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NOVOS RUMOS A IMPRENSA OPERARIA NO BRASIL ASTROJILDO PEREIRA ‘Ao receber 2 incumbéncia de fazer uma palestra, nesta série organizada pelo MATP, logo me acudiu o seguinte assunto: a imprensa operdria no Brasil. Pareceu-me que seria de nao pouco interesse lembrar os predecessores da nossa Tribuna Popular, isto ¢, 08 jomnais que no passado se consagravam, de uma forma ou de outra, a obra hist6rica de esclarecimento das massas trabalhadoras e de luta pelo progresso do Brasil Evidentemente, mio caberia nos limites de uma simples conversa entre amigos, como a que estou fazendo, traar a historia da imprensa operdria em nosso pais. A matéria daria para todo um curso ov para um livro, que seria a0 ‘mesmo tempo uma verdadeira hist6ria do movimento opers- rio brasileiro, desde os meados do século passado até os dias de hoje. Devo restringir-me, por conseguinte, a algumas indicag6es mais significativas, valendo-me, para tanto, dos dados colhidos em pacientes pesquisas por Mauricio Vinhas de Queiroz, ¢ também, no tocante a datas mais recentes, da minha prdpria memoria, _ “O SOCIALISTA DA PROVINCIA DO RIO DE JANEIRO” jornal mais antigo, que nos pode interessar aqui, intitu- lava-se O Socialisia da Provincia do Rio de Janeiro, publi- cado em Niteréi, a partir de 1¢ de agosto de 1845. Safa de trés em trés dias, © a sua colecdo, no sei dizer se com- pleta, se encontra na Biblioteca Nacional, em perfeito esta- do, impresso em papel de qualidade superior ao dos jornais dchoje. Em seu nimero inaugural, € assim definida a signifi cago da palavra que the serve de titulo: ‘O -vocabulo — Socialista — sob cuja denominagio sai hoje & luz a nosse folha, define exuberantemente 0 objetivo principal com que ela é publicada: a conservagdo ¢ melhora do pouco de bom que existe entre nés; a extirpacio de abusos e vicios provenientes da ignorancia, falsa educagéo ¢ imitago sem critério; a introdugéo de novidades do pro- gresso universal; enfim, todo o aperfeicoamento de que for suscetivel a sociedad, provincial, nacional ¢ universal, quer nna parte moral, quer na material, em que naturalmente estd dividida a morada humana no mundo terreno. Assim, pois, 0 Socialista tratara de agronomia pritica, economia |, didética jacobista, politica preventiva e medicina do- méstica, e sobretudo do Socialismo, ciéncia, novamente ex plorada, da qual basta dizer que seu fim é ensinar os homens se amarem uns aos outros”, cia socialist, desde Fourier, progride @ passos agiganta- dos...” Estas coisas, escritas ¢ publicadas em Niter6i, no ano de 1845, convenhamos que S40 na realidade surpreendentes. Mas outra coisa me surpreendeu também, ao folhear a cole- gio @'O Socialista da Provincia do Rio de Janeiro — 0 fato de ter parado no 3¢ nimero do periddico a propaganda das idéias socialistas, enchendo-se as suas paginas quase que inteiramente, dai por diante, com os debates travados na Assembléia Legislativa da Provincia. Que teria aconte- ido? Nao sei, e sé alguma pesquisa mais demorada poderia talvez responder a indagagio. Como nao hé tempo para tal pesquisa, passemos adiante. “O PROGRESSO” No Recife encontraremos, pela mesma época, outro peri- dico de tendéncia socialista, Intitulava-se O Progresso, apareceu como publicacéo mensal, em forma de revista tendo saido o I: nimero em julho de 1846 ¢ 0 11 ultimo em setembro de 1848. Era seu editor Anténio Pedro de Figueiredo, professor adjunto do Liceu de Pernambuco. Al- {redo de Carvalho, historiador da imprensa pernambucana, Este texto foi editado originalmente na Re- vista