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ORDEM SENHORIAL E CRESCIMENTO FEUDAL AREFERPNCIA 40 ANO AML pode servir para marcar © momento em que se afi uum movimento de desenvolvimento, agors bem vistvel endo mais preparado termaneamente, associado a um processo de rearganizaeiia sockal € verdade, langadas anteriormene, mas eujos resultados se mani a partir do século w. E verdade que, como jé se disse, ninguém pretende que o mil tenha sido, por si mesmo, urn limiar decisivo entre conturhagdes do “século ferro" ¢ 0 eld da Idade Média Central. Se 0 ano mil é evacado aqui, é para nar um conjunta de processos que se estendem no decorrer dos séeulos x e Mesmo entendido assim, 0 ano mil fo, recentemente, abjeto de um debate o do.05 medievalisias que, na seqdéncia de Georges Duby, associam esse peri ‘uma mutagao social de grande alcance e, por vezes, convulsiva, e aqueles que, tando para as deformagbes de perspectiva devidas a uma documentagao repent ‘mente mais abundante, faziam prevalecer a continuidade para além da muck de milenio (Dominique Barthélemy). Essa polémica nao foi isenta de confusto, medida em que estava associads ao velho debate sobre 0s terrores do ano mil, supostamenie haviam atormentado as populacdes com wm panico medonho do f do mundo ng moment de milénio do nascimento (ou da Paixio) de Cristo. Na segunda parte voltaremos ao r 9 tema dos terrores do ano mil é essencialmente tm mito historiografico for rho século. xvi, aperfeigoado pelo Hnminismo para melhor encobrit a le: Média em um véu de obscurantismo pocirento ¢ de superstigées ridicules finalmente, retomado pela verve romantica. Denunciado pela erudigito positiv la contig wins. invengao sem fundamento documental (Ferdinand Lot), a idéia uma explosiio escatolégica em toro do ano mil foi, entretanto, reabilitada e cor binada as aquisigdes da historiografia recente, especialmente por David Land No geral, exister atualmente trés teses em vigor Alguns notam, por volta do a lenarisma, mas jd se pode sublinhar 98 Jerome Roscher nil sérios indicios de uma espera particularmente intensa do fim dos tempos saterpretam-na como uma reacio popular diante da violencia senborial e das con- sulsies da mutagdo feudal, Para outros, 0s textos nao permitem fundamentar essa visio renovada pela histéria social de um medo do ano mil; mas hé, de fato, um momento de tensdes sociais exacerbadas pela instaurago da nova ordem feudal. ‘Outros, enfim, consideram que nao se passou nada de particular em toro do ano mil, nem medos escatol6gicos, nem mutagio feudal. Admitir-se-é, aqui, que se alguns documentos deixam transparecer marcas de inquietagoes (e de esperangas) milenaristas no fim do século x e no infcio do séeulo x1, notadamente sob a pluma do abade Abbon de Fleury, tais sentimentos, ‘que por vezes tomam a forma de explosdes de impaciéncia, encontram-se ao longo dde toda a Idade Média e, sem daivida, nao so mais intensos em toro do ano ‘mil do que em pleno século xu. De outro lado, as teses “mutacionistas” ariscam- “se, por veres, a cait no excesso e é preciso entender que a dinémica de afirma- ‘930 do feudalismo estende-se ao longo dos séculos, desde a época carolingia, 20 menos, até o século xit. Em todo caso, uma fase aguda, e muitas vezes confli- ‘uosa, de profunda reestruturagao da sociedade pode ser situada no século (ou jpouco mais de um século) que se estende em tomo do ano mil, mesmo se ela intervém em datas e com ritmos diferentes segundo as regides. Enfim, 0 mais importante, se se faz questo absoluta de evocar o ano mil, consiste em inverter 4 perspectiva tradicional a transformar