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~FILOLOGIA Vince olhares sobre o portugués medieval Leonardo Lennertz Marcotulio Gélia Regina dos Santos Lopes Mario Jorge da Motta Bastos Thiago Laurentino de Oliveira Diregao: Awortia Custo10 Capae diagramacdo: Tusa Cusron Reviséo: Twunao Zit PASSERINE CIP-BRASIL. CATALOGACAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RU S24 Filologia, historia e lingua : olhares sobre 0 portugués medieval / Leonardo Lennertz Marcotulio ..[et al.- 1. ed. - S80 Paulo : Parébola, 2018, 336 p. ; 23 cm. (Linguagem ; 81) Apéndice Inclui bibliografia ISBN 978-85-7934-144-1 1, Manuscritos portugueses. 2. Manuscritos medievais - Portugal. 3. Filologia portuguesa. 4. Lingua portuguesa - Hist6ria. |. Marcotulio, Leonardo Lennertz. Ill, Série. 18-4907 COD: 469 CDU: 811.1343, ‘Meri Gleice Rodrigues de Souza - Bibliotecaria CRB-7/6439 Direitos reservados PARABOLA EDITORIAL Rua Dr. Mario Vicente, 394 - Ipiranga 04270-000 Sao Paulo, SP pabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ov transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletronico ou mecanico, incluindo fotocdpia e gravacao) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados si Permissdo por escrito da Parabola Editorial Ltda. em © do texto: Leonardo Lennertz Marcotulio, Célia Regina dos Santos Lopes: Mario Jorge da Motta Bastos, Thiago Laurentino de Oliveira, 2018 © da edicao: Parébola Editorial, Sdo Paulo, maio de 2018 / X j PARTE I \ \ _ O labor filol6gico \ Da leitura a edicdo } de textos antigos ma das formas de resgatar a historia de uma lingua é partir da historia dos textos redigidos desde sua origem como Ifngua escrita. A realiza. go dessa tarefa, entretanto, pode nao ser muito simples quando Nos deparamos com os primeiros manuscritos de épocas mais remotas. Além do desgaste natural da agdo do tempo sobre a documentacao (rasuras e deterioracdes do suporte de escrita, manchas etc.), ha as dificuldades par, decifrar uma escrita diferente daquela que se tem hoje na era digital e entender as caracteristicas especificas de cada tradigao textual. Areconstrucao da historia da lingua numa perspectiva de resgate dos seus textos antigos exige que o historiador tenha alguns conhecimentos basicos da Area da filologia (também entendida como critica textual), que pode ser definida como a ciéncia que estuda a génese e a escrita dos textos, sua difusdo e a transformacao dos textos no decurso da sua transmissao, as caracteristicas materiais e 0 modo de conservacSo dos suportes textuais, o modo de editar os textos com respeito maximo pela intenc3o manifesta do autor (Castro, 1992: 124). 0 filélogo seria o pesquisador responsavel por estudar os textos antigos considerando seu contexto sécio-histérico de producao e circulacao, além de se ocupar da recupera¢ao, preservacao, fixacao e edigdo dos textos que podem ser posteriormente submetidos a andlises linguisticas. Todo historiador “° lingua deve conhecer o trabalho filolégico de leitura e preparagao das fontes que serao seu material de estudo. E é exatamente isso que faremos nos dois capitulos da primeira parte deste livro. Mas por que esse trabalho é importante? Para que serve? 0 que 5 a edigao de textos? Que elementos s4o necessdrios para a leitura de tex! antigos e, mais particularmente, medievais? A resposta a estas pergun’*> = dard a partir da realizagao de atividades praticas. Para tanto, trabalhar Com trés textos de momentos distintos no tempo: um texto atual e um" texto Novecentista, no capitulo 1; e um texto medieval, no capitulo 2. ceria tos emos Capitulo 1 Edicao filologica Preparacao de textos para o estudo da historia da lingua 11. Um texto atual magine a seguinte si- tuacdio: seu av6, que mo- ra com vocé, acaba de comprar um celular de tl- tima geragdo e recebe equi- vocadamente a mensagem ao lado: Apés fazer a primeira leitura, seu avé compre- ende algumas partes do texto, mas nado consegue decodificar totalmente a mensagem. Nesse momen- to, nao ha ninguém em casa que possa ajuda-lo. Como ele ainda nao domina as ferramentas do celular e “| I F allo WL 15:27 cba w ©: ola td bem ve n me conhece mais eu te vi entrano lana escola ontem e hj tb gostei mt d ve qro ti conhece peguei teu tel c uma amiga agente pode se encontra p convesa 0 q vc acha meu nome eh ana mas se ve n quize fala com migo m disculpa bjs -20 os 0 - do novo aplicativo de troca de mensagens instantaneas, nado sabe que as Mensagens recebidas ficam automaticamente armazenadas. Pensando que, ao a330 OLAnOR FiLOLGcIco desligar o celular, a mensagem poderia desaparecer, ele decide copiar fielmente a mensagem numa folha de papel para mostrar a alguém. Apés transcrever a mensagem em papel, o resultado seria o seguinte: mais eu te vi entrano lana escola ontem e hj tb gostei mt d vc qro ti conhece peguei teu | tel c uma amiga agente pode se encontra p convesa 0 q vc acha meu nome eh ana mas se ve n quize fala com migo m disculpa bjs | Observe essa transcrigao e verifique se houve ou nao uma reproducao fiel e literal do texto. Qual é a importancia de se fazer