You are on page 1of 87
Theodor W. Adorno Colegio Espira Crisico NOTAS DE Consetho ediorial LITERATURA I Alfredo Bost Antonio Candido Augusto Massi Organizagio da edit alema Davi Areiguci Je Rolf Tiedemann. Flora Siskind Gilda de Mello e Soura Roberto Schwarr Tradugio apresentagae Jorge de Almeida TAD Lvraria TAL Duas Cidades editoralll34 Livroria Duas Cidades Lda Rua Bento Feta, 158 Centeo CED 0120-000 Sio Paulo SP Brasil Tel/Fax (11) 3331-5134 worw.duascidades.com.be_livruia@duascidades.com.br ulicora 34 Leda, Rua Hungris, $92 Jardim Europa CEP 0455-000 Sio Paulo SP Brasil Tel/Fax (11) 38166777 wnwweditors34 com br Copyright © Duss Cidades!Editora $4, 2008 [Noten eur Litensur © Subrkamp Verlag, Frankfe am Main, 1974 Onganizagio da edigio aera: Rolf Tiedemann, A publicagio desta obra contou com o apoin do Goxthe-Tnstiat Incr Nationes, Bona, Alemants, A fotocépia de qualquer folha dest livro ¢ilegal configura uma aproptagdo indevida dos ditto ielectuais patrimonias do anc, Caps, proto grifico © editorago cletenics Bacher &- Malta Pru Grifca Revisio: Alberto Martins, Cide Piguet 16 Bdigéo - 2003 Cotalogssso na Fonte do Departamento Nacional do Livro (Fundagio Biblioecs Nacional, RJ. Brasil) Theor W190 1969 ira 1 Thr WA Po: Dn Cid BA 4, 2008, ° 6p. (Coy pho {Alo ge Mo Bede: H.Tl ML Si Nota do tradutor.. Notas de lit acura O ensaio como forma.. Sobre a ingenuidade épica.. Posigio do narrador no romance contemporiineo Palescra sobre lirica e sociedade Em meméria de Kichendorff. A ferida Heine Revendo o Surrealismo Sinais de pontuagio ..... O artista como representante .. Nota do organizador da edigao alema.. Sobre 0 autor. 15 47 55. 65 21 127 135 141 151 165 167 Nota do tradutor Quem se propée a traduzir os ensaios de Theodor Adorno tem de enfrentar o desafio de transpor para outra lingua um texto que, para os préprios leitores alemies, muitas vezes soa quase co- mo lingua estrangeira, Esse estranhamento, como Adorno res- salta em seus ensaios sobre Heine e Bichendorff, é uma qualida- de dos esctitores que efetivamente refletem sobre a linguagem, nna medida em que se recusam a tomé-la como algo simplesmente dado, mas sim reconhecem em cada conceito, em cada estrutu- ra gramatical, as diversas possibilidades ¢ camadas de sentido ali sedimentadas pela histéria. Por isso, o chamado “estilo atonal” do alemdo de Adorno indo é uma simples idiossincrasia, mas uma tentativa de solucio- hat 0 antigo impasse hist6rico da dialética, desde que Hegel a defini, em uma célebre conversa com Goethe, como o “esptti- to de contradigao organizado”. A extrema preocupagéo com 0 modo de organizar a dinimica do pensamento & 0 que torna 0 texto de Adorno ao mesmo tempo Mluente ¢ escarpado. Nada mais coerente com 0 espirito do ensaio, que o autor destas No- 1s de literatura assume como a forma especifica da critica dia lética: “O ‘como’ da expressio deve salvar a precisto sacrificada pela rentincia & delimitacio do objeto, sem todavia abandonar a coisa ao arbitrio de significados conceituais decretados de ma- Notas de literature | neica definitiva”. Esta tradugio pretendeu, na medida do possi- vel, preservar tal contradigao interna 20 texto, levando a séio a pretensio adorniana de nfo separar forma e contetido. Nesse tido, foi necessério buscar equivalentes, na boa tradigéo en: tica brasileira, para 0 conjunto de inversbes, estruturas retorci- das, pardgrafos extensos ¢ jogos semanticos que caracteriza 0 tex- to de Adorno. Traduzir essa fluéncia quase musical das Notas de literatu- 1a (uma ambigiiidade presente no préprio titulo, uma ver. que Noten também se refere a partitura, notas musicais), sem entre~ tanto descuidar da precisio conceitual, implica uma série de es- colhas, como por exemplo a de