © dominio plenos do ‘seu aprendizado prético, 7 3~ CAMINHO DE EMANCIPACAO Diante de adolescentes com sérios problemas ide conduta, 08 edu adores seguem, ‘de um modo geral, um dos seguintes enfoques bési- cos: 18 ‘ 1, AMPUTACAQ, através. de: abordagens comecionais'e repres- sivas, daqueles agpectos da personalidade do educando consi- derados nocivos a ele préprio e A sociedade; 2. REPOSICAO, através de préticas assistencialisias, quanto aos ‘aspecios materiais, © patemnalistas, no que se refere ao lado emocional, do que Ihe foi sonegado nas fases anteriores de sua cexisténcia, 3, AQUISICAO, pelo préprio educanda, através de uma abordae ‘gem euto-compreensiva, orientada para a valorizacio ¢ forta- Iecimento dos aspectos positives de sua personalidade, do au- to-conceito, da auto-¢stima ¢ da auto-confianga necessérios 2 superagio das suas dificuldades, © primeiro enfoque (amputasio), historicamente, mostrou-se ca- pez. de produzir dois tipos de pessoas: og rebeldes c os submissos. Os Tebeldes adotam wm padriio de conduta violentamente restivo no seu re- Jncionamento consigo mesmo € Com os ousos, 0 gue, geralmente, 0s leva a se inviahilizarem como pessoas ¢ como. cidadios. J6 09 submis- Sos se despersonalizam, tomam-se frageis, vulnerfveis, inseguros, afei- {08 a Serem manipulades e totalmente incapazes de assumirem 0 proprio destino. O segundo enfoque (reposi¢éo) baseado nas privagSes e cardncias encontréveis na vida desses jovens, procura vé-los pelo Angulo do que eles nio sfo, do que eles nio trazem, do que eles no tém, do que eles no so cepazes, A tentativa de suprir de forma mecanica, via progra- ‘mus institucionais, essas caréncias, tem resultado geralmente.na_pro- ducdo de grande nimero de jovens dependentes, propensos a se torna- rein recorrentes erénicas de aparato assistencial do Estado ou das orga- nizagées nio-govermamentais. O terceiro enfoque (aquisig&o) procura partir do que o adolescen- te 6, do que ele sabe, do. que ele se mostra capaz.¢, a paitir dessa base, busca criar espacos estruturados.a partir dos quais 0 edutando possa ir ‘empreenderdo, ele préprio, a constugio do seu ser em termos pessoais © sociais. Esta linha de atuagio esté presente, em maior ou menor me- ida, nas poucas experiéncias bem sucedidas no Brasil voliadas para 19 adolescentes'com problemas mais sérios. Por esta vit, muitos jovens tém recobrado a confianca em si mesmws © se descoberto capazes de tu- lar ¢ progredir juntamente com o8 outros, Trata-se, como se v8, de uma roposta de eduicagtio emancipadora, ~ A Pedagogia da Presenga, enquanto teoria que implica os fins © 05 meios deste modalidade de aco educativa, se prope a viabilizar es- te paradigma emancipador, através de uma correta articulagao do seu ferramental te6rico com propostas concretas de organizacio das ativi- dades préticas, ‘A orientacio basica desta pedagogia ¢ resgatar 0 que hd de posi- tivo na conduta dos jovens em dificuldade, sem rofulé-los nem. classi- ficd-los em calegorias baseadas apenas nas suas deficiéneias, Sem ignorar as exigéacias c necessidades da ordem social, 0 edu- cador somente no aceita a perspectiva de que sua funcio venha a ser ‘apenas adaptar o jovem a isso que af est. Ele vai mais longe, Ele quer abrir éspagos que permitam ao adolescente tornar-se fonte de iniciativa, de liberdade © de compromisso consigo mesmo ¢ com 0s outros, inte- ‘grando de forma positiva as manifestagies desencontradas de seu que- ret-ser. 4- AO ENCONTRO DESI MESMO. AquisigGes utilitérias, como aprendizado de um trabalho rentdvel, Socialmente util € boas maneiras, que tornem’o educando um cidadio Produtivo © bem aceite, sie preocupactes das quais nenium educador sério poderé abrir mao, Tais aquisigées viabilizam 0 jovem no mundo em que ele é chamado a viver. Porém, 0 educador, que se dirige ao educando nia perspectiva da pedagogia da presenga, veri que uma outra ordem de exigéncias ante- cede e dé suporte a estas preocupagées. Ele jd observou que muitos deste jovers vivem “amarrados por dentro”, encerrados em um univer- 80 tens0, reduzido ¢ es les frequentemente anulam iniciativas € esforgos realizidos em seu favor. Agem como se os problemas que ten- {amos resolver Com eles nfo fossem realmente os seus verdadeiros pro- blemas. 