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Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808. A ORDEM MORAL EM 19 TESES'. Cornelio Fabro Resume: A ordem moral em 19 teses” comesponde a sintese entre a metafisica ¢ a antropologia de Tomas de Aquino elaborada por um dos seus maiores intérpretes do século vinte, Pe. Comélio Fabro, Da descoberta metafisica do ser a estrutura do agir humano que reclama sua plena realizacio em Deus, o autor perpassa os ptincipais temas da ética tomista, tais como o da lei moral ¢ 0 da lberdade humana. Palavras-chave: ordem moral, ser, agit, iberdade, le, Abstract: The moxal order in 19 theses” comesponds to the synthesis between Aquina’s metaphysics and anthropology, prepared by one of his most important interpreters of the twenty century, Fr. Comelio Fabro. From the metaphysical discovery of “esse” to the stmuctuse of human action which demands to be fully realized in God, the author goes by the principal subjects of Aquina’s ethics, such as the moral law and the human freedom. Koords: moral order, being, lnaman action, freedom, law. 1) Retomando a linha fundamental da nossa reflesfo metafisica, podemos declarar que 0 homem reconhece-se na realidade: a) do mando; b) do proprio corpo, como capacidade de ser 1o mundo de uma parte; e c) do proprio espirito como capacidade de realizarse no mando mediante a responsabilidade do proprio Eu: 0 Eu é assim, wm alo dado como fondante, 0 qual é expresso na realidade presente como potencialidade, no sentido de capacidade efetiva de realizacio, tanto do corpo quanto do espirito. 2) Essas capacidades de realizacio no homem passam ao ato de modo diverso e em tempos diversos da parte do corpo e do espirito; nio obstante, ambas sio, a0 mesmo tempo, independentes da liberdade e, ao mesmo tempo, conexas A mesma, Dessa forma, o homem € concebido e desenvolve-se no oxganismo pela decisio daqueles que lhe geraram; do mesmo modo, o homem desperta para a vida do espirito pela apreensio gradual, mas irremovivel, da verdade do ens e dos * Artigo publicado osiginalmente em: FABRO, C. “Lordine morale in 19 tesi”. Studi Cartolict, XUXVIIL, 276, 1984. A esclusividade da taductio das obias do Pe, Comelio Fabxo pestence ao “Progetto citlturale Cornelio Fabro” do Instituto do Verbo Encamado. A presente traducio foi concedida, sem exclusividade, especialmente para a Revista Aguinat. Traducio do italiano pelo Prof. Sérgio Salles. O resumo, 0 abstract ¢ as palavras-chave nfo constam no original ¢ foram acrescentados pelo tradutox. AQUINATE, n°9, (2009), 13-19 13 Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808-5733 5) ptincipios, e, por outro lado, aspira necessariamente 4 felicidade pela luz evidente do verdadeiro ¢ pelo impulso irresistivel a0 Bem infinito que 0 Criador instalow no seu espirito. Ele € cognoscente e volente por participacio, mas 0 seu objeto ultimo € a verdade por esséncia, isto ¢, Deus como ¢ em si mesmo, ¢ a filicidade perftita na possessio amorosa de Deus. B oportmno, a esse propésito, um retorno & doutrina tomista do sentidos externos e, sobretudo, dos sentidos internos — e, em particular, da cygitativa — para esclarecer a operagio fundamental do espirito que, para o intelecto, é 0 conbecimento da verdade do mundo ¢ do espinito, e, para a vontade, é a busca do fim existencial, do projeto de vida que garante, isto é, realiza a felicidade “para mim”. Ora, para realizar esse duplo escopo é necessirio a colocacio em obra e a coordenagio de todas as atividades sensoriais disposi¢o do Eu, enquanto — se bem cuidado — © conhecimento sensivel para o intelecto e a tendéncia afetiva para a vontade devem-se subordinar A exigéncia do conhecimento intelectivo € a0 dominio da vontade. Essa diiplice funcio unificante do conhecer do querer na esfera sensivel vem atribuida pelo Aquinate a cogitativa, enguanto essa “participa” da inteligéncia: (assim como 0 exse do ens, essa permaneceu esquecida até mesmo pela sua escola. E os dois esquecimentos pertencem-se mutuamente e unificam-se). Como 0 esse dé a concretude tiltima do ente na esfera real, assim também a cagitativa atinge a vida psiquica na sua tltima determinagio dinamica © homem perience, mediante 0 corpo, ao mundo fisico € a “essa bela familia de ervas ¢ de animais”, mas, por