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BIOTEMAS, 4(1):119-122, 1991, LIvROS DARWIN E 0S GRANDES ENIGMAS DA VIDA* MAURO LUIS VIEIRA Universidade de Sao Paulo. Departamento de Psicclogia experimental Av. Prof. Nello Moraes, 1721, 05508 - Sao Paulo, S.P ApGs 10 anos de sua publicacao original nos EUA, foi langado no Brasil, em 1987, uma das obras (em forma de livro) de um aos grandes “darwinista" da atualidade, Stephen Jay Gould. 0 estilo mar- cante de escrever ea firmeza de suas opinides tedricas sio as ca- racterTsticas do autor presentes no livro. 0 conteddo abrange hista- ria planetaria, geologia, biologia, histdria da ciencia e politica. No cerne de seus argumentos e afirmacoes esta a teoria evolucionis- ta, que segundo 0 autor & um antTdoto contra a nosse arrogancia cOsmica. O estilo de escrever de Gould se evidencia Jogo nos primeiros capitulos - em forma de ensaios (que sdo breves, mas profundos). A primeira parte do livro explora a teoria de Darwin e suas bases fi- losdficas: "A evolucao tem finalidade, nao & progressiva e & ma- terielista". Para abordar esse tema, Gould lanca mao de uma estra- gia de suspense. Através de charadas ele pergunta: Quem foi o na- turalista de Beagle (nao foi Darwin)? Por que Darwin nio usou o terno ‘Livro de Stephen Jay Gould. Traducio de Maria Elizabeth Martinez Martins Fontes, 1987, 274p. MeL. VIEIRA “evolucio"? E por que ele esperou 21 anos para publicar sua teoria? ira pergunta o autor esclarece que fot Robert McKormick quem ocupow originalmente a posigéo oficial de na. turalista. Darwin embarcou mais comoum companheiro do capi Fritzroy para partilhar-lhe sua mesa em suas refeicdes, do que como colecionador de amostras. Em abril de 1832, no Rio de Janeiro, McKormick foi “declarado in ido" ( Jivel a0 capitéo, confor- me Darwin — que compreendeu o eufemismo — ao escrever & irmi di McKormick) @ jo de volta para a Inglaterra Sobre « segunda pergunts Darwin néo usou palavra “evolugao* pois no seu tempo ela estava firmemente associada ao conceito de progresso. Preferiu usar “descendéncia com modificagdo". Segundo teoria de Darwin “a mudanca organica conduz apenas a ul maior adaptacdo entre os organismos e seu meio ambient aun ideal abstrato de progresso, definido por sue complexidade estrutural ow erescente heterogeneidade — nunca diga superior ou inferior". Gould esclarece ainda que a demora de Darwin para publicar seu trabalho estaria néo somente relacionado com a necessidade de reunir mais dados e documentacdo adicional, mas também pelo temor que ele tinha sobre as implicacdes sociais de sua teoria evolucionista. SemeThante a um romance policial, que prende a ateng: lei- tor, Gould convida-o a vasculhar as paginas da historia cientifica para averiguar a veracidade dos fatos, que muitas vezes sio distor- cidos para sustentar determinada posicio ideoldgica vi inte. A originalidade de Gould nao esti a na sua forma de es- crever, também nas suas posicées politicas e tedricas. 0 autor coloca que a revisio substancial do pensamento muitas vezes nao ocor- re apenas com o aumento de novos dados, mas muitas vezes ocorre quan- dados antigos sdo analisados com base em teorias novas. Com 2 premisse ele argumenta que a evoluséo nao seria lente eg dual como havia proposto Darwin. Através do registro fdssil se constatar, durante a histéria geoldgica, a existéncia Ses en massa e os surginentos abruptos. Hoje esse arg je teoria do equilfbrio pontu exting nto & cha- Outro exemplo @ 2 teoria da deriva continental, que modificou a maneira de pensar sobre a formacdo dos continentes e a cause nos naturais, tais como as grandes