You are on page 1of 30
CONTRATODE ALIANGA PROJBTOS COLABORATIVOS EM INFRAESTRUTURA E CONSTRUGAO. © Almedins, 2017, AUTOR: Leonardo Toledo de Sila DIAGRAMACAO: Almeding DESIGN DE Capa: FHA ISBN: 978-858-49-3261-0 Dados Internacionais de Catalogagso na Publicagto (CIP) (Cara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ee Siva, Leonardo Toledo da ‘Contra de alanga: projeros colabortias em infaestrutura e construgi / Leonardo Toledo daSilva ~ Sao Paulo Almedina, 2017. Bibigraia ISBN 978-85-8493-261-0 1. Allangas de projto (Negcis) 2. Bowe (Direit) 3 Construggo 4. Conratos (Dire cil) 5-Cooperago 6, Direto comereial 7 Infrastatura 8 Relacoes ccondmicas 9, Relagbesemprestsis Lita, 70836 ooUsar44 ee {indices para catilogo sitemético: 1. Contato: Dieito comercial: Direito cl 347.44 ste io segue as egras do noo Acordo Orngrifn da Lingus Portugues (1990). ‘Teds os direitos reservados. Nenhuma parte deste lino, proteyldo por copyright, pode se eprodu- ‘id armazenada ou transmitida de alguma forma ou porslgum mii, sj lerOnie ou mectnico, ‘clusve Fotocdpia,gravagio ou qualquer sscerna de atmazenagem de informagies sem «permseto expres e por eseitoda dtr ‘Novembro, 2017 EDITORA: Almedina Bri Ras José Maria Lisboa, 860, Con. 316133, Jaren Paulista | 03425-001Sfo Pao | Bs ceditoraalmedina com be “Umsonho que se sonha s6 és um sonho ques soma s6, ras sonko que esonha junto éreaidade.” Ravi Santos SEIXAS 1 “Colaboragdo éa nova Revol.” Slogan publicitério da Blive, plataforma colaborativa Inovadora que permite a troca de servigos, na rede, sem pagamentos em dinhetro. Capitulo! Os contratos de alianca sob a perspectiva das convenges do mercado O regime organizacional da alianga propésuma visio radicalmente dife- ente dos modelos tradicionais, relativamente a forma pela qual os agentes envolvidos deveriam interagir para implementagio de projetos complexos industriais e de infraestrutura. ‘Tomadores de decisio perceberam que o sistema organizacional tradi- cional apresentava grande ineficiéneia ao lidar com projetos de alta comple- xidade e com grande nivel de incertezas,® uma vez que criava um ambiente altamente conflituoso entre os agentes envolvidos. A partir dessa visto, algumas iniciativas surgiram com 0 intuito de valorizar a cooperagio entre as partes. Algumas modalidades contratuais cooperativas foram sendo utilizadas diante de tais desafios, e a alianga de projeto foi a iniciativa, a nosso ver, mais bem-sucedida e que levou mais adiante o desafio de criar um ambiente cooperativo. Nas aliangas de projeto, a cooperagao e, por consequéncia, o relaciona- mento das partes passaram a ser encarados como elementos centrais para que o sucesso do projeto pudesse ser atingido. Para obter essa cooperacio, foram alteradas, de forma dréstica, algumas premissas centrais do modelo tradicional de interagio dos agentes envolvidos. » ‘Beta obranio adentraré a construgiode conceitos de“complexidade” e“incerteras" Para ‘um aprofundamento sobre o tema, . L1x Usa bo Canoto, Contatosdecnstrugto de grandes ‘obras, p. 374-248, ‘CONTRATO DE ALIANGA Capitulo 1 deste livro pretende justamente demonstrat esse processo de transformagao organizacional proposto pelo modelo da alianga, aden- trando na forma de funcionamento e nas praticas usuais do mercado em relagio as aliangas. 1.1. Caracteristicas dos modelos tradicionais de contratagao e gerenciamento de projetos Para que se possa compreender qual o tipo de mudanca representado pelo ‘modelo alianga, optamos por ilustrar alguns elementos de funcionamento dos modelos tradicionais de implantagio e de gerenciamento de projetos®, Compreender algumas das mazelas dos contratos tradicionais pode ser uma excelente forma de entender @ visio que inspirou a formulaggo do modelo alianga. LL. Modelostradicionais de contratagio e gerenciamento de projetos Introdutoriamente, cumpre-nos fazer uma explicagio sobre as figuras que, em todos os projetos, desempenham os papéis centrais no desenvolvimento e na implantagio de um empreendimento. A primeira figura central €, obviamente, a do dono do projeto, também chamado de empreendedor ou, na pritica internacional, de owner. O dono do projeto é, em suma, a pessoa juridica titular dos ativos ¢ bens que compordo o empreendimento apés suaentrega. Hi ainda a figura do projetista, esponsivel pela elaboragio dos desenhos e dos projetos de engenharia necessarios 3 planificagio da obra. ‘Nao raro é necessario mais de um projetista em um mesmo projeto. Além disso, hi a figura do construtor ou empreiteiro que tem a expertise de cons- trugio e de fornecimento do empreendimento. Outras figuras ainda tém papel importante, como o do financiador, o das seguradoras, 0 do fornecedor de tecnologia e de equipamentos, além de outros fornecedores-chave. As respon- sabilidades de cada um e a forma pela qual os contratos sio celebrados variam muito em fungio da formatacao contratual. > A presente obra nto pretende se aprofundar sobre os modelos tradicionais, mas somente demonstrar o contexto em relagio so qual se fea necesséria acriagio de modelos colaborativos de contratos de construgio, “ Embora haja um grande mimero de modalidades e de alternativas, as formatag6es mais tradicionais, no cendrio nacional e internacional, so as seguintes: Design-Bid-Build (DBB), Design-Build (DB), Engineering, Procu- rement and Construction (EPC) e Engineering Procurement and Construction “Management (BPC-M). De maneira simplificada, pode-se afirmar que 03 modelos em questo basicamente diferem em fungao da separagéo ou {integragio dos diferentes contratos envolvidos no fornecimento pelos di- versos agentes e pela alocacio de riscos adotada. Vale aqui uma sucinta explicagao dos modelos. ‘No modelo design-bid-build, tipico dos modelos publicos brasileiros de contratago,” 0 proprio dono do projeto tem um papel de gerenciador central das interfaces com os diversos agentes do projeto. Assim, seré ele responsivel pela contratacao do projetista que, inicialmente, claborara integralmente os projetos de engenharia (design), até a chamada fase de ;rojeto executivo? Com o projeto executivo elaborado, o dono do projeto realizaaconcorréncia (bid) e contrata a construtora que executari as obras de construgio do empreendimento, de acordo com as condigdes e com as quantidades previstas no projeto executivo (build). A contratagao do cons- trutor é, portanto, usualmente celebrada pela condigao de pregos unité- ros, uma vez que as quantidades jé foram estimadas pelo projetista. Nesse contexto, insere-se a visdo mais tradicional do mercado ao tipo contratual da empreitada, embora, sob a perspectiva juridica, esse tipo contratual seja ito mais eléstico.** O dono do projeto também contratari diretamente 0s principais fornecedores do empreendimento. O modelo pode ser ex- plicado pela ilustragdo a seguir: * V. Lis Unica no Caamo, Contratas de constr de grandes obrs . 98. ® A fase de projetoexecutivo é aquela em que a engenaria do empreendimento jé fot detathada até o ponto em que todos os elementos téenicos ecilculos estruturais para 0 desenvolvimento do empreendiment j foram realzados. Segundo o art. 62, inciso X, da 141 8.666/1993, considers-se Projeto Exccutivo “o conjunto dos elementos necessiris e suficientes execugio completa da abr, de scordo com as normaspertinentes da Associagio Brasileira de Normas Téenias ~ ABN. 2 Rha Coutiso De ALcANTARA Gu, A oeosdade exces em contraas engineering, 467 ‘CONTRATO DE ALIANGA a a No modelo design-build, passa-se a integrar em um tinico agente a res- ponsabilidade pela elaboragdo dos projetos de engenharia e pela constru- G40 do empreendimento, Ele surge em respostaa um dos principais proble- mas do modelo DBB, que é a dificuldade do dono do projeto de identificar o tesponsivel por uma ineficiéncia de execugao do empreendimento* Além disso, no modelo DBB havia, por parte dos construtores, pouco incentivo para propor solugées de engenharia que pudessem reduzir os custos e 0 prazo do projeto.* HA diversas variagbes do modelo design-build. A mais importante delas 60 modelo EPC (Engineering Procurement and Construction). No EPC, ha um arranjo contratual que visa alocar ao construtor o maximo de riscos relacionados & execugio das obras necessérias ao empreendimento. Em decorréncia dessa alocacio de diversos riscos a um tinico agente agrega- dor, o EPC distingue-se em fungio do chamado single point responsibility “ponto tinico de responsabilidade”),* o qual ¢ o aspecto que diferencia essa modalidade de contratagio:” Nesse contexto, ¢ usual a constituigéo de consércios entre os agentes que, de forma integrada, assumirio a fun- go de epecista 2% Lie Uma po CaM, Contrtor de construgio de grandes obras, p. 98-99. 