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Dados Internacionals de Cataogagio na Publicagio (CIP) (Camara Braslera do Livro, Sr (Geer, Clift (saber local nov ensios en antropolopainterpetaten clitord Geers taducio de Vee ello Joscelyne ~ eto pols, ores, 1997, Titulo origina Toeal Knowledge IsaNess2619520, snaps Indices para eaalogo sistemstico: 1. Anweapotogia interpreta: Sociologia 306 2, Hnologia: Sociologia 306 Clifford Geertz O SABER LOCAL Novos ensaios em antropologia interpretativa Traducdo de Vora Mello Joscelyne y EDITORA. VOZES Petiopelis 1960 Capitulo 4 O senso comum como um sistema cultural 1 Logo no inicio daquela colegio de jogos conceptuals € Inetiforas inesperadas a que dew 0 nome de Investigacoes ilosoficas, Wittgenstein cormpaca a linguagem a uma cidade: Nilo se peeocupem com 0 fato de que umas linguagens ‘reduridas que ele tina acabado de inventar com propositos Aiditicos consistemn s6 em imperativos, Se, por esta razao, {quiserem dizer que estao incompletas, perguntem-se se por caso nossa lingua €completa~ se estava completaantes que ‘simbolismo da quimica ea notacio do calcul infinitesimal Tossem a ela anexados; pols estes so, por assim dizer, os subirbios de nossa Kingua, (E quantas casas ou ruas sio hnecessrias para que uma cidade comece a ser uma clade?) Nossa lingua pode ser vista como uma cidade antiga: um. Inbirinto de pequenas rua e pragas, de casas velhase novas, fede easts com estensdes construklas em vieios periodos; & {uu 90 citcundado por uma profusio de dreas moderna ‘comm ruas regres e reas e casas uniformes.! "Se expandirmos esta imagem para que abeanja a cultura, _poileriamos dizer que, tradicionalmente, anteopslogos sem- {te consideraram a cidade como seu territ6rio, © que pas ‘yearn por seus becos casualmente construtdos, tentando ‘laborar algom tipo de mapaaproximado da realidade;eque TA Woyersicis, Pbitompico! mwestigations, cad, de G.EM. Anscombe, Now ip, 8 ph sre lgcmene ataossn de Anscombe, mergaces Phone rerpct, Sax, 1998) jemente comegaram ase indagar como foram cons- {ruidos esses subtisbios que parecem estar se amontoando cada vez mais perto, qual seu selicionamento com a cidade velha (Seri que ereseeram a partir dela? Sua eriacio a modi ficou? Seri que, no final, vio absorvé-la totalmente?) ¢ como seria vida em lugares assim tao simétricos. A diferenca entre 6 tipos de socledades que normalmente constituem 0 ob: jeto de estudo da antropologia, ou seja, as sociedades tradi- cionais, € aquelas onde os antropélogos vivem, isto é, as sociedades moderns, sempre foi considerada uma que ‘de maior ou menor primitivismo. No entanto, essa diferenga ppodleria ser expressa em termos do geau de desenvolvimento dos sistemas esquematizados ¢ organizados de pensamento € acdo ~ fisica, contraponto, existencialismo, eristianismo, cla, marxismo ~ um elemento ti proeminente em nossa prépra paisagem que nio podemos sequeer imaginarum mundo onde eles, ow algo parecico com eles, nfo exista~ sistemas esses qute surgiram e se expand: am ao redor do emaranhado de priticas herdadas, crengas aceitas, juizos habituais, e emogdes inatas, existentes ante: Flormente, Sabemos, €claro, que em Tikopia ou Timbuctu ha pouca quimica e menos cileulo matemitico; e que o bolchevismo, a perspectiva do ponto de fuga, as doutrinas da unio hipostitica, ou dissertagdes sobre a problemética mente-cot- po nfo sao exatamente fendmenos universais, Apesae disso, relutamos ~ ¢ anteopélogos sio particularmente relutantes em extrair destes fatos a conclusio de que a eiénela, ideologia, «arte, a religito, ou a Mlosofia, ou pelo menos os impulsos a que elas servem, néo sao propriedade comum de toda a humanidade. cengenharia, jurispruci Desta refutineia surgi toda uma teadigio de argumen: tos cujo objetivo & provar que os pores “mals simples" realmente tém um sentido do divino, un interesse imparcial no conhecimento, uma nocio da forma legal, ou uma apres ciagdo da beleza por si mesma, ainda que essas qualidaces Ihto estejam engavetadas nos compartimentos cultusais or- Jjanizados ¢ estanques que com Assim, Durkheim descobriu formas elementares de vida ‘lgiosa entre os aborigenes australianos; Boas, um talento. espontineo para o desenho na costa do noroeste; Lévi: Strauss, uma eiéneia “conereta” no Amazonas; Griaule, uma ‘ontologia simbélica em uma tribo da Africa Ockdental; e Gluckman, um jus commune implicito em outea tribo da Arica Oriental. Néo havia nada nos sublirbios que nao Doxistisse antes na cidade anciga, Noentanto, embora todas estas descobertas tenham tido lum certo sucesso, pois, hoje em dia, ninguém acha que “primitivos” ~ se € que existe alguém que ainda use este grmo~sto pragmatistas simpl6rios que andam tateando.em usca de conforto em meio a uma névoa de supersticies, iy nto conseguiram fazer calar a pergunta essencial: onde exitamente esti a diferenca ~ porque mesmo os defensores fais acirrados da proposi¢io que qualquer povo tem seu proprio tipo de profundidade (eeu sou um desses) admicem sue existe uma diferenca ~ entre as formas jétrabalhadas da fayltura acaclémica, © aquelas ainda