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As instituigdes da violéncia? Nos hospitais psiquidtricos, costunz-se amontoar os pacientes om grandes salas, das quais wingudm pode sair, nem mestco para it ao banbeizo, Em caso de navessidad, o enfermelnu de plantio in- terma toca uma cazapainha, para que um segundo enfermeira vena buscar o patiante e condazi-lo aa harheiro. O siial é tao demorado que muitos pacientes simplesmente decicem fazer sues necassida- des all mesmo, Essa resposta do pacieave & regra desumana é intes- pretada como “desrespaito” para com 4 equipe terapéutica, ou como expressio do nivel de incontinéncia do doente, estzeitamente de- pendente da doenga. ‘Num hospital psiquigtrico, duas pessoas jazem iméveis no mesmo leito, Dante da fala de espago, tira-se proveite do fato de os cetatdnioos ‘da incomodarem 1m go ato ¢ instale-se Gis deles por leito, Numa escole de ensino médio, 0 pratessor de desenia rasga 0 pepel em que um menina desenhow um cisne com patas, alegando “gostar mais dos cisnes na agua’, Numa escole maternal, enquanto a professora se dedica a trabalhinhos pessoais d tried, as riancas sio obrigadas a ficar sentadas nos bances, sem falar; ameacadas de permanecer durante hors com os bragos erguidos ~ o que ¢ muito dolozoso ~ se por acaso se mexerem, conversaremt on fizerem. qualquer coisa que atra- pale @ professom e seu trabalho, 1 tn; Lstitecione regata. Turia Bima, 1966. a ‘Um enfermo internado em qualquer setor de um hospital civil is or ore pitied a8 do mético, que pada desafogar em ci sorts gu le ao cone Cea _ Num hospital psiquidtrico, um doente “agitado” & submetido & ee ‘Quem nao conhece 6 ambiente ‘manicomial, ignore eae € un sistema muito rucimenter ~ ainda utilizado em toda parts ~ para fazer o dante perder a conseléncia, sufocando- Jogaro-the um lencol sobre a cabera, quase sompre mothaco te modo a néo the permitir respitar -, que é torcido astreitam: ted altura do pescogo; a perda de consciéneie é immedi “in A frustragdo das mies e dos pais gerainante so resoive em violneia constente contra os filhos, que nio satisfazem st paces competitivas: o filho ¢ inevitavelment= cig ff ct aie um outro 6 @ viver a prépria diversidace como uma ima nota ruim na escola 6 motivo de castiga, como se a Punigio corporal ou psicolégica para resolver & - servisse 3 r @ insufict 7 kit ee ete psiguitrico em que trabalho, utiliza \-se.utm sisteme elaboradissi:no, por meio do : y qual o enfermeito do tsb i < se assegurave que setie acordado por um doeule @ 1a hora, e fim de poder marcar seu caria c 0 de presen: es obrigatdro, A técnica consistla om encartegar um pins in ini odie dorms) de sepatar 0 tabaco de um cigarro was sido misturado com migalhas de pio, A experiéncia tinha ave ae que esse tarefa ccupava justamente meia hora, depois ee oenteacordava o enfermeito @ receble como prémio o 160, O enfermeiro datia seu cartéo e valtava a dormir, ancarre- 2 No original, strozzina, dim oi diminutive de strozze, garganta, sganete, yoela (N, 2 ando outro doente, ou © mesmo, de recomegar - wna nova lepsdra? humena ~ aquela tarefa alienent, Saiu no "Tl Giamo”, ha algum terapo: “Chega de tise! A pr sio de San Vitor val fielmenie perder sou axpecte sombvio 0 6- feo, De fato, de uns dias para cd, alguns operiros esto trie Thendo, e uin lado de un dos pavilnges,o que dé para & avenida Papiniono A pode ser visto topobetto de um belo amarele vibrant, qe alivis 0 coracéo, Quando ‘odo o complexo estiver sepintato, San Vittore possuiné umn agpecto mais digo, menos pesado © an- gustlnte que o anterior”. E 1a dentso? Nas exlas anda so NSM, FMes como sanitrios) mas, enquanto iss0, 0 muro emarelo vis Iprente nos “alivia 0 coregao". Os exeanplos podériam continvar infiitamente, abrangendo Lo- das os instituigdes sobre as qusis nossa Sociedade se organize ‘Mas o que aproxima 2s sitvagbes-linite relatadas § a violéncie amerelda por quem std com a faca ta méo sobre quem $e Vé tremediavelmente subjugado. Familia, escola, Yabrica, univers- dude € hospital sic instituigdes basaadas em uma divisio xilda dos paps, isto na divsdo do arablho: eja em serve @ sete professor ezlune, empeegadoretbalaador, médico @ doente 0” peganizador e oigentzado, Teto signifi que o que caracitiea $$ snethlgdes 6a lore divisio entre quem disp quer nBo aispbe do poder, de onde se pode deduzir que a subivisto dos -papels representa a elagdo de abuso e violdncle enlie poder & nio-podet, que so transfor na exchsto do nao-poder por pare do poder: a iolbncia e a exclisdo estio ne base da qualquer relacéo que $2 instaure em nossa sociedad, onto, 0s gras em que essa violencia ¢ administrada veriam segundo anacessidede do detent do poder no sentido de -vald-la e ‘Fetepatares veto de dgua (N. do E) 9 rmasvarésla. Dai uascam as diversas instibuigdes, que vio da familia eda escola ds prisdes © manicbmios:¢ violéncia ea exclusdo justi- ficam-se no plano da necessidade, como conseqiiénicia da finalida- die educativa, no caso des primeiras, € dé “culpa” eda “coeage", no das outras, Esses instituigdes podem sar dafinidas como as institul- cées da violéncia, Tal 6 a histéria zocente (¢; em parte, atual) de-uma sociodade organizada sobre uma divisio:nftda entre quera tem: (quem possi, no sentido real, concreto) @ quem néo tem: dela deriva a subdivisio ristificada enire o bom eo matt, 0 sio ¢ 0 doente, o respeitavel eo nio-respeitével. As posigées ~ nessa cimensio ~ ainda sio claras @ ‘precisas: a autoridade patema é opressiva ¢ arbitritia; a escola se ‘Dassia na chentagem @ na ameaga; 0 empregador explora o trabelha- dor; 0 manicOmio destr6i o doente mental. Todavie, a sociedade dita do hem-estere de abundinola acaba de descobrir que ndo pode expor sua face violenta abartarente, para no criar contiadigbes demasiado evidentes em seu seio, que se ‘vollariam contra ela, encontrando, assim, uum novo sistema: esten~ era empreiteda do poder avs téenicos, que 0 aciministrardo em seu nome @ continuario a crlar ~ mediante formas diversas de violén- cig, como & violéncia técnica - novos exclutcos, ‘A tarefa dossas figuras intermedirias ser, en:io, mistificer ~ pormeio do tecaicismo ~ a violencia, sem no entanto medificar-The a natureza, apenss fazendo com que-o objeto de vickéncia se adapte 4 violEncia da qual ¢ objeto, sem nunca chegare tomer consciéacia isso 8, por sua vez, poder tomar-se sujeito da violtncia real contra aquilo que o violenta. A tarefa dos novos encarregados seré a de ampliar as fronteires da oxcluséo, descobrindo, teznicamente, no- vas formas de desvio, ald hoje cousideradas dentro da norm. novo psiquiatra social, o psicoterapeuta, o assistente social, 0 psicélogo organizacional, 0 sociélogo industsal (are s6 cltar al- “a ¢juns) no passam de novos edministredoces de violéncta de poder, ‘visto que ~ suavizanto os atritos, desfazendo as resisidactas, resol- vendo 0s coulflites provovados peles instimigdes - com sua agao técnica aparsntemiente Yeparadora 6 nfo-violenta, sé fazeim permit a perpetuagao da violencia global. A tarefa deles ~ definida como terapéutico-orientadora ~ ¢ a de adaptar os individuos @ aocitar a propria condigdo de “objetos de violincia”, dando como certo que ser objeto de violéncia é a Unica cealidade « eles: concediéa, para além des diversas modalidades de adaglacao que poderéo aidctar, © resul:ado, portanto, 610 mesmo, O perfeccionismo técnico- especialiste faz com que se aceite # inferioridade social do exctuido, assim como conseguie fazé-1o ~ de manaira menos insi¢iosa ¢ reti= nada ~ adefinigao da diversidada biolégice, a qual, por outro camt- nho, também sancionave a infarioridade moral a social do difarente: ‘ambos 0s sistemas tondem a teduair 0 coniito entre 0 exchuido 0 excludente, confirando cieatificarente a inferioridede original do excluido diaute de queim 0 exclui, Nesse sentido, o ato terapéutico se revela wma teedi¢ao = reviste ¢ oorrigida - da mesma agéo discriminatéria perpetrada outrora por wma ciéncia que, pare defen der-se, cricu 4 “noma” ~ esta norma que, mesmo quando'supera- da, impo a sancio por ala mesma previste Deste modo, o tnico ato possivel para o psiquiatra consiste em esqquivar-se de soludas ficticlas, fazendo com que se tome consci- éncla da stiuaco global na qual vivem tanto 0s excluidos quanto aquoles que exclaem. A ambigitidads da nossa figura de “terspeutas" suubsistié enquento ngo nos dermos conta do papel qua nos ¢ soli- citado, Se o-ato terapéutica coincide com o impediments que a tomada da consciéncia do doonte quanto & sua condigio deexclul= do se desloque da esfera persecutdria particular (familia, vizinhos, hospital) para una compreensao glébal (tomada de consciéncia de sev excluido por uma sociedade que nio o quer}, ent 86 nos rasta 98 rejeita-lo caso esle limite-se a mitigar as reagdes do exclutto dianto de quem o exclui. Pare tanto, porém, & preciso que nés, que exer cemos 0 poder e a vicléneia, nos conscientizemos de que somos também excluidos, no exato momento em que somos cbjetificados ‘em 110350 papel de exeludentes, ‘Quando exercemos o poder (os conoursos para uma ‘itedra, a direcdo de sotores hospitalares, @ conquista do una selota clientela particular), submeiema-nos ao exame do establishment, o qual s- pera que estejamos em condig6es de cumpric ~ teonieamente - nos- sa tarefa, sem abalos nem desvios da norma: quer que The assegure- ‘mos no389 epoin @ nossa técnioa para sta defese e tutela, Na acei~ tagéo do nosso mandato social, postanto, nos comprometemos com ‘ume avd terapAutica que nao passa de ium ato de violéncia contra 0 excluido, que aos é confiado para que controlemos tecnicamente sues reagdes dienie do excludents. Atuar dentro de uma institalgo a violéneia. (woais