o sinistro simbolo de obscurantismo medieval em uma etapa no surgimento ¢ na afirmagio do Ocidente cristao. No mais, a consciéncia de uma nova era aparece em alguns textos medievais, dos quais o mais célebre se Ié nas Historias que 0 monge de Cluny Raul Glaber re ge entre 1030 e 1045, tendo por objetivo celebrar os eventos notaveis que mar- caram o milénio do nascimento e da morte do Salvador: [o/como se aproximava o terceiro ano que se seguiui ao ano mil, vé-se em quase toda a terra, mas sobretudo na Ilia € na Gélia, renovarem-se as basflicas das igrejas; embora @ maior parte, muito bem constru‘da, nfo tivesse nenhuma necessidade disso, uma emulagio levava cada comunidade cristé a ter uma igre ja mais suntuosa do que as outras. Era como se 0 proprio mundo fosse sacudl do e, despindo-se de sua vetustez, tenha-se coberto por toda parte com um ves: tido branco de igrejas. Entio, quase todas as igrejas das sedes episcopais, os santuatios monésticos dedicados aos diversos santos € mesmo pequenos oraté- ros das aldeias foram reconstruides ainda mais bonitos pelos fis, Este texto indica de modo notavel que a reconstrugao das igrejas mais belas ¢ mesmo suntuosas nio se deve a nenhuma necessidade material, mas antes & A civitizagéo erupat 99 emulagao dos grupos e das instituigdes, preocupadas em manifestar, pela 24 dos edilicios dedicados a Deus, o ardor com o qual eles se esfozgam aproximar-se dele, Raramente colocou-se em evidéncia com tanta clareza af sa0 social da arquitetura que, intimamente ligada & sua efiedcia sagrada, co titwi, para as comunidades locais, um sinal de reconhecimento, uma garantia, unidade interna, ao mesmo tempo que um meio de se medir ecm seus vain €, 8¢ possivel, se afirmar como superior a eles. Longe de ser caracterfstica uma sociedade em decliio, tal 1ogica sugere, ao contratio, que uma parte cx Cente da producto € subtraida do consumo para ser constntida em uma com UUgao sagrada generalizada, Raul Glaber nos fala de urn mundo novo, na aus do segundo milénio, nio sem um notivel toque de otimismo. A célebre meti ra do “vestido branco de igrojas” a diz ainda melhor, jé que ela se orna de us conotagdo batismal: do mesmo modo que 0 batismo é uma regeneracio, renascimento pelo qual ofiel se desfaz do peeaclo e do antigo homem que & va ncle, para set, uma vez purificado, evestide de uma nica branca,& Et renasce entdo e, desvencilhando-se do que havia de antigo nela, abte-se horizantes de uma histéria nova. Longe de afundar nas trevas do ebscuran ‘mo, 0 Ocidente do ano mil fz-se humineso & insugura um nove comeco O DESENVOLVIMENTO DOS CAMPOS E DA POPULAGAO (SECULO XI AO XIII) Indicaremos, de inicio, as dados relatives aos diferentes aspectos do desens vimento ocidental, antes de nos interrogarmes sobre a articulagio desses i rentes fatores. A pressiio demogréfica Como seria de esperar, € difiell oferecer dadas demogricas confidveis para [dade Média, pois nao exstirem na época recenseamentos regulares, nem tras ce nascimentos ¢ de mottes. Os pardmettos S20 quase inexistentes, com e «ao de alguns recenseamentos natsveis,realizados com finalidades adminis vas €, sabretucl, fiscais, como Penwesday Book, realizado na baglaterra ems pouco depois de sua conquista pelos normandos, eto estraordinaro aos olhos seus contemporineos que eles the derar 6 nome de Juizo Final. Com base estimativas e apreximagoes, pode-se, entretanto, aceitar as seguintes indices 100 rie Bsc Entre o século x1 ¢ o inicio do século xv, a populagao da Inglaterra teria passado de 1,5 para 3,7 milhdes de habitantes; a do dom{nio italiano, de 5 para 10 milhdes; a da