toseas, da cultura colo- a Marte de meu argumento neste ensaio € que toda essa ussio fol mal estrutucada, pois a questio no 6 se existe forma elementar de eigncia a ser descoberta nas Tro- X04 uma forma elementar de direito entre os drotses, {46 0 totemismo é “mesmo” uma relighio, ou se 0 culto de 2s 6 “mesmo” uma ideologia (todas essas perguntas, & ver, cornaram-se tio dependentes de definigaes, que se iformaram em assuntos de politica intelectual ou de fo re16rico). Trata-se, sim, de saberaré que ponto, nesses Igares, os aspectos da cultura foram sistematizados, feja, até que ponto eles tém subtiebios, B, para investir este problema, em uma tentativa mais promissora do faquela que busca definigées essencialistas para arte, Ja, religito, ou direto e depois tentadescobrir se existe “entre osbosquimanos alguma dessas coisas, quero voltarme para uma dimensio da cultura que nfo € normalmente considera um de seus compartimentos organizados, como sm estes setores mais conhecidos da alma, Refi: 16 um ntimero de razdes pelas quais tratar 0 senso, comum como um corpo organizado de pensamento delibe- rado, em vez de considericlo como aquilo que qualquer pessoa que usa roupas e no est louco sabe, pode levar a algumas conclusdes bastante itels; entre essa, talvez a mais importante seja que uma das caracteristicas inerentes a0 ;pensamento que resulta do senso comum & justamente a de nnegae o que foi dito acima, alirmando que suas opinives Toram resgatadas diretamente da experiéncia € mio um resultado de reflexes deiberadas sobre esta. O saber que a chuva mothae que, portanto, devemos nos proteger dela cm algum lugar coberto, ou que o fogo queima, e que, portanto, hnio devemos brinear com fogo (mantendo-nos, por enquan: to, em nossa propria cultura) so expandidos até abranger tum territério gigantesco de coisas que sio consideradas como certas ¢ inegivels, um catilogo de realidades basicas dla natureza e tio peremptérias que, sem divida, penetrario tem qualquer mente desanuviada o bastante para absorve-is No entanto, & obvie que isso nao € verdade. Ninguém, ou pelo menos ninguém eujo cérebro funcione bem, duvida {que achuva molhe; mas podem existir pessoas que questio hem a proposigio de que obrigatoriamente devemos abt fgarnos dela, e que achem que enfrentaros elementos € uma ora de fortalecer nosso carater algo assim como se andar. ‘nachuva sem chapéu fosse sinénimo de santidade, B, muitas ‘veres, a atragio que o brinear como fogo exerce sobre cers pessoas € mais forte do que a certeza da dor que yin’. A religiio bascia seus argumentos na revelacio, a ciéncta na ‘metodologia, a ideologia na paixio moral; osargumentos do senso comuim, porém, no se basciam em coisa alguma, indo ser na vies como um todo, O mundo é sua autoridade, ‘Aandlise do senso comm, € nao necessariamente seu ‘exercicio, deve, portanto, iniciar-se por um processo em que se relormule esta distingao esquecida, entre uma mera ‘4preensio da realidade feita casualmente ~ ou seja lio que for que meramente e casualmente apreendemos = e uma sabedoria coloquial, com pés no chao, que julga ou avalia ‘sta realidadle, Quando dizemos que alguém demonstrou ter ‘bom senso, queremos expressaralgo mais que simples fato ie que essa pessoa tem olhos ¢ ouvidos; © que estamos alirmando é que ela manteye seus olhos e ouvidos bem bertos e uilizou ambos ~ ou pelo menos tentou utilizé-los ~ com critéro, inteligencia, discernimento ¢ reflexio prévia, & que esse alguém € capaz de lidar com os problemas eotidianos, de uma forma cotidiana, ¢ com alguma eficici. ‘Quando, por outro lado, dizemos que aalguém Ihe fata bom senso, nio queremos dizer que este alguém é retardado, ot fue nao consegue entender que a chuva motha ou que © oxo queima, mas sim que € 0 tipo de pessoa que consegue ‘complicar ainda mais os problemas cotidianos que a vida ‘colocaa sua frente: sai de casa sem guarda-chuva em um dia ublido; na vida, sofren uma série de queimaduras que dleveria ter sido sabio o bastante para evitar e nia ter, ele proprio, aigado as chamas que as eausaram. O antOnimo de Juma pessoa que 6 capaz de captar as realidades basicas através da experiencia é, como sugeri, um deficiente. O “anonimo de uma pessoa que &capaz de chegara conclusses ‘Nensatas a partir dessas mesmas realidades é um tolo. E esta Aillima palavea tem menos relagio com o intelecta - em uma ilefinigio limitada de intelecto ~ do que normalmente in Ijinamos, Como observou Saul Bellows eferindo-se a certas feapecies le assessores governamentais e de escritores radi- als. O mundo esti cheio de idiotas com Qls alissimos" A dissolugio analitien da premissa técita que da ao bom soso sua autoridade — ou seja, aquela para a qual o bom ‘senso representa nada mais que a pura realidade ~ndo tem ‘bomo objetivo solapar esta autoridade, e sim, tansferv-la, Se Jebom senso é uma interpretagso da realidade imediata, uma cespéeie de polimento desta realidade, como o mito, a fa, 4 epistemologla, ou outras coisas semelhantes, entio, ‘como essas outris éreas, send também construido historica- mente, ¢, portanto, sujeito padres dejuizo historieamente