2 Luts Atwento Gantz, CimistiaNNeC S. ReIniscit Cost 0, EL0 Oxtiz Ductés Fito, SavowARA ManiLvza Tarrano Xavier, Contratos EPC Turnkey, p. 1. ® Josep A, Huse, Understanding and Negotiating p.18. ® Leonaxno ToLEDO DA Sinva, Os contratos BPC ¢ os pleitos de reequilibrio econémico- -contratual, . 24, % A formulagio mais famosa dos contratos EPC é a de prego global com “chave na mao”, denominada pelo mercado de EPC Tumkey Lumpsumn.* Conforme explica ENcr, em estruturas de financiamento de projetos, 0 contrato EPC representa, na visio dos financiadores, uma verdadeira ga- rantia de que o projeto tera um custo e um prazo determinados.” Com 0 tempo, foram sendo claboradas minutas-padrao internacionais que busca- vam reforgar essa tecnologia contratual de alocagio de riscos na figura do construtor “epecista”. A mais famosa delas, desenvolvida pela Fedération Internationale des Ingénieurs-Conseils (FIDIC),* € recomendada por al- _gumas instituigbes financeiras internacionais na estruturagio de modelos de financiamento de projetos. ‘Assim pode ser ilustrada a organizagao do contrato EPC: cere) net Por seu turno, no chamado modelo EPC-M (Engineering, Procurement and Construction Management), o construtor, por vezes denominado de construtor-gerenciador, embora deixe de assumir pessoalmente todas as res- ponsabilidades pelo projeto, mantém-se como um gerenciadore integrador das interfaces de implantagio do projeto. OEPC-M, como explicam Gite ® Para compreensio a undo do conceito do chamado Contrato BPC (Engineering, Prcurement ‘and Construton), na modalidade turnkey (chave na mo) lump sum (prego global), vide Jose ‘A. Huse, Understanding and Negotiating. * José Vincitio Loves Err, Projet Finance: financiamento.com focoem empreendimentos, P.198, ® FIDIC - Fedération Internationale des Ingénieurs-Conseil, ster Book, Conditions of Contac for EPC) Turnkey Projects. CONTRATO DE ALIANGA Ropaicuez, é um contrato com algumas variagbes." Todavia, seu escopo usual mente engloba somente a prestagéo de servigos, incluindo servigos de elaboracdo dos projetos de engenharia, servicos de suprimento e de _gerenciamento dos contratos de construgéo.* E comum, inclusive, que o construtor-gerenciador adquira os insumos necessarios a obra em nome do préprio dono do projeto. Assim ilustra-se a organizago do EPC-M:* [EPcm } Subcontratados }} Empreendedor ee EPCM Fornecimentos i Construgéo Efetuamos acima um resumo ilustrativo das principais modalidades de contratagdo ¢ gerenciamento de projetos. Em verdade, hé uma infinidade de caminhos para tanto. E fato, todavia, que, em todos os modelos contra- tuais, ha um elemento de inter-relacéo contratual que talvez caracterize uma coligagdo contratual ou mesmo uma rede contratual, O adimplemento ou a ineficiéncia de execugio por um dos agentes muito provavelmente impactaré as condig6es de execugdo de outro agente. Assim, por exemplo, havendo uma falha no projeto executivo elaborado pelo projetista, existir’ uma modificagio das condigdes de execugio da obra pelo construtor,fator que também afetaré os subcontratados. © Fisto Covrnsuo pe AucAnTaRa Git e Caro Faran Ropricvez, Aspectos do EPCM, p.l29ess, » Pune Lots e Nick Hencue, Words Apart: EPC and EPCM Contracts: Risk Issues and Allocation, p. 252.270, ® Jeo César BuENo, Melhores priticas em empreendimentos de infreestruturatsistemas contratuais complexos e tendéncias num ambiente de negScios globalizado, p. 72. s ‘05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO 1.1.2. Organizagio de projetos e a visdo dos financiadores internos eexternos [As razdes pelas quais so adotadas as estruturas citadas so diversas incluem capacidade inicial de investimento, tempo para execugio total do empreendimento, fatores organizacionais internos, entre outros. Usual- ‘mente, em nossa visio, o fator financeiro é determinante na definigéo da estrutura organizacional de implantag3o de um projeto. Hid a tendéncia dese priorizar a estruturagio que melhor atenda aos anseios dos financia- dores do projeto, sejam financiadores externos ou os préprios acionistas da empresa ou do grupo controlador da empresa que atuaré na condigao de dono do projeto. ‘Aose analisar uma oportunidade de investimento em novos negécios, 08 idealizadores do projeto elaboram um plano de negécios que, além de avaliar os riscos principais desse projeto, inclui um estudo de viabilidade econémico-financeira, Nessa fase, sio definidas as fontes de recursos do em- preendimento, que poderao incluir financiamentos externos, por agentes financeitos, e a busca de novos sécios.™* Aos eventuais sécios do empreen- dimento seré informada uma taxa interna de retorno (TIR) esperada para 0 projeto, a qual estima a capacidade de geragao de caixa e, consequente- mente, de retorno do investimento efetuado. Como 0 volume de capital pata investimento é escasso, h4 uma tendéncia de busca dos projetos com ‘maior retorno, comparativamente aos riscos envolvidos. Os financiadores externos, por sua vez, também efetuam uma avaliagéo profunda da capacidade financeira do projeto, especialmente quando 0 volume de garantias dadas pelos acionistas da sociedade empreendedora é baixo. Por vezes, o proprio fluxo de caixa do empreendimento financiado é dado como garantia de financiamentos. Essa €, aliés, a caracterfstica prin- cipal da modalidade denominada project finance, na qual a decis4o quanto Aconcessao do crédito baseia-se, fundamentalmente, nas perspectivas de sucesso do préprio empreendimento. * ver faz uma descrigto precisa ¢ diditica quanto & forma como slo tomadas as decisdes de investimento em novos empreendimentos. V. Project Finance: fnanciamento com foco em empreendimentos, p 16-2 * V Jost Vincf.ro Lopes EN, Pret Finance financiamenta com foca em empreendimentos, psi. CCONTRATO DE ALIANGA ‘esse cenirio, em que se prioriza a perspectiva dos financiadores do empreendimento, parece haver uma tendéncia de se utilizar a contratacdo por modelos que transfiram muito risco aos construtores, como 0 modelo EPC Turnkey Lumpsum, em vista da maior certeza que o modelo, em tese, oferece quanto 20 custo do investimento e ao prazo de conclusao das obras. 1.1.3. Principais fatores de ineficiéncia dos projetos tradicionais Efetuada essa pequena contextualizacao, cumpre-nos fazer uma digresso sobre os principais fatores usualmente associados ao insucesso de projetos organizados de acordo com regimes nao colaborativos de contratagao de obras, Importante ressaltar que tais fatores nfo necessariamente estardo presentes em qualquer projeto. Sao, no entanto, a realidade em muitos deles, e foram justamente essas mazelas que pressionaram o mercado & criagio de modelos aptos a captura dessas ineficiéncias. 1.1.3.1. Problemas de alocagio de riscos a) A lgica tradicional de alocagao individualizada de riscos ‘Una caracteristica dos contratos tradicionais que potencialmente pode ser a raiz. de muitos problemas em projetos com muita complexidade ¢ incertezas ¢ o modelo de alocagio individualizada de riscos. Durante a fase de planejamento de projeto, quando da elaboragao do plano de negécio, sio identificados os principais eventos que poderso po- tencialmente por em risco a implantagio do empreendimento dentro do custo e do prazo esperados, Os riscos da construgio do empreendimento fo iniimeros, ¢ 08 principais, na visio das partes, sio tratados no préprio clausulado contratual. Tai riscos variam conforme a natureza da obra em execugio, todavia, podem ser mencionados, atitulo ilustrativo, os riscos de erros de projeto, os riscos meteorolégicos, os riscos geolégicos, os riscos hidrolégicos, os riscos ambientais, os riscos de nao obtengio de licengas, (08 riscos de variagéo dos custos dos insumos, 0s tiscos de modificagao de lei ou de tributos, os riscos relacionados 8 interferéncia na comunidade, entre outros. ‘Nos modelos tradicionais de contratagao, hi uma concepgao de que um determinado risco do projeto deve ser alocado, de forma individualizada, & Ez (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO. parte com a maior capacidade de gerencié-lo ou de mitigé-lo.