extingdes © formacio de DARWIN E OS GRANDES ENIGMAS DA VIDA montanhas. Segundo essa teoria a superficie da Terra & dividids em diversas placas tectonicas (que jovem lentamente), margeadas por saliéncias e zonas de subductos. A ocorréncia de terremotos e a for- macio de montanhas pode ser explicado pela colisio entre placas, A falhe de San Andri que passa ja cidade de So Francisco, nos EUA, representa a fronteira de duas delas. Por outro lado, para explicar a aplicabilidade da teorta evo- luctonista Gould tanga mi jos exdticos como os veados com galhos gigantes, moluscos que desenvolveram um "peixe-isca sua parte traseira, moscas que conem suas mies no Gtero e banbus que florescen a cada 120 anos. Também esclarece como a perfeicio e a falta de sentido eparente se enceixem na teoria evoluctonista. nGncia contra nosso biologia, Outra afirmacéo importante se rete antropocentrismo. Especificamente © autor salienta aspectos relacionados con a evoluco humana e 3 Comparagéo do homem com outros primatas. A partir da nogdo de que @ evolugio Progressiva, o autor argumenta que o Homo sap tho somente a ramificagdo sobrevivente de um arbusto outrora exu- berante. Por outro lado, @ continuidade entre nds humanos ea natu- reza & evidenciada pela nossa semelhanca genética com os chim 28s. Nesse sentido, nossas diferencas serii enas uma questio Grau, embora nds sejamos animais muito diferentes. A profunda dif renga nao se deve & constituig8o genética, mas aos caminhos de di Senvolvimento diversos. 0 autor também procura mostrar que a ciéncia ndo @ apenas “ul acumulagio mecanizada, robotizada, de informagdes objetivas que 1 as leis da ldgica a interpretacdes inevitaveis". A ciéncia feita por honens e sofre as pressdes ideoldgicas e polfticas da Spoca. 180 & evidenciado nos ensaios sobre racismo e QI. Outro tema que Gould salienta & a “Ciéncia e a Politica na Na- tureza Hu + Ele discute as bases da sociobiologia e as implica- es politicas,que podem advir de uma analise superficial e invert- dica das nossas bases biolégicas. Nesse sentido, Gould nio —_poupa eriticas ao determinismo bioldgico, de que haveria a existéncia de genes para tracos especificos e variados do comportamento humano, in- clusive agressivi conformismo e homossexualismo. Nessa discusséo sobre determinismo bioldgico versus potencia- lidade Diolégica, no caso do ser humano, o autor coloca que durante 121 Web. VIEIRA conexdes neurais para yente programado num Srgéo & evolugio ocorreu “um aumento suficiente converter um aparetho inflextvel ¢ rigi estivel, dotado de mendria ¢ légica sufictent a substituir as especificacdes diretas pela aprendizagem nao-progr A flexibi- pode bem ser o determinante mais importante da convivencia 4 programacao direta do comportamento provavelmente tornou- Talvez Gould ndo consiga agradar a “gregos © trofanos* no que Jere a polamica entre educagio ¢ natureza, mas certamente ele presenta alguns aspectos que nos permitam ir além dessa dicotom jos novos e pontos de vistas diferentes para dados antigos sobre varias facetas da histdria natural e cien- tifica, Essa sem divida @ a maior contribuigio do autor. Al: dis- $0, procura mostrar tanto nossa especificidade quanto nossa uni de em relegao aos outros seres vivos, principalmente os pri 0 livro foi escrito de forma que empolga e incita o leitor a fletir. Merece ser 1ido por antropdlogos, gedlogos, bidlogos, his- toriadores da ciéncia, psicdlogos e quem deseja conhecer um pouco ais sobre teoria evolucioniria, a origem da vida e a relacdo entre cféncia e polftic, Gould nos apresenta vee s

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