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| | Ensinando a transgredir A educagao como pratica da liberdade bell hooks “Truro de Marcle Bando poe De mos dadas com minha irm Solidariedade feminista 0 feminismo tem de esa na vanguatda da mudangs social eci- ‘apaza que tobrevin coma movimento em qualquer pis” Aude Lode, A Bue of ihe “Somos vitimas da nos Hirsi © do noso Present, Els color ‘am demasadosobseieuos no Caminho do Amor. Eno pode- ‘mos sequer goer nots dfsengas em paz.” ~ Ama Aes Aidoo, Our Sir Kiliy ‘As perspectivas patriarcais sobre a relagBes racias tradi- cionalmente evocam a imagem de homens negros adqui- ‘indo a liberdade de ter contato sexual com mulheres bran- ‘as como 0 relacionamento pessoal que melhor exemplifica co vinculo entre 2 Iuta piblica pela igualdade racial e a po- Iitica privada da intimidade inte-racial. O medo racista de que a accitagto social de relacionamentos amorosos entre hhomens negros ¢ mulheres brancas desmoncaria a extrutara a familia pariarcal branca incensificou, ao longo da histé- ra, a sensacio de tabu, embora alguns individuos decidis- sem transgredir as fronteras. Mas o sexo entre homens nnogros e mulheres brancas, mesmo quando legalmente sancionado pelo casamento, no teve impacto que se br be Ensiando a wansgrede temia, Nfo pds em risco os Fundamentos do patriarcado branco. Nao promoveu a Iuta pelo fim do racismo. © ato de transforma a experigncia sexual heterssenual ~ pa calarmente a questéo do aceso dos homens negrs a cor- po das mulheres brancas ~na expressio quintesencial da liberago racial roubou a atenefo da importncia das rela- .6essocais entre as mulheres brancas eas negras ede como ‘se contato determina e feta as relagies inter-racais “Adolescente no final dos anos 1960, eu vvia numa dade do Sul segregada por raga e sabia que os homens ne- i708 que desejavam intimidade com branes, ¢ vice-versa, ‘onseguiam estabelecer esses vinculos. Mas néo conhecia nenhiuma intimidade, nenhuma proximidade, nenbuma amizade entre mulheres negras ¢ brancas. Embora isso nunca fois dscuido, era evdente, na vida eotdiana, que barreirassdidasseparavam os dois grupos, mando im possvel una amizade fnima. O ponto de cntato entre as ‘egras eas brancas era. relagioservasenhors, uma relagio hrierdrquica baseada no poder © no mediada pelo desejo sexual, As negraseram as servas€ as brancas, a senhoras. ‘Naquelaépoce, até abranca pobre que jamais teria con- igges de concratar uma empregada negra afrmaria, em seus encontros com mulheres negras, uma presence domi- nadors, garantindo que © contato enue 0s dois grupos sempre colocasse as brancas em posigio de poder em rela- (los negras A relagio entre servaesenhora se esabeecia ta esfera doméstica, dento de cas, num contexto de fax millridade e coisas em comum (a renga de que era dever da mulher euidar da easa era comum 3s brancas is ne- srs). Dada essa semelhanca entre as posigbes das brancas De mos dada com minha ir bo «as das negras dentro das normas sexistas, 0 contato pes- soal entre 0s dois grupos era cuidadosamente construido deforma reforgar adiferenga de aru baseada na raga, O reconhecimento das diferengas de classe social nfo era visio suficientes as mulheres brancas ueriam que seu status racial fosse afirmado. Criaram estragias manifestas e ocul- tas para eforcar a diferenca racial eafrmar sua posi de superioidade. Isso acontecia especialmente nos lres onde ‘as mulheres brancas permaneciam em casa durante 0 dia, enquanto as empregadas negras trebalhavam. As brancas falavam dos “nigger ou execuravam gestos rtualizados focados na raga para por em evidéncia as diferengas de sta- tus, Até um gesto pequeno ~ como o de mostrar & empre~ gad um vestido novo que esta jamais poderiaexperimen- ‘ar numa loja, em rario das leis racistas —lembrava todas as envolvidas da diferenga de safus baseada na raga. No decorrer da histéria, 0 esorco das mulheres brancas para manter a dominasio racial esteve diretamente ligado 4 politica de heterossexismo dentro de um pattiarcado da supremacia branca. As normas sexstas, que estipulavam que as mulheres brancas eram infeciores em razio de seu sexo, podiam ser mediadas pelos vinculosracais. Embora os homens, brancos negros, se preocupassem antes de tudo em policiar os corpos de mulheres brancas ou ganhar acesso a eles, na realidade social onde as mulheres brancas Viviam os homens