Estudos — publicagao clandestina do PCB, no inicio da década de 70 — n* 4, de junho de 1972, com introdugao e notas de Tho- maz Ramos Neto (nome de guerra” de Frag- man Carlos Borges), a partir de manuscritos deixados por Astrojildo Pereira. Estes manus- critos constituem 0 roteiro preparado por As- trojildo para uma conferéncia que pronunciou na Associacao Brasileira de Imprensa, ABI, no Rio de Janeiro, em julho de 1947, com o obje- tivo de angariar fundos para a imprensa comu- nista, promovida pelo Movimento de Auxilio & Tribuna Popular (diério do PCB). Sua republi- cacao deve-se, em primeiro lugar, ao fato de ter sido editado numa revista de circulagao ex- tremamente restrita; em segundo, o fato de fornecer um excelente esbo¢o para compreen- sao da historia da imprensa operéria brasileira e, por fim, como homenagem — no centenério de seu nascimento — a este que foi um dos mais importantes dirigentes do movimento operdrio do pais, fundador do PCB e um dos introdutores do marxismo no Brasil. 82 NOVOS RUMOS refere-se a formagao mental de Figueiredo, familiarizado com as teorias econémicas de Saint Simon, Fourier e Owen, © Progresso era um periddico que correspondia plena- mente ao seu titulo, ¢ refletia com fidelidade o pensamento progressista do seu diretor, homem arguto e bem informado acerca dos problemas economicos e politicos do seu tempo, As tendéncias socialistas reveladas em seus artigos decor- rem, naturalmente, da sua receptividade as idéias de Fou- tier, Saint-Simon, Owen ¢ outros da mesma natureza Cabe aqui lembrar 0 nome do engenheiro francés Vau- thier, que viveu no Recife, de 1840 a 1846, contratado pelo governo da Provincia para dirigir as obras puiblicas da capital Pernambucana. Vauthier era um adepto fervoroso de Fou- Tier, e como tal exerceu do pequena influéncia nos meios «em que vivia, conforme se pode verificar do seu disirio in ‘mo, editado pelo Sr. Gilberto Freyre, que também Ihe de cou um livro, onde se Ie: “Vauthier concorre para a irradiaglo das idéias socialistas francesas nesta parte da América. Empresa livros. Indica autores. Assina gazetas. Consegue assinantes para revistas francesas. Hd que associar a sua agio a voga de Saint-Simon, de Fourier, de Owen, no Recife intelectual da época’ Digamos, por fim, que Vauthier foi colaborador assiduo da revista de A.P. de Figueiredo. “O JORNAL DOS TIPOGRAFOS” Ja vimos que 0 “socialismo” d'O Socialista da Provincia do Rio de Janciro durou muito pouco, embora o jornal sobrevivesse até... Mais importante, sem diivida, foi O Pro- _fess0, como expresso do que podia haver de mais progres- sista na imprensa brasileira de meados do século XIX. Mas nem O Socialista de Niteréi, nem O Progresso do Recife foram publicagdes operdrias. Nao 0 poderiam ser, tampou- 0, visto que a propria classe opersria como tal mal eomecava a formar-se entre nds. O primeito jornal realmente operatio, feito por operarios, {que se publicou no Brasil, foi o Jornal dos Tipdgrafos. Sua importancia hist6rica ndo resulta apenas do fato de ter sido ‘© primeiro, mas sim do fato de ter surgido como um érgio de luta operiria, como 0 porta-vor de trabalhadores em reve. Mauricio Vinhas de Queiroz contou a hist6ria do Jornal dos Tipdgrafos, em artigo muito interessante aparecido na Revista do Povo. Resumirei os dados contidos nesse artigo Os maiores jornais do Rio, na época em que ocorreu a greve, cram 0 Dirio do Rio de Janeiro, 0 Correio Mer- ccantil ¢ 0 Jornal do Comercio. Os operérios gréficos, que trabalhavam nas oficinas desses jornais, pediram um peque- NO aumento nos respectivos saldrios. ‘Os