esse tipo de trabalho? A transcri¢do feita seria acessivel a todos os tipos de leitores? Vocé deve ter notado que essa transcrig4o se manteve fiel 4 mensagem enviada pelo aplicativo do celular. Para nao perder nenhuma informacao, seu avé reproduziu literalmente o que leu e fez uma transcricaéo sem nenhum tipo de intervengao. Em outras palavras, o objetivo central dessa tarefa foi a preservacao do texto. Como 0 avé desejava que o texto chegasse a outros leito- res que, nesse caso, pudessem ajuda-lo a decodificar a mensagem, foi preciso conservar 0 texto em outro suporte que, na perspectiva de nosso personagem, preservasse o texto em seus aspectos originais. Esse tipo de transcrigao, no entanto, somente estaria disponivel a um publico que pudesse decodificar 0 texto sem nenhum tipo de intervengao, 0 que nao é 0 caso do seu avd. ‘Ao chegar em casa, seu avo mostra a vocé a folha de papel em que trans- creveu a mensagem e pede sua ajuda para decodificar algumas partes. Nesse momento, no entanto, vocé nao pode ajuda-lo, pois precisa estudar para uma prova. Assim, vocé promete que leré a mensagem recebida e tentard esclarecer as possiveis dividas dele. ola td bem vc nme conhece | | Antes de dormir, vocé decide olhar 0 texto transcrito. Nota que nao teve dificuldades em decodificar a mensagem, j4 que compartilha dessa pratica de escrita e das convengées utilizadas no texto. Vocé se pergunta quais poderiam ter sido as dificuldades enfrentadas pelo seu avo. 0 que acha que pode ter impedido a decifragao da mensagem? Vamos supor que o grande “vilao” para o entendimento do texto tenha sido © grande numero de abreviaturas desconhecidas pelo seu avd. A ordenagao da mensagem em si e algumas questées relacionadas a aspectos mais formais da lingua presentes nao seriam, em sua opiniao, impedimentos a decodifica¢a0 2340 MEDIgéo FLoLdcica m@ da mensagem, jé que retratariam uma forma bastante comum de escrever em portugués nesse tipo de ferramenta digital, Assim, vocé lista as abreviaturas 5 em uma nova verso que incorpora as interven- presentes, desenvolvendo-a Seu objetivo nao é s6 preservar o texto, mas tornd-lo mais acessivel oes fei ao leitor. Que abreviaturas estado presentes na versio original? Destaque todas as abreviaturas presentes na mensagem e desenvolva-as Apés essa tarefa, voce deve ter chegado A seguinte lista: UL eC td tudo ve voce n nao hi hoje tb também mt | muito d de aro quero tel telefone c com P para a que m me bjs beijos Na manha seguinte, seu avo encontra a lista com as abreviaturas desenvol- vidas e uma nova versao, juntamente com uma nota que diz: “V6, alguém deve ter te mandado essa mensagem por engano. Ela té escrita na linguagem dos jovens de hoje, por isso vocé teve dificuldades pra ler. Fiz uma lista das abreviaturas que os jovens usam hoje em dia na internet e uma nova verso da mensagem. Espero que agora vocé entenda. Qualquer coisa, de noite a gente conversa. Abragos!”. 0 avé sente-se muito agradecido pela ajuda do neto, afinal, agora, ja conseguir decodificar melhor o texto, Por que razao 0 avé nao tinha conseguido entender as abreviaturas da mensagem? Em qualquer sociedade que utiliza a escrita, ha uma série de estratégias sidade de que tém como objetivo dinamizar seu processo, diante da nec economizar tempo e espago. Dentre essas estratégias, estdo as abreviatura: letras ou conjunto de letras que se empregam em textos escritos para repre- sentar de forma breve as palavras, até o minimo possivel, para que possam ser entendidas. Qualquer abreviatura faz parte do conjunto de convengdes 2350 ii i i i ‘@ OLABORFILOLOGICO & compartilhadas por determinado grupo, no que se refere a pratica da escrita em determinado género textual. Por essa razo, os jovens, por utilizarem fre- quentemente as ferramentas digitais de comunicagao e fazerem parte desse grupo, conseguem depreender o seu significado e fazer uso bastante frequente delas. Quem nao est nesse grupo, como no caso do avé, pode apresentar certas dificuldades de leitura. Vejamos a nova versao do texto com as abreviaturas ja desenvolvidas: nome eh ana mas se ‘voce néo quize fala com migo me disculpa beljos Podemos observar que, nessa nova versdo, as abreviaturas foram desen- volvidas. Como se apresentam as sequéncias ausentes na versdo original € que foram agora introduzidas? Qual seria a importancia deste procedimento? Vocé percebeu: para o desenvolvimento das abreviaturas, foi utilizado um recurso para destacar as letras ou sequéncias de letras ausentes na forma abreviada, de modo que 0 leitor soubesse exatamente o que pertencia ao texto original e 0 que foi fruto da interven¢ao de quem trabalhou com 0 texto. Quais seriam as vantagens e a importancia de uma transcri¢o em que 0 nosso grau de intervencao se restringisse ao desenvolvimento das abreviaturas? Quais seriam suas limitagées? Esse texto seria facilmente decodificado por qualquer tipo de leitor? ‘Ao voltar para casa, seu avd agradece as intervengdes que vocé fez e comenta que agora jé consegue entender o texto, ainda que com um pouco de dificulda- de. Ele relata que