* Essa ¢ uma égica organizacional que permeia a modelagem tradicional de estruturas contratuais no ambito dos projetos. Claro, entretanto, queas relagdes de poder negociel também tendema determinar a estrutura final de assungio de riscos e de responsabilidades das partes, independentemente de uma parte ser, ou ndo, apta a mitigar ou a gerenciar determinado risco, ¢ isso pode se tornar um problema. Nesse contexto, 0 contrato celebrado entre as partes é visto como um elemento essencial para garantira alocacio de riscos definida durante a negociacéo. Essa légica de alocagio individualizada de riscos, em conjunto com a tendéncia de se priorizarem interesses de financiadores, sintetizada no item anterior, tornou-se um vetor na construgo de modelos que transfe- rem, cada vez mais, aos projetistas e aos construtores um nivel maior de responsabilidade com o objetivo de estimulé-los a lidar com um risco que, em tese, eles teriam melhores condigdes de gerenciar. Os construtores, por sua vez, tendem a repassar esse risco para seus subcontratados, que, conforme destaca SaKAL, podem ser os menos aptos a assumir tais riscos.” ‘Também esse contexto explica a criagéo de minutas-padrio de contrato com alto nivel de transferéncia de responsabilidade ao construtor. Uma consequéncia natural desse cenério de alto risco &s construtoras ¢ demais fornecedores de insumos, além de um alto nivel de contingen- ciamento,**é a criagdo de ambiente de pouca confianga e de pouca coope- ragio, Conforme explica Saxat, o modelo de alocagio de riscos tradicio- nal, com clausulados duros as construtoras, ao contririo do que a Iégica intuitiva sugere, nao sé nao previne a ocorréncia de pleitos contratuais, ‘mas também cria um ambiente altamente conflituoso entre as partes.” ‘Ademais, talvez o problema central do método de alocacio individua- lizada de riscos é que, especialmente em contratos celebrados par prego fixo, ele fortalece um desalinhamento de interesses entre dono do projeto ™ Segundo Hust: “The parties to a construction contract may decide to allocate risk in accordance with their respective ability to manage the riskin question. The parties need to 4etermine who can best contrl the circumstances that may result in the lass or damage” (Understanding and Negotiating, p. 483). ® Marnzw W. SAKA, Project Alliancing: A Relational Contracting Mechanism for Dynamic Projects, p. 68. ® Vide item 11.34," ” Idem ‘CONTRATO DE ALIANGA e construtor, favorecendo um ambiente de total oposigio e de conflito. Conforme explica Git, ha um dilema claro de cooperagio versus interesses individuais, pois: ‘Ao mesmo tempo que interessa a0 empreiteiro a redugio de custos glo ‘ais, com consequente aumento da margem de lucros, para o dono da obra, reducio de custos pode representar decréscimo de qualidade, com reflexos na utilidade que pretendia extrair da obra, « posteriori“? Havendo prego fixo, hé a preocupagao de que o epecista possa aumen- tar sua margem de lucro, reduzindo a qualidade da obra. E, por tal razio, comum a preocupagao do controle rigido de qualidade em contratos cele- brados na modalidade EPC Turnkey Lumpsum, Ainda para mitigar 0 risco de queda da qualidade, além do estabelecimento de planos de qualidade bem detalhados em anexos contratuais, slo incluidas cléusulas prevendoa ampla fiscalizagao pelo dono do projeto por si, ou por terceiros porele in- dicados. Bsse perfil adversarial de fiscalizagio, por vezes, aumentaa tens4o na relagao entre as partes, dificultando a construgio natural da confianga. 8) Dificuldades de alocagao adequada de riscos O cenério anteriormente exposto mostra-se mais conflituoso quanto maior a complexidade do projeto em questo. O que se pretende dizer ¢ que a premissa de alocagéo individualizada de riscos dos contratos tradicionais pode se mostrar pouco eficiente diante de projetos com muitas incertezas. Tal conclusio baseia-se em dois principais argumentos. elo primeiro argumento, quando da negociagio e da celebragio do contrato, as partes nio terso clareza dos reais riscos do projeto e tenderio a uma alocagio inadequada, muito mais baseada em poder negocial do que propriamente em capacidade de gerenciamento do risco. Ao aloca- rem riscos que a parte, de fato, nfo pode ou tem grande dificuldade para gerenciar, abre-se caminho para comportamentos oportunistas e para um gerenciamento ineficiente do projeto. «© Apo CouTinHo DE ALCAITARA GtL, A onerosidade excesvn em contrator deengineering, p88. (0S CONTRATOS DB ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOHS DO MERCADO ‘A incompreensio dos reais riscos do projeto pelas partes se agrava na medida em que um planejamento insuficiente € realizado, embora, em vyerdade, esse fator possa ser uma causa de ineficiéncia em qualquer mo- dalidade de projeto, nao sé em modalidades tradicionais de contratacio, ¢ independentemente de estarmos ou nfo diante de um projeto complexo. Ocorre que, em modelos tradicionais, como explica WASSENAER: ‘Comumente, ¢ especialmente em situagdes em que o tempo disponivel para preparagdo de projeto de engenharia e documentagio da concorréncia élimitado ¢ [| ha muito pouca oportunidade para analisar tals riscos ¢lidar com eles num planejamento de administragio de riscos e numa alocagio de riscos adequados, isso contribuira para existéncia de conflitos* Ross, por sua vez, sugere que, em projetos com determinadas caracte- risticas que envolvam complexidade ¢ incertezas, “qualquer tentativa de alocagio de riscos a partes diferentes, no importa quéo bem intenciona- das, serd nada mais do que uma iluséo e poder dar margem a criagio de ‘uma cultura adversarial capaz de ameagar 0 sticesso do projeto”.* segundo argumento critico a0 modelo tradicional de alocagio de riscos é que, de fato, poucos so 0s riscos de tim projeto altamente com- plexo que nao dependam ou pelo menos possam se beneficiar de alguma interagio cooperativa dos principais agentes envolvidos. Esse foi, aliés, um dos principais insights dos idealizadores das aliangas de projeto do Mar do Norte, como se veré no item 1,2.1 deste Capitulo. O “jogo” de um projeto complexo depende muito mais de jogadas coletivas do que de individuais. Os contratos tradicionais tendem a transferir a0 construtor ¢ fornece- dores toda a responsabilidade pela entrega da obra, quando, em verdade, as ages € 0 envolvimento do dono do projeto sio cruciais para que essa obra seja entregue. E mais, quanto maior a complexidade do projeto, menor previsibilidade havers quanto as interfaces necessérias entre as partes para que haja sucesso na sua execugto. ‘Além disso, por menores que sejam as participagSes de uma parte no gerenciamento de um determinado risco, tal participagio sempre cria um factoide contratual que tende a ser utilizado estrategicamente em Anew vaN Wassenaz, Aliangas e parcerlas como métodos de assegurer a entregs de ‘rojetas melhores, p. 83. * Jin Ross, Introduction to Project Alliancing,p.2. CONTRATO DE ALIANGA um posterior cendrio de conflito, Assim, para jlustrar 0 argumento, um atraso do dono do projeto na aprovagio de um determinado desenho de projeto pode ser um argumento juridico futuro para que o construtor tente se isentar de um atraso na entrega das obras. Por vezes, a alegacio tera mérito, outras vezes sera simplesmente uma estratégia de defesa que permite a realizaco de um acordo aceitivel. E justamente por tal razo que, em projetos de maior complexidade, muitos autores recomendam a adogao de modelos cooperativos de implan- tagSo, como no caso da alianga de projeto. Uma vez que os riscos da alianca, em tese, sero compartilhados, no haveré estimulo para consumir custos com possiveis conflitos entre as partes, existindo ainda um menor receio para adogio de solugées mais criativas para o projeto. E possivel ainda citar a questo da interpretagao do clausulado que pro- cura alocar 0s riscos &s partes, como um fator apto a criagao de conflitos. Git menciona um estudo empirico de 1996 que demonstrou que cada parte é capaz de interpretar 0 mesmo clausulado de forma significativamente distinta‘* Isso, aligs, dialoga com a nogo demonstrada empiricamente pela economia comportamental de que as expectativas efetivamente moldam nossa capacidade de interpretar. Ou scja, por vezes, as pessoas vem 0 que efetivamente querem ver.# Por fim, a0 contrario do que a importancia dos megaprojetos sugere, a negociacao intensa das minutas contratuais em um curto espago de tempo, por vezes, gera clausulados cuja compreensio é ambigua, fato alias no raro percebido pelas partes. Por vezes, no entanto, o clausulado é deixado com lacunas ante a aparente percepcio das partes de que nao sero capazes de resolver todos os problemas em abstrato, mas poderdo ser capazes de solucioné-las diante do caso concreto.