brancos engajavam-se ativamente em ‘ionamentos sexuais com mulheres negeas. Na mente “Tema ofemiv com que oe banear rca sgn ong not eados Unidos (do) Enid a anes dasa as ules ans, pos npr tls iegadoa dats iat fojase mean coer agent, eto out frmas de agro Se Sala cs vam af nie como concoritesn0 Mer ‘Sao semual Dentro de um context cul onde oar Gh mulher brane ea dteminado por seu acionament> no men een brn logement srr tna spar clas cies a 60 des 3 Mya Been que a nega ose manta din se gue cous rage proba at elses legis nr ox das grupos fosem eforador que pale quer Felson cia No ros cass quebranens donos eestor ee dvorciaram para legimar sis lags com cartes negra es foram eden covaidersdos lo on) Nom petacado da spemacia rane lain trans que mas umearava peers prem ches des ‘mont pode bance e« concomitant ordem oil et Nal legalinda eae um homer banc e wma met nega. Os exemunbos dos excavos © o dion de m- thes bemneas do Sl risa incides de mes, a Ue ompetc sl ne none nog saves, Os itor jis documenta qe ATgun homens brancstentaram, defo, bter © r=0- thediment pablic devas com mulbers nga {her pelo uument, quer pla enatia de ea dno Shee por meio de tntaent. A alia dees css fina impugngio dos faire brancos. importante € {juss mulher bancaseram protopendo sua gl po- So wail eseu poder afimando nia supeioridade sobre demure nega, No necesarament ema imp ‘De mor dads com iin rn et dir os homens brancos de cer relagéessexuas com nepras, pois niotinham poder para isi ~ tal é a natuteza do pa- triarcado. Enquanto as unidessexuais entre negrasebran- cos acontecessem num conterto no legalzado © numa csttutura de sujeigio, coergio e depradato,acsfo ene 0 status de *madames” das mulheres brancas © a representa- lo das negras como “prosttuas” podia se manter. Asim, «em certa medida, os prvilégios de raga e classe das mulhe- res brancas eram refergados pela manutengfo de um sste ‘ma em que as negras eram objetos de sjeggoe abuso por parce dos homens braneos ‘As discusses atuas sobre a histria dos relacionamen- tos entre mulheres brancas¢ negras tim de evar em conta 2 amargura das escravas negras dante das mulheres bran- ‘2s, Flas tinham um ressentimento comprecns(vel ¢ uma raivareprimida da opreso racial, mas magoavasn-seprin- cipalmente pela esmagadora auséacia de compaindo das mulheres brancas nfo 56 em crcunsténcas que envelviam, © abuso sexual e fico das negras como também em stua- Bes em que ctiangas negra eram separadas de suas macs cscravas. Mais uma ver, era nessa efera dos inceresses que amas cinham (as mulheres brancas conheciam 0 horror do abuso sexual e isico bem como a profundidade do ape- 0 da mica seus filhos) que a maioria das mulheres bran- ¢as que poderia ter se ideniicado por meio da empatia volta as costas para a dor das mulheres negra. ‘Acompreensio da experiéncias comuns a todas as mu- heres nfo mediava as relages entre a maioria das senboras brancas eas escravas negras. Embora houvese raras exce- ‘es, ela tinha pouco impacto sobre a esrutura geal das m nrando a wansgredir selagdes entre mulheres brancas ¢negrs. Apesar da opres- io brucal das esravas negra, muitas mulheres brancas finham medo delas, Talver acredizassem que, mais que ‘qualquer outa cois, as negras queriam tocar de lugar om elas, adquirir 0 aru social delas, casar-se com seus Inaridos. E deviam ter medo (dada a obsessfo dos homens brancos pelas mulheres negras) de que, se niio houvesse: tabus legase socais probindo as relagbes leglizadas clas perderam seu sans: ‘abl de scot eve pues ings pve sobre as rclagbes entre mulheres brancas © negras. Sem & SES enn derma damental as diferengas entre braneas e negra, as brancas passaram a querer ainda mais que os tabus socsis promo- ‘esse sua superioridade racial proibissem as lage e- fallzadas entre as ras. A parccipacéo dlas foi esencial fara perpetuar os esteresripos degradanes sobre a feminil- Seng. Mos dees eereps reform oo cde que ab negaseram lascivas, imorais,sexsalmentelcen- loss cares de incligind A protimidade das rancas om a negeas no ambiente doméstico dava is primeitas ‘ipno'te qu conheriam realmente regia hia ‘contato dieto entre elas Embora baja pouco material pu biicado do comeco do s&ulo XX que documente as pereep- (es que as mulheres brancas tina das negra vie-ver~ Se epregacio restrngia a posibilidade de que os dois “desenvolvesem uma nova base de conta reciproco {bra da eaferadarelago entre servaesenbora, Morando em baits egregados, negra ebrancas tinham poucas opora- ridades de encontrar se num tertériocomum e neu ‘Demos dadas com mina rm i ‘A negra que se deslocava dé seu birzo segregado para as 4rexs brancas ¢“perigosas para trabalhar na casa de uma, famfia branca, jé no tinha um conjunto de rages famic liares, por eénues que fossem, que a empregadora branca conhecesse, como ocortia na escravidio. O novo arranjo social era um contexto tio desumanizador quanto a casa de fazenda, com a tnica vantagem de as negras poderem volear para casa. Nas circunstincias sociais da escravido, as senhoras brancas &s vers eram impelidas peas circuns- tncias, por sentimentos de earinho ou pela preocupagio ‘com seus bens a entrar no local de residéncia das mulheres nnegeas ¢ conhecer uma esfera de experiéncia que ia além ddaquela da relaggo entre serva€ senhor. Isso ndo aconte- cia com a empregadora branca. ‘A segregagio racial dos baieros (que era a norma na smaioria das cidadese reas ruras) significava que as negras salam dos bairos pobres para eabelhar em lares brancos privlegiados. Fra minima, ou nul, a possbilidade de que ‘ssa cicunstineia promovesse ¢estimulasse a amizade en- ‘re 0s dois grupos. As brancas continuaram encarando 25 ‘negras como concortentes sexuas, ignorando as agressGes «cabusos sexuzis das negeas pelos homens brancos. Embora ‘algumas tenham escrito emocionantes aurobiografias que descrevem os lagos de afevo entre elas ¢ suas empregadas negra, as brancas em geral no conseguiam reconhecer ‘que a intimidade eo carinho podem coesistr com a domi- nagio. Para as brancas que consideram suas empregadas negras como “parte da familia", sempre foi dificil entender aque 2 empregada talvez entenda essa relagio de mancira completamente diferente. A empregada poderd tera per- he Ensinando a erantgredr ‘manente consciéncia de que nenhum grau de afetoe cari rho elimina as diferencas de starus —ou a realidade de que as brancas exerciam poder, quet de modo benevolente, quer de maneira tiranica. Boa parte dos estudes auais escritos por mulheres brancas sobre os relacionamentos entre empregadas negras «suas patroas brancas apresenta perspectivas que realgam (0s aspectos positives, ofuscando 6 modo pelo qual as inte- ragBes negativas nesse contexto crlaram profunda descon- fanga e hostilidade entre os dois grupos. As empregadas negras entrevistadas por mulheres brancas geralmence dio a impressio de que seus telacionamentos com 2s patroas brances tinham muitas dimens6es positivas. Declaram a ‘versio da realidade que lhes parece @ mais educada e corre- ta, suprimindo frequentemente a verdade. E remos de Jembrar mais uma vee que, também no contexto de uma situagio de exploracio, lagos de carinho podem surgir ‘mesmo em face da dominagio (as feministas deveriam si- ber disso, dadas as provas de que o carinho existe em rela- cionamentos heterossexuais em que os homens malcratam as mulheres). Ao ouvir Susen Tucker fazer uma apresen- tacio oral de seu livro Telling Memories Among Sousbern Women: Domesie Workers Emplayers in the Segregated South, ime surpreendi com a disposiczo dela de reconhecer que, «quando crianga, sob os cuidados de empregadas negras, ela selembra de t-las ouvido virias vezes expressar sentimen- ‘tos negativos sobre as mulheres brancas. Sentia-se chocada porsuas expresses de raiva,inimizade e desprezo, Ambas nos lembramos de uma declaracio comum das mulheres nnegras: “Nunca conheci uma branca de mais de doze anos [De mss dada com minh mt be aque ea fe capex de rape” A dicuto contenpot- fet de Ticker contra com sie lembrangse pins um qd ito mais pti, Or edo das lage ene 2 mulheres negate banc pecs paras de enfoct tomente a questo de aber ee interapioene mpeese ds negra patoas bance “Pola” Par compe enderos slab contemporines, tmos de explora Impacto deme encontor abr a prcpcto gob que ab agra tem dis branas. Mains neges que nunca foram mpregadasreceberam de uae parent algumas iis secs das branes eas que moldam sus expeoativae ines ‘Minha lembrangts ¢ minha concocia anal (bse dase conversa com minha me que tabula come en pregada part mulheres branes eos coments ¢ nae trade nega dat noms contnidades)indcam que em conteros segue as nga uinham csoperas neg tos de tabular como empregadss para mulheres ban cox Expr inten ava, held, margre ie: jae poutine afro