algumas coisas ainda chamam a atengao e que precisou ler algumas vezes, inclusive em voz alta, para entender o sentido completo da men- sagem, Nesse momento, vocé Ihe explica que a mensagem foi enviada por uma ferramenta digital que, ainda que apresente a mensagem em uma versio escrita, se aproxima bastante da fala. A propria forma como é apresentada, dentro de balées, simula uma conversa cara a cara, usualmente encontrada em historias em quadrinhos. Vocé diz também que essas outras dificuldades que ele tev? nao prejudicariam uma compreensio global do texto e retratariam aspectos da lingua escrita nesse tipo de vefculo, mas que, certamente, nao permitiriam que leitores menos acostumados tivessem uma leitura mais fluida da mensage™ "360 1B RoieAoroLdatea Como se pode ver, a transcri¢ho mostrada anteriormente apresenta um maior grau de intervengao, jA que as abreviaturas foram desenvolvidas, Essa versao apresentaria a vantagem de resquardar muitos aspectos do texto origi- nal, conservando caracteristicas de determinado estagio da lingua. Seu acesso, no entanto, estaria obviamente restrito a leitores que os compreendam e se interessem pelo seu estudo. Além das abreviaturas, que outros aspectos podem ter dificultado a leitura rrida feita pelo avd? Para facilitar a compreensao desta e de futuras mais mensagens que seu avd venha a receber, organize detalhadamente cada um dos elementos que dificultam a leitura, a partir das seguintes categorias {a) oscilagdes na grafia (polimorfismo grafico); (b) grafias que mostram aspectos fonéticos do portugues brasileiro; {Q formas segmentadas que deveriam estar unidas e formas que aparecem unidas e deveriam estar separadas; (4) emprego da pontuagao; (©) recursos ¢ uso da acentuagio; (9) maiasculas e minisculas; (g) estruturagao do texto. Compare sua sistematizag’o com o quadro abaixo: . - (2) Polimorfismo grifico. Os casos em que encontramos mais de uma forma grafica sho: 2 conjuncSo adversativa mas (mas, mais) e o clitico acusativo te (te, ti). (b) Grafias fonéticas. Em algumas palavras, podemos observar, através das grafias uitlizadas, pistas para entender aspectos fonéticos possiveis em dialetos do por tugués brasileiro: ditongacdo (a > aj}: mais); assimilagSo consonantica ({nd > ni} entrano; {rs > s|: convesa); no realizag3o do R final em verbos (conhece/@), encontral®), convesa[@), quize[9], fala[D)); € realizagdo da vogal média em posi- 40 atona como vogal alta (ti, disculpa). Chama a atengdo também, neste grupo, a utlizagao da grafia em contexto intervocélico (quize), talvez para reforgar que se trata de uma sibilante sonora e no de uma surda. (c) Segmentacéo e jungSo. A forma pronominal de 1? pessoa do plural a gente apare- ce como uma Unica palavra (agente) € © pronome obliquo que se combina com a preposicio com (comigo) ocorre segmentado (com migo), {d) Pontuagéo. Ndo observamos, no texto, a presenga de nenhum sinal gréfico de pontuagao (e) Acentuago. A acentuasao esté ausente em algumas palavras (ola, fa). Por outro lado, no entanto, encontramos um recurso alternative, através do uso da grafia (eh). (f) Maidsculas e minasculas. Encontramos somente letras minUsculas no texto, mes- ‘Mo Nos casos de comego de sentenga e de nome proprio (ana). (6) Estruturagso do texto. 0 texto ndo apresenta uma estruturagio em pardgrafos. 23768 WOLABOR FiLOLbeICo m Todos esses aspectos, por se afastarem do padrdo escrito do portugues (ao menos do padrao conhecido e esperado pelo avo!), embora sejam frequentes em mensagens instantaneas, podem gerar dificuldades de leitura para quem nao estd acostumado a esse género. Seu avé, encantado pela mensagem que recebeu, ainda que por engano, quer mostré-la aos amigos, mas tem receio de que nao a entendam em uma primeira leitura devido aos aspectos acima apontados. Assim, ele lhe pede que faca uma nova versao do texto, fazendo as modificagdes necessarias que garantam uma leitura mais fluida da mensagem, j4 que seu principal objetivo 6 que seus amigos sejam capazes de compreender 0 contetido da mensagem. Vocé, ento, decide, mais uma vez, ajudar seu avd, fazendo uma versao mais modificada do texto, a partir das informagées anteriormente sistematizadas, tentando aproximar 0 texto dos padrées vigentes do portugués. Para fazer isso, parta da versao apresentada antes, incluindo as abreviaturas ja desenvolvidas. Siga as seguintes instrugées: {a) organize o texto em pardgrafos; (b) segmente as palavras que esto unidas e junte as que estao separadas; (©) pontue o texto de acordo com os padrées modernos; (d) normatize 0 uso de maitisculas e mintisculas segundo 0 padrao moderno; (©) normatize a ortografia e a acentuacao de acordo com o padrao vigente. Compare a sua versao com 0 texto abaixo: Old, tudo bem? \Vocé no me conhece, mas eu te vi entrando I na escola ontem e hoje também. Gostei muito de vocé. Quero te conhecer. Peguei teu telefone com uma amiga. A gente pode se encontrar para conversar. O que vocé acha? Meu nome é Ana. ‘Mas se vocé no quiser falar comigo, me desculpa. Beijos, Quais so as vantagens deste tipo de versio? Qu 