® © V,Pasro Couriwo De ALCATARA Git, Aonersidadeexesiva em contratsdeengineering, p.90, “ ¥, Daw Antety, Predictably Irational, The Hidden Forces That Shape Our Decisions, 199-216. © Conforme menciona Lit Urma bo Canato,essaseria uma das perspectivasde explicagio do conceito de ncompletudecontetual (Contratas de construgdo de grandes bras, p, 1914192), (0 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO ©) Precificagio de projetos: complexidade de formulacdo do prego e alto contingenciamento Outro trago que vale a pena ser mencionado, no contexto dos modelos de contratagao, é relacionado 4 precificagao do projeto. A esse respeito, cabem-nos duas consideracoes. A primeira delas diz respeito a grande complexidade na formulago do prego em contratos de construgao. ‘Aquantidade de variaveis que, se alterada, pode mudar as condigdes de execugio do projeto é, de fato, extensa, ¢ elas sao precificadas, conforme informag6es disponiveis no momento de formulagio do prego. Fatores como projetos de engenharia, requisitos de qualidade, regime tributirio aplicdvel, condigdes climsticas consideradas, condigdes de acesso a0 lo- cal, condigdes de solo, entre outras, esto intimamente ligadas ao preco ofertado pelo construtor. Essencialmente, o que se pretende ilustrar & que, em um cenério de implementagio de projetos complexos, “o prego formulado pelo epecista é, asicamente, o resultado da aceitacao de uma série de premissas técnicas, comerciais ¢ até juridicas, Se, durante a execucio das obras, o epecista vier a verificar que uma ou mais premissas utilizadas na formulagio do prego eram incorretas, ou incompletas, ele poder ter um sobrecusto néo previsto”#® Nao se quer dizer, no entanto, que necessariamente o construtor tera direito a0 reequilibrio contratual caso haja mudanga de alguma dessas varidveis. S40 comuns modelos contratuais em que o construtor assume a responsabilidade pela veracidade de muitas dessas variéveis.” Todavia, ‘muitas dessas mudangas serio sim utilizadas como fundamento para que ‘os construtores apresentem pleitos futuros de recomposigao de seu prego, ‘uma vez que a quantidade de varidveis de precificagao é extensa, Tal fator contribui a criago de um cendrio de conflitos. ‘Ainda no que tange & precificagao, cabe-nos uma segunda considera- io. Hi, nos contratos EPC por preco global e em outros contratos que transferem um grande nivel de risco ao construtor, a necessidade de um “ V.Leosanno ToLtne Da Sitvh, Oscontratos EPC eos pelos dereequilibrio econdico- -contratuel, .9 * dem, ibidem, p. 26-27, CONTEATO DE ALIANGA alto contingenciamento pelo construtor para lidar com os riscos que por ele sao assumidos, especialmente em projetos de maior complexidade. Esse contingenciamento é embutido no prego apresentado pelo epe- cista, Assim, quanto maior o risco do projeto assumido pelo construtor, maior o nivel de contingenciamento e, portanto, maior o custo do empre~ endimento para o dono do projeto. E verdade também o inverso. Hig, portanto, uma relagio entre risco ¢ prego. Embora nao se esteja afirmando que esse “sobrecusto” seja necessariamente ineficiente, sob a 6tica econdmica, dado que é uma compensagio pelo risco assumido, ele sera a causa de inviabilidade econdmica de muitos empreendimentos que, em outras modalidades contratuais, talvez pudessem ser vidveis. Esse, aids, foi o principal mote que incentivou a estruturacao dos primeiros projetos de Alianga, conforme descrevemos nos itens 1.2.1 ¢ 1.2.2. desta obra. 1.1.3.2, Assimetria informacional Outra caracteristica, usualmente observada na relagio entre os agentes envolvidos no projeto, é que muito recorrentemente ha uma dupla assi- metria informacional entre as partes. O construtor normalmente possui um nivel de conhecimento muito superior a0 do dono do projeto sobre orcamento do projeto, bem como sobre os fatores e eventos de natureza técnica que poderio ter impactos negativos ou positivos sobre as obras. Hi, inclusive, uma tendéncia do construtor de nfo divulgar abertamente tais informagées, ante a possibilidade futura de ndo compartilhar uma ‘eventual economia, ou ainda de repassar eventual custo. (O dono do projeto, por sua vez, também teré um maior nivel de conhe- cimento no que tange a aspectos estratégicos, operacionais e relacionados aos stakeholders do empreendimento e ainda sobre condig6es existentes no local das obras. E usual inclusive que 0 construtor tenha o receio de, desde 0 inicio, informar 0 construtor a respeito dos riscos de que tem conhecimento, pois isso poderia aumentar o nivel de contingenciamento ¢, portanto, o prego a ser ofertado pelo construtor* * FAnto CouriNHo DE ALCANTARA Git dé o exemplo do dono do projeto que tem conhecimentos sobre riscos de falhas de unis determinada tecnologia e, de mancira ‘oportunista, deixa de compartilhar esse desafio do projeto com o construtor (A oneosidade eessve em contratas de engineering, p. 87) (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOM A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO Essa dupla assimetria informacional serve perfeitamente a criagéo de umambiente no cooperativo, especialmente se considerarmos 0 cendrio em que 0s envolvidos podem, por vezes, adotar uma “racionalidade de jogo tinico”. Aqui, nos referimos a visdo de que, diante do grande valor financeiro envolvido e do fato de tais projetos nao se repetirem em massa, 6 factivel supor que, muitas vezes, 0s profissionais envolvidos poderdo agir coma racionalidade de quem joga um tinico jogo, fator que tem muitas consequéncias do ponto de vista comportamental. Essa dupla assimetria informacional, aliada ao jogo tinico, por sinal, parece ilustrar 0 modelo clissico do comportamento nfio cooperativo economicamente ineficiente: 0 dilema dos prisioneiros. 1.1.3.3. Dificuldade de lidar com mudangas das condigdes de exe- cugio das obras Em todos os projetos complexos de construgio, alguma premissa ou ca- racteristica relacionade & execugio das obras ird se modificar. Essa é uma realidade quase que inevitével de qualquer desses projetos. Nao é possivel prever como as partes solucionariio todos os problemas que surgirao no decorrer da relagio contratual. No entanto, embora a incompletude con- tratual seja inerente a projetos desta natureza, “a maioria dos contratos tradicionais nio accita a mudanga como um fato, mas, a0 contrétio, trata-a como se fosse uma verdadeira anomalia”®° Segundo SAKAL, tal fato ¢ ilustrado pelo fato de que os contra- tos tradicionais de construgio tentam prever e especificar as possiveis “ O dilema é assim explicado por RANDAL. PickeR: “We have two prisoners, of, more generally, wo players. They both have committed a serious crime, but the district attorney ‘sannotconvieteither one ofthem of this crime withoutextractingatleast one confession. The Alisrict attorney can, however, convict them both on alesser offense without the cooperation ‘of either The dstict attorney tells each prisoner that either confesses they will hoth be convicted for the lesser offense. Each will oto prison fortwo years [If however, one of the prisoners confesses and the other doesnot, the prisoner who confesses will go fee and the other will be tried forthe serious crime and given the maximum penalty often yeurs in Drison. | Finally, if both confess, the distric attorney wll prosecute both for the serious rime, but ot ask for the maximum penalty. They will bth go to prison for six years” (An {ntroduetion to game theory and the Law p32). © Maritew W. Sarr, Project Aliancing: A Relational Contracting Mechanism for Dynamic Projects, p. 67 ‘CONTRATO DE ALIANGA eventualidades e cenérios mais pessimistas.® Tal tentativa, todavia, é quase sempre imprecisa. Hé, em contratos tradicionais de construgio, talvez por estarem intimamente ligados 4 nogio de contratos de troca, uma dificul- dade grande de lidar com a questo das mudancas. Essas observages, de natureza fitica, tém grande relevincia juridica ao longo da presente obra. Conforme observa McInnis, “The success of the contractual relationship depends less upon what has been agreed than upon how the parties will agree to handle events in the future” Ou seja, é natural e esperado em projetos de construgao que novos arranjos ¢ acordos continuem sendo firmados 2o longo do desenvolvimento do projeto. ‘A falta de vocacao dos contratos tradicionais para lidar coma flexibiliza- «lo das condig6es originais cria uma grande janela para comportamentos ‘oportunistas, como, por exemplo, o problema do hold up contratual, no qual uma parte dificulta a realizagio de um acordo com o objetivo de melhorar suas condig6es de barganha.** De maneira geral, os contratos tradicionais estabelecem cléusulas que pretendem lidar com variagbes das condigoes de execugio do contrato. Parece-nos adequado separar as chamadas “variagdes de escopo”, que sioas modificagGes em quantidades, caracteristicas ou especificagées das obras a serem executadas, e mudangas de premissas adotadas inicialmente na contratagio para formagio do prego do contratado. Tanto as variagbes de escopo quanto as variagdes de premissa, a depender das condig6es acor- dadas, tendem a demandar novas negociagGes e realizagio de aditamentos contratuais entre as partes. Nesse contexto, portanto, uma parte pode con- dicionar um determinado acordo a obtengio de alguma vantagem negocial, especialmente cm contextos culturalmente adversariais, como ¢ 0 caso. Parece razoavel, por exemplo, supor certo sentimento de revanchis- mo do contratado que tenha eventualmente pasado por um longo e ér- duo processo de concorréncia de pregos. Diante dos riscos que possa ter assumido, ¢ considerando que sua margem de lucro inicial poderé estar apertada, tentara, se possivel, melhorar sua condigdo comercial a0 longo 8 dem, tbidem, p. 67, © apritur Melua, Relationel Contracting Under the New Engineering Contract: A Model, Framework, and Analysis. © Esse problema, ilasrad pela Nova Economia Insttuctonal, seré novamente tratado no item 22 do Capitulo 2, Para uma explicacio do problema do holdup contratua,v, FERNANDO ‘Anat, Roria econémica do contate, p, 632-637. (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOBS DO MERCADO do projeto. Nesse sentido, Wassnazr identifica a “competicdo acirrada, na fase de apresentagio de propostas”, como um dos fatores criticos que podem contribuir para o insucesso do projeto.