nao inundar 0 texto com notas explicativas, 0 que iria contra 0 préprio espitito da exposigio ica proposta por Adorno, em que a mera informagio nun. ca se apresenta como algo isolado do fluxo do pensamento. Ao proceder “metodicamente sem método”, 0 ensaio dialético se sustenta, a cada pardgrafo, pela tensa consondncia entre constru- io ¢ expresso. Por isso, os constantes jogos de palavras devem encontrar, quando possivel, equivalentes em portugués, para que a vivacidade do sentido nao se perca, principalmente nos diver- sos momentos em que a ironia adorniana desmente a imagem carrancuda atribuida ao autor. Dois dos ensaios deste primeito volume de Notas de litera- ‘ura ja contavam com excelentes tradugées em portugués, reali- zadas na década de 1970 por Modesto Carone (Posigiio do narra- dor no romance contempordneo) ¢ Rubens Rodrigues Torres Fi- Iho (Lirica e sociedade). Como tive a sorte ¢ a honra de ter sido formado pela tradigio de tradugio litersria e filoséfica que eles representam, me foi permitido incorporar diversas boas solu6es encontradas por esses dois grandes escritores. Portanto, agrade- go mais uma vez a generosidade de meus dois ex-professores, € a compreensio quanto a minha necessidade de traduzir nova Nota do tradutor mente esses textos, trinta anos depois, em busca de uma diogio prdpria eda unidade do conjunto da obra. Agradego também a0 professor Roberto Schwarz, que contribuiu decisivamente para gens dificeis do texto, aliando seu brilhan- tismo de intérprete & eriatividade com que encontra equivalen- tes em nossa lingua. Devo agradecer ainda a meus colegas do Departamento de Teoria Literdria ¢ Literatura Comparada da Universidade de Sio Paulo, que contribuiram com valiosas su- gestdes ¢ criticas, prova de que o ideal do trabalho coletivo ain- da sobrevive, resi a universidade na légica competitiva do mercado, Por fim, um ijo Alberto Martins, que acompanharam com enorme paciéncia, cada uum a seu modo, os sa tradugio, a tradugio de pa indo aos que querem inserir definitivamente agradecimento especial a Regina Ar cropecos ¢ agruras do coridiano d Jorge de Almeida NOTAS DE LITERATURA I 0 ensaio como forma Destinade a vero iluminado, no a ur Goethe, Pandora Que 0 ensaio, na Al duro bastardo; que sua forma carega de uma tradigio convincen- te; que suas demandas enfiticas s6 tenham sido satisfeitas de modo intermitente, tudo isso jd foi dito e repreendido o bastante. “A forma do ensaio ainda nao conseguiu d minho que leva & autonomia, um caminho que sua irmé, a lite- ratura, jd percorreu hi muito tempo, desenvolvendo-se a partir de uma primitiva ¢ indiferenciada unidade com a ciéncia, a moral ea arte.”! Mas nem o mab-estar provocado por essa situago, nem «0 desconforto com a mentalidade que, reagindo contra isso, pre- tende resguardar a arte como uma reserva de irracionalidade, identficando conhecimento com ciéncia organizada e excluin- do como impuro tudo o que no se submeta a essa anttese, nada disso tem conseguido alterar 0 preconceito com o qual o ensaio & costumeiramente tratado na Alemanha. Ainda hoje, elogiaral- guém como écrivain é o suficiente para excluir do ambito aca- démico aquele que esté sendo elogiado. Apesar de toda a intei géncia acumulada que Simmel ¢ 0 jovem Lukécs, Kassner e Ben- manha, esteja difamado como um pro- F para tris 0 €a- Georg von Lukes, Di Sele und die Formen(A alma eas forms), Berlim, Egon Fleischel, 911, p. 29. Notas do litoratura | jamin confiaram ao ensaio, 2 especulagio sobre objetos especifi- cos jé culturalmente pré-formados,? a corporagao académica s6 tolera como filosofia 0 que se veste com a dignidade do univer- sal, do permanente, ¢ hoje em dia, se possivel, com a dignidade do “originério”; 86 se preocupa com