9 ais suas limitacdes? A que piiblico-alvo ela est direcionada? Ao fazermos todas essas modificagdes, 0 texto, clareza e pode ser lido por uma quantidade sem diividas, adquire mais - maior de leitores que se inter sem, sobretudo, pelo seu contetido, Nao seria uma versdo interessante, por exe é ass i ; mplo, para alguém que desejasse visualizar aspectos relacionados a forma a pratica de escrita no genero mensagens inst XXI. Com isso, deixamos claro que todas as vers; ‘antdneas no comego do século ‘Ges de um texto sido igualmente MEDICAO FILOLOGICA Até aqui vimos trés versées de um mesmo texto: ola td bem ve n me conhece mais eu te vi entrano lana escola ontem e hj tb gostei mt d ve qro ti conhece peguei teu Texto original tel c uma amiga agente pode se encontra p convesa 0 q vc acha meu nome eh ana mas se ve n quize fala com migo m disculpa bjs ola td bem ve n me conhece mais eu te vi entrano lana escola ontem e hj tb gostei mt dive qro ti conhece peguei teu Versio 1 tel c uma amiga agente pode se encontra p convesa 0 q ve acha meu nome eh ana mas se ve n quize fala com migo m disculpa bjs ola tudo bem vacé néo me conhece mais eu te vi entrano lana escola ontem e hoje também gostei muito de vocé quero ti conhece peguei teu Verso 2 telefone com uma amiga agente pode se encontra para convesa o que vocé acha meu nome eh ana mas se vocé néo quize fala com migo me disculpa beljos Ola, tudo bem? Vocé n&o me conhece, mas eu te vi entrando ld na escola ontem e hoje também. Gostei muito de vocé. Quero te conhecer. Peguei teu telefone com uma amiga. A gente pode se encontrar para conversar. es (© que voe8 acha? Meu nome é Ana, a ¢ ‘Mas se vocé no quiser falar comigo, me desculpa. Ballast SITAR oy RIO Hs Partindo do texto original, as versdes feitas levavam em consideragao: (a) um maior ou menor grau de intervengao, com critérios claros e definidos; (b) objetivos especificos; (© um piblico-alvo predeterminado. o39e fm OLAROR FILOLOG chegamos ao seguinte quadro: Sistematizando essas informagoes, 3 Tr = een Bae ae 1, Desenvolvimento de | abreviaturas; | 2. Normatizacao da ortografia e acentuacdo; | 3. Jungdo e segmentacso. | de palavras segundoo Nenhuma Intervencbes: Desenvolvimento adrao vigente; realizadas Metca fiel | Ge abreviaturas. loans ' uso de maiuisculas e mindsculas; 5. Normatizacao da pontuag3o; | 6, Estruturacio do texto. | Preservar 0 Preservar 0 texto, Proporcionar uma leitura Objetivos texto em seu tornando-o mais 5 mais fluida do texto. estado original | acessivel. Pesquisadores de ‘ialis . Especialistas em | gererminado estagio da determinado J tingua que se interessem, estigio da : : sobretudo, por aspectos | Leitores que se anol, due linguisticos e ndo tenham | interessem, sobretudo, saibam decifrar tantos conhecimentos | pelo contetido do texto. aspectos da sobre as convengdes de escrita de escrita especificas de outras épocas. uma época, Todo o trabalho que desenvolvemos até agora faz parte da rotina de wm fl Jogo, pesquisador responsavel por preservar e preparar o texto que poder’ se submetido a investigag s lingufsticas, Embora seja possivel fazer versdes mais modernizadas, como tivemos a oportunidade de ver, pensando em um pablico-alve rian as duas primeiras, nas quals se observa a preservagao dos aspectos enconteades no original, o que significa dizer que hd uma preocupagao em relagio a dodo dade do texto. Por mais que na segunda versio tenh, mais amplo, as verses que mais interessam aos histoviadores da lingua s amos feito intervencdes " desenvolvimento das abreviaturas, 0 re das nos permite distinguir exatamente o que estava presen® na versao original eo que foi fruto do traby Urso utilizado para destacar en Ale as sequéncias inset lho do fildloga, No campo da filologia, tomada aqui no sentido de critica textwal, as tarot’ A uma das ve realizadas se referem A edigdo de textos, Cad sdes mostradas We © HoiGhoriLoLbcIca anteriormente so conhecidas como edig6es filoldgicas e recebem os seguintes nomes: a edigdo diplomdtica (também chamada, por alguns editores, de paleo- grdfica) seria a primeira delas, caracterizada por uma transcrigdo extremamen- io corresponde a edi¢do semidiplomdtica (ou te conservadora; a segunda ver: semipaleogréfica ou diplomético-interpretativa ou paleogrdfico-interpretativa), em que resguardamos as caracterfsticas do texto original, intervindo exclusiva- mente em alguns poucos aspectos, como o desenvolvimento das abreviaturas, por exemplo; por fim, a dltima ve ria a edigdo modernizada. Essas categorias ndo devem, no entanto, ser vistas como compartimentos estanques. Uma edigdo considerada semidiplomdtica, por exemplo, poderia in- corporar mais intervengées do que o desenvolvimento das abreviaturas, como atualizagdes na pontuagao e na acentuagao, por exemplo. Mais importante do que os rétulos sao os critérios utilizados por cada editor, estabelecidos em fungiio de seus objetivos e do publico-alvo que deseja atingir. Para saber mais sobre a filologia/critica textual e sobre o processo de edi- a0 de textos, recomendamos a leitura da obra de Cambraia (2005), intitulada Introdugéo @ critica textual. 