om manos mescerad). significa recusar 0 seu riandato social, dialetizando no campo pratico esta negacao: negar ao terapautico come pritica de violéncta mistificada, aiando nosse tomada de couseiéncia sobre o fato de sexmos simples empretteizos da violéncia (2, desta forma, excluidos) & tomada de conscidacia dos excluidas ~ 2 qual devernos estimvlar ~ sobre sua excluséo, evitando qualquer estorco no sentido de aceptd-ins 2 essa excluséo, ‘A negacao de um sistema 42 resultante de uma zevicavolta, da produgéo de uma crise no campo no qual atuamos, F este o caso da crise do sistema psiquidtrico, como sistema cientifico e ao mesmo tempo institucional, que ¢ subvertido ¢. posto em discussio pela tomade de consciéncia quanto ao significado do campo especifico, particular, 19 qual se opera, Isto sigaifica que o eneonteo com a realidade institucional tem evidenciado elemenins ~ em nitida con- tradicao com as teorias cientificas ~ que remetem a mecenismos estranhos a doenge ¢ ao respectivo tretamento, Isto nao pade datxar ae de por ei crise as teocias cientificas sobre 0 conceitn de daenga, bem como as institi¢des sobre as quais elas baseiem suas ages terapauticas, levendo-nos & comprseusio desses “mecanismos tranhos” cujas reizes estic mo sistema sécio-politico-econdmico que os determing, Acabsorgio do doente no corpus médico foi, por parte de ciéncia, lenta ¢ laboriosa. Em madicina, o enconire eaire médica ¢ paciente se efetua no progrig corpo do dosnte, queé considerado objeto de investigagio 6m sia materiafidade e chjetuelidade muas, Porém, quan- do se transfere o disewrs0 pare o plano do endon:ro psiquiéitrico, 0 processo deixa de ser to simples, trazondo ocnsigo novas conse qbénctas, So'0 encontro com 0 dosnte mental se efetua no corpo, $6.8 possivel efetué-lo num corpo presurnivelmente doente, ope rando-se uma apo objetificante de carater pré-reflexivo, da qual se deduz-a natureze da ebordagem a estabelacer: nesse caso, impoe-se a0 doente o papel objetivo sobre o qual vird a besear-se « iastituicéo que 0 tutela, Assim, o tipo de ahordagem odjetificente aoabe influ- enciando © concaito que o dente faz de si, conduzindo-o - por mato de tal processo ~ a sé poder vivenciar-se como corto doent, exatamente como é vivenciedo pelo psiquiatra » pela institaigéa que trata dele: Em Suma, a ciéncta nos disse, de um lado, que o doente mental Jievie ser consideredo o resultado de ume altaracdo biolégica, no ‘bem identificada, diante da qual nada havia a fazer, @ no set aceitar com resiqnagio sua diversidade diante da noma: dai a agdo exclu- sivamiente de custidia por parte das institnigdes psiquitricas, ex- presséo direta de inpotéicia de uma disciplina que, confrontada com a doenga mental, limitou-se a defini-l, catalogé-loe geri-la de algum modo. Por outro lado, as préprias teorias psicodindmices, embora tenham buiscado encon‘rar o sentido do sintome através da investigacio do inconsclente, mantiveram 0 cardter abjelwal do pa- # ‘lente, ainda que mediante um tipo diferente de objetificacéo: isto 6, objetiticando-o néo mais como corpa, mas como pessoa. De igual odo, a subseytiente conttibuigéo do pensemento feuomeroldgico nio conseguiu ~ apesac dé sue desesperaila busba da subjetividade do homem — tiré-lo do terreno da objetificacdo em quo ele se encon- tra Iangado: o homem ¢ sua objetualidade ainda so consideradios core um dado, Sobre o qual ndo hd possibilidade de intervoncéo, além da uma compreensio genérive, So estas as intarpretagées clentificas sobre o problema da do- enga mental, Mas 0 que foi feito do doante vael s6 pode ser visto dentro dos nossos maniedmios, onde nem as dentiacias dos come plexos de Edipo nem as atestagdes do nosso estarcom-no-mundo- da-ameaga serviram para tiré-lo de passividade @ objetuelidade de sa-condigd, Se-essas "téonices" tivessem entrado verdadeiramente ‘nas organizagGes hospitalares, ¢ se deixado confrontar e contestar pela roalidade do doente mental, deveria ~ por coaréncia ~ ter-se transformado ald que se dilatessem e impcegnassem catla ato da ‘vida institacional. O que minatia inevitavelimenta a estrutura antori~ ‘tia, coercitiva e bierarquice sobre a qual repousa e institigdo psi- quidtrica, Mas 0 poder subversivo desses métodos de ahordagem pormaneco restrito a uma estrutura pslcopaioldcice que, em vez de por am discussdo a objetificarao que ¢ fetta do doente, continua « analisar 0s varios modos de objetualidade: ou seja, eles se mantén Gentea do sistema, que aceita cada contradigio como um dada inaliendvel, A nica alternativa teria sido sobrepor ~ camo se fez, em. certos casos ~ is outras terapias (bioldcicas, farmacolécicas) @ psicoterapia individual ow de orupo, cuje avdo, ainda assim, seria negada pelo caréter de cust6dia do hospital tradicional, ou pela ori- entagdo paternalista do hospital Fundamentado em bases apenas ‘butnanitésias, Assinalada essa impenetrabilidace estrutaral das insti- tuigdes psiquiétrices a qualquer tipo de intervengio que ultrepasse o sua finalidade de custédia, ndo pociemps deixar de reconhecer cue, até agora, a tinica possihilidade de uma abordagem a da ume rélagio terapSulica $6 @ concedida na maforia das vezes, a0 doente mental livre, ou séja, Aquele qqie nao & submetida & intemacio forceda, € para quem @ telagio com 6 psiquietra conserva uma margem de retiprocidede, estraitamanto vinculada 40 sou poder contratual. Neste ‘caso, a fied integrate do ato terapSutico € evidente, ne recom= posigda das estruturas e dos papéis que, emhora ja em crise, ainda nfo foram rompidos definitivamente pelo asilo. |A situagio (a posstbilidade da ume sbordagem terapéutice do Goonts mental) resulta, pertanto, estrettamente vinculeda e depen dente de um sistema em que tora relagio 6 rigidamente Geterminada pelas leis econdmicas. Isto significa que néo é tanto a ideologia médica que estabeloce ou indu2 wma ou cutra aberdagem, mins s0- brotudo 0 sistema socio-econdmico, que determina suas modalida- des em diversos niveis. Se a examinarmos bam, # doenica, como uma condicéo conmum, adquire sigmificados concietainente distintos segundo 0 nfvel ee0- noraico e social de quem esté doenle, {sto nfo sigaifica a atiexistShia da doenga, mas destaca-se um alo real que deve ser levedo em conta, sempre que nos pusormos em conteto com o doents mental dos asilos peiquiétricas: as con- seqiiéncias da Goence mental varlam de acoido com 0 tipo de abor- dagem que com ela se estabeleve, Tals "conseqiiéncias” (e refito- me a6 nivel de destruigda 2 da institucionalizacio do intermada nos manicOmios piblicos) no podem ser consideradas como a evolu- gio diteta da doenca, mas sim do tipo de ralacdo que o psiqulatra, por conseguinte a sociedade que ele representa, instaura com 0 paciente: 1) A telécio Ge tipo aristocrétiso, na qual o pactente tem wm podier contratual a opor ao poder téenlco do médic. Neste caso, 99 ela se mantém num plano de recipiveidade no nivel dos papéis, na medida em que se efetua entre o papel do mnédicn (alimentado pata mito do poder técnico) eo papel social do dcen‘e, o qual vera a cconsiituir sue tniea garantie de controle sobre’ ato terapéutica de que ¢ objeto. Na medida em que identifica o-médico como 9 depo- sitério de um poder téenien, 0 doente dito livre exerce simulamea- mente o papel dé depositério de um outro tipo de pader: 0 aconémi- 0, que 0 médicn projeta nele, Embora se trate de um encontro de poderes, mais que de homens, 0 daente néo permanece passivo dlante do poder do médico, pelo menos enquento seu valor social cortespondes a um valor econdmico efetivo, o qual, uma vez exam sido, pée fim eo poder comratual, ¢ 0 paciente 69 verd iniciando coneretamente a “canreira do doente mental”, no lugar onde sew papel social néo tera mais peso nera velor. 2) A telacio de tipo “mubualisico”, em, que se assiste a uma redugéo do poder téenico e a um aumento do poder arbitrdrio, diam to-do um “mutualista” que nema sempre tem consciéncia da prépria forga. Aqui, a teciprocidada da telagio ja esté atenuade, so reapresentando-se concretemente hos casos em que houver uma tomeda de consciéncia, por parle do paciente, da sua propria post- ‘40 sosial ¢ dos seus prdprios direitos diante de uma instituigdo que doveria ser criada pare tutelé-tos. Assim, neste caso, a reciprocida- de $6 existe na presenga de-um notivel gra de maturidade ¢ de cconsciéncia de classe por parte do paclante; ao paszo que o médi- 0, fregilentemente, conserva a possibilidade de determinar a rele 90 como ‘melhor Ihe conviet, eservendo a deciséo de voliar ao terreno do onder técnico para 0 momento em que ste evio exbitré- via for contesteda, 3) ArelagGo institucional, em que enmenta vertiginosamene o poder puro do médico (ja néo é nem necessério que seja poder ‘écnico), justo porque diminui vortiginosamente 0 do doente, 0 qual, 100 pelo priptio fata de estar intamado num hospital psiquidtrica, tor- nase aulomaticamente um cidadio sem direitos, entregue 20 arbt- trio do médico e dos enfermeiros, que podem fazer dale o que qui- serem, sem posstbilidade de apelacdo. Ne dimeniséo institucional, a reciprocidatle nao existe, nem sis austncia é de algar modo mas- careda. E aqui, vé ~ sem véus ¢ sem hij a a ciéncia psiquiatrica, como expressag Ga: qu faz dole sve i jer do doente mental. E é aqui ia como née é tan} je esi em jogo, mas sim a aus’ valor contratual de um doente, ao qual nao resta outra alternativa Esse eshogo de andlisa dos diferentes motos de encarar e de vivenciar a Goenga mental, da qual s6 conhecemos por enquanto esta face nesie contexte, evidencia que,o probleme nao 4 tanta a doenge em si (0 que-ela 6, qual e causa, qual o prognéstieg) somente 0 Tipo de Talacdo que vem a instaurar-se com o doenle, A