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MICHEL FOUCAULT BIBLIOTECA DE FILOSOFIA E'MISTORIA DAS CIENCIAS Coorenaorts 1A. Guihen de Abuquerue MICROFISICA DO PODER Organizacao, Introducto eRevisdo Técnica de Roberto Machado 13" Edigdo Sonyrieh by cel Fee Ectocom bascemtexosdeM Foca osiradapor Roberto Machado Cape: eo Winer cite Grane rind Renae 1 eto: 1979 iP. Bras, Catbogactonafome Sindicato Nason dor Eats de Los, I Foul, Motel Flim Mirofiea do pode / Michel Foucat ‘sreanizato eadoto de Roberto Mache: 42." Rio de Janeo:Eibes Gra. 179. (Biba de Mortis histria das sins ns Bibograa, 1. Poser (Cini ins) — Teoria Machado, Roberto I Tali. See 00 — n20.101 06s bu = jar Dios adios por EDIGOES GRAAL LTDA ua Harmen de Bacon 31-8 la, ho e Jane, R cob. oer Ta 24502 Inpro no Bes Printed no Brat 1998, Indice Iniroducio: Por uma genealogia do poder 1 0 m1. WV, v. VI VIL vu Ix x XI XIL XII XIV. XV. XVI XVIL Verdade e poder Nietzsche, a genealogia ¢ a historia ‘Sobre a justica popular Os intelectuais e 0 poder O nascimento da medicina social © nascimento do hospital A casados loucos Sobre a priséio Poder-corpo Sobre a geografia Genealogia e Poder Soberania e Disciplina A politica da saiide no século XVII 0 olho do poder Nao ao sexo rei Sobre a histéria da sexualidade A governamentalidade ca 1s o 13 me us 133 197 1» 3 209 229 2B a nen ag tte oe INTRODUCAO, Por uma genealogia do poder Roberto Machado ‘A questio do poder ndo & 0 mais velho desaio formulado peas “de Foucault. Surgiu em determinado momento de suas pes- ssinalando uma feformulagdo de objetvostebricose poll ‘ue, Sendo estavam ausentes dos primeios livros, 20 menos alo eiplictamente colocados, complementando o exerciio de uma {rqueologia do saber pelo projeto de uma genealogie do poder. ina of saberes sobre lovcura pars {Stabelecer 9 momento exalo ea condigbes de possiblidade do nay ‘mento da piguiatria, Projet este que deitou de considera ‘vel busca de precursore. Mas que também se realizava sem prvile- far a distincko epistemolopca etre cincia e pré-citncia, tendo 00 belecer relages entre os sabres ~ cada um considerado como por ‘indo postvidade especica, a postvdade do que oi efeivamente ‘ove deve set aceto como tal endo julgedo a partir de um saber Posterior e superior ~ para que destas relages sutjam, em uma me ‘ma epoca ou em época diferentes, compatibiidadeseincompatibi- vil dades que nfo sancionam ou invalid, mas eatabeleem regular ‘es, permite indviduaiza formagde dacurvas A par deen tl, a hon da louara dene Gears stn dx piguistna tra, ao mesmo tempo, um moment detemnado de ua tre: Imasampla = ajsrupturas a0 nivel do saber permitem aaa diferentes perodos ou epoca eo estado este mesmo procene, Portanto, ose iitando ts roncrs capac ¢empora du Gilinapaigudtca,aandliepercorteo campo do sabe pu 0 ou io sobre a loucurs procurando ele ut Saat onfiguragdes arqucolopas Masinso nfo tudo Outta novidade metodolégic fo nkosi sitar a0 nivel do acurso para dar conta Gu questo ds formasto Iistvica de pigiata. Net sentido ansiseprocuos centers ‘osespacosnstitusonas de contol do loueo, deseobrind dene Epoca Clisc, uma heterogeneiade ene 0 dination tercas sobretudo medicossobresfoucura eas eagdes que eeatabelsem om olouco nese lgars de eclendo Artculando ober meio Com a prtcas de interament ees com instinis cin come se, geerlando' ane so dss motifieeder inntaconsn fo ponsivel mosvar como a passin om vez esr quem decode {seni da oucuraealiberou€sradicalcagho & om pros de ‘dominagdo do louco que comesou mito acs el tem conaiet 4e posse tant tess quanto prt ‘0 Nascimeno de Clinca, de 1963. ttoma ¢ aprofunde ume questo presente,mas poco temaizada, novo anterior deren, G2 nee medina moderna eames Sica O ube {o e's caracterzagd deta roptua alo ox princpas bjeves de ‘ova invetiactoE a muagto nos expicn pum retamen ae notes que puderar ver us rgorontmente dfn ef ilzgio de instrumentos mais poderonon, que tornaram Pose once algo até nto deiconetde, Nios deve opr ees Imoderna acu pasando como se ape Sones speci real dade a iraconaidadeverdade aero. Exne rupture a sé mur to mais rae O que mado fo propa pesthdade do abet om seus obeon,conctone metodo