20 ‘ Onde. poderemos, situar a raiz. deste desencontro? Do ponto.de vista da Pedagogia da Presenga, esta desarticulaco entre necessidades € ofertas vem do fato de que, enquanto os educadores ofcrecem aos adolescentes meios para moderar-se © viabilizar-se, eles buscam pricci- teriamente as vias que thes permitirio encontrar-se, [Explorar a sua situacio, compreendé-la e agir de forma construti- vaem relgio a ela, a pautit de confrontos progressivamente maduros om a sua realidade, é tarefa que, na ondem de importincia, antecede a todas as: demais. Sua realizagéo € que permite a0 educando superar 0 isolamento ¢ a solidio. Vista a situacio por este. Angulo, os aspectos seciais subordinam-s¢ A perspectiva do equacionamenta da problemisti- ca pessoal do jovem a quem dirigimos nosso trabalho. A Pedagogia da Presence é parte de um esforco caletivo na di- rego de um conceito € de uma prética menos irreais ¢ mais humanos de educagio de adolescentes cm dificuldades.. Contribuir para o resgate da parcela mais degraidada, em termos pessoais © sociais, de nossa juyentude ¢, sem dévida alguna — embora apenas um mimero reduzido de pessoas realmente acredite nisto — uma das grandes tarefas do nosso tempo. 5—O ADULTO NO MUNDO DOS ADOLESCENTES A presenga dos adultos no mundo dos jovens em dificuldade pes- seal ¢ social nio deve ser, como.é corrente entre n6s, intervencionista ¢ limitada.. 0 estar-junto-do-educando € um ato que envolve consenti- mento, reciprocidade ¢ respeito mtituo, © adolescente espera do educador algo mais do que um servigo eficiente, em que as tarefas claramente definidas, se integrem num con- junto coordenado, tecnicamente preparado. As tarefas que 0 educadot executa, na divisto de trabalho da equipe, representam apenas 0 seu campo de.agao, mas nfio a principal azo da sua presenga junto 0 educando. Esta razio maior seré sompre a libertacio. do, jovem, uma exigéncia que se situa sempre além de todas as. rotinas, embora nio deixe de pessar por elas. E por esta transcend&acia dos aspectos rotineiros do programa s5- 21 cio-educativo que o adolescente percebe que, mesmo feita de ptivagées: © softimentos, a vida é alguma coisa pela qual vale a pena lutar, 6 que preciso reconciliar-se com ela a partir do encontro com outras vidas. E através de pequenos nadas que aquele educando: atredio mani- festa um desejo de aproximagad. Um outro ocupa im tempo considers ‘vel do educador com um problema insignificante, Esta ¢ a sua mancira de: exprimir a confianga que comega 4 nascer-lhe em relagao Aquele ‘Adulto. Ndo & um conselho 0 que ele procua agora, mas reciprocidade, simpatia, amizade. O momento da orientacdo vird depois. Um “bom dia", um “vai com Deus”, um “boa noite’ ) um sorriso, um olhar ciim- Plice do educando so sinais velados que indicam 20 educador 0 avan- 90 do seu trabalho, Em cada incidente, em cada circunstincia, a tarefa essencial ¢ permanente do educador ser sempre comunicar ao jovem elementos capazes de permitirIhe compreender-se © aceitir-se e compreender e aceitar os demais. Assim, de mancira quase impercepttvel, ele vai ultrapassando os obstiiculos que se interpGem ao seu querer-ser. A sua seguranca