alguma obra particular do espirito na medida em que esta possa ser utilizada para exem- plificar categorias universais, ou pelo menos tornar o particular transparente cm relagio a elas. A tenacidade com que esse esque ma sobrevive seria tio enigmatica quanto sua carga afetiva, no fosse cle ali: lembranga da falea de culivo de uma cultura que, historicamente, mal conhece o homme de lettres. Na Alemanha, 0 ensaio provo- ca resistencia porque evoca aquela liberdade de espirito que, apos ado por motivos mais fortes do que a penosa 6 fracasso de um Huminismo cada vez mais morno desde leibniziana, até hoje no conseguiu se desenvolver adequadamen te, nem mesmo sob as condigées de uma liberdade formal, es- tando sempre disposta a proclamar como sua verdadeira deman- da a subordinagio a uma instancia qualquer. O ensaio, porém, niio admite que seu Ambito de comperéncia lhe seja prescrito. Em vea de alcangar algo cientificamente ou criar artisticamente al- era guma coisa, seus esforgos ainda espelham a disponibilidade de quem, como uma crianga, nao tem vergonha de se entusiasmar com 0 que 0s outros jéfizeram. O ensaio reflete o que é amado € odiado, em vez de conceber o espitito como uma criagi0 a 2.CE. Lukes, op. ct, p. 23: "O ensaio sempee fala de algo jf formado ou, ina melhor dis hipseses, de algo que jérenba exstidos& parte de sua eséncia que cle ni destaque coisas novas parte de wm nada vari, eas se limite a ordenar cde uma nova maneira ae coisas que em algumm momento foram vivas. E como cle apenas as ordens novamente, sem da forma a algo novo a partir do que no tem forma, encontta-sevinculade is cosas, rem de sempre der a'verdade’ sobre clas, encontrar expessio pars sa essincia © enssio come forma partir do nada, segundo 0 modelo de uma irrestrita moral do trabalho, Felicidade e jogo the sio essenciis. Ele no comega com Adio ¢ Eva, mas com aquilo sobre o que deseja falar; diz 0 que a respeito Ihe ocorre e termina onde sente ter chegado ao fim, nao onde nada mais resta a dizer: ocupa, desse modo, um lugar entre os despropésitos. Scus conceitos nao so construidos a par- de um principio primeiro, nem convergem para um fim til timo. Suas interpretagdes nao sio filologicamente rigidas e pon: deradas, sio por principio superincerpretagies, segundo o vere- dicto jd automatizado daquele intelecto vigilante que se poe a e-guarda contra o espirito. Por receio de qualquer negatividade, rorula-se como perda de tem- po o esforco do sujcito para penetrar a suposta objetividade que ssconde atras da fachada. Tudo ¢ muito mais simples, dizem. Quem interpreta, em ver de simplesmente registrar ¢ classificar, servigo da estupidez como € estigmatizado como alguém que desorienta a inteligéncia para um devaneio imporente ¢ implica onde nao h4 nada para expli- car. Ser um homem com os pés no cho ou com a cabega nas nuvens, cis a alternativa, No entanto, basta deixar-se intimidar ‘uma tinica vez pelo tabu de ir além do que esté simplesmente dito em determinada passagem para sucumbir 8 alsa pretensio que homens ¢ coisas nutrem em relagao a si mesmos. Compreender, centio, passa a ser apenas o processo de destrinchar a obra em busca daquilo que o autor teria desejado dizer em dado momen- 0, ou pelo menos reconhecer os impulsos psicolégicos indivi- duais que esto indicados no fenémeno. Mas como € quase im- possivel determinar 0 que alguém pode ter pensado ou sentido aqui e ali, nada de essencial se ganharia com tais consideragoes, Os impulsos dos autores se extinguem no contetido objetivo que capturam. No entanto, a plecora de significados encapsulada em cada fendmeno espiritual exige de seu receptor, para se desvelar, justamente aquela espontaneidade da fantasia subjetiva que &

You might also like