doonge, com fe morDide, exeroe win papel puremente aces- sétio, dado que, enbore seje 0 dsnominador comum as tes situa hes sigerides, asctinie - no iltimo caso, sempre; no segundo, com freqiiéncia ~ um significado estigmatizante que confirma a perda do ‘valor social to individuo, id implicit no modo pelo qual sua doenea sinha sido vivenciada anceriormente. Eniéo, se ndo € a doonca 0 olemento determinante de condi¢ao Go doento mental, do modo com apareve nos nossos asilos psiqui Gitricos, devemos agora examinar os elementos que, embore estra- hos a ela, exercem um papel muito importante ‘Analisando a sitsacdo do internado em um hospital psiquidtrica (que insistims em Considerar 0 tnico doente estigmatizado fora da doenca ¢, portanto, 0 tinico de quem protendemos nos ocupar equi), podemos comerar dizensio que ele aparece, antas de tudo, como ‘um homem sem direitos, sujeito ao poder da instihiteao, @ portato 101 ‘a merc’ dias delegatérios da sociedade (os médicos) que o afastow ‘violéncia do nossa sistema social) que os empurra para fora da cvexcluiu, Ja s2 vin que gua exclusdo ou expulsio da sooledade esté, produgdo, pare @ wargem de vida associative, até encerré-los nos porém, mais estreitamente ligeda & sua falte de poder contratual (a rmivos do hospital? Nao sto eles, em suma, 0 refuugo, os elements sua contligéo social e econdmica) do que a doenge’em si. Quel pode de-‘ranstomo da ncssa'sociedada, que no quer recomhecer-se nes se ee tei oe inten city proprias contradigées? Nao se trata simplesmente daquales que, fbi datinico no momento da Tntermagao7 Pode-se fglerdoum diag partindo'de uma pesiglo desfavorivel, j& estéo perdidas de inicio? Hice-clinico objetivo, ligado a dads clenifioos concrelos? Ow Como poderemes continvar justificando nessa relagéo excludente trata-se, em vez disto, de um simples rOtalo que oculta, endo muito diante desses interrados, dos quais foi demesiado facil definir cada bem, sob a aparéacia de uma avaliagao Lécnice especielizada, seu alo e cada reagio em tarmos de doonge? mais profando significado discriminatétio? Um esquizatrénico abas~ CO diagnéstico jé assumiu o valor de um etiquetamento que codi- tado, internado numa clinica particular, tera um prognéstico dife- fica.uma dada passvidade como irreversival. Mas essa passividede rente daquele do esquizofrénico pobre, recolhido por uma guia de pode ser de Raliteca diversa, 10 90, OU nem sempre, enfermo. internacio a um hospital psiquidtrico. O que caracterizaré a situagany No momento em que ela ¢ considereda somente em tarmos ce do- do primeiro nio serd apenas 0 fato de ele nio ser automaticamenta nga 6 que 8» condi a necassidade de sua separapto'e exclusio; rotulado como um doante mental “perigoso pare si e para os outros, sem que # thinima dévida intervenha para reconhocer no diagndsti- e-escandaloso em pablico”, mas sim o tipo de intemagao de que 32 co im significado tiseriminatério, Desta forma, a exclusio do beneficia it salvaguctdé-lo de ser descontextuslizado, separado da ente para fora do mundo dos sios livra a suctedade dos seus ele propria realicade. A intemagéo “particular” nem sempre interrompe mantos eriticos ©, a0 mesmo lempo, confirma e sanciona a valida~ continuum da existéncia do doente, e tampouco reduz ov extingue de do conealto de noma por ela esabelecto. A pertic deslas pre de modo irreversivel seu papel social, Por isso, superado o perioda: ee eee 6 pode ser critico, para ele seré facil reinserir-se na sociedade. 0 poder objetual, pois « comunicacaa entre um € outro 86 ocorte através do descontexinalizante, destrutivo € institucionolizante- em todos: 03 | filtro de uma definigao, de um rétulo que nao abre possibilidade de {es da orgenizagde manicomial, 86 etua sobre aqueles que ndo apelagio, tm outra aliemnativa além do hospital psiquldtricg, Fsse modo de chordar a questio exibe aos nossos olhos 0 aves- Alluz do que foi exposto, sari possivel continuar a pensar que o so de-tmn restidede, em que 9 problema j4 néo é a doenga em numero dos internados nos insitutos psiquistricos corresporde acs ras sobretudo a reaio que eS ae la ve ostabelecey Mas ream rela- iloentes mentals de todas as catadas de nose sociedade e que, Zo estho GHVOINGS, Como partes em causa, tanto o doonto com portant, somente @ doeaca é que os redux ao gran de abjetificagia sua doenga quanto 0 méslico e, por conseguinte,a sociedade, que & am que eles s2 encontram? Ou, cm vez disso, mio seria mais justo Julga e a define: a objetificayao nao ¢ a condiaa objetiva do doentss considerer que esses doentes - justamente por écio-economi- mas reside dentro da relago entre doente ¢ terapeuta, e porlanio camente insignificantes ~ sio objeto de uma violéag) a doniro de relagéo anime 0 doonte © a sociecude, que delega o tabae 102 303 onto @ a tatela do doea:e ao médica, isto significa que é 0 médica quem pradsa de uma objemalidade sobre « qual posse efimer a prépria subjetividade; assim como & nossa sociedade que necessite de rons de campensacéo once possa relegane escondér as préprias contradligdes. A recusa da condicao desumana em quese encontra.s. doente mental, a recusa do njval de objetificacio am que ole foi Geixedo néo podom doixer de apresentar-se estrailamente ligadas uci de uma ofse ua palquatia aa Seas a i 2.ng sociedade que ele zepresante. O psiquiatra, ¢ clencie © 4 scue= dade praticamente se defenderam do doents mental e do probleme de sua presenga entre nés: ciante de um doente ja violentado pela” famill,pel local de wabalho, pola carfnote, nds vamos 03 date. ofensa desniedis, encobrinds « violencia que comtmames’@ Iker para com ele sob 0 véu hipécrita da necessidade e da terapia, Ore, de que tipo pode ser a relagdo com esses doeates, depois de registrarmos 0 que Goffman‘ define como a “série de contingéncias de carreira’ astranhas a doenga? Na realidade, a relagio terapeutice nao age como uma nova violéncia, como uma relacao politica qe ‘vise & integracio, no momento em que 0 psiquiatra - como delegatario da sociedade - tem o mandate de tretar dos doentes mediante abos terapCutioos cujo dnico significado 6 0 de ajuda-losa adaptar-se & 4 ig de violencia”? Isto nao significa que a. ‘psiquiatra confirma, aos olhos JOMMEE, que ser objeto de violé: Cla é.€ tinica realidade a ele concedida, para além das diversas mo- dalidades d2 adaptagdg que ele poderd acotar? Se, na aceitacao do nosso papel, acatamos esse mandato de moo submisso, nao somos nés masts objeto da violéncia do poder, que nos impie agir ne direco por ele determinada? Nesse sentido, 4 E, Gotta, Asylums, Nove York, Anckor Hoaks, Doubleday, 95 tow ‘nossa ado seruma neyagio quo, nastida como ravira- ‘yolta institucional a clantifiea, conduz a recusa do alo terapéutico gma tesolutiva de conflitos socizis, que oa et supera Os mediante a edaptagao de quem, ‘Os primeiros passos dessa reviravolta efetuaram-se, portento, por meio da proposta de uma nova dimensio institucional que defiaimos, ao infolo, como uma comunidade terepéutice, tamando por modelo a anglo-saxduica. De fato, Jode-se dizer que as primeiras expertnoias psiquideri- cas de candter comnniténio remontam a 1942, na Inglaterra, onde pregmatismo anglo-saxdnico, desvinculado do pensemento quase sampre ideo.dgivo dos paises continenteis de influéncia alama, con- seqguira libeitar-se de visdo esclerosacl clo doente mental como en vidade irrecuperdvel, mediante @ énfas2 no problema da institucionalzapio, causa primeira da faloncia psiquiétrica asilar, As axpetiénciae de Main 9 as subsogtientas de Maxwell Jones foram, de fato, os primera quela que via e tomar-se a nove psiquiatria institucional commmitéria, baseeda em pressupostos de caréter predaininantemente sociologicos. Simultareaniaate, iniciave-se ne France um forte movimento institucionel psiquidtrico encabegado por Tosquelles. Exilada antitranquista da querte civil espanhola, Tosquelles antrara como en fermeiro parc o Hospital Psiquidtrico de Saint-Alban, pequena rio do rmacigo central francs, onde - depois de diplomar-se outta vez, agora an moilicina - obtivera a decd do asi, Tarabém aqui, um pequeno bospital - e nfo um centro de estudos, nem um novo instituto de pes- quises psiquiitricas - é © tareno onde nascem, na préxis@ no plano ca necessidade, uma nova linguagem e uma nove dimenséo pstculdrica institucional, bescadas om prassupostos psicanalitioas. ‘As duas zondéncias, que no plano teérico tinham pontos de pa:~ tida diferenes, ravelam na prétice « validade de suas posturas na derrubada comum d2 uma ideologla, jé cristelizade na contemspla- 105, foena dissertapdo sobre a doenga como entidade ebstraa, nt rena separada do doente aainstitugio psiquittrica Hos paises de linn lama Hid iia ieologia eutbuica, esto tentando até hoje resolver a peonleme dos asilospsiquidticos'a parts de cima, com a etiicaedo de extuturasaperteigoadas (fais a atiude cusodiatista continva a donner. Basta caro exam de Giterslok,o hospital de Herman Simon, stualmente dirigldo Winkler, onde néo se-assiste a out coisa que a0 aperfelgoamensa| tGonico de ideologiaenpoteripica ce Simon, A prépia psiquitra sox cial, agora no auge, aio 6 aqui expressio da tomada de consciéncia «quanto é feléncie da psiquatrieaslar (com a coaseaiiente tomaga de conscigncia sobre a objetiivarde do dents em nivel institucional @ cientifico), mas sobretuda fruto de wata necessi social, como © qe Sutyira — nova Brasilia da ‘siquiattie alam’ ~ em Mogincla, soba dirwgao de Hafner. ‘Tambéin na [ili, onde a cultura psiqunitrice oficial sofrew prine cipalmente@ influénola do pensomonto alemio, a situapio insttacional rmovati-se lentamente, com anos de alraso em relacio a inglesa'¢ & francesa. Assim, tanto a experince de tipo setorial, de nitda