cresco, A medida em que cle vai se sentinds capaz, de definir para si mesma caminho a seguir ¢ o comportamento a adotar para a ealizacéo daquilo que pretende, A esta altura, 0 educador comeca 4 tomar conseiéneia de que nfo existe nenhutn método’ou técnica inteiramente eficaz e satisfatGrio, ce- paz de ser aplicado com sucesso a todos os casos. As dificuldades a se- rem enfrentadas\parecem ndo ter fronteiras muito precisas. As vezes clas esbarram no regulamento e estruturagie do projgrama s6cio-educe- tivo, outras yezes elas entram em coliséo como sistema polfico-inst- tucional ¢ a legislagio vigente; hd também aquelas dificuldades cuja Superago pGem ein causa a prdpria maneira como estf estruturada nos $a Sociedade, Por vezes'o educador se interroga sobre 0 sentido de seus esfor- 0s. Sente que, para que uma solucio orginica e conseqiiente para o Conjunto desses jovens fosse encontada, seria’ necessArio reanimar mi- hares de consciéncias adlormecidas, sensibilivar « sociedade no seu to- do, chainar & responsabilidade os que tém nas mos 0 poder de decidir 22 ara que se pudesse romper, de forma radical, com a incompeténcia, a ‘rganizagio inacional, 0 interesse mal formulado e a legislacio inade- quada. Este tipo de questionamento leva 0 educador 2 perceber que a stia atuacio nio € apenas trabalho, cla é, também ¢ fundamentalmente, Juta, 4 Pecagogia da Presenga implica de forma ampla a sua existéncia, Ela Convora para a ago pessoa humans, o cducader' 69 Giladio, E é Resta ditima condicfo, que.cabe, ao educador empenhar-se também no sentido. daquelas mudangas amplas ¢ profundas, tendo como horizonte de seus esforcos.a histéria de seu povo, A consciéneia do educador ‘abre-se, deste modo, a um amplo es pectro de problemas. Além de ter uma compreensiio das grandes questies da sociedade, ele deve ser basicamente capaz de compreender, aceitar e lidar com comportamentos que expressam aquilo que hé de in- timo e ocuilto na vida de um jovem em situacao de dificuldade pessoal e Social. Este jovem, seu educando, € destinatério e credor daquila de melhor qus, em cada momento do. seu relacionamento, ele for capaz de ‘ransmitir-the, 6 - CONHECER 0 PROCESSO. A pedagogia moderna, em todas as suas modalidades, comega por uma abertura ¢ integragiio dos dados que the chegam através da psico- logia, da sociologia, de antropologia, da psicologia social, das ciéncias médicas © do direito, J4 passou o tempo em que se podia negar a im- portincia ds una boa cultura cicntffica para atuar neste domifaio. E falso que pritica por si s6 confira ao educador os elementos necessérios ao pleno dominio do seu oficio. Sem a teoria, a pritica sera sempre limitada. Quem negligencia 0 estudo, ‘quando possui meios de realizé-lo, € um pretensioso’ou um inconsciente da importancia real do seu trabalho. Afirmar isto, no entanto, ndo implica negar que s6 a ex- periéneia ¢ capaz de intograr e de validar aquilo que foi estudado, na medida emque tudo passa pelo crivo da eficécia na aco. ‘Mais importante do que cabecas cheias de informagées, € a aqui- 23 sigéo pelo educador de atitudes ¢ habilidades que favorecam € viabili« em sua atuaco junto a0 educando. AA atitude cientifica diante de um adolescente em diticuldade nao 6 caracterizar o seu problema ou inadaptagio e rotulé-lo desta ou da- quela maneira: deficiente, epilético, hiperativo, infrator, imesidente, abandonado, carente etc, Estes so aspects encontriveis em milhares de outras pessoas. Hé que captar 0 espectfico, 0 aspecto individualiza- do daquele caso, Um problema, por mais grave que éeja, nunca 60 to- do de um ser hamano. Haverd sempre, além da dificuldade espectfica, ‘outras dimens6es a serem trabalhadas, 6 uma obrigacio do educador adquirir uma informagio correta sobre os diversos tipos de dificuldades que afetam os jovens e, quando sentir Gue'E Técessério, deve encaminhé-los para tratamentos espectti- cos nos Ambitos da medicina, da psicologia ou até mesmo da psiquia- tia, Nenhuma providéncia deste tipo, no entanto, o liberar& do dever de tentar tuma aproximagao mais concreti com o adolescente, afm de Yer nele 0 que hé de mais pessoal e.que.ndo.