** 1.14. Realidade dos projetos: pleitos Outros fatores importantes podem ser adicionados aos elementos su- pramencionados, como a falta de comunicacio aberta entre as partes ¢ 0 planejamento ineficiente do empreendimento, especialmente na fase de produgio dos documentos de engenharia. elas raz6es que expusemos, a contratagao de complexos projetos tem o potencial de criar um ambiente de conflito entre as partes. Ha ai uma grande ineficiéncia que 0 modelo da alianga se prope a corrigir. Essa {neficiéncia se traduz.em altos indices de cuistos excedentes (cost overrun) ¢ atrasos (time overrun), em excesso de contingenciamentos na precificacio, em comunicagéo ineficiente entre as partes e em um niimero elevado de pleitos apresentados pelas partes. [As partes, no Ambito desses projetos, passaram a desenvolver priticas que cles denominam eufemisticamente de “administragao contratual”, Tal prtica nada mais é do que a adogao de técnicas de gestao que bus- cam melhorar a posicio juridica das partes em relagdo a futuros pleitos contratuais, Assim, é algo esperado e normal, nesses projetos complexos em que hé uma forte “administragio contratual” ~ cujo tinico objetivo é melhorar a condigao juridica da parte para uma futura contenda arbitral ou judicial -, a troca de imimeras correspondéncias buscando transferir 2 outra parte a responsabilidade por qualquer ato que potencialmente tenha um efeito negativo na execugao das obras. E quase inevitavel que o equilibrio comportamental das partes, nesse contexto, tenda ao contflito A nfo cooperacio. ‘Muitas iniciativas, a0 redor do mundo, foram realizadas com o intuito de uantificar essa ineficiéncia associada aos conflitos. Segundo WasseNAER, “na Holanda, por exemplo, foi estimado que a ineficiéncia em construgoes, em 2007 somou 11,4% do volume total anual em projetos de construgio. Aner van Wassixazn, Aliangs ¢parceras como métodos de assegurar a entrega de projeros melhores. * Project llancing Pacstionrs Guide, p. 22. CONTRATO DE ALIANGA No Reino Unido, foram encontrados percentuais similares ou até mais elevados”** O fato é que projetos complexos de engenharia e construgio tornaram-se endemicamente associados a um grande niimero de confli- tos entre seus participantes. A redugio de conflitos ¢, de fato, um grande desafio da industria da construgao. Das muitas iniciativas que procuram recapturar toda essa ineficiéncia, os contratos de alianca ganharam grande notoriedade, como passaremos a descrever. 12. Osurgimento de modelos cooperativos de organizagao de projetos 1.2.1. O aso paradigmatico de alianga de projeto: “Andrew Field” A literatura sobre as aliangas parece ser undnime em relacionar 0 surgi- mento do modelo i celebragio de contratos para implementagio de pro- jetos offthore de dleo e gis, no Mar do Norte, no inicio da década de 90. dono do projeto, na ocasiio, era a British Petroleum (BP), que pro- tagonizou a execugio de um projeto denominado Andrew, o qual veio ase tornar o caso mais paradigmético no universo dos arranjos colaborativos de contratagao de projetos de construgao. Hé, na literatura especializada, um livro denominado No business as usual, que trata exclusivamente desse caso e é bastante instrutivo na demonstragio do caminho e das condigées que levaram os administradores da BP a buscar a quebra de paradigmas que criaria as bases das aliangas de projeto.” ‘Naocasiao, aBP estava diante de situacdo de mercado bastante desafia- dora. Algumas das reservas de petrdleo que se pretendia explorar somente se tornariam economicamente viaveis caso fosse possivel reduzir o alto custo de implantagio do projeto, Era também necessério iniciar a produ- ‘glo o quanto antes, ante a pressio de alguns concorrentes no mercado:* Scorr descreve da seguinte maneira a conjuntura que ameagava a so- brevivéncia dos campos de exploragao de éleo e gis, no Mar do Norte, ¢ que criowa pressdo necessiria 20 desenvolvimento das aliancas: % Anenr van Wassunann, Allangas ¢ parcerias como métodos de assegurar a entrega de projetos melhores, p. 80. © Terry Kwors, No business as usual an extraordinary North Sea Result, p. 156. © MarHEw W.SAKAL, Project Allisneing: A Relational Contracting Mechanism for Dynamic Projects, p. 68. os OS CONTRATOS DE ALIANGA $08 A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO By the latter half of the 1980s, BP Exploration Europe (BP XEU), along, with meny other operators, had recognized that reducing costs both of existing operating fields and of new developments was a prerequisite to the ‘continued economic exploitation of the North Sea's oil and gas reserves and indeed, to the survival of the North Sea oil and gas industry. The high cost environment was such that the prospect of ol companies investing significant sums in new developments beyond those already committed was regarded ‘bymany as unlikely, particularly given the competition for investment funds from oil provinces elsewhere in the world.” Pressionados por tais desafios, os administradores da BP perceberam a importancia de revisar suas priticas de implantagio de projetos. Como ‘um teste desafiador & implementacio dessas novas priticas, escolheram, para iniciar uma mudanga de paradigmas, justemente um campo pouco promissor, denominado Andrew, que, por quase vinte anos, nao havia sido capaz de se mostrar economicamente vidvel, embora houvesse sido levado Aaprovagio do conselho da BP mais de uma vez. Para viabilizar 0 Andrew, seria realmente necessirio um forte compromisso de mudanga de métodos ede procedimentos. Inicialmente, buscaram inspirag4o em outros projetos da BP. No projeto denominado “Hyde”, comegava-se a criar a consciéncia de que o fomento a um relacionamento cooperativo cliente-construtor poderia ter grande relevancia no sucesso do projeto. Em outro projeto, denominado “Bruce”, ficava claro & BP que, na abordagem tradicional de trabalho, ela atingira a situago desequilibrada e ineficiente em que havia mais homens trabalhan- do no escritério do que na fabricacao de estruturas necessérias 20 projeto. Esses dois projetos da BP deram insights importantes aos idealizadores dos procedimentos adotados no Andrew: A partir de suas experiéncias, os diretores de projeto da BP chegaram também a uma importante visio para o projeto Andrew: a BP ¢ os fornece- dores mais importantes a serem selecionados deveriam nao somente estar alinhados em um objetivo comum, mas também com seus interesses no sucesso do projeto firmemente atrelados & lucratividade por desempenho. © Bon Scorr, Competitive advantage through alliancing, p. 83-84. © Tennv Kwors, No busines asasua an extraordinary Nocth Sea Result p. 156. © dem, ibider,p. 15. CONTRATO DEALIANGA Ademais, todos os participantes, em todos os niveishierérquicos, deveriam, estar fortemente comprometidos com redug6es de custo. Perceberam ainda que, para reduzir o grande grau de comportamentos adversariais existentes usualmente nesse tipo de projeto, seria importante a integragao dos principais fornecedores em um time tnico de trabalho, com o envolvimento de todos desde 0 inicio do projeto. Perceberam que um grande grupo de fiscalizagao pela equipe da BP, além de custoso, também, tendia a diminuir o nivel de confianca dos envolvidos, fator que atrapalhava acomunicagio € a capacidade de inovagéo. Optaram ento por uma abor- Idem, p.162, % Idom,p. 162. > Cuances C. MacDonato, Valuefor Money in Project Alice, p. 38. % Y, Gana Crten etal, Overview of alliancing research and practice in the construction, industry p-106. (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO concorréncia de precos. Foram aferidos aspectos comportamentais, como boa-fé e confianca, com o objetivo de criara cultura adequada 4 cooperacio ¢ inovacdo". A alianga conseguiu concluir o projeto abaixo do orgamento ‘com importante redugio de prazo de entrega. Apés os primeiros projetos, no setor privado, iniciaram-se, a partir de 1998, as trés primeiras aliancas de projeto australianas no setor publico. O Departamento de Aguas de Sidney foi o primeiro érgio governamental a dar inicio a essa tendéncia, com o Northside Storage Tunnel Project, um tinel de 26 quilometros, no subitrbio de Sidney, que foi entregue dentro do cronograma, a despeito do prazo apertado em decorréncia dos Jogos ‘Olimpicos de Sidney, em 2000. Esse projeto foi seguido pelo projeto de construgio do Museu Nacional da Austrilia, conhecido como Acton Pe- ninsula Alliance, primeiro em ambito federal, e pelo projeto de construcao da estagio de tratamento de Aguas de Woodman Point, conhecida como Woodman Point Waste Water Treatment Alliance.”