0s 1.2. Um texto novecentista AMout Ler sheevte oR aren, $4, | Agora que j4 entendemos oa © trabalho do filélogo no pro- cesso de preservagio e fixagao dos textos, vamos trabalhar | eer tia ope com textos de outros momen- | Agha #440 thu: Cay, tos da historia do portugues. | Aa, 204 Aoar ei Aree Recuemos no tempo. snflo,frrt 1.20 Vamos imaginar que vocé se depare, por algum motivo, . 4 Ae 7 Lh rir LAa 1, #1RD com 0 texto ao lado, Vocé é capaz de ler o bilhe- CHIL Corort pecsy te? Quais sdo as dificuldades vida a 4dfe, de leitura encontradas? wz) for Cx Diferentemente damensa- | C46, Glege vx home Coie | sen ieaanies comaqual | b Oxf pecead, Cel DIV? | rabalhamos na se¢ao anterior, ' prota VON & bh fy | ante Ad estamos diante, agora, de uma ; ih mensagem manuscrita, Qual- \oe ae eerie quer leitor de hoje, ainda que a41e 1 OLAROR FILOLGcICo a nao possa decodificar inteiramente a mensagem, é capaz de ler algumas se- quéncias e reconhecer que se trata de um texto escrito em portugues, Com a produgao textual manuscrita, uma preocupasao a mais surge: decifrar e entender 0 cédigo grafico. Essa experiéncia nao € uma novidade para nés. Todos ja sentimos maior ou menor dificuldade em entender a letra de outras pessoas, principalmente quando seu curso ou tragado diferem em maior medida da forma como estamos habituados a escrever: Aos poucos, apos algumas leituras, vamos nos acostumando letra dos textos @ conseguindo decifrar a mensagem. ‘Antes de explorar a mensagem, ¢ interessante fazer um exercicio, Transcre- va em uma folha de papel, a mao, tudo o que conseguir entender. Respeite todas as caracterfsticas encontradas e a disposi¢ao do texto, sem introduzir nenhum tipo de intervengao. Em outras palavras, fagamos uma edi¢do diplomdtica do bilhete em questo, Deixe um espago para as palavras ou sequéncias que voce nao conseguiu decifrar. Vocé deve ter notado que, em algumas partes, nao teve grandes dificuldades em transcrever 0 texto. Por mais estranhos que possam parecer a primeira vista, os problemas em entender as letras uti zadas séo sanados a medida que avangamos na elaboracao da edi¢o. Nao seria raro encontrar, nos dias de hoje, alguém que tivesse o mesmo tipo de caligrafia. Vamos passo a passo. 0 primeiro procedimento seria identificar as sequén- cias de letras que podem ser entendidas como uma palavra. Para tanto, obser- vamos a existéncia de espacos e/ou sinais de pontuagao entre elas: Ca teu, Law 1 2 3 4 s 0 fragmento acima conta com cinco palavras, trés antes da virgula, duas depois. Essa técnica, no entanto, nem sempre poder ser aplicada, ja que, em alguns casos, a fronteira vocabular nem sempre é respeitada, como tivemos a oportunidade de ver com agente na mensagem da primeira segdo. Por outro lado, a existéncia de espagos também nao é garantia de que haja duas palavras distintas, como vimos no exemplo da palavra segmentada com migo. Dando continuidade, o segundo procedimento consiste em desvendar letra a letra de uma palavra, observando seu tragado e tentando reconhecer $ inicio e seu fim. Quando nao conseguimos proceder a leitura de algumas letras especificas, utilizamos 0 procedimento de buscar letras semelhantes no mesmo texto, que podem estar em palavras de mais facil compreensao. Vejamos 0S exemplos a seguir. a420 Jminyinemen que tenemos tito difteuldade para deeifrar a primeira letra te pel Avetacnda tie Wha 16.0 leftor nexte caso, pode levantar algumas hipdtenes em relagho A ews leitera ¢ até mecme, pensar na possibilidade de se rar de vine sequbncia com dea letras Comparande a forma que nde conse puitnos decifrar com a S* letra da palawra selecionada na linha 8, coneluimos que se trate da meena grafla Como conseguimos ler mais facilmente incapae we nha, somos Capares de klentificar como

a primeira letra de para Jom do trabalho de decodificagde das letras, podemos usar nossa sensibt Kdade came leiteres do texto, para otriduir ume leitura @ palavra em fungae da extual ou de informagdes gramaticais especificas. Tomemos como ra linha do texto CM Spernhue & presenca de duas palavras separadas por espago. N. tra omos Claramente 0 vocabulo Meu. com a inicial em maiuscula. A seg. vrs apresenta um pouc mais de dificuldade em relagdo a primeira, N © podemos pensar nos géneros textuais que seriam iniciados por Meu e na al do termo que poderia acompanhar um possessive, Traba nde exclustvamente co este Ultimo procedimento, criamos a expectativa a nominal dc que @ segunda palavra do texto seja um nome, nicleo do sintag! que apresents © possessive come termo detern ante Vamos, entao, oriar um repertorio, a partir das palavras que voce conse Buu decodificar. para nos auxiliar na decifragdo de letras ¢ sequéncias que aw entendidas E bastante provavel que vocé tenha conseguido ler as a5. que nao apresentariam, em principio, grandes diticuldades Haze hole oc oe sie © OLANOR FLoLécico m 5 yu = 7 : ave “| a é 7 es ; = am tou ton | | Af f{ incapaz 8 ey de Cone com a a 9 ake = Ath ser ole de 10 A RO nao Cor com ut aouge mmigo ‘ pneovta minha vet