é 0 seu problema, antes, poderd ser a base sobre a qual se assenta a busca de uma solucdo para ‘suas dificuldades. Neste momento € preciso compreender 0 educando considerado em si mestto, e no em relacio as normas e padrées one tenha, porverr tura, transgredido, Situé-lo numa histéria singular, tinica, que € a sua, para, entio, retiré-lo do rétulo, da categoria que ameagava aprisiond-lo. ‘A observacdo atenta € met6dica dos comiportamentos que Ihe 580 {> préprios tentaré conhecer, entre o8 ganhos ¢ perdas de sua vida, aquilo | @ que 0 educando dé mais importancia, atencfio, valor. Enfim, seré ne- cesséirio descobrir nesse adclescente aptidées e capacidade que apenas tim balango criterioso € sens{vel permitin’ despertar ¢ desenvolver. S6 assim, ele encontraré’o Caminho para si mesmo e para os outros. E este € 0 sentido € 0 objetivo maior da presenga construtiva e emancipadora do educador na vida do educando, Existir, para o adolescente, nfo é um problema metafisico, € dis- por de alguns bens materiais e nao-materiais essenciais. O primeiro de- Jes € ter valor para,alguém, ser acompanhado, aceito, estimado num 2 universo que the é particular, onde possa desenvolver as emscinie ainda nio, ou insuficientemente, manifestas de sua pessoa, © pio, mesmo abundante, & amargo para quem o come na solidso ‘ou no anonimato coletivo de um atendimento massivo.¢-embrutecedor. preceito evangélico “Nem 86 de pio vive o homem” assume aqui um valor humano de relevincia e concretude irrefutéveis, é através de pre- sengas humanas solidérias € atentas ao seu redor, que 0 adolescense em dificuldade recebe a prova, para si mesmo, do scu valor ¢ da sus uni- dade, A. consciéncia de estar no mundo j4 €, entio, conscitncia, de accitagio, de acolhimento, de pertinéncia, de integragio, de aconchego. Viver, assim, 6 estar junto. Qs lacos que se desenvolvem s6 so verdadeiros, contribuindo construtivamente para 0 existir, quando sio fruto de um dar e de um receber, de um liberar ¢ de um restringir acolhides livremente. 7 - ADOLESCENCIA E SOLIDAO. Na origem das condigées que encaminham mumerosos jovens para a assocializagao e a delingtiéncis encontramos um sentimento de aban- dono, de (des)vinculagdo, de (des)encontro, de solidio, de isolamento, - de (in)comunicabilidade. Cada adolescente em dificuldade, & sua maneira, tenta (i) dissimu lar, (i) compensar, (iii) protestar. AS manifestacoes variam, mas estas trés fases do processo séo possfveis de serem detectadas pelo observa- dor ateato, Vejamos: ‘a primeira fase visa reter a presenca quevescapa: & caracteriza- da por exigéncias cabfveis e descabfveis, tentativas de selar ‘compromissos de toda sorte, esforgos de aproximagtio, apelos, ofertas discretas ou desajeitedas, que testemunham ima profun- da inquietacio; © a segunda, quando a perda parece consumada, 0 adolescente em dificuldade alimenta-se dos sentimentos engendrados pela pri- vagio: ruminagSes obscuras, rejeigio do meio, dissimulagbes 25 presentes na edificagio’ de wm’ universo fechado, base de uma Seguranga enganadora onde sfo elaborados simulacros © com- pensagées de todo tipo; 35% # terceira fase & © momento em que o jovem procura outras pre sengas, indo ao encontro dos que, de preferéncia, so vilimas do mesino sofrimento, da mesma solidio. Encontrasos