insplre- ho francesa,® quanto a comunitaria, de que estamos tratando aqui, Sorgen dio stl petri avon a om a psp tn plo peifen masher Sper, Sie, pave, ta dat gma ofr worsted sTaton ree Lapel wigan cae sgape even fe iam a ot Synaral een dee simplemente fe hesin, platen de used me io alr, do satars ata pare 9 oop Ge um grade mw te dete fvian br una nalalonia, ton & esr he sk compo ‘no ataal estado fos nosso nospitais psiquiatricos, Mas nit “¢ {Reo pins oe ota pee externa emt ee cli stones doo do aly sla tar © paso sxe & gae 106 ‘inham precedentes-2os quais se xemeter. No caso ‘da nossa experién- cla, todavia, sentle-se’ uryentemente a necessidade de intervencdes ue se adlequassem @ realidade sobre @ qual se-agie, que pao se rede issem & adaptagao de modelos ja cadificados, apliciveis a qualquer ijuacao. Por isso, a ascoliie do modelo anglo-saxénicn da comunida- de terapéutica protendia ser # escotha de um ponto de seferéncia ge- nerico, que pudasse justificar os primetos passos de uma acéo de negagao da tealidade manicomial, Esta, porém, passava inevitevel- inente pela negagio de quaisquer classificagSes nosogréficas, cues subdivisdes @ elaboraddies mostravatn-se ideolégicas quanto @ condi- cia real do doante. Portanto, a teferéacia ac modelo anglo-sexénico {foi valide até © momento em que o campo de agéo foi- transfior~ mando @ a realidade institucional mudou de face. cj anos lsuicio ovebasebians, parm pal cond pode até agora, ser entendida camo a propos! um modelo resolutive (0 momento positive de-uma negacéo, que se propde como definitive) o qual, quando aceite © englabado no sistema, per de sua fungdo contestadora, Sela como for, seguindo passo @ pass as varias fases evolutivas dessa nossa reviravolta ‘institucional, fice ramais clare a necessidade de am continuo rompimento das: linhas de acdo que, inseridas no sistema, justamente por esia insencaa de- vem ser paulatinamente negadas e desteuidas. Nossa comunidade terapautica, portanto, mais que como " to, nascew como Tecusd a ume Situagio dada. © primeizo contato Te pessoas serie obtigidas, se oF ovtros melos aio tiverem consoguito, anteriemmea‘e, esolver o caso, Nem tasmo a eriagho de estruturas como iis chamnados “sotpers aberioe” nos osplisls psiquslsioos resolveris 0 pro ‘bem, no sentilo de qu, tambom na sade Rospialar, subsistitia 0 puisilé- fio dos aforeunaces al iaterzados por encaminhamentas mutusisticos re EGnuenados coniraposto aos "eetoror fechados” ns quets coatinuoriam a fer imarsee ¢ tartnbules o§ “intermaon nor guie", 107 com # reelidede manicomial logo evidenciou as forgas om jogo: intemado, em vez de apatecer coma um doente, surge como ¢ d= Jeto de wma violencia institucional que atua em todas os aiveis, porgue toda aco contestadare fo} detinida dentro das limites da doenga, © nivel de degradagio, objetificacio ¢ aniquilacdo total em (que ele se apresenta néio ¢ @ expressdo pura de um estado mérbida, mas Sobretudo 0 produto de agéo dastrutiva de uma instituigdo cuje finalidade era a salveguarda dos sios diante da loucura, Todevia, dosbastado © paciente das superestrutures 2 das inccustacde institucionais, percebe-se que ele ainda ¢ chjeto de uma violnciel qu2.a Sociedade usou a continua a usar em sou caso, na medida em que ~ anies de ser um doznte mental ~ ¢ win homem sera poder social, econdmico, contratyal: uma simples presenca negativa, re- duzida a ser aproblematica € acontraditeria, para mascarar a contraditoriodede da nossa sociedad, Em tal situaga0, como dedicar-se & doenga enquuanto um dado? Onde veconhecé-Ie, onde identificd-ta, senio nam outro layer que ainda nio nos ¢ possivel tocar? Podemos ‘gnorara natureza da dis» tancia que nos separa do doente, imputando sua causa somente & doenca? Ou nao deveriamos antes remover, uma a uma, as erostas da objetificacio, para ver o que nesta? Portanto, s® 0 primeiro momento dessa agdo reversiva pode sor ‘@mptivo (no sentido ce que se recusa a consicleraro doeate wm ndc-homam), 0 segundo nio pote deixar de ser a tomada de cons- ciéncia sobre seu cardter politico, no sentido de que cada aco dex senvolvida perants o doente continua @ oscilar entre & acaitagéo passive e a recuse & violéncla, na qual nosso sistema s6cio-politico se baseia, O ato terapéutico revela-se um ato politico de integrag3o sempre que tende a recompor, num nive) regressivo, uma crise ja em curso; ou seja, a recompor a crise fazendo-¢ retroceder & acei- tagéo daquilo que a provocou, 108 ‘Assim nascet, no terreno pritico, um processo de liberayio que, paxtindo de wma tealidade violanta e altamente repressive, tentou o caminho da revitavolta instituciqnal. Ravendo agora os assos Graduais désse processo - mediante a apresentagao de tres chos de traballos, cronolagicemente orgenizadns, sobre 8 elabo: ragio conceitial de prética em andamento - talvez ficue mais fécil esclarecer o significado dessa cdo, que no quer se apresentar como um modelo resolutiva, cujos resultados se limitariam a con- firmer 0 sistema, Em 1925, uri manifesta de artistas franceses que se assinavam “a révolution swrréaliste”, ditigido aos disetores dos manicémios, cerminave assim: "Amana de manha, na hora da visita, quando, sera nenhum dliciondrio, tentorem se contunicar com esses homens, squeirem lembrar reconhecer que, diante doles, 05 serhores tém uma jinica superioridade: a forga", Quarenta anos depots - amarradios, como grande arte dos pat Ses europeus, a uma lol antiga, ainda indecisa entre assisténcia seguranca, piedade & medo ~ a stinagZo nao midou muito: Himites forcados, burosracia, autoritarismo regem a vida dos intemados, em nome dos quais Pinel j4 reclamara clamorosamente o-direito & liberdéde... De feto, somente hoje 0 psiquiatra parace redascobrit que Oprimisire passo /para'o tratamento do doente 8 a relorng & liboniade, da qual até agora ele mesmo o privare, A necessidade de om regime, de um sistema, ua complex organizegio do espago fachado em que © doente mental foi isolado durante séculos, reque- ria do médico:o simples papel de vigilante, de tutor interno, de mo- derador dos excessos a que a doenca podia lovar: 0 valor do sistema superava 6 do objeto dos sous cuidados. Ms, hoje, o psiguiatra se da conta da qua os pritosiros passos em diregdo a "ebertura” do menicdmio produzem no doante uma transformagio gradativa do seu situar-se, da sua relagS0 com a dosneae com 0 mundo, da sua 109 perspective das coises, restringida # diminuida néo sé pela condi- gio mérbida, mas também pela longa hospitalizagio, A partir do ‘momento em que transpde os muros doTfemaato, 0 deente entia stuma ova dimenséo de vezio emocional .. 04 seja vé-se inirodt zido num espaco que, originariamente naseido para tornd-lo inofan- sivo ¢a0 mesmo tampo tratar dele, na prética aparece como um. lugar yaradoxalmente construfdo para o completo aniguikimeato de ‘ua individualidade, como lugar de sua total objetivegio... Contudo, geagas & realizacto desses primelras eizpas com vistas & transformapio do manicémio mam hospital de tratamenio, 0 do- [ede quem 0 tutela, Fesignado e dacil As nossas ERE, TST sine -come—en Gi do Voutades Ap? Tjeto pala doenga ae inédico GUE a meniém d disiéncia, A agressividads que, de vez em uando - como expressao da doenca mas, sobretudo, da instituotonalizacdo -, ompia 0 estado de epatia de desinteresse cede a vez, em muitos pacientes, a uma nova agressividade brotada, dda sensagéo obscura, por tris de seus delirlos partiealares, de estay rem sendo “injustamente” considerados nao-hemens somente p qe se encontram "no manicémio”. E nese momento que 0 intermado, com uma agressividads que’ eo assim sua prépria doenca, descobre seu dizeito de viver uma vide hurmare, ra, para que 0 manicémio, depois da gradual desuipo de suas aszuturas alienantes, néo seja levado a decair pare a condicio de uum ameno asilo de servos agradecidos, 0 tinico ponto sobre 0 qual parece ser poss{vel agir’6 a sgressividade individual. Sobre essa agréssividede, que é 0 que nds psiquiatres huscamos para uma liga ‘940 autintica com o paciente, podsremos alicercar uma telagao de tensio reciproca, a Gnica a ter condigbes ~ atuelmente ~ de romper 0 os vinculos de autoridade de patemalisma, causes, até hé poco tempo, da institacionalizarao (egosto de 1964). A situgedo dianté da quel nos vimos er nossa unidade? upre- seniava-se ellamente institucionalizeda em todos os seus setores: oonies, enfermeiros, médicos... Buscou-se entio provocat uma simacdo de rupture que pudesse lever os trés polos da vida hospité= lara saitem de sens papéls cristalizads, colecando-os num jogo de tetsio & contiatenséo pelo qual todos se veriam envolvidos # res ponsivais. Significava entrar no “risoo", o'quel $6 podin por no mesmo nivel médicos doentes, coentes ¢ aff, unidos na mesma causa, voltadas para um objetivo comum, Sabre essa tenséo davi- ‘am apolar-so es bases da nova ostrupira a te edificar: se aliviada ‘3st tans, tudo vollara & siiuacéo institucionalizada anterior... Desta fortna, 2 nova oigenizacéo interne comegarie a desenvolver-se a partir da base, © nao da vértice, ao sentido ds que;em vez de apre- sen‘ar-se camo um esquema ao qual ¢ vida comunitéria devia ade rip, seria préprie vida comunttaria que criacta uma orden nascida das suas oxigéncias @ das suas necassidades: @ organizacdo, em ver. de baseai-se mina regra imposta do alto, iia tornar-se ela mesma um ato terapautica., Todavia, sa’ doenga também esta ligada, como na matoria dos casas, @ falores sOcio-amblentais, emt nivets de tesistincia ao cho- «que vindo de uma Sociedade que nao leva ena conta 0 homom o suas cexigincics, a solucdio de um problema tao grave 86 pode ser encon= trada levando am conta 0s aspectos sécio-eeanémicos da quastéo, de modo @ permit tarabém @ gradual reinseicko dos elementos que no iesistiram a9 esforyo, que née ayfientaram 0 jogo, Qualquer tilative que se possa realizar na ahordagem desse problema id Timitarsse a demonstrar que semelhante paso € posstvel, mas fica 6 Hospital Psiquidtrico de Goria (N. do B). 