meio da alma, pertence também ao mundo espiritual que, assim como tem sua lei suprema do pensar na distingio do verdadeiro do falso e, portanto, no principio de nio contradico, assim também possui o seu fandamento da busca na Dirention do bem ¢ do mal e, portanto, no principio Donan est faciendum et malum vitandum, Todo sex possui insito na sua natureza uma lei conforme propria esséncia dada pelo Criador: os minerais, segundo as propriedades atémicas ¢ moleculares, os viventes segundo a atividade biolégica correspondente As wirias formas de vida: das varias espécies de vegetais as varias espécies de animais a comecar daquela existente na forma de reacio fisico-quimica no mundo do tropismo ¢ similiares. ‘A natureza humana tem em si, com a inclinagio ao bem, uma luz particular, a capacidade de discernir 0 bem do mal: mediante essa, 0 homem pode ordenar os seus atos 4 consecugio do Bem supremo, isto “questa bella debe famiglia e di animali”. SOFOCLES. Ala, ww. 854-65 (N. do T) AQUINATE, n°9, (2009), 13-19 4 Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808. 33 é, do fim tiltimo. Essa capacidade originaria de discernimento do bem do mal, para ordenar (isto €, dispor) 0s prdprios atos & consecucio do {iltimo fim denomina-se “lei natural”, uma luz particular da luz divina da lei eterna: “Unde (..7 lex naturalis nibil aliud est quam participatio legis aeternae in rationali creatura”’ (Swnma Theologiae LI, 9.91, a.2). A lei natural é, portanto, © principio (ativo) que informa e ditige a ratio _prnctica, guiando a vontade e fazendo-se guiar pela vontade na busca dos fins e dos meios na esfera pritica-existencial. Portanto, a lei natural é determinada ¢ obrigante como norma: deve-se eleger 0 bem, deve-se fugir — evitar — do mal. E isso, nao s6 pelo sujeito em si mesmo, mas também pelos outros: diante de Deus, com efeito, esses participam da mesma natureza humana, ¢ todo semelhante (até mesmo entre os animais) ama o seu semelhante. E a consequéncia ética da participac! predicamental segundo a regra de Boécio seguida por Santo Tomas: “Participatione omnes homines sunt unus bomo”. Poxtanto, sobre o plano da lei natural, 0 amor ao préximo € a consequéncia direta do amor a Deus, junto (¢ consequente) ao amor que cada um tem por si mesmo. Em virtude da lei natural, aquela participacio da lei eterna, todas as pessoas humanas, com as suas tendéncias e inclinagdes, sio chamadas a participar dessa direcio racional & consecugio do iiltimo Fim. Em primeizo lugar, a esfera da vida sensivel € polarizada em tomo A cogitativa, que pode ser ainda chamada de faculdade de produzir ¢ conservar as impress6es da “vida visada” e de transmiti-las a razao pritica, a qual pertence o juizo pritico, em conereto, seus fins € seus meios. Na esfera da edueacio do carter (¢ em geral da formacio moral e cultural), pode-se reconhecer que a cagitativa, qual ponto de insercio, isto & de contato entre a esfera sensitiva e a intelectiva, opera uma primeira sitaacio de preparacio, do interior das disposicées, inclinacées, tendéncias inatas e adquizidas do sujeito. Daqui a importincia da educacéo e da “formacio” da sensibilidade, seja para o conhecer seja para o agir, isto é, para atingir o verdadeiro & alcancar © bem, A coneretizacio dessa tarefa nfo sfiocertamente suficientes os vagos paradigmas da dialética moderna de consciéncia/autoconsciéneia, a0 passo que sio muito mais titeis e vio aprofiandados os comportamentos dos esquemas cognoscitivos ¢ operatives (nfo na diregio kantiana do espaco-tempo abstrato, mas sim naquela concreta direcao dos fins © dos meios na esfera existencial, como ja se acenow) ATE, n°9, (2009), 13-19 15 Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808-5733 9) Santo Tomas, na fandacio da lei natural, insiste sobre 0 aspecto cognoscitivo, jd que a “[..] eognitio veritatis est quaedam inadiatio vel participatio legis aeternate quae est veritas incommutabilis? (IL, 9.93, 9.2). ‘Assim, nao sé a lei natural, que ¢ fundamental, mas, “[..] omnes ees, in quantunt participant de ratione recta, intantum derivantur a lege aeternd”; por conseguinte, toda lei humana “[..] infatum habet rationem legis in quantum est secundum rationem rectam: et secundum boc manifestum est quod a lege acterna derivatur” (Le. € ad 2). Entre a