definidos, Pode ser questionado, diseutido, afirmado, desen- volvido, formalizado, observado, até ensinado, e pode tame bem variar dramaticamente de uma pessoa para outra. Ein sua, € um sistema cultural, embora nem sempre muito lintegrado, que se baseia nos mesmos argumentos em que se ‘baseiam outros sistemas culturais semelhantes: aqueles que ‘0s posstiem tém total conviegio de seu valor © de suk validade, Neste easo, como em tantos outros, as coists tm co significado que thes queremos dat. Aimportincia de tudo isso para filosofia €, obviamente, ‘que 6 bom seaso, ou outro conceito similar, tomou-se uma das categoriasichave, talvez até a@ categoria-chave, em Um amplo miimero de sistemas filos6ficos modernos. Als, po demos até aliemar que, desde a época de Platio © Séerates, ‘oom senso ji era uma categoria importante nesses sistemas (onde sua fungio era demonstrar sua propria’ inade- quabilidade), Tanto a teadigio cartesiana como a de Locke dependiam, de formas diferentes ~ de formas culturalmente diferentes - de douteinas sobre o que era ou nio auto-evie dente, se nio part mentes verniculas, pelo menos pi _mentes livres. Neste século, porém, o conceito de bom sen “que nao foi ensinado” (como &As vezes denominado) ~ € aquilo que © homem comum pensa quando livre d sofisticagies vaidosas dos estudiosos ~ quase tomou-se sujelto cemstico da flosofia,jé que tantos outros conceitos floséfieos estio sendo absorvidos pela ciénciae pela poesia, A enfase que Witigenstein, Austin ¢ Ryle do 4 linguagem comm; o desenvolvimento da chamadl fenomenologia do cotidiano por Husserl, Schultz, Mesleau-Pontys a glorificag das decisbes pessonis, tomadas no cotidiano ("no meio da vida") do existencialismo europeu; a utiizagio da solu de problemas através de compuragdes com a variedacde de cosas que acontecem em um jardim como paradigm da jo no pragmatismo americano = tudo isto rellete esta ncaa buscar as respostas para os mistérios mals pros Fndos cla existéncia na estrutura do pensamento corriquel- Fo, pé-naterra, trivial. A imagem de G.E. Moore, quando Jentou demonstrar a realidade do mundo externa levantans ilo uma das maos edizendo “isto ¢ um objeto fisico” e depois Jevantanco a outra e dizendo "isto € outro objeto fsico", iets ce ser, sem considerar detalhes doutrindsios, aquela sue melhor resume grande paste da filosofia ocidental conte. Apesar de ter se tornado foco de tanta € tio intensa) ‘lengto, © senso comum continua a sex, no entante, um Tenomeno que € presumido, € nfo analisado, Husserl, & Wlepo's Schutz, trabalharam com as bases conceituais da siéncia cotidiana, com a forma como construimos © ilo que habitamos biograficamente, mas sem admitie a “lstingao entre esta e © que de Johnson fez quando chutow ‘ja petra para refurar Berkeley, ou 0 que fazia Sherlock Holmes quando ponderou sobre um cachorro silencioso na Holle. Ryle, pelo menos, observou en passant que nio pxihimos bom senso ou falta de bom senso quando usamos i faca © um garfo; (0 fazemos) quando eonseguimes iar 1m falso mencligo ov com um problema mecénico, sem 4 ferramentas adequadas,” Mas, 0 coneeito de bom normalmente aceito € aquele que o v como 0 “tipa ‘eolsa que qualquer pessoa com bom sense stbe”. Uma gto que, segundo suas pr6prias premissas, estacia sa (le bom senso. Aaaniropologia nos pode ser vil aqui da mesma forma © Unt em ourras sitagdes: a0 fornecer exemplos extra Hrios, ajuda a situar exemplos mais préximos em um {to diferente. Se observarmos a opiniio de pessoas que ‘conclusbes diferentes das nossas devido & vivéncla fea que tiveram, ou porque apzenderam lighes dif. com as suras que levaram na escola da vida, logo nos 2 de que 0 senso comum € algo muito mais problematico e profunda do que parece quando 0 ponto de im café parisiense ou tuma sala de professores fem Oxford, Como um dos subiirbios mais antigos da culeara hhumana-nao muito regular, nio muito uniforme, mas ainda assim ultrapassando 6 labirinto de ruclas © pequenas pracas tem busca de uma forma menos casual de habitar ~ 0 senso comum mostra muito claramente © impulso que serve dle base para a construcio dos subiitbios: um desejo de cornar ‘o mundo diferente a Com esta perspectiva € no com a que é normalmente usada (a natuceza e a fungio da magia), consideremos aqut © conhecido trabalho de Byans-Pritchard sobre feitigat entre os azandes, Segundo 0 que o préprio Pritchard afi ‘mou explicitamente, embora tudo indique que ninguém the dew muita atengio, a parte que realmente he interessa do senso comum seu papel como pano de fundo para 0 desenvolvimento da feitiarla, Uma deturpacio dos concei tos azandianos de causalidade natural, ou seja, 0 que leva a qué, segundo a mera experiencia de vida, sugere a existencla de um outro tipo de causalidade ~a que Pritehard chama de Imistica que resume o conceito azandiano de feitigaria, Uma feitiaria que 6, aids, bastante materalista, envolvendo, por ‘exemplo, uma substineia acinzentada que estaria localizada rho ventre das pessoas. ‘Tomemos como exemplo um menino azandiano, ques segundo ele proprio, deu “uma topada num toco de drvore e ficou com o dedo