1 rinevitavelmentz isolado ¢, portanta, privado do minima significa. Sea éle nao Se unit um movimento estrutural loto.am conte aque que aconiece quando um dows mental tem sua all ele nda consegue realizar, oambiente repel, as circunstincias que, em VEZ Teinsenir-se, ‘empunram-no aos poueos park dent dos muros do hospital psi- quidtrico. Falar de uma reforma da lei psiquiatrica atual significa querer enfreniar no s6 novos sistemas € regvas sobre os quais se funde # nova organizagio, mas sobretudo os problemas de.caréter social que a ela se ligam (men¢o de 1965). .Analisardo agore quats forgas podem ter agido tao profundae mente sobre o doente, a ponto de-aniquilé-lo, reconhecemos que so- mente uma é capaz. de provorar semelhantes danos: a autoridade. jma organizacéo baseada tnicemente no principio de autoridade, e cujo objetivo principal consiste na ordem ena eficiéacia, tem de-€s- colher entre a liberdada do doente (e, portento, a rasistéacia que este Ihe pode oper) eo hom andamento do asilo, Sempee se-escolhew & —+ficianeia, @ em seu nome o éoente foi sacrificado. .. Mas de os farmacos, com sua acio__svidenciaram concetamente para 0 siquiatra que ela néo estava diante de uma doenga, mas de um, nen daanie, néo se pods contin am '30- mente como um elemenio de quem a sociedade deve ser protagida, ssa Sociedade tenderd sempre a defencier-se dequila que Ihe dé medo a impor seu sistema de restrigdes ¢ limites as organizagies encarre- |gadas de tratar dos doentes mentais. Mas o psiquiatre néo pode con= tinuar assistindo & destrui¢do do doeute cue Ihe foi conflaco, trans- formedo em objeto, raduzido a coisa por uma organizacéo. que, enn ver de buscar o didlogo com ele, continua a falar consiyo mes... Assim, para que ovorra a reebilitagio do instivucionalizado que vageta em nossos asilos, seré mais importante aos esforgarmos - antes de consiruit ao seu redor wm novo espaco ecolhedor, huma- m no, do qual ele também precisa ~ para despertat-Lhe wu sentiment de oposiggo ao poder que até aquele momento o determinoy ¢ instivucionalizou, Corn a emeryncia desse sentimento, 0 vezi0 emo~ clonal em que o doente viven durante anos volta e ser preenchido polas forges pesscais de reago, de conflito, @ pela agressividade sobre’a qual ~ ¢ apenas sobre la ~ serd possivel que se apcie para a sua reabilitagdo, ‘Vetno-nos, entéo,diatte da necessidade de uma orqanizacio ® da ‘mpossibilidacie de conoretizé-le; diante da preméncie de formular uum eshogo de sistema ao qual se possa referir, pare Logo 0 trans- cender # destruin, diante do desejo de pcovocer es aconteeimentos 4 partir de cima e Je necessidade de esperar que eles so Slaboretn & se desenvolvam a partir da hase; diante da Inusoa de wm novo tipo de relagdo entre doente, médico, staff ¢ soniedada, na qual 0 papel protetor do hospital seja dividido com equanimidade entre todos..; dante da nevessidac de manter o nivel de conflito apropriado para estimoular, em vex de teprimic, a agressividade, as foncas individuals de reagdo da cada doente (junho de 1965}. Poréa, a constituigéo de um complexo hospitalar zemride comu- nitariamenta e baseaco em premissas que tendam @ destruicéo do principio de autoridade coloca-nos em uma situagio que se fasta do plano de realidade que sustemta a sociedade atual. E por isso que ura tal estado de senso s6 pode ser mantide por uma tomada de posigdo radical por parte do psiguiatra, que ultrapasse seu pepel © 82 coneretize numa agéo de desmanielamento da hierarquia de valores sobre os quais se baseia a psiquiatsia tradicional, Isso, todavia, exi- ge de nés que alendonemos nossos papdis para nos artiscarmas pessoalmonta, para tentar 0 esboco de algume coisa que, ambora jt traga em SL os gemnes dos erros futures, nos ajude por enquanto @ romper essa situagdo cristalizade, sem esperer que somante as leis venhamy & senciorar nossas agées ua Comunidade lerapeutica, assim en)endida— baseeda, como é, em pressupostos que tendem a destrair o principio de autoridade, 1a tentative de programer uma condigéo comunitariamente terapai ica ~ néo pode detxar de opor-se a realidade social na qual vive~ nos, porque stua-so em nitida antitese.com os principios fundantes de uma sociedade jé Jdentificada com as regres que a conduzem, independente de qualquer possivel intervexcao individual, para wm ritmo de vida aniaimo, impessoal, conformista (fevareico de 1966), Na llélia, contudo, ainda estamos presos a um. ceticismo e a uma preguiga quando tém justificegio, A tnica explicagio para tal quatro 6 de cunho sScio-econdmico: nosso sistema social ~ bem longe de serum regime eccndmico de pleno omprego ~ nio pode estar interessado na recbilitagee do do- ete mental, quedo teria condiodas de ser acolhido por uma soci- cade na qual nio fol plenamente tesolvido o problema do ‘zabalho dos seus menbias sos. esse sentido, qualquer exigtncia de caréter cientifico por parte da psiquiatria come o risoo de perder de vista seu siguifivaco maior ~ justamente 0 vinento social ~ se, a sn ago no interior de-um, sistema hospitalaré gangrenado, néo se unic um movimento esti tural do base, que leve em conta todos 03 problemas de caréter social ligados & essisténcia psiquidtrica, ortanto, a ado¢do da comunidade terapSutice, embore posse se7 conslderads um passo necessdrio na avolugao do hospital psi- quidttico (nacessério sobretudo pela fungdo que tave, ¢ ainda tem, de desmescaramente daqailo qué o dents mantal era considerado e nit 6, ¢ pala identificac’o dos papéis antes inexistentes fore da die mensio de confixamento), nao pode ser vista coma a meta final a ser busceda, mas sim como une fase transitéria, na espera de que & prépria situapio evolue de modo a nos forever novos elementos de clarificagao, i A comunidade terapéatics é um Ingar no qual todas (2 issa é importante) 03 seus componentes - doentes, enfermairos © médi- cos ~ estéo unidos num'asforco total, onde as contradiedes da rea- lidade representam o hémus de onde brota @ acd terapéutica reci- proca, E 0 jogo das contradigdes ~ dos médicos entre si, entre médicos e enfermeizos, entre enfermeiros e doentes, ¢ entre den- tes'e médicos ~ que_permite a continuicads ce um processoe ruptura com uma situacioa qual, de outro modo, poderia facilmen- te conduzire uma eristalizacio dos papdis, ‘Viver dialeticamente as centradigBes do real é, portanto, 0 as- pecto terapéutico do nosso trabalho, So tais contradicéos - om voz Je serem: ignoradas ow programaticamente afestadas, na tantativa de criar um mundo ideal - forem enfrentadas dialeticamente; seas. inusos de uns sobre os outros ea téonive do bote expiatdrin forem dialet liscuticias — ‘Seem aceitas como inevita- ‘vais ~ de modo que Se nossa compreender suas dindmoicas internas, entdo @ comunidade se torna terepSutica, Mas a dlalética s6 existe quando houver mais de une possibilidads, isto é, uma alternative, Se.0 Goente nfo tem altemativas; se sua vide parece, « seus olhos, preestabelecida’e organizada de anteméo; se sua patticipacio pes- soal consist ne sdestio & ordem, sem possibilidace de escapatoria, «lo s0 vers aprisionado no terceno psiguidtrico, assim como se via eprisionedo no mundo extemy, cujas coniradiztes nao consegula enfrentar dialeticamente, Pa mesma forma que a realidade que ele nic conseguia contestar, instituigéo a que-néo pode opor-se's6 Ihe detxa uma said: a figa:na produgao psicdtice, 0 refiigio no daliio, em que néo hi nem contzadigéo nem dialética... | ‘Assim, 0 primeiro pass ~ causa ¢, ao mesmo tempo, efeito da passagem da ideologia de cusédia para equela mais propriamonto Jerepéutioa - é'& mudanga das relagdes interpessoais entre os que atuam naquele campo. Mudanca que, com a variegio cu constltul- 188 80 de motivacbas vélidas, tonde a formar novos papéis, que no ‘upresentam mais nenhuma anélogla com a siluacdo tradiclowal pie- ccedente, E esse erteno ainda informe, em que cada personagem sai ‘em busca do sen papel, que constitu a base sobre e qual a nova vida terepautica institucional ganha impuiso.. Na simacio commitéria, 0 médico, diariamente controlado @ contestado por um paciente que no pode ser afustado nem ignora- do~ porque esié constantemante presente, testemunhando suas nevessidades rio tem condicdes de entrincheirar-se num espaco que definiriamos como asséptica, no qual ignore @ problematica que a prépria doenge Ihe peopde. Nem pode resolver o impasse através de uma generosa doagao dé si, que, mediants seu inevitével transcender-se no papel de apéstolo encaregado de uma misséo, estabelocerie um outro tipo de disténcia e diferenciacio, néo menos grave destrutivo que o anterior. Sua nica posicio vidvel seria representar um rovo papel, consiruido e destruido pela necessida- die que 0 doente tera de idealizé-lo (on seja, de tomé-lo forte e pro= tetor) ¢ de negélo (pene, por sua vee, sentir-se forte): papel em que © preparo téonico Ihe permmita - élém da relacao estritamante médica ‘om. pactente, a qual permanece Inalterada —acompanher ¢ com- preender as dindmicas que vim a deteminar-se, de modo a poder aluar, nessa relacdo, como 0 pélo dielético, que controla e contesta tento quanto é controlado ¢ contestado Seja come for, a ambigitidade do seu papel subssiste enquanto a sociexiade néio esclarecer seu mancieto, no sentido.de que 0 médico ‘tem um papel preciso que a prépria sociedad estabelece para e! controler uma oryanizagdo hospitaler onde 0 doents mental saja tu- telado 9 