sempre aglutinades, enfeudados, trancados num grupo fechado e isola. do dos demais. Movido por impulsos que emergem de sua nati- reza profuinda, © jovem langa-se & procura dos bens pendidos, ‘uma busca desorientada, errética, que ignora) as leis e con. ences morais que jé pouco ou nada the dizem. A transgressio da lei, contudo, aciona os mecanismos de controle ¢ defesa so- cial, cujas reagées (apreensio, maltrato, segregacio) véem 30 ‘mar-se a0 softimento de um passado cujos tormentos, Jonge de serem resolvides, spossam-se do seu preseate © infemizam cada vez mais, Quando se chega a este ponto, temos a prova de qué @ vida foi perturbada, nao em planos superficiais, mas profundes, Eentio que ge- talmente 9 educador 6 chamado, a intervir. Ele sabe que € neste mo- ‘mento que, da sua capacidade de farer-se presente na vida do educan- do, dependerd tudo 0 mais. ro A palavra presenca, embora nao seja de uso frequente no domfnio da pedagogia, apresenta ‘um conteiilo relacional que faz dela a.mais exigente das realidades. Apés inteirar-se do passado ¢ das condigss de vida e [uta pela sobrevivéncia de numerosos adolescentes em dificulda- Se, € possfvel constatar que a maioria nfo vivenciou (ignora) ou viven- educador apenas com uma finalidade: imped-lo de colocar a exigncia antes da compreensio; }® scr oxigente, pois a exigéncia é, antes de mais nada, um sinal dé Teapeito do edueador pelo educando, Em cada omesio, ao educador apostar no educando, abrindo espacos nos quais ele possa experimentar-se ¢ fonte de iniciativa, liberdade ¢ compromisso (responsabilldade) cor mesmo € com os outros, Essa aposta freqilentemente nada tem de trangilila. Como toda ‘aposta, ela € um contrato de Tisco ¢ fe 0 educa- dere educanda = ~— Algumas ve ‘vezes a angistia, a tensdo, a iritagio pela “perda” fa- 2em com que o educador sofra e se desgeste com os resultados dessas tentativas, 1s80, porém, faz parte do offcio. So percepyées © sentimen- tos que nunca nos sbandonario de todo, por mais que ganhemos em capecida e experiéncia, Néo € & toa que Makarenko (1986), depois de ter vivido e registrado a riquissima experiéncia de Coldnia Gorki, nos adverte: "A pedagogia continua a ser uma citncia érdua e sutil”. UMA ESCOLHA DE SI MESMO- SC para 0 educador, a escola a concepeo sustentadora © dos ins- trumentos de seu trabalho nao € uma escolha neutra. E uma escolha de si mesmo, enquanto educador, enquanto cidadio, enquanto homem. De fato, optar por uma das diversas correntes ¢ tend8acias em que 48. s¢ divide 0 pensamento pedagégico é escolher uma concepcao do co- mhecimento ¢, através dessas escolhas, empreender a opcio por uma teoria do processo ensino-aprendizagem e do processo educativo em ‘saa inteireza. Isso implica, no quadro da conflitividade natural da vida demo- crdtica ou da luta pela democracia, que 0 educador nio poderé jamais alimentar a pretensdo de pairar acima dos embates sociais e da luta politica, no sentido mais amplo e elevado do termo. ‘Ao trabalhar com criangas e jovens em situagéo de dificuldade -ssoal ¢ social, cumpre @ quem educa fazé-Io nlima perspectiva solida— ‘apenas pessoal, mas também © fundamentalmente social — Corio edseando, Essa solidariedade social € Simplesmente impensivel separada do seu desdBbramento poifico €, por conseguinte, da sua.dt- ‘inensio histérica. De fato, 00 ‘como ¢ possfvel verificar em contextos 0s mais diversos, no Terceiro Mundo a dfvida social das elites dominantes para com as camadas mais oprimidas do povo é, acima de tudo, uma dfvida histori- ca, A fome ¢ o analfabetismo, entre nés, se mesclam num “bicho de quatrocentos anos” que, cevado pelas elites, vem pelos séculos afora devorando as entranhas € minando a dignidade