do pé infeecionado”. O menino diz que {oj feitigaria. “Bobagem’, diz Evans-Pitchard, utiizando 0 senso comum de sua propria tradicio, "yoc® nfo teve fb cuidado, tinha gue olhar com mais atengio aonde pisa’ "Mas eu olhel aonde pisiva’, diz o ga estivesse enfeitigado, teria visto 0 toco. Além do mais, Orley hnunea Ream abertos tanto tempo, pelo contrivio, fechm logo, pois 0s cortes sio assim por natureza, Mas este infec clonou, entio tem que ser feitigada.” (Ou um oleiro de azande, com grande habilidade ¢ expe- Fiéncia, que, volta e meia, quando um dos potes que estava hizendo cafa © quebrava, exclamava: "foi feitigo!" “Boba- em’, diz Byans-Pritchard, que, como todo bom etndgrafo, parece que nunea aprende: "6 claro que potes as vezes ‘quebram quando estdo sendo feitos; assim € a vida.” "Mas", {liz0 oleiro, “eu escolhi o barso bem escolhvdo, me esforeed para retrar todas as pedrinhas ¢ a sujeira, rabalhei devagar t-com euidado, ¢ me abstive de ter relagées sexuais na noite anterior. E alnda assim 6 pote quebrou. Que mais poderia fer, sendo feitigaria?” Ou, uma outra ocasiio, quando 0 esp prias palavras, “sentia-se pouco saudivel” ~e se indagow em Voralta na presenca de alguns azandianos, sea causa ce seu Inabestar nao teria sido as muitas bananas que comera, B ‘les: *bobagem, banana no faz mal, deve ter sido feitigo.”| (0 Evans-Pritchard estava doente ~ ou, em suas pre Assim, seo contesdo das crengas azandianas sobre fit {aria € ou nie mistico (ef suger que esas erencas me parecer misticas unicamtente porque nao creo nels), las Ho wilzadas pelos azandianos de uma forma nada misticn © sm como tina elaboragio e uma defesa cas afiemacoes “ets darazdo coloquial, Aris de todas esss relendes sobre tlos do pe infeccionados, potes que sairam errado, € lez estomacal, se estende a tcia de conceltos do senso “Aoniim qu os szandianos aparentementeconsideram real- Thente verdadeiros: que cortes peqtenos normalmente t- “fase com rapier; que pedras fazem com que 0 barro lilo qucbe com faclidade que aabstencio sexual € un Srequisito para que o trabalho do olio seja bem suced- {qe andando por azande nio € aconselhivel sonar td, porque o lugar est repleto de tocos de vores Bcomo parre desta tela de premissas do bom senso, ¢ nio aliima forma de metalisia primitva, que oconcei- Ml feticacia ganinasenido e adquire sua orga. Apesar de toda esta conversa de vos notumnos como vagalumes, a feitiaria nao celebra uma ordem invisivel, € sim confirma ‘uma outea ordem, esta, extremamente visivel, A vor da feitigaria se eleva quando as expectativas co ‘muns fatham, quando homem comum de azande se con- fronta com anomalias ow contradigées. Pelo menos neste sentido, cla é uma espécie de varidvel testade-ferro no sistema de pensamento do senso comum. Sem transcender este sistema, ele reforga, adicionandoslhe uma idéia que serve para qualquer ocasiao, e que atua para reassegurar a03 azandianos que a sta reserva de lugares comuns ¢ confiiyel fe adequada, mesmo quando as aparéncias momentanea: mente demonstrem contririo. Assim, se alguém contral lepra, a causa € feltigaria, a no ser que haja incesto na familia, pois "todo o mundo sabe” que o incesto causa lepra, O adlultério, também, taz infelicidade. Um homem pode ser morte na guerra ou na caga, como resultado das infidelidae des de sua esposa, Antes de partir para a guerra ou para uma cagada, um homem, se for sensato, pede a sua esposa que confesse o nome de seus amantes, Se ela diz, honestamente, que nao tem nenkum anante e, mesmo assim, ele morte, a causa de stta morte foi, entio, algum feitigo ~ a no ser, € claro, que ele tena feito alguma outra coisa obviamente errada, Da mesma forma, ignorineia, estupicez ow incom: peténcia, definidos culeuralmente, so causas suficientes para o fracasso aos olhos dos azandianos. Se, a0 examinar 0 pote quebrido, © oleiro encontra mesmo uma pedra no barro, para de resmungar sobre feitigariae comeca a resmun- gar sobre sua prépria negligencia — em vez de culpar a Teiticara pelo fato de que a peda estava no barro. E quando ‘um oleiro sem experiéncla quebra um pore, a culpa seri da falta de experiéncia do oleito, © que parece bastante razode vel, € no de alguma perversio ontol6gica da realidade, [Neste contexto pelomenos, grito de “fetigo!” funciona pana os azancde como 0 grito de Mnsha Allah funciona para Alguns mugulmanos, ou 0 sinal da cruz para alguns cristos: menos como uma forma de questionar as ereneas mais Importantes ~ religiosas,flos6fieas, cientifieas € morals ~ a respelto de como 6 mundo € construfdo ou sobre 0 que éa vida, € mais como uma forma de fechar os olhos ignorar as dividas sobre estas crengas; aerara visio de mundo que resultado bom senso ~aquele “tudo € o que é€ nada mais", ‘como disse Joseph Butler ~ para protexé-la das diivias que so estimuladas pelas insuficiéncias ébyias desta visio, ‘Os awande", esereveu Bvans-Pritchard, “administram ss ativitades econdmileas segundo um conjunto de conke imentos,transmitidos de geragio em geragio, que abran- ein tanto a construgioe o artesanato, como aagrcultara € I cag, Possuem, portanto, um profundo