tratado, Viu-se, todaviz, como os conceitos de tutsla e de fratamento tendem a se negar © @ ser mutuamente exchidentes: 0 primeiro, caferindo-se as medidas de seguranga necessacias para prevenir e contet a periculosidade co doemte, enquanto o segundo, us 4 expansio esponténdd pessoal desse doente, De que maneira a médica pode couciliar essas dues exigénciss, em si contraditérias, até que a sociedade esclareoa para qual dos dois polos (# custéelia oi o tratamento) deseja orienta” a essistOncia psiquistcica?... (out bro de 1966) Toda socisdade ciijes estruturas se baseiem apenas em difé- ronciaghes cultural, de classe ¢ em sistemas competitives cria dentro de si dreas de commensacdo &s prépries contradigbes, éreas nas aquais pode concretizar a necessidade dé negar ou da fixer, numa bjetwalizacio, uma parte da propria subjetividade, ‘O recismo, em todas as sues facetas, ¢ somente a oxpressd0 dt necessidade dessas éreas de compensegao. De mesine forma, texistincia dos manicémios ~ simbolo daquilo que poderiamos defi- nir como "reserves psiquidtrioas", equiparando-as ao apartheid do negro ow 80s quetos ~ é@ expressio de’ uma vontede de excluir aqquilo que se teme por ser desconkecide © inacessivel, vontade justiicade « cientificamente confirmade por uma psiquiatrie que consideion 0 objeto dos seus estudos “mcompreensivel” e, enquar- to tal, telegavel a fileira dos exclutdos. © doenie mental ¢ um excluido que, numa sociedade como a atu 2, jamais poderé opor:se a quem o exclu, porque qualquer ato que veoh & praticat esti dorevante circunscrito e definido pela doenca, Assini, Somente a psiquialria, ao seu duplo papel mSdico e social, pode ter sondlgbes de revelar ao doente o que €a sua doonga 20 que ‘a sociidada Ihe fez, excluinde-o dela: somente tomando consciénicia de tersido excluido @ recusado & que o doente mental poderd reebili- arse do estado de institucionalizacio a que fo! induzido... | Porgue fot dentro dos mands do menicério que a psiquiatria classica demonstrou sua faléncia: no sentido de que, diante do pro- bblema do doente mental, ela 0 zesolveu negativamente, excluindo-o do contexto social ¢ excliindo-, portanto, de sua pr6pria umant- a7 dade, Posto num espaco do coagdo, onde mortificagées, humilha- odes e acbitrariedades eonstituem 4 regre, e homem ~ seja qual for set estedo mental ~ objetifica-se graduelmente nas leis do internato, identificando-se com elas. Assim, @ construgao de wma crosta de. atia, desinieresse 2 insensibilidade nao seria Seno 6 seu ato ex- ap: mu ato ex. tremo ce dafese contra o mundo que primelro 9 exelwio-depoisa. iquila: 0 dliimo recurso pessoal que 0 doente (assim como 0 in- —~SMes € somente a partir dessa Tomade de consciéncla de sua po- Sigfio de excluito, ¢ ca parte de responsatilidade que coube a soci« dade nessa exclusio, que o vazio emncional em que. doente viven durante anos soré substituido cradualmente por uma carga de agressividade pessoal, Este so resolverd numa acéo da aherta con- \estagio do seal, quo ale agora recusa, nio meis como ato de doen- ga, mas porque se treta realmente de tuma realidarle que no pode ser vivide por um homem: si liberdade ser entao frito de sua conquista, © nfo uma dédiva do mais forte... (dexembro de 1986), .-Se, a princisio, 0 doente softia a perda da prépria identidade, a instituigdo € 08 perdmetros psiquistricos The construfam uma nova, por meio do tipo da mlagio objetificante quo estabeleciam com ele e) dos estere6tipos cul-urais com os quais o rodeavar, Por isso podo- se dizer que o doen:e mental - confinado nome instituigdo cuja fina lidade terapéuticn mostra-se ambigua na obstinagao em relacionar= se com um corpo doente ~ esstmin a insituigéo como seu prépria compo, incorporando a imagem de si cue a instituiedo The impéie. O doente, que jé softe de uma pena de libercade (como pode sor intexpretada e doenca), v8-se aderindo a urn novo compo que é 0 da instituigéo, negando qualquer desejo, qualquer aco, qualquer aspi- ragd0.auténoma que o feriam sentir-se ainda vivo ¢ ainda ele mes- mo, Tomé-se um como vivido na istituizio, pela institaigdo, a panto ug ce sar considerada como parte integrante das prdprias estrututas fisicas desta ‘antes de sain, foram verificados fechaduras e doentes”. Tais so a3 frases que so Tom nas enotagdes deixedas pot um tum de enfermelcos ao timo Seguinte, «fim de garantira‘perfsita order do soto: Chaves, fechedures, barres, doentes, tudo isso faa parte do mobiligrio hospitalar palo qual enfermeizos © mésticos so respond vais, sem que uma diferenciagdo qualitative, por menor que sea, distinga uma e outra coisa, ‘Agora, 0 doente 6 epenes um corpo institucionalizade, que se “rivencia como objeto que - as vezes, erquanto niio estiver com pletamente domado ~jenta, por mein de acting-out aparentamente incompreansiveis, reconquistar as qualitieagées de um corpo pré- puto, de um compo vivido, recusando-se ¢ identificer-se com a is: tittiggo, Pela abordagem antiopolagica do mando institucional ¢ posst- vel, assim, dar interpretacbes diferentes daquolas dadas &s modli- dsdes tradicionalmente recoahostdas como proprias do internado psiguiéttico, O doente é obsceno, é desorganizado, comporte-se de ‘odo inconvenieaie, Essas sdo menifestagbes agressivas nes quals le ainda esta buscando, de modo diferente, num mundo diferonta (o da provocagao, talvez), seir de objetualidade em que se sents encetrado, para téstemunhar que existo, seja como for, Mas, dentro cle uma institaiggo, bd uma rarko psicopatolégica para todo aconte cimento ¢ uma explicecao cientifica para todo ato. Assim, o doents que nfo podla sex imedietamente chjetivedo no momento de sua enteda no hospital, o doente pera o qual 0 médico pudava soments presumis um corpo enfermo, asté agora finalmente domalo er- cerrado numa etiqueta quo tem todos 0s erismas da oficialidade cientifice... £ nessa condigdo que o paciente se ve numa institu; cdo ouja finaidade € e invasdo sistemitica do especo, j6 restringid a i a LE ug pela tegressio enferma, pe foto, a modalidado passiva A qual instituigda 9 constrange nao the permite viver os ecuntevimentoe segundo uma dialética intema, Néo The pennite viver, oferecer estar com os outros, tendo ~ a9 mesmo tempo ~ a possibilidade de salvaguatdar-se, defender-se, feckar-se. O corpo do intermado tor- nou-se simplesmente um ponto do passagem: um corpo indafoso, deslocado como um objeto de setor em setor, a quem ¢ impedida ~ concrete e explicitzmente ~, wedlante a imposigdo do corpo tinico, aproblemétioo e sem contradigoes da inslituicdo, a possibilidade de reconstruir para sium compo priprio que consiga dialetizar o man- do... Trata-se, portanto, de uma Comunidade acentuadamente anviterepéutica, em sua obstinagéo por apresentar-se como um enor- ‘mp inydluero, cheio de tantos comos que no podem vivenciar-se que ficam ali, & espera de que alguém se ocupe deles ¢ Zaca-os viver a0 sau modo: ne esquizotrenie, ne psicose manigco-depressiva, na histerie. Definitivamente coisificados... (mango de 1987). Se, porianto, a situagdo asilar revelou a substancial antiterapeuticidade das snas estruturas, uma transformagao nio ‘acompanhada de um trabalho intemo que a ponba em discussio & pattir da base seré totalmente superficial aparente. O que se reve- Jou antiterapéutico ¢ destrutive nas inst:wicbes psiquiétricas no fos uma téanice particular ou um iustrumento especifico, mas sim toda a orgenizagio hospitalar, que ~ valtad, come &, para a aficiéncia da sistema ~ inevitavelmente objetificox aos préprics olhos 0 doonte ‘que devia ser a nica finalidacle da swa existéncia, Sobre e3sa base, 6 evidenta que a introduoe de uma nova técnica sezapéutica no, velho terreno institucional revala-se orecipitada, ou mesmo até dex nose, no sentido de que, ao sex desnudada pela primeira ver a realix dace institucional como um problema a se enfrentar, core-se @ risco de recobti-ta rapidamente com um novo traje, que 2 epresente sob uma luz menos dramitice, Também a "socioterapis’, como 129 expresséo dn escolha, fata pela psiquiatria, do caminh da integracio, ameaga ~ no memento atual ~ reduait-se a um simples acobertamento de problemas, revelando-se ~ como as roupas do Tmperador da fabula de Andersen — ums capa inexisiente ne reelidade; pois que a eslruture Gua‘ combdnns6 pode negéla e dastiut-la... (abil de1967), «No podendo tials éxoluir 0 Goente mental comic “problena’. lenia-se agora integrérlo de feto nese mesma sociedads - coin! todas os imedas e preconcaitos que, frente ¢ eles, sempre # carac- \erizaraim - mediante im sistem ce instituigdes que d2 elam modo, venha a presarvi-la da diversidade que o doente mental continua a \ropresentar... ‘No momento, hé dois caminhos a seguir: ou deoidimos encaré- Jo de tents, cessando de projetar nele o mal pelo qual ndo quare- mos ser tocados, constdevando-o um problema que deve fazer par te da nosse relidede e, portanto, no se pode eludir; ou nos epres- samos ~ como nossa sociedade ji est temtando fazer - em sodar nossa ensiedade erigindo um nove diaftagma que aumonte a distin cla recém-proenchida entre nés ¢ ales, 2 construindo logo um Delissimo hospital. No priwveito caso, porém, o problema néo pode ranier-se dentro dos limites restriios de uma “ciencia" como a psi- quiateia, que ni6 comhece © objeto de sna pestuisa, torando-se assim’ um probleme etal, revestico de um carter mais especifica- mente politica, 0 cue implica no tivo do relagdo quo # sosiedade atual quer ow néo estabelacer com uma parte dos seus membros... (janeiro de 1967), ~Todavia, @ partir do momento om que discutimes a psiquiatria tradicional, que - ao atriboir um valor metatisico aos parimetsos sobre 0s quais hastia’seu sistema ~ se revelow inadequada & sua