vida 3 ae ce é GAS: ——_— oe add me Bet « ares wa pera para ape voce 6 é e ar gk voce BOtmeres mim atemos agora de algumas palavras que podem ter gerado maior difi- entam a mesma letra que a de compreensio. Algumas palavras apr primeira da palavra abaixo, retirada da linha 6; Meo palavra, podemos identificar a presenga de quatro letras. De Nest. as, as trés dltimas nao apresentam problemas de leitura se as compararmos com as palavras ja decifradas: letra eee ll) | SS 3¢ letra | | de (1.9) Miho ee | a etra ww? | viva (1.15) a45e OLaRoR FiLoLbcico Observemos que a 2? letra é , a 3#é ea 4 € . Juntando essa se. quéncia, podemos inferir que a primeira letra da palavra € , formando tudo, Neste caso, o tra¢o horizontal que corta a haste da letra na parte superior est deslocado para a direita, dando a falsa impressao de se tratar de um recurso de acentuacao grafica sobre a vogal. Resolvida essa questo, jd somos capazes de ler todas as palavras do texto que apresentam essa letra: 2 tudo 5 a 6 Nee tudo 7 nm tua ME. 9 Co tigo = 10 4 te 12 Aa tu 13 Aah tu 4 Wie twa 15 ae a Em alguns casos, palavras que se encontram ao final da linha aparecem segmentadas, isto é, parte da palavra na linha superior e parte na linha inferior. Vejamos 0 que ocorre nas linhas 6 e 7: “eo rb CH, Aa D 460 Se .DULULm.CF. UU E—=E © EDIGkO. Vemos que parte da palavra, em uma sequéncia de nove letras, esta na linha 6, sendo finalizada por um traco subscrito como recurso de segmentagao. Na linha seguinte, encontramos as duas tltimas letras que compéem a palavra. Para facilitar a leitura, nesse caso, podemos adotar 0 mesmo procedimento que utilizamos anteriormente: buscar cada letra em palavras de mais facil leitura. Além disso, podemos também resolver essa questao se a palavra aparecer de forma nao segmentada em outra parte do texto, como ocorre na linha 10, em que podemos ler, sem grandes dificuldades, brincadeira: Branta barn Entretanto, quando trabalhamos com textos histéricos, nem sempre 0 pro- cedimento adotado para a segmentagao de uma palavra sera o de separacao silabica, 0 que pode provocar desconforto na leitura e impedir a decifracao do vocabulo. Isso ocorre com a palavra sabes, intacta na linha 5, mas segmentada nas linhas 12 (sab-) e 13 (es): Is sabes Laz Ai, La3 = 7) Vejamos as outras palavras segmentadas no texto. Diferentemente do que ocorre com a palavra coragdo, as demais — quanto e depois — nao apresentam uma segmentagao que respeite as fronteiras silabicas do vocabulo: G14. noe qua- / nto Cote, | CAB | sami hh Lah ~~ depoi-/s Ainda falta resolvermos o problema de algumas palavras de dificil leitura. Utilizando os procedimentos apresentados (pela comparagao de letras de ou- tras palavras, classe gramatical de determinado contexto ou pelo sentido do texto), tente decifrar as seguintes palavras: a47 0 OLAROR FiLoLécico m 17 Paad yr? “ | Conseguiu decifrar todas as palavras? A me- dida que trabalhamos com textos manuscritos de determinada época, vamos treinando nossa vista e aprimorando a capacidade de 1é-los com mais facilidade. Se vocé nao conseguiu decifrar todas as palavras, nao se preocupe. 0 trabalho filolégico exige bastante tempo e dedicagao. Num primeiro momento, é bastante comum confundirmos letras cujos tragados se assemelham, como e , e , ¢ etc. As palavras apresentadas no quadro acima sio: Bemzinho (1. 1); Perdoa-me (1. 2); fis (I. 3); beijando (1. 4); aquelle (1. 4); fazer (1. 8); zangues (1. 11); e mesmo (1. 17) Apés esse exercicio, vocé provavelmente deve ter alcangado um maior entendimento do texto, Complete as lacunas da edigao diplomatica que vocé realizou de modo que ela fique assim: 488 Meu Bemzinho | Perdoa-me tudo qua- | nto te fis hoje de estar beijando aquelle retrato tu sabes que tudo isso é brincadei- | ra, eu sou tua sou incapaz de fazer isso | com tigo a ndo ser de brincadeira, nao te zangues com migo minha vida tu sab- es que tu é meu cora- do, que eu sou tua etué meu, euvivo para voce e voce para mim e mesmo depot 3 EoigAo riLoLbaIca Vamos agora explorar 0 texto a partir da edigdo que acabamos de preparar. Como 0 texto esté estruturado? A mensagem esta completa? Ha uso de recursos abreviativos como vimos na mensagem da segao anterior? Em primeiro lugar, observamos que 0 texto est escrito em um suporte pau- tado, com 18 linhas escritas de forma corrida, sem segmentacao em pardgrafos. Nao ha tampouco o uso de recursos abreviativos. Observamos também que a mensagem esta incompleta, pois o fragmento termina subitamente no meio de uma frase que, certamente, tinha de ter continuagao. Esse fato nao significa que 0 texto em si esteja incompleto, mas simplesmente que 0 que chegou até nds, resistindo A agdo do tempo e a outras causas externas, 6 somente o que esta sendo apresentado. Essa é uma das questées com as quais 0 historiador da lingua precisa lidar. Como precisamos trabalhar com fontes escritas, temos de estar conscientes de que nosso material de estudo se constitui de textos que sobreviveram, por algum acaso, ao longo do tempo. Muitas vezes, nao serdo textos completos, como neste