conhecimento prtico dos aspectos da natureza que se rlictonam coin seu. Inonvestar, & bem verdade que este saber & empirico & Incompleto, © que nio € transmitido ateavés de qualquer faasino sistematieo e sim passado de uma geracio a outra, Ale tims forma lenta e casual, durante a iafincia © nos pprimeiros anos da matusidade, Mesmo assim, este conhecl- ‘lo € suficiente para a exceugio de tarefas didvias € tunpecendimentos sazonais” Ja que € esta conviegio que © Iiommem cornu tem, de que tem o controle de tudo, nto $6 Me asstintos econdmicos, que the d qualquer possbilidade ie agi, ela deve ser protegida a qualquer custo: no easo dos “wane, 2 feticarta& invocada para esconder fracassos; no “io c2s0, buscamos respalco em uma longa tadicio de Hlosofa de botequim para comemorar sessos.J4f0 dito “ih varias ocasioes que em qualquer sociedade a manucer ‘oa freligiosa €uma taxelaproblemstiea€, se deisarmos Mle lado as teorias sobre a suposta espontancidade dos ‘tatinios religiosos dos “primitivos", creto que esta afrma verdadeia. B igualmente verdadeiro, a0 entanto, € jis menos comentado, o fato de que amanutengio da f ‘onfiabildadte dos axiomas ¢ argumentos do bom senso € menos problemisica, A artimanha usada pelo de inson para silenciar as divas sobre o bom senso ~"e se fla mais do assunto!” ~6, se pensarmos bem, quase tio desesperada como a que Tertuliano usava para frear suas (ividas religiosas: “credo quia impossible", "Reiticarial” nao € plor que nenhuma das outras duas. Os homens tampam s nas barragens de suas crencas mals necessirias com 6 primeico tipo de barro que encontrem. 08 orific ‘Tudo isso se apresenta de uma forma mais deamnética se, ‘em vez de limitarmo-nos a observar uma tinea cultura em sua totalidade, observarmos vitias culturas simultaneamen- te, concentrando-nos em um tinico problema, Um exemplo excelente deste tipo de abordagem encontra-se em. um aetigo de Robert Edgerton, publicado em um maimero antigo do American Anthropologist, sobre aquilo que hoje € cha mado de intersexvalicade, mas que € mais conhecido sob 0 nome de hermafroditismo, Se hi uma coisa que todos consideram ser parte da) rmaneira como 0 mundo esté onganizado € o fato de que os seres humanos estio divididos em dois tinicos sexos biol6- sicos. B claro que também se admite que algumas pessoas fem qualquee lugar do mundo ~ homossexuais, travesti, etc = nio se comportam de acordo com as expectativas do papel {que thes fol atribuido segundo seu sexo biolégico e, de uns tempos para of, vias pessoas em nossa sociedade ja chegg ram até a sugerie que papéis que se diferenciam tanto nio dleveriam nem mesmo ser atribuicos a quem quer que seja ‘Mas mesmo que uns prefiram gitar "vive la difference!" © ‘Abas la différence!”, nio existe muita davida quanto aca de uma diferenca. Avisio daquela menininha da cestéria — que as pessoas naseem de dois tipos, sem entfeites ‘ou com enfeltes ~ pode ter sido uma visio lamentavelmente no liberada, mas parece bastante Sbvio que sua observagao {oj anatomicamente correta, Naverdade, porém, € possivel que a menina da estonia rio tenha inspecionado uma amostra significativa. O gene 10, nos seres humanos, nio € simplesmente uma variivel dicotémica, Nem sequer & uma variével continua, pois, se fosse, nossa vida amorosa seria ainda mais complicada do ‘que j4 €, Lin niimero bastante extenso de seres humanos siio claramente intersexuais, ¢ em alguns a intersexualidade chega a tal ponto que eles apresentam os dois tipos de enitiia externa, ou © erescimento de sefos ocorre em um Inuividuo com genitélia masculina, ow outras ocorréncias semelhantes, Isso ceria certos problemas para a biologla, problemas sobre os quis vem-se obtendo algum progresso hho momento, Cria também alguns problemas para o bom senso, para a rede de concepgoes priticas © morais que foi tecida a0 redor de uma das mais enraizadas das verdades Asparcntes: masculinidade e feminilidade. Portanto, a inter- pouialidade & mais que uma suxpresa empitica; ela é um slesalio cultural Um desafio que € cafrentado de virias mancitas. Os romanos, relata Edgerton, consideravam os infantes interse- uais como seres amaldigoados pelos poderes supemnatt fils, © 05 eliminavam, Os gregos, como era seu costume, Linhan uma visio mais aberta¢, embora considerassem este lipo de pessoa peculiar, ateibulam sua existéncia a mais uma ‘ossis coisas estranhas que acontecem € os deixava viver syns vies sem estigmas exagerados ~ afinal de contas, Her- nalrodito, o filho de Hermes ¢ Afrodite, que se uniu em um 6 corpo com uma ninfa, tinha estabelecido um precedente ustante importante, O artigo de Edgerton, na verdade, gira fom torno de tum conteaste fascinante entre tes respostas Juastante variadas a0 fendmeno da intersexualidade ~a nor. feuinericana, a dos navajo e a dos pokot (esta titima, uma iho do Quéniay ~ que sio examinadas em termos das ‘poncepydes que o bom senso desses povos contém, com ‘reppoito a0 género dos seres humanos ¢ seu lugar mais geral fia natureza, Como ele sugere, pessoas diferentes reagem de nas diferentes ao se confrontarem com individuos cujos ws sio