tenes A anv segues. ockrou,jstament, explisar ot princiios de ogensneto cm epocas cient, evidencando auch medions ‘moderna we opde& medina cdscn, ares gusts fondant fire naturel enguantoaqula~ mas eapicamente¢anftomos cline -encontra eu prinipos nu ilo vu at 4 um saber moderno do indwl- ‘duo como corpo doente. Guiado pelo problems dos tipos de inter- ‘veneio das varias formas de medicina, Foucault articula os saberes com o extra-dicursvo, sea insituigbes como o hospital, a famine {escola sj, em um nivel mais global, as transformagées poltico- ‘tobreiudo na épees da Revoluo Francesa. € verdade que a due, quando se tatou de anal owsbidade da piquitria,o proprio desenvolvimento da pesqusa Tponiou o saber sobre olosco = diteamenteartclado com as pra ‘xe nstuctonais do inteoamento = como mals rlevante do que © Saber eorico sobre a loucura,enquanto que o objetivo fundamental {80 Nascimento da Clinica" expat os principio constituivos da ‘medina modern dfinindoo ipo especfico de ruptra que elas. {Ubelere- mplicava 0 priviego do dacuse teria. “4 Polat tC 168, ala ee prj. Seu ob tivo aprofundaregenraizarnterrelaBes conceit capazes. {Svar os saberesconstutvos dat ctnctes mana, sem pretender cla as formagDes Gncrsivs com as prea soca, Tove on: {tal olive 4b pode bavercéncia humane -pacologi,toiologi, Snvopologa~ parr do momento em que o apareaento, nos sitncias empires = biologi, economia Hologa = € das lowaias moderna, ue tém como arco incl 6 penamesto eto € como suelo deco- ‘thesmento,abrindo 8 posbildade de um entudo do homem como Tepreenagio. Isto pode parecer enigmdtico, mas 0 que interes ‘gus ¢asuinalar que-opropésto da and arqucolgie, tal como 1 fealizad neste vo, Consatia tm descrever a conaiuicho das cn ‘iss humanas a pats de uma intrrelaho de sbere, do esabelec imento de uma rede conceul que Tes cra espago de exisenca Serando propostalmente de ldo a relagBes entre aheres a8 traura economics poles "A conideragdo deste livros revel claramente a homoge: seidade dor nstrumentos metodoldgiconutzadon at ent, como ‘conosito de saber oetbelcimento das dscontinuidades, 8 cre ‘hos pra datagio de peridos e nua repasdeirensormasto © po: Jet Ge interelagdesConceituas, a arulao dos nbees com 8c {rutra roc a eritca dain de progreo em hina das toc 1% ste, Além disso, A Arguelogia do Saber, de 1969, que rflete sobre as tes andlse hstSricas com 0 objeuvo no 6 de expicitar ob ‘ieematizar mas sobretudo de clarficar ou apereigoar os principios “das préprias exigéncias das pesquiss, ext al uando consideramos 1 producto tebrica materializada nesses livros e, minimizando as pequenas ou grandes diferencas Que [podem existir entre eles, os comparamos em bloco ao que sed real- {ado a partir de eno, pereebemosclaramente se abrir um novo ca- minho para a5 andliseshistricas sobre as eidncas. Se Foucault nto invalid 0 passado, ee agora parte de outraquestio. Digamos que a “arqueologa, procurandoestabelecer a constituglo dos sabers priv- nerrelagBes discursivas tun articulagho com as nau: Bes, espondia 4 como 0s saberes apareciam ¢ se transformavam. Podemos entdo dizer que a andlise que em seguida ¢ proposta tem como ponto de partida a questo do porque, Seu objetivo nto €prin- ‘Spalmentedescrever as compatibilidadeseincompatiblidades entre Saberes a partir da confguragio de suas postvidades; o que preten- em ultima andlise, explicaro aparecimento de saberes a partir be conde de porsiblidade extern aos proprios saberes, ob me- Thor, que imanentes a eles ~ pois ndo se trata de considertlos como eto ou resultant ~ 0 situam como elementos de um disposiive de ‘naturezaessencalmente estratégia,€ esa andlise do porqut dos se- ‘eres, que prtende expica sua exsténca e suas transformagdes si {wando-o como pega de relagBes de poder ov incluindo-o em um dit- Postvo politico, que em uma terminologi nictzscheana Foucault hamard genealogia, Parece-me, em suma, que a mutacio assinalada por livros como Vigiar ¢ Punir.de 1975, € 4 Voniade de Saber, de 1916, primeira volume da Hittina da Sexualidade, 1 a ntroducko ‘ns anlises histrcas da questdo do poder como um instumento de hill capaz de explicir a produgio dos saber. "Mas ¢ preciso nio se equivocar ese arrisar a nada compreender as investigagdes mais recente desta genealogia: ndo existe em Fou- "aul uma teoria gral do poder.O que significa dizer que suas andi fs ndo.consideram 0 poder como um ralidade que possua uma na- tera, uma esténcia que ele procuraria dfiis por suas caracteriti- ‘cat univerais Ndo ext algo unitrio e global hamado poder, mas ‘Unicamente formas spares, heeropeneas, em constant ransforma- x dade de se procurar redutir a mullipicidade ¢ a dispersio das pit ‘as de poder atraves de uma teoria global que subordine a variedade ‘a descontinuidade «um conceit Universal, No € assim, entetan- fo, que Foucault tematiza 0 poder, como também no foi assim que tematizou nenhum de seus objetos de investigacio, A tazio € sim ples. embora apresente uma grande descontinuidade com o que ge- Faimente a entende ese pratica como teora. E que, para ce, toda {ora ¢ provisora, acidenal, dependente de um estado de desenvol= vimento’da pesquisa que accta seus limites, seu inacabado, sua par- Calidad formulundo concetos que carficam os dados - organi- Zandovos, explicitando suas intrtelagBes, desenvolvendo implica- (GBes mas que, em sepuida so Fevistos eformulados, subsituidos STpantr de novo material tabathado Nessesetido, nem a arqueolo- fia nem, sobretudo, a genealogiatém por objetivo fundar uma cién- fa, consiruir uma feora ou constr como sistema: 0 programa {que elas Tormulam € 0 de realizar ales fragmentria etransfor- ‘Umma coisa no se pode negar ds andlisesgenealigicas do poder: 4s produziram um importante delocamento com rlagio a ciéncia polites, que limita a0 Estado o fundamental de sux investigacio Sobre o poder. Estudando a formagdo histrica das sociedades capr- lalstas, staves de pesqusas precisa eminuciowas sobre onascimen- {oda instituigo carceriria e8 consttuigdo do dispostvo de sexual- ‘dade, Foucault, «partir de uma evidtnca fornecida pelo proprio ma- {erial de pesquisa, vis dlinear-e claramente uma nio sinonimia en- tte Estado e poder, Descaberia que de modo algum ¢inteiramente fovs ou inustads. Quando tevemos suas pesqusas anteriores 0b sta perspetiva, no serd indscutivel que aquilo que poderiamos ‘Shamar de condides de possibilidade polltcasdesaberes espesificos, Como 4 medicine ov a psiguatria, podem ser encontradas, no por Uma relugio deta com 0 Estado, consderudo como um aparehho Centrale exclusiva de poder, mas por uma 0 com poderes locals, expesiicos, creunecitos uma pequena drea de acho, que ‘Foucault unaisavs em fermor de insitugho? Mais recentemente, tsse fendmeno ndo #6 tem sido expliciado com maior clareza, mas Snabsido’de modo mais minuciowo e inlencional. O que aparece ‘Som evident € a erstncia de formas de exericio do poder diferen- tex do Estado, a ee aticuladas de manciras variadas que slo in ‘spensives inclusive u sue sustenlago e atuacdo efcuz Eniretant, essa valorizagio de um tipo especiico de poder formu- louse através de uma dstincdo, de uma diotomia entre uma situa xt Sindee eeargetarcnanr, ila Sit feet par at toda sciedadesumindo fs forma iu eonae econ ‘eject es eee Seapine mires mi pate aa ote time aeenreranare Sea rar eraerm aie carat Soiindvicsetmenmiae scat ser Shae eat iste oan eer cera ee cae mg a et 10s, hilbitos, discursos. oe we Be en een ween erie soci etait. sibahlnc ones eres neonemn Teta ge ew ee Sm Shoieclares no foram conscadon¢abworion peo aparino de Estado. Ni to necesariamentcrisdos pelo Estado, nem, se nae Eoveemrenepmerm ance ities arta temeate ea Seana a as ee fame meee de remaes ee cee ean eee soni iioiitaaratanea psiguiattia ou uo sistema penal. Mas nunca fez dessa anliss con- retas uma repra de metodo. A razdo € que 0 aparelho de Estado ¢ ‘in instrument especiio de um sistema de poderes que nose en- contra unieamente nel locaizado, mas o ultrapassa ¢ complement. ‘G que me parece, inclusive, apontar para uma conseqGéncia politica ontida em suas andises, que, evidemtementc,ndo tem apenas como ‘Sbjetivo dissecar,eaquadrinhar teoricamente as relagBes de poder, ‘mat servr como um instrumento de uta articulado.com outros inte {romentos, contra essa mamas relagbes de poder. E que nem 0 on- {tole nem