patroes, depois de protelarem a resposta durante um més inteiro, acabaram negando 0 modesto pedido. Esta resposta negativa foi dada a8 de janeiro de 1858. No dia seguinte, 9de janeiro, nenhum jornal saiu a rua. Mas os grevistas ndo se limitaram a aban- ‘donar as oficinas onde trabalhavam. Nao: reuniram-se, re- ‘correram a todos os recursos disponiveis e resolveram publi- ‘ar 0 seu proprio jornal. Era seu intuito ndo deixar o puiblico em falta © a0 mesmo tempo utilizar 0 novo 6rgao como instrumento de defesa na luta que haviam iniciado. Sai assim o 1! nimero do Jornal dos Tipdgrafos no domingo, 10 de Janeiro de 1858, A luta, nada fécil, como se pode imaginar, prolongou-se durante pelo menos dois meses, segundo & de supor & vista da colecéo de 60 niimeros publicados diariamente pelo Jor- nal dos Tipdgrafos. Os patroes langaram mao de todos os meios para liquidar 0 movimento: a policia, o ministro da Justiga, o ministro da Fazenda, a Imprensa Nacional, o su- borno, a intriga, a difamagio, e acabaram vencendo; mas a resisténcia € combatividade dos grevistas ainda hoje constituem motivo de admiracao, levando-nos a recordar © fato como um dos mais gloriosos episédios da histéria das lutas operirias em nossa terra No artigo de Mauricio Vinhas de Queiroz, que estou resu- mindo, ressalta-se, com toda a razio, que a greve de 1858, tal qual se desenrolou, teria sido impossivel se néo fosse a existéncia, ja entdo, de uma organizacao profissional dos tipdgrafos, a Imperial Associagao Tipogratica Fluminense, fundada desde 1853, ¢ certamente um dos primeiros agrupa- ‘mentos operdrios surgidos no pats. Era uma associagdo de cardter mutualista, com finalidades meramente beneficen- tes; mas 0 préprio fato da organizacao dos operarios, unidos pelo seatineato de solidaridade profisiora, levava-os, por sua vez, pela natureza mesma do desenvolvimento associa- tivo, a uma consciéncia de classe cada vez mais clara. A Breve, agdo de classe, produziu 0 “momento” necessério a manifestagéo pratica da consciéneia. A Associagio Tipo- agrafica possuia em caixa a importancia de 12 contos de réis, destinados normalmente aos fins de beneficéncia associativa ois bem, a Associagao empregou 11 contos — quantia ele- vada para a época € que representava quase todo o seu ‘patriménio em dinheito — na manutencio do Jornal dos Tipdgrafos. De Sreao limitado a simples atividade mutua- lista, 2 Associacao adguiria de pronto o carater de legitima representante dos interesses de classe Nio por acaso estampava o Jornal dos Tipdgrafos, em artigo escrito em plena batalha, as palavras que se seguem: “Jd é tempo de acabarem as opressoes de toda a casta; jd € tempo de se guerrear por todos os meios legais toda exploragdo do homem pelo mesmo homem. ATE AO ADVENTO DA REPUBLICA. Compreende-se que os operétios gréficos, trabalhando em tipografias e fazendo jornais para os outros, tenham sido os primeiros a pensar em fazer jornais para a propria classe. Depois da admiravel experisncia do Jornal dos Tipd- grafos, c passatios quase dez anos, coube ainda aos griticos, 3 iniciativa de um periédico operirio: O Tipdgrafo, publi- ado aqui no Rio nos anos de 1867 a 1868. Encontramos outro titulo de jornal, em 1881, provavelmemte feito tam- bém por tipégrafos: Gutenberg. E. jd nas vésperas da Repui- blica, em 1888, apareceu a Revista Tipografica, que alcangou ‘© novo regime. Em artigo assinado por seu ditetor, Luiz de Franca, no qual se encarecia a necessidade de se organizar © partido operario brasileiro, lemos estas informagées:

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