lei eterna, a lei natural e as demais leis estabelece-se, portanto, uma fandacio de conformidade de tipo metafisico descendente 4 qual corresponde (no legislador € nos stiditos pela lei humana) um estratura de dependéncia ativa descendente 10) Confluem, dessa forma, na consciéncia humana, como principios ativos da aco moral: a) a lei eterna, a qual ordena e regula o universo inteizo e de modo particular a criatura racional (J, .6); b) a lei natural, como participacio da lei eterna com impulsos, tendéncias ¢ movimentos da esfera sensitiva coordenada pela «gitativa. De modo profndo, Santo Tomas concebe a relagao (da lei natural) com a lei eterna: “[..] Uno modo in quantum participatur lex aeterna per modum cognitionis; alio modo per modum actionis et passionis in quantum participatur per maduon principii motin?? (ke, 0.6). Esse modo nao vale somente pelo inflaxo de Deus sobre as criaturas inferiores, mas também pelo homem enquanto o mesmo recebe de Deus, causa primeira, o impulso de agir, ¢ sempre a partir de Deus, como autor da salvacio, a mocio interior da graca 11) Poder-se-ia inclusive dizer que 0 intelecto pritico (ow razio pritica) opera na coniluéncia das iluminacdes © mocées da lei etema (participada A lei natural) com as solicitagdes € indicacées na esfera sensivel fornecidas pela imgitatinz, que é, a seu modo, iluminada pela razio. 12)A triplice relacio entre a lei eterna, a lei natural e a cagitativa poderia entao ser representada na figura de trés circulos concéntricos, dos quais © circulo extemno ¢ a lei eterna, aquele do meio ¢ a lei natural com os ptimeios preceitos ou principios mozais, e aquele mais interno é a cogitativa, que depende ¢ € subordinada diretamente A lei natural e indiretamente (e, todavia, profandamente) 4 lei eterna. Os bens aos quais primeizamente inclina sio a vida individual para os singulares, a procriacio para a espécie ¢ a educacio dos filhos ©, quanto & parte superior do homem, é a “inclinatio secundum naturam rationis, quae est sibi propria: sieat homo babet naturalem inclinationem ad hoe quod veritatem coguoscat de Deo et ad hoc quod in societate vivat?. Para obter isso, deve-se evitar a ATE, n°9, (2009), 13-19 16 Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808-5733 ignorincia, evitar a ofensa aos outros e a tudo aquilo que os pertence (hes, q.94, 0.2) 13)Doravante, podemos comprcender melhor a unidade dintmica (isto é, operativa) do homem segundo essa estrutura, ao mesmo tempo, complexa e unitdria, que parte da lei eterna e através da lei natural, com 9s seus preceitos primeiros e derivados, abraca ainda a esfera sensivel. A férmula de Santo Tomas é em direco vertical, como exige a relacio dominante da patticipagio: “Ommes inclinationes quarumeumaue partium humanae naturae, puta concupiscibilis et iascibilis, secundim quod regulantur ratione, pertinent ad legem naturalem et reducuntur ad unum primum pracceptum [del bonnm faciendum et malum vitanduni)”. Assim, os preceitos siio muitos, mas a raiz da qual surgem e alimentam-se é uma s6 (Ji. ad 2 © ad 3), como algo permanente sempre A pessoa (veja ainda a4 e ad 3). 14) A interacio entre as varias esferas, ora indicadas, pode dar origem, segundo as diversas tomadas de posigio da consciéncia (isto é, da liberdade) 20 dominio efetivo de uma esfera sobre a outra; e, assim, podemos classificar os homens no Ambito existencial em espirituais, racionais e passionais. Os primeizos elevam-se ao mundo divino com inspiracdo e ascensio superior ¢ com especial mogao divina, superando os ditames e as exigéncias da lei meramente natural; os racionais seguem os ditames e os impulsos da lei natural, dominando o apetite desordenado; os passionais, enfim, deixam-se dominar pelas paixdes. 15) Daqui ainda a necessidade e a oportunidade de determinar a lei natural com precisas leis positivas: seja pela sua indeterminabilidade em relacio as ages pasticulares, seja para prevenir as desordens da paisio: “Lex seripta [positival dicitur esse data ad carrectionem legis naturae, vel quia per legem seriptam suppletum est quod legi naturae deerat: vel quia lex: naturae in aliquibus cordibys, quantum ad aliqua, corrupta erat infantum ut existimarent esse bona quae naturaliter sunt mala; et talis corruptio correctione indjgebat” (Le., 9.94, a aad 1; ver a.4, em que se lé “aliqui habent depravatam rationem ex passione, seu ca mala consvetudine; sieut apud Germanos olin latrocinium non reputabatur iniquum, cum tamen sit expresse contra legem naturae, ut refert Tulins Caesar, in libro “De bello galico”, lib. VI, cap. 23). 