a dstruico do apareiho de Estado, como muitas vezes se penta embora avez cadaver menos ~ ésuficiete para fazer des Parecer ou para transformar, em suas eracteristicasfundamentis. Fede de poderes que impera em uma sociedade, Do ponto de vista metodoldgico, uma da principas precaucdes de Foucault fi jestament procirr dar conta Gente nvel molecular ‘Se excrecio do poder tem partir do centro para a periferia, do macro pre. o micro. Tipo de andlise que ee proprio chamou de descenden {ering sentido em que deduziria o poder partindo do Estado proce Fando ver até onde eles prolonga nos exaldes m tle, penetra e ae reproduz em seus elementos mais atomizados. E ‘trdade que livros como Vigiar Punire A Voniade de Saber. como {imbem entrevista, artigos ou cursos deste periodo, nfo refeiram {gu a pretendia era se nsurgr contra aieia de que o Estado sera © Sredo cenraletnico de pode, ou de que a inegivel rede de poderes (dt sociedades modernas seria uma extensio dos efeitos do Estado, ‘im simples prolongamento ou uma simples dfusto de seu modo de clo, o que seria desiruir a expecfcidade dos poderes que «andlise pretend focalizar. Dal a necessidade de utilizar uma démarche in err pari da espeificdade da questfo colocada, que para a ge- realogta que ele tem realizado & dos mecanismos etéenicasinfnite- ‘mais de poder que eadointimamente relacionados com a producto ‘Sc determinadossaberes- sobre o criminoso, a sexualidude,» doen {ft wera et — ana como ees micro pode, 0 Px Stem tecnologia ¢ hitria specifies, se relacionam com o nivel mats geral do poder constitldo pelo aparelho de Estado. A andise {Mcendente que Foucault nko 6 propde, mas realiza, extuds o poder ‘io como uma dominacto global ccenalzad que paras at xt itunde € tepercute nos outros setores da vida social de modo ho- ‘mogenes, mas como tendo uma existéncia propria e formas especii- Tinto nivel mas elementar O Estado ndo & 0 ponto de partda ne ‘sini, 0 foco absoluto que estaria na orgem de todo tipo de poder Sool e do qual também se deveia partir para explicar a constituicho ‘dos suberes nas sociedades capitalisas. Foi mutas vezes fora dele ‘Que se instiuiram as relagdes de pode, essencnis para stuar a ge- teslopia dos siberes modernos, qu, com tecnologia propriaserela- tivamente autdnomas, foram investias, anexadas, wlizadas, rans ormadis por Tormas mais geras de dominagdo concentradas no sparelho de Estado, Podemos dizer que quando em seus extudos Foucault foi levado a distingur no poder uma stuagdo centrale peiférca eum ‘ro-e micro de exerciio, 0 que pretendia era detecar a exstncia © txpicitar as caracersucas de rlagdes de poder que se dierenciam ‘doEstado seus aparelnos, Mat isso ndosigniicava em contrapart- 4a, querer stuaro poder em outro lugar que nfo o Estado, como si- betes palavra perferia, O interessante da endlise€justamente que ot [oderesndoestdolocalizados em nenhum ponto espeetico da extru- {ura socal, Funcionam como uma Tede de xpositvos ou mecani- ‘mos a que nada ov ninguém escap, a que nfo existe exterior poss- ‘el imites ou fronteiras. Dal a importante epolémica ida de que © poder nde € algo que se dettm como uma cols, como uma proprie- 0 po- ‘ade, que se possi ou nfo. NUo existe de um Indo on que tm Sere de outro aqueles que se encontram dle aljados. Rigorouamen- {efalando,o poder ndo existe; existem sim priticas ou relagBes de po- ‘er. O que significa dizer que o poder algo que se exerce, que se ee- {ws que fonetona,E que funciona como uma maquinaria, como uma maquina socal que ado ext situada em um lugar privlegiado Ou ex: implica que as propria, tas de fora, de out lugar, do exterior, pois nada esta isento de po- der. Qualquerluta sempre resist2nca dentro da propria rede do po- fer. teia que se alasia por toda asocedade ea que ninguém pode e- ‘apar: cle ext sempre presente e se exerce como uma multipicidade ‘errclaoies de foreas. E como onde ha poder hi ressénc, ndo existe Propriamenteo lugar de resistencia, mas pontos méveise transition ‘ue também se distribuem por toda wetrutura vocil. Foucault ree {a portanto, uma concepedo do poder inspirada pelo modelo e

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