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Sumario Agradecimentos ... APRESENTAGAO Um Paraiso das Maravilhas infernal... Luiz Mot... Ixreopu gto. A metonimia de um crime... Cariruto I O cenério ¢ a cen Cariruto IT No Paraiso das Maravilhas a perspectiva homoerdtica 1... 1. A descoberta do corpo ¢ as primeiras providéncias 2. Da vida da vitima .. 3. Conhecendo o Paraiso das Maravilhas Cariruto IIT No Paraiso das Maravilhas — a perspectiva da violéncia .. 1. Oo relatoe de asealtos pelos homossexuais 2.0 ponto de vista dos agressores, Cariruvo IV Primeiras investigagoes e seus desdobramentos — diligéncias ¢ casos pitorescos (1946-1952). 1. A aco policial (1946-1948) 2. Alfredo Zuquim, o ‘Sherlock da montanha’ 3, Ac providéncias do delegado Luiz Soares de Souza Roch: Cariruto V A esfinge Décio Frota Escobar ... 1. A espoca acusadora ... 2. 0 indigitado matador de Luiz Gongalves Delgado 3, Um vasto personagem filante de fotogratias 4. Novas emogies na instrucao criminal 5. Mais algumas emogoes ao findar do ano Digitalizado com CamScanner Agradecimentos Ao Humberto Werneck, por me apresentar a primeira verstio resumida a que tive acesso do Crime do Parque; Aos funcionarios da Hemeroteca do Arquivo Piblico do Estado de Minas Gerais, em especial A Thats, Jairo, Gustavo, Saulo e Cida; Aos professores e funcionarios do Laboratério de Ensino e Pesquisa Historica al LaDEPH —. do curso de Histéria do Centro Universitério de Belo Horizonte (Uni-BI), em especial ao Jodo Alfreda, Jasé Humberto e Mauricio; Ao Bernardo Assis Cambraia Diniz, Coordenador do Arquivo de Processos do Forum Lafayette; Ao Luiz Mott e Huides Cunha, pelas informagdes fornecidas e 0 estimulo; Ao Rodrigo Reis, pelo levantamento de varias informagdes de utilidade para a preparaciio deste trabalho; ‘Ao Rodrigo Prado, pelo apoio nas oricntagdcs ¢ csclarecimentos sobre questdes juridicas; Aos juizes da 14 Vara Criminal, dr. Adriano, da 6* Vara Criminal, dr. José Dalai, e da 10 Vara Criminal, dr. Eduardo Grian, pela autorizagdo para consulta e reproducav dus processos comuns, de interesse deste trabalho, conduzidos pela Justiga Publica em suas respcctivas Varas; ‘Ao Alexandre, Bruno Leal, Bruno Velano, Claudio, Hércules, Joao, Rodrigo Prado, Rodrigo l'eodoro, Rogério, Sérgio e Valéria, pelos diversos momentos em que escntaram e comentaram sobre fatos ligados ao Crime do Parque, pela paciéncia ¢ disponibilidade; ‘Ao Bruno Velano, ao Joao, a Valéria e ao Rodrigo Prado, em especial, mas também ao Alexandre, Bruno Leal, Heércules e Rodrigo Teodoro pela leitura atenta e atenciosa e as sugestoes dadas sobre o trabalho. Digitalizado com CamScanner NTACAO Um Paratso das Maravilhas infernal... Luiz Mott Professor Titular de Antropologia da Universidade Federal da Bahia e Decano do Movimento Homosexual Brasileiro yX “YA homossexualidade & tao antiga quanto a prapria humanidade”, costu- mava repetir Goethe. Endo obstante a antigiiidade e a veracidade de tal constatagao, 0 amor e€ 0 erotismo entre pessoas do mesmo sexo continuam sendo o maior tabu do mundo moderno, unindo gregos e troianos, ocidentais € orientais, numa guerra milenar de palavras e atos de repulsa a esta “raca sobre a qual pesa uma maldicao e que tem de viver em mentira e perjirio”, j4 que sabe que se tem por puntvel e inconveniente, por inconfessével, 0 seu desejo, o que constitui para cada criatura a maxima docura de viver: essas criaturas de excecdo, de quem nos compadecemos, constituem multidao, sendo esses descendentes dos sudomitas to numerosos que se lhes pode aplicar aquele versiculo do Génesis: “Se alguém puder contar os graos de pé da terra, poderd contar essa posteridade pois se estabeleceram em toda a terra...” A citacdo é de Marcel Proust, paradigmatico homossexual egodistnico, na obra Sodoma e Gomorra. Em lado oposto, seu contempora- neo André Gide, homossexual egosinténico, no Corydon, defendeu: “Se cada adolescente fosse abandonado a si mesmo, e se a repressio exterior nao interferisse, dito de outa maneira: se a civilizagao se relaxasse, os homosse- xuais seriam ainda mais numerosos.” E completa: “Aposto que, antes de vinte @nos, os termos contra a natureza, antifisico etc., nado mais serdo levados a