de nosso povo, Essa solidariedade se concretiza e se expresss ) en que 0 educador aceita néo apenas o individuo, a pessoa que tem diante. desi, mas a iua cireunstincia. Ae FAZER PEDAGOGIA wes oe “he “Nio existe peagogia, isto €, teoria que impigue os fins ¢ 08 aneios Ga agéo ediicaliva, que mio ‘io, um coneeito de homem e um de Freire (1982) nos remetem wo cere da questiio das concepgées sus tentadoras da construgio pedagdégica. Também Makarenko (1986), quando coloca como pedra angular StL ate Ge "tne de ROMER” Se GT o sbi eduatio & ptzuns SOS i S ‘ende formar, coloce-nos diante da importincia do dado antropolégico para guem se propeaTazerpedagoni. = 49 Numa estrsita articulagéo com 0 a outra pel angular da fommlsto pedagéaic ee iagac o } ator condiciona Toremente peal Gee sw AO | cae mente © perfil dos fins © dos meios de sun Ao lado dos conceitos de A vonceitos de homem © de me nomen © de mundo apontad - | eee geifllancs © conceito de conhecimento. A caaemilne a & mediagio necessia na articulagio dis visdes do honiem € de mundo eom 6 ins i a aay ee (e6rico-pritico através do qual endemos empreender a construgdo de uma proposia pedandes dalls crancasejovens em stuagio de especial ifcinienee ees || ? reciomtis-repressivas berdadlas do pasado autoritétio, | 3 : erfodo democrético acrescentou a es- | SP se quatro toi sem etivi ersas l| ‘ida nenhuma a proliferaca i | : Proliferacio, pel J i is dos grupos de exteminio de stones ats ode g sae pete social, sendo que, na maior parte do Pas, ag : , Cee Préticas vigentes esse campo ainda slo as mesmas de Conferir cidadani 5 ae fee Pedagégica ao trabalho social e educativo di POs, una aes are tOE © 8 outros grupos em sits dessco €, dagogin pra que Wao canara, Precisamns comegar a ies } ae no continue a predominar, ie transgresso sistentica dos drvtos humanoe eat ec 8 frag relegada da nossa inficia eda nossa jventudes —) rp E, } PONTE DEINICIATIVA, LIBERDADE ECOMPROMISSO Concebemos o home ae tae ge ee Ge assumir-se como sujeito Sta histéria ¢ da Hisiéria, transformagao de si e do mun 5 aa ee de transformacao de si e do mun- te de iniciativa, liberdade ¢ eompromisso nos planos pessoal ¢ ssim, em nossa visio, © homem nfio é um ser puramente de mminadio pelas condigges de seu meio, Se ele € produto das relagbes so- cciais vigentes, no podemos ignorar que et “também produior dessas ‘mesmas relagdes, cabendo-lhe, através de uma prética erftica e trans fommadora, instaurar um mundo propriamente humano. Por outro lado, 0 honiem também no é uma liberdade pura, de- sencaniada di sociedad e da lita de classes, uma vez que a sua ist i, embora tendo-0 como sujeito, nio ¢ feita nas condigses idas por ele e, sim, em condigées dadas que 0 antecedem ¢ que o ultrapas- sam. —Fambém acreditamos, como jé afirmamos ao felar do sujeito, que o mundo & a um tempo, produtor e produto do homem, © qual, 20 The gendra em si mesmo sua propria transformacio. wundo transforma-se em problem, em pet- iransformé Assim concebido, © ‘gunt ‘matéria de que fazer’”, em convite permanente a0, exercicio do pensamnto eritico & da acdo transtormadora. A CONSCIENCIA EM PROCESSO A palavra conscigneia € muito empregada entre aqueles que ques- tionam 0 mundo ¢ se empenhiam na luta pela sua transformacdo, O que 6,10 entanto, esse conscientizar de que tanto se fala? Para nds, a atividads ‘conscientizadora. do educador consiste em contribuir para que o educando constnia, na sua mente, uma represen taco de a mesmo € do mundo do qual é parte. Representar-se, no inte- fior de nossar visio, € desvelar criticamente 0 sentido de sua presenga ino murido € entre os homens. Representar o mundo € ter clareza de sta cizcunstincia pessoal € dos nexos que a