larefa, corremos o risco de cair mum impasse anélogo, sempre que mezgulharmos na préxis sem manter um nivel critics dentra da propria pris. ‘sto significa que, ao querer partir do “doente men- cit tal’, do intemnado em nossas insitulobes como tnica roalidade, hé 0 perigo de aproximar-se do problema de modo puramente emotiva. Ao inverter o negative do sistema coercitivo-antoritéric do velho manicémio para uma imagem positiva, corre-se 0 risco de satisfae zer nosso sentimento de citlpe perante os doentes vom um impulso. liumanttasio, capex apenas de confundir noyaraznto os vormos do problema ... £ por isso que se sente a exigénvia de-ume psiquiatria que deseje constentemente encontrar sua confimmagdo ne realidada, 8 quo na realidade encontre, porém, os elementos de contestacdo pala contestar a si mesma ..., Que @ psiquiatrie asilar reconhega, entim, haver perdido seu con= ‘ato com 0 zeal, fugindo contirmagao que - através daquela reali dade - poderia ter efstuado, Uma vez que a realidade lhe escapou, ‘ela limitou-se a continuar fazendo “literatura”, alaborendo suas teo- vias ideolégicas, enquanto 0 "éoente" se via pagando as conseqiién- cias dessa fratura - encerrado na ‘nica dimensio considerada ade- quada a ele: a segregacéo.... Mas, para lutor contra os resultados de: ‘uma ciéncia ideolégica, é preciso também lutar pera mudar o sistee mg que @ sustenta, @ Se, de fato, a psiquiatria - mediante a confirmagae cientifica de ininteligtbilidade dos sintomes ~ exorcou sua parte no processo de | exclusdo do “doente mental", ele deva ser considarada, ao mesmo tempo, a expressio de um sistema que até agora acreditou neger @ enular as prépries contradicdes afastando-es de si, recusando-lhas a dilética, ne tentativa de raconhecer-se ideologicamente como uma sociedade sem contratipdgg, Se 0 doante 6a tos realidad & qual cevemos reportar-nos, oGnyém encarar as cas faces que justa~ ante constituem essa realidade: a de ser ele um doente, com uma problemitica psicopataldgica (dialétice e ro-ideolégica), ea de sar fle um exchuido, um estigmatizato social, Uma comunidada que pretonda sor terapéutice deve levar em co essa tealidade ciplice 133 ~ a doenca ea estigmatizagio ~a fim de poder reconstruir gradual mente « face do docnte como era antes de @ sociedada, com seus numerosos tos de exclusio e com a fustituiedo por ela inventada, agir sobre ele com sua forgs negativa Gunho de 1987), «Na vendade, no campo teal da prées, 4 telagéo dita terapéutica libera dindmicas qué - se as exaninermos beim ~ nade tém a ver come “Uoenga”, mias Gue, ainda assim, exeroem tum papel digno de nota, Rafito-me aqui, em perticular, &xelagdo de poder que se ins- taure entre 0 médico € 0 doente 0 na qual 0 diagndstiog di Soenca é um siraples a oport aa ium Jogo do pOTEE rogressto que, em contrapartida, seré determinante os modos de dosanvolvimento da prop Quer se wale do *podler institucional”, da caréter quase ebsniuto, de que o psiquiatra esta investi dentro de uma estrutura esilar, quer de ume poder dito “terapéutico”, poder "técnieo”, poder “carismatico” ou poder “fantasmiético", 0 slo gona une sina pa dian g.do downte, que, por si mesita, TMIea reciprocidade do encon- tro @) assim, @ possibilidade do uma relagdi real, Altés, 0 doente, justamente enquanto doente mental, ira adequar-se tanto mais facil- mente a esse'tipo de relagdo obje:nel 2 aproblemitica quanto mais quiser evitar @ problematicidade de vealidete « que ndo sabe fazer frente, Portenio, encontrar, exatamente na relegio com 0 psiquia- tra, o eval para sua objelificagio e desresponsabilizacéo, mediante um tipo de ahordagem que alimentaré e cristalizaré seu nivel de regressio... vb psiquiatra dispde assim deum poder que, até agora, néo the serviu para compreander algo mais sobre o doente mental e sua doon- a, mas que, em vez disso, usou-o para defender-se deles, adotando ~ como uma das armas prinuipais — a classificagdo das sindromes @ as esquemetizagées psicopatolégices. iE por isso que 0 diagnéstico psiquidtrico assumiu inevitavelmente o significado de umt juizo de 13 valor, por consequinte, do um etiquetamento, visto que - dinte da impossibilidadle de vompreancler as contradigGes da wossa realidady ~ si resta descarregar a agressividade acumilada sobre chjeto prox vocador que néo se deixa ccrmpreender. Isto significa, porént, queo_ Goonte fol isola pasto i 1a psiguietria pare que Soonte fol isolado e posto entre paréuieses pela psiquietia para que, fosse possivel ocupar-so da definicdo abetrata de uma doane: codifcacio das formas, da clissificacho dos siniomas, sem vemer aventu ssiveis desmentidos por parte de uma ree , Senn oe eee eee vale-se de um poder, ce uma tarminologia téonica, para sancionar 0 que a sociedad j executou, ao exclu de si aquele que nao se inie- grou ao jogo do sistema. Mas tal sano nao tem.o minimo carétar ‘erapauticn, limitando-se a distinguir entve 0 que noimal e o que néo 96, distingao em que a norma nao é um conceito alastica e discutivel, 1mas algo fio 6 estreitamente ligado aos valores do mético @ da soci- edade da qual ele é 0 representante... © problema atual da psigqiatra, entio, & somente um problema ‘de escola, no sentido ce que, mais uma-ve2, ele se vé na possibili- dace de user os instrumentas 8 sue disposicdo para defender-se do doente e da problomaticidade de sua presenga. A tentacdo de sedar rapidamente a ansiedade que essa relecio real com o doeate Ihe provotia é constante, e no entanto é justamente ela o sinal da reci- procidade da sua relagao.. Portanto, o periga atual & esse: a psiquiatria-entrou numa crise. real. Além da fissura produzida por essa crise, agora seria possivel comecar a entraver 0 doente mental, despojado das etiquetas que ‘alé 0 momento o submorgicam ou o classificaram num papal defint- tivo. Mas o veformismo psiquidttico ja esté pronto a partir pare © alaque com uma nova solucdo, que no pode detsar de ser uma nova etiqueta a superpor-se as velhas estruturas psicoldgicas. A linguagem ¢ facimente aprendida e consumida, sem que a palavre 14 corresponde necasserlamente & ego executada ou a executer (malo ita 1967), _cTrala-se, eutdo, de crise psiquidtrica ou de crise instituatonal? Ambas parecem téo estreitamente ligadas que mio deixam entrever qual deles é conseqiéneia da outra, De fato, ambes epresentens um s6 denominador comum: 0 tivo do relas2o ojetual estabelecida com o doente, A ciéacia, quando o considera um objeto de estudo desmombravel segundo um aimere infinito de classificacéas ou de rmodalidades; a instituicdo, quendo o considera (em nome da efici- ‘noia da onganizacéo, ou em nome do etiguetamento que & ciéncia {he confirma) um chjeto da estrutuca hospitalar, & qual ele ¢ obriga- co. identificarse, Nao sorta necassétio - a essa altura ~ destruir 0 ‘que foi feito, por torndr de ficammos agarrados a algo que conserva 6 garme (0 virus psicopatolégico) dessa eiéncie, cujo resultado pavadoxal foi a invengio do doente & semelhanca dos parmetros fem que ela mesma 6 dafiniu? A nealidade mio pode ser definida a priori: no momento exato em que 6 definida, desaparene para tor nar-se uum conceito abstrato, No'momento atual, 0 perige ¢ 0 de se querer resolver o problema fio doente mental madiante um aperfeigoamento técnico... Neste caso, a psiduiatria no fara sendo perpetuar, em organizé- cdes equipadissimas 0 modernamente edificadas, ou em concottuagées perteliamente Logics, uma relagao que eu chamaria dg metélica, de instramento para instrumento, na quel a reciproci- dade continuaria a ser sistematicamente negada, © que transparece da andlise da crise a absolute incompresnsao, por parte da psiquiatria, da matureza da docnga, que ~ ainda desco- ahecida em sua etiologia SEG a tipo de celacdo axatamente oposto aqucle adotado até agora. O que cavacteriza atu- almente uma tal Telaglo, ém todos os niveis (psiquiatra, femilia, instituicdes, socledade),& a violéncia (a violéneia na qual uma socl- a5 edade tepressiva @ competitive se besele) com que o parturbada: mental ¢ atacado ¢ repidamente descattado. O que é, sendo exclu- séo e violencia, o qua impele 03 membros ditas sos de uma familia a canalizer para o mais fraco a agressividade acamulada pelas fras- teagdes de todos? O que 4, sendo a violéncia, a forga que leva uma sociedade a afastar o oxcluir 0s elementos que néo participam do. seu jogo? O que é, sendo exclusio e vieléncia, a base sobre a qual ‘se apoiam as instituigdes cujas Tegras séo estabelecidas com 0 ohje- livo preciso de destruir o que testa de pessoal no individuo, pare salvaguardar o bom andamento ¢ @ organizagao geral?... Analisemos entao-o mundo do terror, o mundo da violéncia, 6 ‘mundo da excluséo: se nao recoahecermos que esse mundo somos 16s, pois somos as instituipdes, as regres, os principios, es nor- mas, a8 disposigdes @ as organizagbes; se néo reconhecermos que fazemos parte do mundo da ameaga e do abuso pelo qual o doente: se sente assoberbado, do podetemos compreender que a.crise do coente a nossa crise. O doente sofre sobretudo por ser compelido @ optar por viver de modo aproblematico e adialético, visto que as contradigées @ as violancias da nossa 1ealidade podem, freqitentamente, sec insuportaveis. A psiquiatria nao fez sendo acen- tuar a opedo aproblemética do doente, apon:ando-Ihe 0 tinico espe- o.que Ihe eva permitido: o espaco de uma s6 dimensio, criado para ele Gunho de 1867). ‘Mas nao seré a comunidade terapéutioa ~ como orgenizagio dada ¢ fixada dentro de novos esquemas, diferentes daqueles da psiquiatria asilar — que garantiré a terapeuticidede de nossas agdes. Sera, sim, 0 ee SS ees id terapéutice, na medida em que conseguir focalizer as dindmicas de viol&ncia ¢ de exclusio presentes na instituiclo, assim