> Entre 1995 ¢ 1998, segundo o The Practitioners’ Guide to Alliance Contrac- ting, os modelos de implementagio da alianca se tornaram mais sofisticados. Além do objetivo de garantir um espirito de confianca e de cooperagio, os projetos passaram a desenvolver novas ferramentas, como a nogao de que 0 que for melhor para a alianga ser4 também melhor para as organizacdes envolvidas e a criagdo da cultura no blame, no dispute, entre outros.” Aexperiéncia expandiu-se por diversos érgios governamentais austra- lianos e neozelandeses, com muitos casos bem-sucedidos de aliangas de Projeto reportados ao mercado. Na provincia de Victoria, o departamento do tesouro e finangas publicou duas versdes, em 2006 e 2010, de um guia de melhores priticas a implementagio de aliangas de projeto” Essa iniciativa foi seguida por outras autoridades, as quais elaboraram alguns estudos € politicas de contratagio na modalidade alianga, como o Departamento de Infraestrutura e Transporte do governo australiano, em 201L ™ V, Proje lioncng Practitioners Guide, p23. ™ CrantssC. MacDonato, Value for Money in Project Alliances p. 38 ™ Project Allancing Practitioners Guide, p. 23-24. ® Victorian DeraRTMENT OF TREASURY AND FINANCE, Project Allancing Practitioners Guide, VictoniaN DEPARTMENT OF TREASURY AND FINANCE, The Practitioners’ Guide to Alliance Contacting ™ National Alliance Contracting Guidelines, Department of Infrastructure and Trensport, Governo Austraiano, jul. 201. CONTRATO DE ALIANGA De acordo com estudos estatisticos claborados pela Alliancing Associa- tion of Australasia, até 2009, cerca de trezentos projetos de infraestrutura € construgio, com um valor total de cerca de noventa bilhdes de délares, haviam sido implementados na modalidade de alianga, na Austrilia”” 1.2.3. O surgimento dos modelos de parceria (Project Partnering) A seguir, discorreremos sobre um dos modelos mais mencionados na litera- ‘ura de contratos colaborativos de implementagio de projetos, o chamado ‘partnering ow project partnering, que pode ser traduzido como parceria ou pparceria de projeio. Um dos primeiros desafios do estudo dos contratos cooperativos, no universo da construgdo, é terminolégico, Por ter uma série de caracteris- ticas semelhantes entre a parceria de projeto e a alianga de projetos, no sen- tido de ambas as formas buscarem cooperagio para atingir um objetivo ‘comum, hé na doutrina muita confusio terminolégica entre ambas as figuras Sio inimeros os textos, sobretudo na Europa,* que utilizam a ‘terminologia partnering para designar qualquer arranjo que tenha objetivos ‘¢ metas comuns, confianga interorganizacional, mecanismo de resolucio de controvérsias e aprimoramento continuo relacionado a processos de benchmarking’ Embora sejam muito comuns utilizagdes bastante ampliadas da ter- minologia, a tendéncia parece ser a de identificar a parceria de projetos para descrever 2 situago na qual as partes que celebraram um contrato de construgio tradicional tentam amenizar suas “caracteristicas adversariais”, estabelecendo parimetzos de conduta por meio da celebragio de um esta- ‘uto da parceria (partnering charter), qual ter carater no vinculativo e en- fatizard o comprometimento das partes em adotar valores como confianga, acordo justo, boa-fé e cooperagao, no decorrer da duragio da parceria. » GaNe Cupn et al, Overview of aliancing research and practice in the construction industey, p. 1. © dem, ibidem, p. 104 © Veja, por exemplo KONRAD SPANGe STHPAN RIEMAWN, Partneringin infrastructure projects in Germany. © Sian NaouM, An overview into the concept af partnering, p. 74, 8 Dave Jowes, Relashionship Contracting, p. 22. (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOD A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO A parceria, na visio de WASSENAER, seria assim uma estrutura organi- zacional conjunta das partes, de caréter meramente gerencial, auténoma a propria celebracao do contrato. Para 0 autor: Deve-se lembrar que as iniciativas de parcerias em si nfo mudam a relagto contratual entre as partes. O empreiteiro ainda é o empreiteiro, com seus papéis ¢ responsabilidades, enquanto 0 dono da obra ainda é o dono da obra, (O que a parceria faz é focar em uma equipe de trabalho do projeto eficiente, na qual questies como o “fator humano” e “comunicagdes ineficientes” € “comprometimento” foram efetivamente usadas para aumentar a chance de 0s projetos aleangarem sucesso." Gane Cun et al. exemplificam as seguintes diferengas entre os mo- delos: (i) alianga seria um contrato eficaz e vinculante, enquanto o partne- ring estaria baseado em elementos nao vinculativos, como memorandos, desenvolvidos para guiar e promover cooperagio interorganizacional; Gi) enquanto a alianga cria uma situacao de “ganha-ganha” ou “perde- -perde” entre as partes envolvidas no projeto, ndo hé, no partnering, um real compartilhamento de responsabilidades apto a criar tal situacdo, de modo que ¢ possivel a situacio de “ganha-perde” ou “perde-ganha’, (il) a aliangaestabelece e cria um complexo modelo contratual cooperativo com uma detalhada estrutura de governanga enquanto, na parceia, ha somente uma abordagem cooperativa na gestio, e nfo na estrutura contratual, que, usualmente, adota um modelo tradicional de contrato, como alocagao in- dividualizada de riscos.* Embora nfo pareca haver um claro consenso na literatura, alguns auto- res sustentam que a parceria de proto teve sua origem nos Estados Unidos € no Japao, no infcio da década de 1980, inspirada em modelos de gestiio que influenciavam a construgao de times integrados, de igualdade e de comportamentos cooperativos. Especificamente no Japio, NAOUM su- gere relacionar a criagio das parcerias 20 modelo de gestio de qualidade + Answr van WasseNasn, Allancas e parcerias como métodos de assegurar a entroga de projetos melhores, p. 87 'S Gana Curx et al., Overview of alliancing research and practice in the construction industry, p. 104 ‘SuaMtt NaovM, An overview into the concept of partnering, p. 73, CONTRATODE ALIANGA denominado “Kaizen”. Nos Estados Unidos, o modelo de parceria de projetos tem sido utilizado recorrentemente em projetos no setor de trans- portes, por Departamentos Estaduais de Transportes dos Estados Unidos. ‘Nao temos conhecimento de estudos estatisticos acerca dos resultados cefetivos da parceria de projetos. NUM sugere, todavia, que ha um ntimero significativo de casos bem-sucedidos de parceria reportados na literatura cespecializada.” 1.3. Definigao de alianga de projeto ‘Alguns textos na literatura de project management trazem definigdes sobre 08 contratos de alianga. The Practioners’ Guide to Alliance Contracting, publicado pelo Estado de Victoria, na Austrélia, em 2010, identifica na alianga de projeto um modelo de contratagio de grandes projetos, nos quais a contratante ~ no caso, agén- cia governamental - atua de forma colaborativa com os agentes privados, devendo as partes trabalhar conjuntamente em boa-fé, agindo com integri- dade e sempre tomando decisbes que respeitem o principio “melhor parao projeto” (Best for Project decisions)” Segundo o referido guia, “aestruturada alianga se capitaliza nos relacionamentos entre as partes, remove barreiras organizacionais ¢ encoraja efetiva integracao com o dono do projeto”.” Para Lahdenperit: ‘Aalianga de projeto é um método de implantagio de projetos bascado em. ‘um contrato conjunto entre asatores-chave do projeto onde as partes assumem responsabilidad conjunta pela engenhariae construgio do empreendimento, ser implementado por meio de uma organizagio conjunta, € onde os atores ‘compartilham os riscos positives e negativos associados ao projeto. observam ‘0s principios de acessibilidade de informagées ao buscar estreita cooperacio”” © dem, tbidem, p. 71. ' Anuar van WasseNazn, ABangas¢ parcerias como métodos de assegorara entrega de projetos melhores, p. 86-87, © Snamss.Naoux, An overview into the concept of partnering, p.75. VictoRiAN DEPARTMENT oF TREASURY AND FINANCE, Projet llancing Practitioners Gud, Department of Treasury and Finan; VICTORIAN DERARTMENT OPTREASURY AND FINANCE, The Practitioners Guide to Altane Contracting. The Practitioner’ Gulde to Altace Contracting, p.9(eradugto nos). © Dunrrt LAMDENPERA, Project alliance, p.13 (radugionoss). (08 CONTRATOS Dp ALIANGA 80R APHRSDECTIVA DAS CONVENGOBS DO MERCADO Segundo J. Ross, [.] a “alianga de projeto” ocorre quando um empreendedor (ou empre- endedores) e um ou mais fornecedores de servico (projetista, construtor, fornecedor, etc) trabalham em um time integrado para implantar um projeto especifico de acordo com um arranjo contratual no qual os seus interesses comerciais estao alinhados com os resultados efetivos do projeto.”