ligam a totalidade mais ampla do social, Nossa proposta pedagégica concebe a formacdo da consciéncia indissoluvelmente ligada ao mundo do trabalho. Reconhecemos na ati- vidade produtiva do homem a matriz ¢ a base da formado da conscién- cia critica e transformadora das relagGes sociais. Assim, para nés, a +, ws 5t U a ‘sonsciéncia do mando, numa sociedade de cl sempre 7 lasses, assumird s¢ contetido e a forma de uma consciéncia de classe, ° A Dialética do Conceito, de Kosik (1969), a0 atinnes ; , ) © cariter teleol6gico do trabalho eo caréter projetive da consciéncia humana, abre-n0s 2 possibilidade de, colocar na questo do trabalho 0 ma 3 ‘aquisiséo de contetidos para a cons- Grentizagio, uma atividade explorat6ria por meio da’ qual edu- Fando educador perscrutam a circunsténcia que 08 envolve, é Puseando reer agueles aspecios mais significativos, capazes de if ossibilitar uma posterior clucidaggo do mundo, ‘Trata-ée do spomento da cleigBo dos temas que servirdo de ponto de partida A 0 processo de conscientizacao: gi, © Sonscitncia compreende 0 mundo: a contrbuigho do educa R> dor para ue 0 educando asceada da simples apreensio ¢ da in- terpretacéo ingnua do mundo & sua compreenséo &, atavés do idlogo, da reflexio conjunta, dstinguir os nexos entre os con- teides. E 0 momento de relacionar isto com. aguila © aquile % x Gam aquila outro. Esse exercfcio solidariza a visso da cir f cunstincia, dispersa ¢ atomiza nos escaninhos, nos departamen- ‘ fragmentada do real: Rvp % 4 consciéncta significa o mundo: signficar o mando ¢ assumir FOND diante dete uma attuee: de nio-indiference, € atribuir-ihe um ‘alot. Um valor que nfo seja imposto de fora ao educando, nas 52 ‘que seja extrafdo por ele mesmo de sua propria experiéncia de vida. E » partir daf, diante do quadro de sua circunstancia pes- soal e social concreta, que ele poderd afirmar: i Tessa”, “isto nfo nos interessa”, “isto ¢ bom”, “isto € mau”, “isto nos serve”, “aquilo serve a nossos opressores"; © a consciéncia projeta o mundo: projetar © mundo € atribuir um sentido aos acontecimentos do dia-adia, de modo a que o nos- 50 esforgo seja capaz, de encaminhé-lo numa determinada di- reco, Projetar 0 mundo € romper com o imediatismo, esse in-~ sacifivel devorador de horizontes, ¢ desdobrar a vontade trans- formadora no plano da temporalidade. Num certo sentido, um a Projeto € sempre. a meméria de coisas que ainda niio acontece.— ,-_ ilidade se acha inscrita no sei te, Projetar © mundo, para o educando, € uma atividade revesti- da de um duplo cardter: um projets de vida pessoal e um projet ‘mais amplo, relacionado ao exerofcio do papel de cidadio ta- alhadlor niima sociedade de classes; (© consciéncia preside-d-transformagdo do mundo: esse € 0 [EO ~ ‘momento supremo, a consumacio mesma do processo de cons- 4, cientizagdo. E quando 0 educando passa a agir sobre sua cit ew cunstancia tendo como suporte de sua atuagio a compreensio * da realidade © os valores que clegeu a pattir dessa compre- wl PT ensio, ¢ tendo como biissola 0 seu projeto que nasceu da sua atividade erftica (a confrontago entre o “ser” € 0 “dever ser") Sobre 0 movimento da realidade onde ele esté inserido, EDUCAR E CRIAR ESPACOS De initio, € preciso deixar claro que nossa proposta ngo se ins- ‘creve na vertente das chamadas pedagogias néo-diretivas. Ao contrdrio, Somos por uma pedagogia francamente diretiva, critica e democrética. Assim, € a partir dessa opcfo inicial e com base nela que nos langamos 2 tarefa de consiruir um conceito de educacao, 5 _Patishbs, educar € criar espagos para que o educindo, siuads P'S organicamenté no mundo, empreénda, le préprio- ai =constragaig de

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