caso, mas textos que apresentam alguns impedimentos ao global, como manchas, rasuras, fragmentos deteriorados pela falta de conserva¢ao adequada ou sequéncias inacabadas. Trabalhamos sempre com o material disponivel e tentamos fazer o melhor uso dele, de modo a cumprir 0 nosso objetivo maior, que € 0 estudo da historia da lingua a partir da documentagao disponivel. Exploremos, agora, outras questées. A que género textual pertence o texto? Que elementos podem ser utilizados para essa classificagao? Podemos observar que na primeira linha do texto é possivel ler Meu Bemzinho. Somente por essa informagao e pelo conhecimento que temos dos géneros textuais que circulam hoje em dia e dos quais fazemos uso, inferi- mos que se trata de uma carta ou, talvez pela sua extensao e pela disposi¢ao dos elementos textuais, de um bilhete. Seja como for, estamos diante de uma mensagem escrita por um remetente que desconhecemos a um destinatario tratado como Meu Bemzinho. Pelo tratamento utilizado nesse vocativo e pelo contetido do texto em si, podemos dizer que se trata de um bilhete amoroso, Diferentemente do que é recorrente em textos epistolares, ndo observamos @ presenga de uma segao de contato inicial, na qual o remetente geralmente pergunta ao destinatario como ele se encontra. Apos a nomeagao do desti- natario, encontramos diretamente 0 corpo da mensagem. Pela auséncia da continuidade do texto, também nao podemos visualizar, por exemplo, uma Segdo de despedida e assinatura Quanto ao contetido, que tipo de mensagem de amor esta presente? Que Outra expressao é utilizada pelo remetente para dirigir-se ao destinatario? Podemos obter alguma pista sobre o perfil social dos personagens, ou seja, Sobre quem poderiam ser essas pessoas? 2498 rll * @ OLAnoR rr.oLsarco Para ter uma compreensao mais geral das fontes, 0 historiador da lingua, sempre que possivel, deve procurar aliar 0 estudo da historia da lingua depre. endida pelos textos, num plano mais lingufstico (historia interna), ao estudg dos contextos de produgao, num plano extralingufstico, que considere aspectos sécio-histéricos dos individuos que produziram tais textos (histéria externa) Adotando uma perspectiva sociolinguistica, que parte do pressuposto de que lingua e sociedade estao em estreita relacao, a analise de aspectos gramati- cais, por exemplo, deveria ser acompanhada pelo estudo dos aspectos sociais de seus informantes. Nesse sentido, conhecer aspectos sociais e culturais dos personagens, como género, faixa etaria, grau de escolaridade, grau de contato com a cultura escrita etc., quando, por que raz4o e com que finalidade seus textos foram produzidos certamente nos proporciona uma maior conexao entre a historia dos textos e a histéria de seus autores No entanto, muitas vezes, essas informagées nao estdo disponiveis para © historiador da lingua. Os diversos acervos, como arquivos e bibliotecas, em que os textos histéricos podem ser encontrados costumam reservar um maior espaco a personagens mais ilustres da sociedade. Para o estudo da produgio desses informantes, dispomos de uma vasta bibliografia, como enciclopédias, livros de genealogia e diversas fontes secundarias. No caso de personagens populares e, muitas vezes, desconhecidos, a recuperagao de dados que nos aju- dem a reconstruir seu perfil social é, quase sempre, prejudicada pela escassez ‘ou auséncia de informagao sistematizada. Nesse caso, 0 historiador da lingua deve explorar o texto e tentar, a0 maximo, extrair informagdes de natureza extralinguistica a partir das pistas linguisticas disponiveis. No caso do nosso bilhete, como nao dispomos de informagdes sobre seus informantes, precisamos fazer um exercicio de exploragao, Com base na le tura do texto, podemos entender que se trata de um bilhete escrito por uma mulher e dirigido a um homem. A partir de que informagdes gramaticais chegamos a essa conclusao? As pistas gramaticais que nos permitem inferir essas informagbes advém basicamente dos vocabulos que deixam transpa recer, no plano da morfologia, uma informagao de género gramatical que se associa a distingao de sexo observada no mundo biossocial. Bm eu sou tua & tu é meu, vemos que a flexdo de genero dos possessivos em posigao de pre dicativo do sujeito aponta para a existéncia de um ew Jeminino que escreve para um tu masculino. Quanto a relagdo estabelecida entre esses personagens, diversas passages nos informam tratar-se de uma relagdo mais intima, tipica de namorados ol noivos. Além das formas de enderegamento vocativo Meu Bemzinho e minha vida, passagens como eu sou tua, tu sabes que tu é meu coragdo, eu sou tua, tu é meu, eu vivo para voce & voce para mim constroem um diseurse amoroso, COM 250 — wm Emplomoidcca uma mensagem de desculpas e perdao pelo fato de a remetente ter “estado peijando aquele retrato”, Por fim, algumas pistas graficas e linguisticas podem ser cruciais para jdentificar o grau de escolaridade e/ou contato com a cultura escrita de nossa escrevente. Que pistas poderiamos levantar para essa caracterizacio? No plano grafofonético, isto é, na representacao