> De maneira geral, as definigbes apresentadas acerca dos contratos de alianga parecem centrar-se em dois elementos principais: (i) 0 compar- tilhamento de riscos do projeto, por meio de um mecanismo contratual de incentivos baseado nos resultados do empreendimento; ¢ (i colaborativo e integrado entre dono do projeto e os principais fornecedores (Non-Owner Participants ou simplesmente NOPs), que designario pessoas para formar um tinico time, integrado, para execucdo do projeto. Em geral, no entanto, a literatura nao tem propriamente uma preocu- pagio de definir 0 modelo do contrato de alianga, mas sim de indicar suas ferramentas organizacionais e sua dindmica de funcionamento. Nao nos aprofundaremos, portanto, em uma tentativa de definicio, neste momento. O desafio de definir o contrato de alianga, sob uma perspectiva juridica, serd retomado no item 4.1.1 do Capitulo 4 deste livro. 1.4, Dindmica de funcionamento das aliangas de projeto Oobjetivo deste item é explicara dinémica de funcionamento usualmente utilizada em uma alianga de projeto. Descreveremos as etapas de estrutura- 20 de uma alianga de projeto, desde sua concepeio e escolha, pelo dono do projeto, até sua conclusio, pelo grupo da alianga. Como se vera, trata-se de uma dindmica de funcionamento profundamente preocupada com 0 aspecto relacional das partes envolvidas. De maneira geral, a escolha pelo modelo da alianga parte do dono do projeto, dadas as caracteristicas e desafios técnicos, operacionais e comer- ciais que iré enfrentar. No caso das aliangas piblicas australianas, aescolha deve ser precedida da elaboragao de um businesscase, que 6 0 “veiculo usado % ja Ross, Introduction to Project Allianeing, p(radugio oss), CCONTRATO DE ALIANGA para que o dono do projeto obtenha aprovagio ¢ financiamento para iniciar ‘oprojeto, conforme necessério pela jurisdicto do dono do projeto”.* Apés a.escolha do modelo da alianga, o dono do projeto iniciard uma etapa de selegio dos participantes da alianga (também chamados de “Non Owner Participants”, ou simplesmente “NOPs”). Escolhidos os NOPs que iréo executar 0 projeto, inicia-se a fase de execugao dos trabalhos da alianga, a qual se divide em duas etapas distintas: a etapa de desenvolvimento da alianga, na qual é desenvolvido 0 “TOC” ou “custo-alvo”, e a etapa de execugio propriamente dita. ‘A seguir, abordaremos com mais detalhes cada uma dessas fases ora sumarizadas, 14.1. Aescolha do modelo: motivag6es para uso da aliangae projetos adequados ‘Apés compreender os desafios que deveré enfrentar para atingir seus ob- jetivos comerciais, o dono do projeto passaré a se questionar sobre qual modelo de contratagio melhor atende as suas expectativas comerciais, em consonéncia com as caracteristicas de cada projeto. A escolha do modelo da alianga de projeto passa por compreender as motivagdes ¢ 0s projetos que slo adequados a esse formato. Passemos entio a identificar, com base na literatura existente, as mo- tivages para uso das aliangas e quais projetos so prdprios para adogio do modelo, Conforme explicam GaNnG CHEN et al, a principal motivagio para que o mercado entendesse necessétrio o modelo da alianga foi mesmo a pressio para redugio de custos de implantagio do projeto Essa foi a tdnica, por exemplo, do Projeto Andrew, no Mar do Norte, no inicio dos anos 90,% e da Wandoo Alliance,” na Austrélia, em meados da década de 90, Em modalidades tradicionais de contratagio de projetos, dados os de- safios de redugdo de custos, nenhum desses projetos estava conseguindo demonstrar viebilidade econémica. % Projet Alliancing Practitioners Guide, p.109. 9 V, GaNG CutEw et al, Overview of aliancing research and practice in the construction industry, p.106. V.ttem 1.21 Vem1.22. (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO GaNG Cuen etal. destacam ainda que a motivagao de muitas aliangas ¢ ligada & necessidade de lidar com cronogtamas epertados de implantagio. Citam 0s exemplos do Museu Nacional da Austrélia e do primeiro caso de alianca, no setor piiblico, na Austrilia, o Water Northside Storage Tunnel Project, que necessitava estar pronto em um prazo apertado, em fungio dos Jogos Olimpicos de Sidney, em 2000. (Outros motivadores para utilizagao da alianga, conforme mencionados por GANG CHEN etal. sio: (9 flexibilidade para variar modelos de desen- yolvimento sem alterar custos e prazo; (ii) necessidade de alta qualidade @ inovacdo, no projeto; (ii) necessidade de inicio antecipado do projeto, com 0 envolvimento, desde o intcio, dos seus participantes. Outra abordagem dos estudos existentes sobre alianga procura identi- ficar quais projetos seriam adequados a esse modelo. Diz-se que, quanto maior a complexidade e o nivel de incertezasdo projeto, maior espaco para aredugio de ineficiéncias, e, portanto, mais adaptado ele é para a utilizagio de um contrato de alianga. Na verdade, a adequagio das aliangas de projeto parece explicavel & luz de algumas dificuldades dos modelos tradicionais de contratagio. O grafico a seguir ilustra a referida afirmagio: “Transeréncia de Risco ‘compare dacs Exrtégiacolaboraia oe Becopo Fins ; Cireunstincias Grin fcerteen Matidbeumensdo Fonte: J. Ross, Introduction to Project Alliancing, cit. p.2 Algumas das situagées nas quais, segundo Ross, sugere-se a utilizagdo daalianga sfoas seguintes: () grande nivel de interfaces entre partes, espe- cialmente em situagdes em que o dono do projeto devers tet participagéo CCONTRATO DE ALIANGA ou poder agregar significativo valor; (i) dificuldade na identificago, na previsao e na alocagao dos riscos; (iif) custo proibitivo para transferénciade isco; (Iv) necessidade de inicio imediato do projeto, especialmente, quan- do 0 escopo nao esté bem definido desde o inicio; (v) alta probabilidade de modificagdes de escopo do projeto; (vi) cronogramas apertados; (i) ameagas externas complexas; (vii) quest6es sensiveis perante stakeholders, entre outros. Alguns autores ressaltam que, embora haja muitos projetos bem- -sucedidos de aliancas de projeto, a decisdo de adotar o modelo néo deve ser tomada levianamente. Segundo PuRCELL ¢ Ross, [J] embora uma alianca realmente bem estabelecida no deva falhar em entregar bons resultados, ¢ importante compreender o nivel deinvestimento € comprometimento necessério para que as liancas funcionem eas circuns- tancias sob as quais elas tendem a apresentar melhor custo beneficio, com- parativamente @ outros modelos.” ‘Tais autores mencionam ainda que [.] a légica para usar uma alianga pode parecer tio autoevidente que os participantes tendem a embarcar em uma alianga sem a compreensio ou comprometimento suficientes sobre o que realmente é necessirio pata fazer ‘uma alfanga funcionar. Em tais situagdes, quando os participantes se defron- tam com as questdes mais dificets [.J, podem retornar ao modelo totalmente “business-as-usual” de comportamento negocial, em vez da abordagem basca- da em principios, que é necessitia para estabelecer a base psicolégica correta para uma alianga de alto desempenho."® PURCELL € Ross afirmam que o projeto deve ser grande o suficiente para justificar um investimento inicial significante de tempo dos adminis- tradores seniores do dono do projeto e para a contratagdo de consultores ‘ V. fim Ross, Introduction to Project Alliancing, p. 2; ¢ VicroRiAN DEvARTMENT OF ‘TrBasuRY aD FiwaNce, The Practitioners’ Guide to Alliance Contracting, p, 35-39. © Jou Purcetxe jn Ross, Profctalliancing—nota universal panacea, p.1(radugao noss:), we Joe PURCELL ¢ Jat Ross, Project alincing - not a universal panacea, p.1-2 (tradugio @ 05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MEKCADO especializados." No entanto, acrescentam que, “acima de tudo, o dono do projeto [..] deve possuir uma compreensao dos principios ¢ pritica de aliangas ¢ estar totalmente comprometido com sua escolha do modelo da alianga como a melhor forme de otimizar seus resultados comerciais”.