Franga, de 6 para 15 milhdes (confirmando o peso jé dominante da Galia no final da Antiguidade). Esses dados so suficientes para indicar uma tendéncia clara: em trés séculos (de fato, essencialmente entre 1050 € 1250), a populagao da Europa Ocidental dobra, ou mesmo triplica em certas regides. Tal erescimen: to demogréfico jamais havia sido alcangado na Europa desde a revolugao neoliti- cae a invencao da agricultura, ¢ ndo seré mais observada até a Revolugao Indus- trial. Trata-se, claramente, de um fato maior da histéria ocidental Esse resultado € obtido pela conjungio de uma alta da fecundidade (que ‘aumenta de quatro filhos por casal para cinco ou seis, beneficiando-se, em par- ticular, do aumento do recurso as amas de leite, 0 que suprime a interrupgao da fecundidade durante o aleitamento) e de uma regressio das causas de mortalida- de. Insisti-se-4, quanto a isso, sobre 0 recuo dos grandes periodos de fome Muito frequentes durante a Alta Idade Média (em média um a cada doze anos), cles cedem lugar, para tentar escapar a uma mortalidade maciga, inevitével ape- sar de tudo, a procura de alimentos de substituigao (paes fabricados & base de gros de uva ou de outras substancias misturadas a um pouco de farinha, ratzes ‘ou ervas), ao consumo de carnes normalmente julgadas impuras e impréprias & alimentagio (cies, gatos, ratos, serpentes ou carcagas de animais), e também, ‘como tiltimo recurso, ao indizivel: a antropofagia, pelo consumo de cadaveres, ou até pela morte de seu préximo, um fendmeno que as fontes dificilmente evocam, ‘mas que é regularmente assinalado durante a Alta Idade Média (Pierre Bonnassie). Ao longo do periodo seguinte, as grandes fomes ainda ocorrem (especialmente ‘em 1005-06 — tiltima data para a qual uma fonte, no caso Raul Glaber, mencio- na o canibalismo para sobrevivencia — e, depois, em 1195-97 e 1224-26), mas sua frequéncia diminui claramente, a ponto de permitir uma longa pausa de um século e meio sem que a fome se faca sentir de maneira generalizada (ela conti- hua, entretanto, a manifestar-se de maneira local, em virtude de fendmenos cli- riticos pontuais, ou sob a forma de uma pensiria mais breve, que os alimentos de substituigdo permitem superar). Disso decorre uma alta muito sensivel da expectativa de vida média das populagdes ocidentais. Mesmo se a aplicagdo dessa nogio as épocas antigas no € desprovida de dificuldade, a comparagio € significativa: enquanto ela nao ultrapassava vinte anos no século 1, apogeu de Roma antiga, ela salta para 35 anos por volta de 1300. A “tenebrosa” Idade Média, realiza quase 0 dobro que as glorias do classicismo: onde esté a barbérie e onde esté a civilizagao? Avciviuizagho reupaL 101 Os progressos agricolas E impesstvel preservar (ou quase) da fome uma populagio reduplicada sem forte alts da produgan agricola, O desmatamento ¢ a ampliagao das supertic ccultivadas (geralmente cenominadas “essars", ou seja, clareiras) so 0 pi cio desse desenvolvimento agricola. Por volte do ano mil, a Europa de No S ainda uma zona selvagem de vastas florestas pontuadas par encraves hun zados; nv smundo atlantico, as éridas terras axbustivas dominam, do mes mode que, nas cegibes mediterraneas, daminan os tersenos pantanosos, pe f0s0s our excessivamente escarpados. Por toda parte, 0 Ocidente 6 caracter do por uma natureza rebelde ou apenas parcialmente domada, por cultura i herantes ¢ ineapazes de ultrapassar rencimentos derrisérios, apesar dos esfo: da Alta [dicks Média, ¢ por um poyoamento fréail einstivel. Tres séculos depos a paisagem européla € radicalmente diferente: estabelece-se a rede de aldei