ecrinho= mesmo quando flan Pesiivament, Miitasdesas mulheres rconbecen loaf que toftem no empreg, ienfcand os moder Polo quss io ues visas humilhares demersal €siuagtes dgradantes Ene econhecmento eve sj 0 ‘rgo mas allem numa situa em que a nega abn deter sentiments poivo acta de sua paro branea (0 livro Between Women, de Judith Rollins, faz uma caso ile inten dens reacionamentay) alan quer com domécs nega, quer com ngs que mbalham ors, cons que mala xmagadora ve Ensinando a wangreir de suas percepybes das mulheres brancas é negativa, Mui- tas negras que ttabalharam como empregadas em lares ‘brancos, particularmente na época em que as mulheres bran- cas nfo trabalhavam fora, entendem que as brancas man- tém uma postura egocéntrica e infantil de inocénciae ir- esponsibilidade & custa das mulheres negras. Observa-se repetidamente que o grau com que as mulheres brancas slo capazes de se afastar da realdide doméstica, das res- ponssbilidades de cuidar das criangas e do servo domés- fico é determinado pela medida em que as negras, ou ak jgum outro grupo subprivilegiado, estio amarradas 2 es ‘uabalho, obrigadas pela circunstincias econdmicas a apa- rar as arestas, a assumir aresponsabilidade, arece-me paradoxal que as negra frequentemente cti- siquem as brancas a partir de um ponto de vista néo femi- nista, enfatizando que as brancas aio eram dignas de ser postas num pedestal porque eram preguigosas ineptas © jrsesponsveis, Algumas negras pareciam sentir uma raiva specifica diante do faco de seu trabalho ser “supervisiona- dda" por brancas que clas consideravam inefcientes ¢inca- pases de desempenhar as proprias tarefas que coordena- ‘vam. As negras trabalhando como empregadas em fares brancos estavam numa posicio semelhante & dos antrop6- logos culturais que buscam compreender uma cultura di- ferente. Do ponto de vieta de quem est i dentro, as negras aprendiam sobre os esilos de vida dos brancos. Observa- vam todos os detalhes dos lares brancos, do mobilirio ds relagées interpessonis. Anotando do na meméria, emi- tiam jutzos sobre a qualidade da vida que cestemunhavam, comparando-a & experiéacia dos negros. Dentro das co- ‘De oe dade com mina rm or ‘munidades negras segregadas,parlhavam suas percepgbes do “outro” banc, Em gral, seus relaoseram mais negai- vvos quando descreviam as malheres brancas eram capazes dd estudé-as com muito mais regularidade que os homens brancos, que nem sempre estavam presents. Jd que 0 mundo branco racistarepresentava as nogras como prosti- tua as negra examinavam os atos das brancas para verse seus costumes sexuais eram diferentes. Suas observagbes ‘muitas vezescontradiiam os estredipos. No ger, os en- concros das negas com as brancas na relagio entre empre- gas e patroasdavam is negras a convicgio de que os dois grupos slo radicalmence diferentes e no pariham uma linguagem comum. E esse legado de aticudes e reflexes sobre as mulheres brancas que ¢ partlhado de geragéo em getagdo, mantendo viva «sensacto de distincia esepars- Go, sentimento de suspeitaedesconfianga. Agora que as Telagbes interraciais entre brancos ¢ negros so mais co- ‘uns, as negras vem as brancas como concortentes exizis ~independentemente da prefercia sexual ¢fequente- met item cna de apr me pad ap dapoiniae nos arent deta. scussbes contemporineas(académicas ou pestoai) dary coue makers nope e bats ramet jovortem em contextos de integracdo racial. As brancas que declarar suas impresses em esritosacadémicoseconfes- sionais em geralignoram a profundidade da inimizade en- tae os dos grupos, ou a veem como um problema excusi- vo das negras, Muitas vezes, em cfrculo feminists, ouvi brancasfalarem sabre ahosildade de uma determinada negra perane as mulheres brancas como se ese sentimento be Ersinando swangrecir io tivesse suas razes nas rlagées histéricas € nas intera- ‘ges contemporineas. Em vez de explorar as razbes pelas ‘quaie essa hostildade existe ou de the atrbuir alguna legi- timidade como reacio adequada & dominagio ea explora- ‘fo, clas veem a mulher negra como teimosa, problerti- «a, irracional e“louca’. Até 0 momento em que as brancas orem capazes de confiontar seu medo e édio das mulheres nnegras(e vice-versa), até conseguirmos reconheoer a histé- ria negativa que molda e informa nossas interagées con- temporineas, nao avers didlogo franco

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