escrita dos sons da lingua, observamos algumas evidéncias: {@) falta de dominio da rela Bemzinho; (b) segmentacao de partes de um mesmo vocdbulo: com tigo, com migo; (@ falta de dominio de padres de separagio silabica: qua-/nto, sab-/es, depoi-/s; (@) auséncia de acentuacao grafica: voce. No plano da morfossintaxe, registramos a auséncia de concordancia verbal: tw & No plano de organizagao textual, identificamos: (a) falta de sinais de pontuacao: auséncia de dois pontos ou virgula depois do vocativo Meu Bemzinho; auséncia de ponto depois de aquele retrato, brincadeira, minha vida; de virgula antecedendo 0 vocativo minha vida etc.; (®) falta de letra maitiscula em comego de frase: tu sabes, eu sou tua, nao te 4o letra-som no quadro das consoantes sibilantes e nasais: fi zangues, entre outros aspectos. Essas informacies, em contraste com as que sao disponibilizadas em outro tipo de documentago, considerada de maior prestigio por se aproximar de um padrao mais culto da época (como os textos impressos veiculados pelos jornais € textos manuscritos redigidos por personagens mais letrados), nos revelariam um perfil de menor letramento para nossa informante. Uma vez visualizadas questées relevantes para o historiador da lingua, retomemos nosso trabalho filolégico. Como 0 texto nao apresenta nenhuma abreviatura, ndo faremos uma edi¢do semidiplomatica. Partiremos, assim, di- retamente para a elaboragao de uma edi¢Go modernizada do texto. A edigao modernizada é destinada a leitores que se interessam sobretudo pelo conteddo do texto. Pensando nesse piiblico-alvo, que intervengées pode- mos fazer no texto para que ele possa ser mais facilmente lido por leitores de hoje? Resgate o trabalho que fizemos com a mensagem instantanea na se¢ao anterior e sistematize os aspectos do texto que poderiam ser responsaveis por possiveis problemas de leitura. Utilize as seguintes orientagdes: (2) segmentagao e jungao de palavras; (b) ortografia; (© acentuacao; (4) maidsculas e mindsculas; (©) pontuagao; (f) estruturagao do texto. oSle @ O1ason moLicico & Compare os seus resultados com 0 quadro abaixo: Elaboremos, ento, nossa edigéo modernizada. Leve em considera¢ao os seguintes procedimentos de interven¢ao: (2) organize o texto em paragrafos; (b) faca a segmentacao e jun¢ao de palavras que estao unidas ou separadas; (©) pontue o texto de acordo com os padrées modernos; (4) normatize 0 uso de maitisculas e mindsculas segundo o padrao moderno; (6) normatize a ortografia e a acentuacao de acordo com o padrao vigente. Apés finalizar esta tarefa, compare a sua edic4o com a que apresentamos abaixo: As intervengées nessa edi¢do poderiam ser ainda maiores. Como vocé deve ter observado, nao modificamos o padrao de concordancia encontrado com 0 pronome tu, seguido de verbo na 3# pessoa do singular (tu é). Vemos, assim, que, ainda que modernizada, essa edicdo continuaria a servir a estudos no campo da morfossintaxe ¢ da pragmatica. No entanto, pode ser que para algum editor seja mais interessante atualizar outras questées, intervindo, assim, mais acentuadamente no texto. 0 texto com o qual trabalhamos nesta secao esta disponivel na plata- forma do Laboratorio de Histéria da Lingua Portuguesa (HistLing): , Trata-se de um bilhete amoroso, escrito no Rio de Janeiro, em 1908, por RS’, a seu amante ASM. Esse bilhete, juntamente com outros doze Abreviamos 0 nome dos autores para preservar sua identidade o520 1 Epicho FILOLOGICA textos, se encontram anexados a um processo judicial que investigou 0 assas- sinato de ASM, cometido por AFN, com quem RS era amasiada havia seis anos. Segundo Engel (2001: 117), AFN era brasileiro, capitdo-tenente da Armada, tinha 29 anos, sabia ler e escrever e teve dois filhos com RS. A jovem, no entan- to, teria se envolvido afetivamente com ASM, homem “branco, desempregado, solteiro, 20 anos, brasileiro, sabendo ler e escrever”. Este ultimo havia sido aco- thido por AFN em sua casa por encontrar-se desempregado e por nao ter onde morar. Trés meses depois, o marido comegou a desconfiar de um caso entre seu amigo e sua esposa. De acordo com seu depoimento, mandou a companheira viajar, deixou seus filhos na casa dos avés paternos e expulsou 0 amante de sua casa, depois de ter confirmado a relacao com a esposa. No dia seguinte, os dois se encontraram, discutiram e o marido deu trés tiros no amante de sua esposa, matando-o. Foi absolvido por privacao de sentidos e da inteligéncia. Esperamos que neste capitulo tenha ficado clara a importancia da filolo- gia/critica textual e do trabalho do fildlogo no processo de preparacao dos textos que poderao ser submetidos a andlise linguistica. Em fungao de crité- rios especificos, selecionados de acordo com objetivos predefinidos e com 0 piblico-alvo a quem 0 texto ser dirigido, o fildlogo pode realizar distintos tipos de edigo, com um maior ou menor grau de intervencao. 0 labor filolégico é importantissimo para a preservacao e fixacao do texto, mantendo a fidedig- nidade em relagao ao texto original. 2S3e@

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