sério.” Infelizmente, tal profecia ainda nao se realizou completamente, jé que continuamos caudatarius de uma \wadico_agressivamente_heterossexista, “heterror-sexista”, que durante milénios puniu com a pena de morte “o ho- mem que dormir com outro homem como se fosse mulher”, instituindo a Digitalizado com CamScanner homofobia — 0 Adio & homossexualidade — como elemento estrutural ¢ constitutivo da moral sexual dominante. Mesmo com 0 apagar das fogueiras dda Inquisigao (1821) ea descriminalizagto da homossexualidade, ainda hoje, in: “Prefiro um filho ladro, do que homosexual”. pais e mies repetei d C ; 60 campefio mundial de assassinatus ce Brasil carrega vergonhosa lideranga: Ipe Ide homoseoxuais, registrando-sc um “homocfdio” a eada dois dias, ste instigante liv, Paraiso das Maravilhas: uma historia do Crime do Parque, 6 um estudo primoroso de um crime de édio anti-homossexual ocyp. rido em Belo Horizonte, em 1946, no Parque Municipal, cujo principal suspeito, Décio Frota Escobar, terminard seus di s, cle Proprio, vitima de um crime homofdbico (1969). Partindo da minuciosa reconstituigao do “cr. me do Parque”, trabalho a um tempo beneditino e sherlockiano, 0 Prof. Luiz Morando oferece-nos inédita ¢ cuidadosa etnografia do _universo homosse- sual masculino na capital mincira a partir da década de-40, utilizando-se ¢ mesclando, coni maestria, quatro discursos: 0 juridico, o policial, o jornalistico eo depoimento de sobrevivente. E também textos literarios, quando dispo- niveis. Ao analisar estes distintos acervos documentais, 0 autor aponta suas contadigdes, fantasias, preconceitos, salicntando os “furos” processuais ¢ evidenciando as relagdes do jornalismo com a forga policial. Além de entre- vistar conhecidos das personagens ligadas a este famigerado homicidio até hoje no esclarecido, Morando esteve ¢ leva o leitor ao local do crime, aos seus arredores ¢ estabelecimentos da época. 0 livro representa si i contribuigao hist6ria, sociologia e geografia urbana de Belo Horiz ~meados do século XX. reas Epocaenr que 0s homossexuais eram chamados nos documentos polici- ais, judiciais e na imprensa mineira e nacional por termos pejoralivos, tais como anormais, pederastas passivos, pervertidos, frescos, bichas, veados, jujts, tarados, invertidos, desviados, viciudos. Epoca em que nomeavam e considle- ravam o “homossexualismo” como distirbio sexual, anomalia, anormalida- de, vicio. Alguns destes termos, hoje considerados politicamente incorretos, Por screm anticientificus, eram acriticamente utilizados pelos cientistas © sexélogos mais famosos da época — como Paolo Mantegazza (1831-1920) neurologista ¢ antropélogo italiano; Gregério Marafion (1887-1960), cated tico espanhol cujas teorias endocrinolégicas muito influenciaram os psiquitt tras brasileiros; harles Fouqué, sex6logo francés, autor do livro Homossexue” lismo: 0 amor que néto ousa dizer seu nome, publicado no Brasil em 1953 ~ todos citados pelos advogados ou jutzes mineiros envolvidos com o'*erime Parque”. A partir dos depoimentos de diversos “pederastas passivos” constantes nos autos processuais do “crime do Parque”, encontramos certas recorréncia® Digitalizado com CamScanner ‘enldo observadas..em Belo Horizonte, que permanecem bastante estiveis ‘generalizadas tura gay” internacional, inclusive no_ ipotese da permanéncia de certos padres culturais-comportamentais através das iltimas centirias. A primeira constatagao é a utilizagdo do principal parque municipal de Nossas capitais e maiores centros urbanos como locus de socializagao-e Paquera da comunidade gay: o sexélogo baiano Estacio de Lima, na obra A inversdo dos sexos (1935), nomeava entre os principais espagos de reunizio dos “invertidos” as respectivas Pracas da Repitblica do Rio de Janeiro e de Sao Paulo, o Campo Grande em Salvador, o Parque Redengio em Porto Alegre, entre outros. 