sexualmente andmalos, mas nenhuma delas le simplesmente ignorar a anomalia, Se © objetivo & lnier intactas as iléias herdadas sobre "o que € normal & inurl’, algo deve ser dito sobre as enormes divergéncias ‘que existem entre as és formas de lidar coma intersexuae lidade, (Os norte-americanos véem @ intersexualidade com um sentimento que s6 pode ser classificado como horror. Como diz Edgerton, as pessoas chegam a sentie ndusea com a mera visio da genitalia de um intersexual ou até a0 ouvie falar sobre intersexualicade, "Como um enigma moral ¢ legal", Edgerton continua, “existem poucos iguais”. Um incersexual pode casar? © servico militar € relevante? Que sexo. seri registrado na certidio de nascimento? F possivel mudar 0 sexo desta pessoa de uma forma adequada? ff psicolo- gicamente aconselhavel, ou mesmo vidvel, que uma pessoa {que foi criada como uma menina, de repente se torne um mening? Como é que um intersexval pode se eomportar nos chuyeiros da escola, ou em banhos piiblicos, ou no namoro? CObviamente, © senso comum chegou ao limite de sas forcas, A rreagio & encorajar 0 intersexual, normalmente com ‘grande yeeméneciae as vezes com algo mais que isso, aadorar tum dos dois papéis, 0 masculino ou 0 feminino, For iss0 muitos intersexuais “passa por normais" a vida inteira, um comportamento que exige um sem niimero de estratagemas cuidadosamente preparados. Outros buscam por si mesmos ou Slo forgados a se submeterem a operacées que “corti gem’ sua condigio, pelo menos cosmeticamente, ese trans: formam em homens ou mulheres “legitimos". Fora de especiculos circenses, «6 permitimos uma solugéo para 0 dlilema da intersexualidade, uma solugio que o intersexual & forcado a adotar para acalmar a sensibilidade dos clemals “Todas as pessoas envolvidas", esereve Edgerton, “de pais & médicos, sio induzidas a descobrir em qual dos dois sexo natarais 6 intersexual se encaxa de forma mais adequada, € a.njudar ao ambiguo, incSngruo¢ enervante ta tcansformats se em um ele ou em uma ela, que seja pelo menos parcial ‘mente aceitivel. Em suma, se os fatos nio estao A altura de suas expectativas, mde 05 ft05, ou, Se isto nio & possivel, pelo menos disfarce-os.” NG aqui que fizem os selvagens. Voltando-nos para os navajo, entre os quais WW, Hill fez un estuco sistemstica do hheemafroditismo, jiem 1935, vemos que o quadro é bastan- te difercate. Paracles também, a intersexualidade éanormal, 6 claro, mas, ao invés de provoear horror € nojo, evoca udmicagio e respeito, O intersexual € visto como alguém que recebew uma béngio divina e que passa esta béngao para as pessoas. Nio 56 sio respeitados, so praticamente adoraclos. “Eles sabem tudo", diz um dos informantes dle Hill, “podem fazer tanto o trabalho de um homem como o Ue uma mulher, Acho que quando eles (os intersextiais) serio fim dos navajo.” Outro informante desapareceren eclara: "Se nao existissem intersentais, a nagio mudaria Files sio responsiveis por toda a riqueza da nagio. Se nio hhouvesse mais nenhum deles, 0s cavalos, 0s camneitos ¢ os hpavajo também desapareceriam. Eles sto lideres, assim ‘camo 0 presidente Roosevelt”, Diz um terceieo informante: “Vn Gintersexual) na cabana navaja teaz boa sorte e rique7ss. F inaito importante para a nagio cer um (éntersexual) por B assim por diante © bom senso dos navajo, portanto, ve a anomalia da Jntersexualidade ~ pois, como disse anteriormente, aos o- Ios dos mavayjo o intersexual nao parece menos andmalo {que aos nossos olhos, pois a intersexualidade nfo é uma jomalia menor entee eles ~ sob uma luz bastante diferente wela sob a qual nés a vemos. 4 interpretagio da interse- idaade, nao como um hortor mas sim como uma béngao, luz a uma série de conceitos que, para nds, sio Go ‘selranhos como o dizer que © adultério causa acidentes na ‘OM que © incesto causa lepra, Para os navajo, no ni, estes conceitos so o tipo de coisa que qualquer on com “a cabeca no lugar” tem, obrigatoriamente, que eorteto. Acreditam, por exemplo, que se os genitais de Janina ntersexual (que também so muito valorizadlos) ‘liegados na cauda das ovelhas e das cabras, e depois arinas «os careiros e dos bodes, 0 rebanbo cresce € ‘mais leite. Ou que pessoas intersexuais devem ser chefes de familia e ter controle total sobre as propriedades familiares, pois assim essas propriedades também aumenta- rio, Muda-se umas poucas interpretagoes sobre uns poucos fatos curiosos, e muda forma de pensar, Nio mais averigue-e-resolva, mas sim ad- mire-e-respeite, pelo menos neste caso, coda uma Finalmente, a tribo do Leste Africano, os pokot, tem ainda Luma terceia visio da intersextalidade. Como os norte-amer- anos, nao valorizam osintersextiais; mas, como os navajo, nao se ofendem ou ficam horrorizados com sua existncia. Const dleram-os, le uma forma bastante casual, como meros erros. Sio como tum pote quebrado, imagem aparentemente mult popular na Africa, ‘Deus errou", dizem eles, em vez de afirmar {que “os deuses nos peopickaram um presente maravilloso” ou {que “estamos diante de um monstro inclasifcavel’ 0s pokot acham que o intersexual & imitil ~ no pode eproduzir e assim