16)A lei da pasticipacio atinge nio s6 a origem e a coordenacio na subordinacio entre a lei eterna, a lei natural e a lei (civil ¢ eclesisstica) positiva, mas também seu conteido. Assim, deve-se afirmar que os bens espirituais precedem os bens materiais e os bens da sociedade e do Estado aos dos cidadaos singulares, enquanto 0 homem € por natureza um “animal social” (ARISTOTELES. Politica, I, 9, 1253°2). © Aquinate ATE, n°9, (2009), 13-19 v Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808-5733 inspira-se ainda em outro principio do Filésofo segundo o qual “o todo tem prioridade em relagio A parte”, isto & que 0 “bonim exenvitus est bonne ducis? que guia a comunidade ao seu fim: 17)O primeiro fundamento da participacio, de que gozam o espirito criado © o homem, é a respectiva “criaglio 4 imagem de Deus” (Gn 1, 27), na medida em que a sua esséncia espiritual exprime de modo finito a natureza mesma infinita de Deus a realiza mediante 0 conhecer € o amar (nesse contexto nio direi que o homem em relacio aos puros espititos é... a imagem de Dens secvndim quid), porque a tarefa do anjo (puro espirito) © do homem em relacio & busca existencial radical € idéntica. Assim, por extenstio, como o imperfeito participa do perfeito, assim também todas as criaturas podem ser ditas (em sentido menos rigoroso) criadas ad inaginem Dei (“participant aliquid de ratione imaginis”: 1, 4.93, a.2), segundo os seus respectivos graus de perfeigio, pelos quais participam da infinita perfeicio de Deus e sio ditas criadas segundo uma semelhanca, No entanto, essa relacio de assimilacio a Deus (“omnia tendunt assimilari Deo”) € diversa para a criatura racional: “Universum est perfectus in bonitate quam intellectualis natura extensive et diffusive. Sed intensive et collective similituda divinae perfectionis magis i est capax summi boni” (1, 4.93, &.2, ad 3) nitur in intellectuali creatura, quae 18) Dessa realidade da participagio propria 4 natureza divina, seja na natureza em si da alma seja nos impulsos espirituais originérios a0 conhecer e ao agit, o homem apresenta a imagem de Deus em sentido proprio, € isso € 0 vértice de sua dignidade. A sua capacidade cognoscitiva, mesmo que atue de modo limitado na existéncia temporal, é em si infinita e aspiza a0 Infinito na visio de Deus; do mesmo modo ~ cada vez mais ainda — a sta inclinacio ou impeto pela posse da felicidade na fii 1o de Deus, ainda que possa ser sujeito de oscilagio, dirige-se diretamente a Deus sem render-se, como o conhecimento que o homem pode ter de Deus através do filtro da analogia 19) Portanto, o amor do homem € do espiito finito dirige-se para Deus ¢ termina em Deus, nfio como € ou pode ser conhecido pelo espirito finito, mas como Ele é em si mesma, Nesse sentido entio — ¢ € 0 momento de maior importincia pelo homem na sua existéncia terrena — o amor de Deus (que é aquele que ele enderega a Deus como ao seu Pai celeste tanto mais © propriamente aquele que € elevado pela graca com a virtude da caridade) do difire essencialnente da beatitude eferna a nio sex como 0 implicit ao explicito. A diferenca existe somente no modo, nao na substincia: que mediante 0 Avner fide! ¢ os dons do Espirito ATE, n°9, (2009), 13-19 18 Drove aquinate.net/artigos ISSN 1808-5733 Santo, li mediante 0 umen gloriae © a posse total da visio facial e da fruicio amorosa. E tudo quanto exprime o Angélico no admirdvel prologo 4 Prima Secundae, inspirado em Si0 Joio Damasceno: “Qnia, sicut Damascenus dicit, homo factus ad imaginem Dei dicitur, secundum quod per imagine siguificatur iniellectuale et arbitrio liderum et per se potestatinms postquam praedictum est de exemplari, scilicet de Deo, et de his quae processerunt ex divina potestate secundum eius voluntatenr; restat ut consideremus de eins imagine, idest homine, secundum quod et ipse est suorum operaum principi Liberuma arbitrium habens et suorum eperum patestaten?” ium, quasi ATE, n°9, (2009), 13-19 19

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