0 préprio teatrélogo Martins Pena (1815-1848) teria se referido a freqiiéncia de “fanchonos” no antigo Campo de Santana, na capital do Império. E apesar dos préprios “jujus” frequentadores do Parque Municipal belorizontino tcrem-no baticadu de “Parafso das Maravilhas”, a Teconstituicao apresentada pelo Prof. Morando do que ali se passava no dia a dia, ou melhor, na maioria das noites e madrugadas, confirma um segundo aspecto crucial e persistente na histéria da homossexualidade no Braail: a homofobia. Homofobia que obrigava esses indefesos “tarados” a procurar a escuridao do Parque para entabular seus amores clandestinos. Homofobia que fazia de cada ida-a este“Recanto das Maravilhas’-tambem teferido como “Patio dos Milagres”, uma roleta russa para os “missexuais”, jé que muitas vezes redundava em extorsées, pancadaria, assalto e, 0 Pior, assassi- nato. E foi exatamente este final infeliz que, com 28 facadas, ceifou a vida do eletroquimico Luiz Delgado, a vitima deste famigerado crime, que teve como suspeito principal seu amigo particular, Décio Frota Escobar. Outro aspecto da subcultura gay mineira do pés-segunda guerra mun- dial apresentady neste liviu, © que confirma a ligacao essencial cam a histé- ria da homossexualidade masculina lusu-brasileira e ocidental, é a apropria- ao de diversos tragos do universo das mulheres por parte dos “pederastas passivos”. A comegar pela adogiio de nomes femininos: os ueze “habitués” freqiientadores deste fatidico parque florestal inquiridos pela policia cita- ram, entre seus codinomes: Jasmim, Perfume da Madrugada, Flor de Espe- ranea, Dorian Gray, Marieta, Estrela Matutina, Messalina... No século XVII, dentre os “sodomitas” presos pela Inquisigao Portuguesa, foram nomeados: Paula de Lisboa, Isabel do Porto, a Cardosa, Joana de Freitas, Maria Fernandes, Arquisinagoga, a Bugia da Alemanha, a Fajarda, a Turca, a Mosca, Francisquinha. Na Paulicéia Desvairada, nos anos 30, as “bichas” usavam como “nome de guerra”: Gilda, Zazd, Tabu, Marlene, Conchita, Damé. Hoje, na Bahia, ha “monas” conhecidas como: Bidu Say’o, Maria Luiza, Paulette, Leocret, Paloma, Ronaldette, Luana Bonocd, Bagagerie Digitalizado com CamScanner Spielberg, Tatiana Beatriz... Um detalhe/coincidéncia onomastica merece ser lembrado: Luiz Delgado era o nome do mais assumido e ousado sodomita juso-brasileiro a viver na Bahia e Rio de Janeiro nos finais do século XVII, preso duas vezes pelo Santo Oficio, exatamente 0 mesmo nome do homosse. xual vitima do “crime do Parque”, trezentos anos depois. O livro Paraiso das Maravilhas & muito mais que “Uma Historia do Crime do Parque”: 6 a porta de entrada para se conhecer detalhadamente as nuances e matizes até entdo pouco conhecidos da-vida-utbana-em-Belo Horizonte nos meados do século XX, notadamente a sociabilidade e percal- gos da popnlacao_homossexual, mas, também, como tal segmento sécio- ‘sexual era representado no imaginario e na escrita dos mineiros através de diferentes categorias profissionais e corpora documentais. Livro importante, pesquisa cuidadosa, escrita escorreita, uma obra definitiva sobre o tema. Mas também um brado contra a intolerfncia! Digitalizado com CamScanner Todo homem sente prazer em seu crime. Seneca, Epistulae, 97.11 Digitalizado com CamScanner IntRopucAo A metonimia de um crime Nos tiltimos anos tem aumentado o nimi construg&o das identid, Ce ero de pesquisas a respeito da lades homoerdticas em diversas regides brasileiras, OM 0 crescimento do movimento organizado de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LCBTT) em todo pais, uma das formas de dar maior visibilidade a essa parcela da populagao foi buscar e pesquisar registros que @pontassem para a tentativa de formagiio de uma identidade em determina- do territério. Do ponto de vista do universo das pesquisas que se aprofundam na compreensio desse tema nas décadas passadas — portanto, com interesse histérico e cultural -, hA uma lacuna no que toca a Belo Horizonte. Nao ha na capital mineira uma pesquisa mais detida que tente compreender a (trans)formagio de uma identidade homverdtica ao longo de sua historia. Este trabalho nao tem a intengfin de preencher essa lacuna. Ao contrario, lum projeto com essa missiio precisa ter maior folego e resgatar um mimero maior de documentos. No entanto, este livro cumpre, de, por meio da apresentagiio de um acontecimento o seus desdobramentos, pontuar diversos elementos possivel compreensio de formas de sociabilidade e homoeréti a0 seu modo, 0 papel corrido em 1946 e de

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