aumentar a patrilinearidacle como um homem normal, nem pode ter um dote como qualquer ‘mulher normal, Nem sequer pode se entregar iquilo que os pokot consideram ‘a coisa que dt maior prazer”, 0 sexo. Muitas vezes erlancas intersexuais sio mortas, com a mesina despreacupacio com a qual se jogaria fora um pote malfeito (micracefilicos, infantes sem membros, ou animals que nnascam com deformagSes profundas também sio assassina- dos); outras Vezes, com uma atitude igualmente despreoct: pada, Ihes permitem viver, As vidas que levam so bastante esgracadas, mas nto sfo parias ~ simplesmente sio ignor. ratados com a indiferenca com que se dos ou solticios tratam objetos, prineipalmente objetos malfetos. Econom ‘camente falanclo, sua sltuagio € melhor que a de um pokot normal, pois nao sofrem as demandas fnanceirss do paren: tesco que drenam as riquezas, nem tem as distragbes da vida Familiar que prejudicam o actimulo destas. Nessa linbagem segmentar aparentemente tipica, € em um sistema onde conti a tiqueza da noiva, os jatersexuais nao tem um lugar espectfico, Quem precisa dees? 126 ‘Um dos casos considerados por Edgerton contessa ser pprofianclamente infeliz, “Bu s6 durmo, como ¢ trabalho. Que -mais posso fazer? Deus exrou.” Bm outro dizs "Deus me fez assim, Nao ha nada que eu. possa fazer, Todos os outros ‘podem viver como um pokot. Ed nvio sou um verdadelro, ‘pokot.” Em uma sociedade onde o bom senso estigmatiza, considerando até um homem que tenha drgzios normals: mas ‘nao tenha filhos como uma figura lastimavel, © onde uma snulher es vida de um intersexual é a prépria imagem da futliade. Ele iil" em uma sociedade que, considerando vil qualquer coisa que se relacione com gado, esposas e filhos, valoriza a il no chega a ser considerada uma pessoa, a cutilidade” a0 extremo, im suma, a provisio de cestos dados nio significa que todo o demais & mera conseqiéncia, O bom senso nio € aquilo que uma mente live de artifcialismo apreende es- pontaneamente; é aquilo que uma mente repleta de pressu- posigdes ~0 sexo ¢ uma forca que desorganiza, ou um dom ‘que regenera, ou um prazer pritico ~conelui, Deus pode ter feito os intersexuais, mas 0 homem fez 0 resto. m0 Isso no € tudo, porém. O que o homem fez fol uma cest6ria aurortéria, Como 0 Rei Lear, ou o Novo Testamento, ‘ou meciinica quantum, obom senso €uma forma de explicar 105 fatos da vida que afirma ter 0 poder de chegar 20 amago dlesses fatos. Na verdade, & algo assim como um adversario natural das est6rias mais sofisticadas, quando essas exister, 6, quando nao existem, das narrativas fantasmagéricas de sonhos € mitos, Como tuma estrutura para 0 pensamento, cou uma espécie de pensamento, o bom senso & to autori tirlo quanto qualquer outro: nenbuma religiio € mais dog imatica, nenhuma cigneia mais ambiciosa, nenhuma filosofia mais abrangente. Os tons que apresentam sio diferentes, 10 distintos os argumentos com os quai se justi: também a7 ‘deologia ~o bom senso tem a pretensao de iralém da iusto para chepar A verdade, ou, como costumamos dizer, chegar ‘coisas como elas recimente so, "Sempre que um f6sofo diz que alguma coisa & ‘realmente real”, para citar uma vex ‘mais aquele moderna ¢ famoso defensor co bom senso, GE Moore, "voce pode estar realmente certo de que o que ele disse ser‘eeala 40 6 real, realmente.” Quando um Moore, um de: Johnson, um oleiro azandiano, ou um herma: frodlita pokot dizem que alguma coisa é real, fique certo de ue eles estao falando séro. te real Boploré quesabemos muito bem disso. & precisamente mos “tons” ~ no tipo de som que suas observagoes expres sam, na visto do mundo que sas conclusées refletem = qu 2s diferencas do bom senso devem ser procuradas. O con- “A sabedloria sai de um cexistem no mundo, Al bio que expressa ‘morro dle formigas ‘A tiltima quase-qualidade ~ tltima aqui, mas eertamente ‘no na vida real ~a“acessibiliade” surge como uma conse- guéncia J6gica das outras na medida em que estas sio reconheciclas, Acessbilidade & simplesmente a prestunsio, pa verdade a insisténeia, de que qualquer pessoa, com suas faculdades razoavelmente intactas, pode captar as conclusoes do bom senso, €, se estas forem apresentadas de uma té mesmo adoti-las, B claro que hé uma tendéncia a que se considere algumas ‘maneira suficientemente verossimnel pessoas — geralmente os mais velhos, algumas vezes os sofredores, ocasionalmente aqueles que sio simplesmente -randilogilentes ~ mais sébias que outras, naquele tipo de sabedoria do “4 passei por tudo isso". Pos outro lado, diz-se das eriancas, e, com bastante freqiiéncla, das mulheres, € ainda, dependendo do tipo de sociedade, das virlas especies de menos privilegiados, que sio menos sibias que as outas pessoas. A isso acrescenta'se a explicacio de que "so cria- turas emocionais". Apesar dessas atribuiges, nio se pode dizer que existam especialisias em bom senso reconhecidos como tal. Todos acham que so peritos no assunto. Sendo comum, © bom senso esti aberto para todos; € propriedade zeral de, pelo menos ~ como dieiamos ~ todos os cidadkios Na verdade, seu tom 6 até antiespecialista, se no for