tal como ela ita subsistir, no essencial, até o século XIX, ea relago quantitat entre as zonas incultas ou de matas (0 sailus) ¢ 0 tervitirio humanizad (0 ag rnais ou menos inverteu-se. Em um primeito tempo, as aldeias estendetn p aressivamente seu dominio cultivado (sebretudo no século x1), depuis, now estabelecimentos, aldedos ou mondsticos, multiplicam-se no coragiia das 20 anteriormente virgens (sobretudo no séeulo x1). Entre estes titimos, os mon Ictios cistercienses, que uma élica de austeridade leva a se implantaremn Jugares mais retirados, so particularmente atentos i melhoria técnica da, cultura ¢ do artesanato. Enfim, a ampliagio das superficies cultivadas € obi pela exploragdo de rerrencs julgedos anteriarmente poueo propicios (encos eseampados, margens de cursos dlgua, zonas pantanosas agora drenadas Segundo Mare Bloch, a Europa conhece entée “o mais intenso aumento superficies eultivades desde 0s tempos pré-histéri pria inveneao da agricultura Mas esse fendmeno nio teria sido suficiente para nutrir uma Europa m humerosa, Era necessério, ainda, obter uma alta dos rendimentos das cult cerealiferas, que forecem a hase da alimentagio, especialmente pio © mi 1s", quer dizer, desde ap aus, Se se tenta uma estimativa média, que nZo tem sentido na medida em q uuma das caracteristicas lesse period € a extrema ireegularidade das rendim tos, submetides a inconstiincias climsticas, so obtidos, apesar de tuda, da significativos: passa-se, com efeito, de dois {ou 2,5) grios colhides para ca gro plantado, durante a Alta Idade Média, para quatro ou cinco por um, volta de 1200 (e até seis ou cite por um, nos solos mais férteis, como, por exer plo, na Picardia), Dentre todos 0s fatores que se combinam para obter o dif ‘aumento das rendimentos ocidentais, deve-se contar a densidade crescente d 102 Jertme Bascer semsaduras, permitida especialmente por um melhor uso de fertilizantes, seres hurranos e, sobretudo, animais, Era preciso, ainda, escolher judiciosamente os coreais mais aclaptados as caracteristicas de cada regido: trigos brances e fru: ‘mento, mais exigentes ¢ que eansam mais o solo, mas que siio mais ficeis de tr- ura" ¢ produzem uma farinha mais fina ¢ de melhor eonservagao; centeio, de menor renditnento, mas que € mais segnra ¢ talera solos mais pobres, embora seja vitima de parasitas, como 0 espordo de centeio, eogumelo que provoce as =pidemias do “fogo ce santo Antonio", uma doenga que aterrociza as populagoes; cevada, que se presta pouco a panificagao © que acempanha principalmente os progressos do pastoreio; a aveia, bom cereal de primavera, menos exigente & mais produtivo que o frumento, apreciado pelos cavalos e que serve também, antes do surgimento do malte no século Xt, para a fabricagao da cerveja, ou da cer velasem malte, bebide bem atestada desde o sécule vit na Europa do Noroeste; sem falar da espelta ou de uma graminea como 0 milhete, freqllente no Sul Mas a sohagan mais eficar é a de associar cereais diferentes (0 méteil, uma mis- surade praos de trigo e de centeio), © que permite obter equilibrio entre a busca de rendimentos superiores, especialmente com 0 lrumenio, ¢ « necessidade de gsrantir uma produgao minima diante dos riscos climéticas, recorrendo-se. a espécies menos produtivas, mas mais resisientes. Apenas o tempo longo de uma busca pacicnte € de uma experiéncia acumulada podia garantir a obtengio de sal equiltbrio. Se os agsbnomos antigos jd tinham consciéncia da necessidade de deixar -epousar periodicamente o solo, a Alta Made Média resolven esse problema pelo

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