como ne socis edade como um todo, criando os pressupestos para uma gradual tomara de consciéncia dessa violencia ¢ dessa exclusdo, de modo @ 128 que 0 doonte, 0 onfermeiro & 0 médico ~ na condigio de elemeatos cconstitutivos da comunidad bospitalar e, ao masmo tempo, i soct- ‘edade global -tenham a possibilidade de enfrenté-les, dialetizé-las ¢ comibetéelas, reconhienendo-as como estieilamente ligadas a uma es- inubara soctal espeoifica, € nio como um dado definitive ¢ iemovivel Dentro da institnigSo petgutétrica, qualquer investigagéo cientifica sobre a doenga mental em si s6 é possivel depois de terem sido eliminadas todas as superestraturas qua, da violencia do ail, nos remetem a vyiolncia da familie e & violéncia da societade, assim como Ge todas as suas instituigdes (outubro de 1987). A reconstitaigao do proceso de reviravolta ainda em curso na nossa instituigao nao pretende descrever ime técnica e umn sisto- made trabalho mais efictente' ou niais positive do qua-alqum ou- tro. A realidad da hoje no 6 a de amana e, no momento ext que a estebolecemos, j4 esté dasneturade ou suporada. Trata-se, acui, apenas da elaboregao ccnoéitual de ume acho pritica, que fol ama~ curecendo & medida que o'sistama de vida concentracional codia @ ‘vez atm modo mais humano de relago entre os corsponentis da instituigdo, Os problemas ¢ as mnaneiras de enftenté-los foram gre dualmente se modificando, gragas ao esclarecimento ctescente do campo especifico no qual se agia ¢ & dilatacdo desse campo para uum terreno mais vasto. Isto 4 0 que Tos intoressa em nossa ago cotidiana. Todavia, conforme a praxe ~Jé que a instituicio ne qual se age € ‘uma instituiggo terapéutica ~ habizualmente nos perguntam se anova condagéo conmnnitérla 6a solug2o pare es instituigdas psiquistricas; ‘0 que dizem os dados estaifsiicos sobre os resultados; se, em resu- ‘uo, curamn-se mais doentes, E dificil responcler em termos quanti- vativos, e, eimbora também nesse sentido possamos ralaiar dads classicamenta positivos, este nao nos parece o-melhor modo de volocat a questi. 12 © fato de, em 1039 — antes da ora farmacolégica =, Conolly ter consequid criar uma comunidada psiquiétsica completamente livre ¢ aborta testemuriha 0 que estamos afirmando aqui. A agéo dos firmacos evidenciow aquilo qué nés, médicos, mais preocupados com & doenga como conceito abstrato do que com 0 docate real, ‘io haviamnos intaido, Ben exeaninada, ele ¢¢a como um desafio x0 médica @'a0 seu caticismo, para aldm do qual existe a possibilidad de iniciar um disourso subseariente que pode compreender, ou nio} a acho dos férmavos. CCientes disso, io momento em que nossa acéo prética é observa 40 julgada pelo pablico direiamente envolvido, vemo-nos diante da ume escolha fundamental; ou enfatizamos nosso método de trabalho, | que ~ mediante wma primaira fase dectrutiva ~ conseonit, construt| luna nova realidade instituafonal, ¢ 0 propomos como modelo para resolver o problema das instituigdes psiquigtticas; ou eatio propo- ros e negaco como tinica modalidlade elualmente possivel dentro de um sistema politico-econmico que absorve em si qualquer aficme- G20, como novo instramento da propria consolidagéo. ‘No primeito cao, € evidente que @ conchisio Seria apenas uma outta face da mesma tealidade que destrufmos: a comunidad tere- péutica como novo modelo institucional se zevelaria um aperfaigoa- anento técnico dntro do sistema psiguitrico tradicional, essim como ‘dentro do sistema s6cio-politica gerel. Se nosso ato de nagecéo foi a do evidenciar o doenve meatal como um dos exclvidos, um dos bo~ «las expiatdrios de umn sistema social que tenta negar suas coniradl- cies, agora o proprio sistema tende a demonstrar-se compreensivo dliante dessa exclusio manitesta: a comunidada terapautice como alo reparatério, camo resolugio de conflites sociais mediante a adapta- ‘cio dos seus membros'2 violéncia da soctédade, pode levar a terme sia tarefa terepbutico-integredora, fazendo o jogo daqueles contra 0s ‘Quals tink nascido, Depais do primeito periodo de clandestinidado, ‘Um oltar gonérico sobre os hospitais psiquidiricos pode nos di- zetque, grossa modo e em toda pate, a tera poldgica dew enc tn Farmacos tam ima egao Indavel, cujos resultados foram visto, eM NOssos asilos, Sed Me doentes “associados” aghospltal, Mas ~ a posteriort — 6 pose fogar a ver tambom de que modo se efetua esse aco, tanto.no nival do dosnte quanto no do médico, dado que cles agem siuultgneamente sobre @ ensie= date enierma ¢ sobre aaasiodede de quem tela, evidenciando wm quadro paradoral da situagéo: 0 médico, por METS dos firmacos que submainisia, seda sue prépria ensiedade diante de vim doenie com quem néo sabe telacioner-se nem encontrar uma linguagem comum. Dessa maneire, compense, numa nova forma de violencia, a incapacidede pata mangjar uma situagao que ainda The parece ‘incompr continued ologia médica. da objettficagaa, através de um, aperteigoamento da mesma, Pelaagio ‘Sedative’ dos firmacos,o doente ainda continua fixado no papel Coasiiva de toante. A positividade da siruscao que vam a estabele- cei=se @noontra-se somente na abertura 4 relaodo que agora se 1e~ vela possivel, embora tal possibilidade esteja subordinada ao juiza Subjetiva-do médico, que pode ow nao sentir necessidade dela. Por cutto ledo, os firmacos agem sobre o doente atenuando ® pescen- fo da distancia real que o separ do outro;,o quo o fez prosumiy ‘ung poseibiidada do relaedo, a, ual cont eep Rie pea touoda, Definitivamente, o que se configura alterado pela agia dos Tem que se trata sempre de Uma Tora de defesa e, assim, da violéncia) do médico diante dela. De testo, isso, confirma o que inicialmente apontamas a respeito de a doenga nao ser a condigio objetive do doente: o que é faz assumir a face que tem é a relacio com 0 médica, que a cadifica, ¢com a sactodade, qua a nega, 128 a) ‘no qual esse acéo podia Figin ao controle @ & codificagio-que a crista- lizaria naquilo que devia see aparas um pass0 no longo procasso da reviravolta radical, a comunidede terapéutice foi agora descobeta come se dascobce wm novo produto: cura mais, assim como OMO Java mais branca, Nesse caso, no $6.08 doentes, mas também os médlicos e 08 enfermeiros cque contribairam pera & realizagao dessa nova @ hoe dimensdo instixicional, irlam ver-se-prisioneiros de um carcere sem grades, edificacio por eles mesos, axchuidos da realidae de sobre a qual presumiam incidir; 8 espera de serem reinseridos e seiniegrados no sistema, que se apressa em obturer as falhes mais descaradamente evidentes, abrindo outras, mais subterriness, A tini= ca possibilidade restante & a do consecver 9 vinculo do doente com ‘sua histéria - que ¢ sempre hisidria de abusus e de vieléncias - man= tendo claro de onde provém a subjugagdo e a violincia, Por isso, recusamo-nos a propor a comunidade terapéutica como. «am modelo institucional que serie vivenciado com a proposta de uma nova técnica rasolutiva de conlitos. © sentido do nosso trabalho $6 pode coatiniar a mover-se noma cimansio negativa cpie é, em si, des ‘muigfo & ao mesmo tempo superagda, Destruigéo ¢ superagéo que wl- ‘rapassana 6 sistema coerctivo-camerdrio clas instinuigGes psiquidtri< cas, 0 sistema ideclogico da psiquiatria enquanto ciéncia, para entrar 1 terreno da violénola @ da exclusio do sistara sécio-politico, reca- sando-se a deixar-se instramentalizar por aquilo que se deseja nager. Estamos perfeitamente cdnscios do risco que corremos: ser sub- Jugados por uma estrutura social baseada né norma por ela estabelecida, e fora da qual incorre-se nas sangées pravistas pelo sistema, Ou nos deixamos reabsorver € integrar, ¢-a comunidade terapéutice se manterd nos limites de uma contestacdo dentro do sistoma psiquiétrico 2 politico sem ferir os valores desse sistema (o ‘que significa precisar recorrer, para sobreviver aos praprios prajé tos, @ uma ideologie psiquidtsico-comunitacia como solucio para 0 136 problema psiguidtrico parcial @ especifico); ou contimuaremos a minar agora, por melo da comunidade terepéutica, amanhi por novas formas de contestacao € de requsa ~ a dinimica do poder como fonte de regressio, doenca, exelusio e instituctonallzacio em todos cos niveis. Nossa posige de psiquiatras nos dafronta com a necessidade da ume escolha direta: ou accitamos ser os empreitsiros do podar da violéneia (e, nesse €350, confida nos hmites Ta nOTMA Sond antusfesticamente aceila como a soluga ina); ou recusamos essa ambigtidade, tontando (nos limites do pos- e{vel, ja que estamos bem conscientes de participar, nds mesmos, diesse potler e dessa violéncia) enfrentar 0 problema de maneita radical, axigindo que ole sole englobado num discurso geral que nio podle se contentar com solugdes parciais, mistficadas. Fizemos a nosse esoolhe, que nos obriga @ manter-nos ancora- «dos a0 doente, como o resultado de ia realidade cujo envalvimenta no $9 pode evite. Por isso nos obrigamos a contimuas verificagdes ce superagdes que, demasiado superficialmenta, acabam interpreta- dias como sinais de ceticismo ou de incoaréncia diante da nossa pripria agio. Somente a verifivacdo das contradigbes da nossa rea- lidade pode salvar-nos do cair na Sdeologie comunitara, cixjos resul- tadas esqueméticos e codificados, para setem desiruides, exigem que esperamos uma nova reviravollta. Nese meio tempo, o establishment psiquidtrico define ~ embora rio oficiimente - nosso trabalho como destinuido de sariedade de respeilabilidade cientifica. Tal avaliagdo $6 pode lisonjear-nos, visto que finalmente nos eproxima a falta da seviedade e de respeite- bilidace desde sempre reconhecida no doente mental e em todos os excluidos. 131

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