antintelectual; rejeitamos, € pelo que tenho observado, utras pessoas também rejeitam, qualquer selvindlicagio explicita de poderes especiais nesta érea, Para este saber ni 138 existe qualquer conhecimento esotérico, nem téenicas espe- ciais¢ talentos especificas, e pouco ou nenhum treinamento especializado, a no ser aquilo que, de forma mais ou menos redundante, chamamos de experiéncia, , de forma mais ou ‘menos misteriosa, de maturidade. Para expressi-lo de outra ‘maneira, obom senso representa o mundo como um mundo familia, que todos podem ¢ devem reconhecer; ¢ onde todos si0, ou deveriam ser, independentes. Para viver nae _queles subiirbios que chamamos de fisica, ou islamisino, ou ireito, ou miisica, ou soctalismo, é preciso satisfazer algu: mas exigéncias, e nem todas as casas estabelecem o mesmo tipo de imposigio. Para viver nesse semi-subiiebio que se chama bom senso, onde todas as casis sio sans facon, precisamos unicamente ~ como se dizia em outras épocas ~ estar em juizo perfeito © ter uma consciéncia pratica, de acordo com a definicio que as cidades de pensimento linguagem especificos, de onde somos cidadlios, deem a estas virtues tio laudaves, Vv Como comegamos este capitulo com uma pictogralia de suas sem saida e avenidas, extraida de Wittgensteit bastante apropriado terminae com uma outra, que é ainda ‘mais eesumidai "Vemos uma estrada reta a nossa frente, mas € claro que nao podemos utikzela pois esta permanente- mente fechada™ Se quisermos demonstrar, ou mesmo sugerir (que é tudo ‘que me foi possivel fazer) que © bom senso & um sistema cultural, © que ele possut uma ordem tinica, passivel de ser descoberta empiricamente e formulada conceptualmente, iio o faremos através de uma sistematizagio de seu contet+ do, pois este & profandamente heterogeneo, nao s6 nas wirlas sociedades, como em uma mesma sociedade ~ a subedoria de um moero de formigas. Também no seré viével 2. Winns, Pinhal vegans, 9.17 Bo esbogar algum tipo de estrutura légica que seria adotada presente, pois tessa no existe, Nem sequer poderemos elaborar um sum pelo s sngo comum onde quer que este se rio de conclusdes substantivas.a que 9 senso comum sempre nos faz chegar, pois neste caso tampouco existe um padeio, 0 nico procedimento que nos festa, portanto, € 0 de tomarmos o desvio especifico de evocar o som ¢ 0s varios tons que sio geralmente reconheeides como pertencentes 0 senso comum, aquela ruazinhsa paralela que nos leva a construir predicados metafSricos ~ nogées aproximadas, como a de “leveza" ~ para podlermos lembrar as pessoas aquilo que jf sabem. Mudando a imagem, 0 senso comum temalgo assim como asindrome dos objetas invsiveis; estio é impossivel 10 obviamente diante dos nossos olhos, que cencontri-los, Para nds, aciéncia, arte, aideologia, o direto, areligho, tecnologia, a matemitica, e, hoje em dia, até a ética e a epistemologia so tio fregtientemente consideridas gene: ros da expresso cultural, que isso nos leva a indagat (¢ a Indagar, € a inclagie) até que ponto os povos as possuem e seas posstiem, qual a forma que tomam, ¢, dada esta forma, ‘como podem iluminar a versio que temos desses géneros, (© mesmo no acontece com 6 senso comum, Este nos parece ser aquilo que resta quando todos 0s tipos mais articulados de sistemas simbélicos esgoraram suas tarehas, fou aquilo que sobra da r2zio quando suas facanhas mais sofisticadas s20 postas de lado. Mas se isto nia € verdade, © ser-eapaz de distinguir giz de queijo, ou uma tomada elétriea dde um focinho suino, ou seu proprio anus de seu cotovelo (a capacidade de ser "pé-na-terra” poderia ser outra quase: qualidade atcibuida ao senso comum) também forem consi erados talentos tio positives, ainda que niio tio grandiosos como 0 ser capsz de apreciar motetes, acompanhar um argumento l6gico, manter um conteato formal, ou demolir © capitalism ~ todos estes dependentes de tradigoes de sacio comparativa da “habilidade natural de evitarmos as pensamento € sensibilidade elaboradas — 140 imposigdes de conteadigdes grosseiras, inconsisténcias pal piveis, e Obvias falsifieacGes" (Segundo a defnigio de senso comum da "Hist6ria Secreta da Universidade de Oxford publicada em 1726) deveria ser cultivaca de uma forma mais deliberada, Paraa antropologia, tal iniciativa podlers significar novas formas de examinar problemas antigos, principalmente os quese relicionam com amaneia como acultura éarticult « fundlica, e uma mudanga (que allésteve inicio ha bastante tempo) que a distancie de explicagées funcionalistas sobre ismos dos quais dependem as sociedades, © a e de métodos que a ausiliem a interpretaras formas de vida existentes nos vitios tipos de sociedade, Para a filosofia, no entanto, os efeitos podem ser mals sérios, pois possivelmente aletaeio um conceito semi-examinado que Ihe é muito caro, Aquilo que, para a antropologia, a mais ‘mateeira clas diseiplinas, seria apenas a mais recente em uma longa série de mudancas de enfoque, para a flosolia, a dlisciplina que mais se assemelha a um porco-espinho, po- dlerd sigoicar um abalo total 1a

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