* 1.4.2. Fase de sclegao dos participantes nao proprietirios (“NOPs”) ‘Uma vez que 0 dono do projeto tenha verificado que a alianga de projeto modelo mais adequado aos seus interesses, devers realizar o procedi- mento de selegio dos “participantes nao proprietirios” (ou simplesmente “NOPs”). Ross entende que a selecao dos participantes adequados & alianga, 0 passo mais importante para o dono do projeto ao longo do caminho para uma allanga bem-sucedida:"> “Ao que nos parece, o tema associado aos modelos de selego dosNOPs ¢ que, no cenério australiano, tem gerado os mais acalorados debates entre 10s especialistas e académicos. Tradicionalmente, em projetas em alianga, os NOPs eram selecionados por fatores estritamente nao relacionados a prego, Mais recentemente, preocupados com eventuais abusos, sobretudo relacionados’ dificuldade de se demonstrar que aalianca estava atingindo amelhor relagio de custoe beneficio (“value for money”) ao projeto, muitos 6rgios governamentais australianos passaram a utilizar como padrao um modelo de selegio de NOPs baseado em competigio de pregos, fato que foi duramente atacado por especialistas no setor.* A seguir, explicaremos sucintamente como é 0 funcionamento de cada ‘um desses modelos e, em seguida, nos debrugaremos sobre os argumentos {avordveis e contrarios a cada formato de selegio dos NOPs. 1.4.2.1. Modalidades de selecao dos NOPs Existem muitas formas de realizar a selegio dos NOPs, porém alguns auto- res classificam as formas de selegio do seguinte mode: (i) modalidade sem competigao baseada em pregos; (i) modalidade com competicio baseada Idem, tbidem, p. 1. ™ Idem, pL % Jin Ross, Introduction to Project Alliancing,p.10. 1 Parauma explicagie dessa polémica, Jd Ross, Introduction to Project Alliancing p. 1, ‘Dove Joxts, Relashionship Contracting, p. 2729. CCONTRATO DE ALIANGA em concorréncia do “custo-alvo” ou “TOC”."® (iii) modelos hibridos de contratagio.°° A primeira modalidade mencionada, também designada “single TOC” ou “pure alliance”, foi, historicamente, a mais adotada na Austrélia, Nela, 0s NOPs sio selecionados com base em critérios que no consideram as- pectos de “menor prego”, sendo levados em conta fatores como reputagio, relacionamento prévio, aderéncia ao modelo alianga, comprometimento com resultados étimos, capacidade técnica, entre outros. Na segunda mo- dalidade de selegao, também denominada de “dual TOC’, “multiple TOC” ou “competitive alliance”, os NOPs sio selecionados usando tanto critérios niio relacionados a prego quanto o valor do “custo-alvo” (“TOC”). Por fim, na modalidade hibrida, hi uma diversidade de critérios que variam entre as duas formas anteriormente mencionadas, Sio levados em consideracio outros aspectos comerciais ligados a prego, embora no haja uma con- corréncia especificamente sobre 0 “custo-alvo”. Podem ser incluidos, por exemplo, critérios baseados em margem de lucto e overhead, solugdes de engenbaria, custo de “homem-hora” e custos de equipamentos ou tecno- logias relevantes na implantagio.” Passemos a uma explicacdo um pouco mais detalhada sobre os primeiros dois formatos de selegio dos NOPs. Ross descreve da seguinte maneira um modelo de selecao que considera ideal, ndo baseado em pregos, desenvolvido a partir do modelo utilizado no “Northside Storage Tunnel Project”, em Sidney. Inicialmente, o dono do projeto envia a potenciais proponentes um documento denominado “Solicitacao de Propostas”, em que descreve os requisitos de proposta a ser apresentada, Em seguida, os candidatos preparam e submetem a0 dono do projeto suas respectivas propostas. Apés avalié-las, o dono do projeto elabora uma lista curta com 3 a 6 proponentes, E realizado meio dia de entrevistas com cada proponente para, além de discutir questées-chave, 5 Aquicumpre-nos um pequeno paréntese explicativa.O ehamado“Custo-Alvo",ou"TOC” (Gerivade da expressio inglesa Target Outturn Cost), seréo principal parimetro pelo qual as partes irdoavaliar, 20 final do proto, o desempenho daalianga, Ble ser4o pardmetro também ‘para divisto de ganhos perdas, conforme explicaremos no item L6, 180 DePaRTMENT OF TREASURY AND FINANCE, Vicron1A. In Pursuit of Additional Value. A benchmarking stay into aliancing in the Australian Public Seto, p11. Pract Altancing Practitioners Guide p. 85. (08 CONTRATOS Ds ALIANGA 503 A PERSPECTIVA DAS CONVENGOBS DO MERCADO alinhar o entendimento ¢ a afinidade com 0 modelo de alianga, avaliar capacidade técnica e operacional e revisar expectativas. Posteriormente, o dono do projeto procede a uma nova triagem, redu- zindo os proponentes a somente dois. Sao realizados dois dias de workshops ‘com cada um da lista final de proponentes para alinhar os seguintes aspec- tos: () compromisso com resultados excelentes; (ji) principios, missio e objetivos; (i) possiveis membros a serem inclufdos na alta governanga da alianca; (iv) estruturas e fungdes do time da alianga; () estrutura conceitu- alde remuneracao; (vi) procedimento de desenvolvimento do “custo-alvo”; (vii) sistema de gestio da alianca; (iif) estratégia de inicio da alianga.!” ‘Com base em tais workshops, o dono do projeto escolhe o proponente vencedor. Nesse sentido, o workshop funciona como uma espécie de labo- ratério para que as partes possam sentir como é trabalhar conjuntamente, razio pela qual se recomenda que os proponentes tragam aos workshops 0s profissionais-chave que estariam envolvidos na alianga de projeto.™" Além disso, nesses workshops, as partes ainda nfo entram na discussio comercial sobre percentuais de remuneragao de lucro e overhead. Somente apés a escolha do proponente vencedor ¢ que sero iniciadas algumas discussGes comerciais que envolvem aspectos comerciais mais intrincados. As partes, de bos-fé, deverso definir aspectos como a estru- tura de custos diretos, estabelecer o percentual de remuneragio de lucro overhead, acordar a estrutura de risco e recompensa, finalizar a minuta de Contrato de Desenvolvimento da Alianga (Interim Project Alliance Agre- cement ou iPAA), acordar quanto ao plano de inicio da alianga, incluindo orgamento para a etapa inicial, de desenvolvimento da alianga, acordar 08 termos gerais e a estrutura do Contrato de Execugio da Alianga (Project Alliance Agreement ou PAA)" Se as partes néo chegarem a um acordo, o dono do projeto poderé es- colher outro proponente. Estabelecendo um acordo quanto a essas ques- toes comerciais mais delicadas, as partes celebram entao o Contrato de Desenvolvimento da Alianca ¢ iniciam a etapa de desenvolvimento da alianga, Ross menciona ainda a importincia de, logo apés a formagio da "© Jig Ross, Introduction to Project Alliancing, p10. "© Idem, bidem, p10. © jist Ross, Introduction to Project Alliancing, p10 "dee, bidem, p10. (CONTRATO DE ALIANGA alianga, as partes realizarem um ritual simbélico: o principal executivo de cada uma das empresas se encontrar para um breve “olho no olho” ¢ “aperto de mios”." Obviamente, o modelo acima descrito & apenas uma das muitas possiveis formas de procedimento de selegao de NOPs sem adotar parimetros de prego. Todavia, consideramos importante té-la descrito para demonstrar quanto ha preocupacao dos agentes em criar um procedimento que no mine a capacidade das partes de, posteriormente, durante a alianga pro- priamente dita, unir-se no trabalho a um objetivo comum. Somente apés aescolha do proponente é que aspectos comerciais delicados sao tratados, de boa-fé, Trata-se aparentemente de um importante voto de confianga dado pelo dono do projeto com o objetivo de criar as bases da confianga necessdria a fomentar uma relagio cooperativa Jao modelo de selegao “multiple TOC”, também designado de “com. petitive aliance”, surgiu mais recentemente como resposta & preocupagio de que, na auséncia de pressao competitiva, os NOPs, conscientemente ou no, pudessem ser injustificadamente conservadores no desenvolvimento do valor do “custo-alvo” e outros parimetros de performance, especialmente ao se considerar que parte do processo de definigdo de pregos e contin- _géncias é bastante subjetiva." CCurioso notar, por sinal, a mudanga de politica de recomendagio exis- tente entre as vers6es de 2006 e 2010 do guia de priticas emitido pelo Departamento do Tesouro ¢ Finangas do Estado de Vitéria, na Austrilia. Enquanto 0 Project Alliancing Practitioner's Guide, de 2006, recomendava predominantemente a utilizagio do modelo “single TOC”)"* o The Practi- toners’ Guide to Alliance Contracting, de 2010, informa que o formato-padrao de selegio dos NOPs, seguindo novas politicas de contratagio puiblicas, é “multiple TOC’ Nomodelo de competigao de “custo-alvo", a diferenga de procedimento € que o dono do projeto seleciona os dois prineipais proponentes e realiza com ambos tanto a fase de discussées comerciais quanto a etapa de de- senvolvimento da alianga. Ouseja, o dono do projeto celebra um Contrato 2 Idem, p. 10, > Project Allancing Practitioners Guide. 16. ™ Idem, p. 16. 0 Idem, p. 93. (05 CONTRATOS Dp ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO. de Desenvolvimento da Alianga (iPAA) com cada um dos proponentes separadamente, sendo os contratados ja devidamente remunerados, nessa fase, mediante reembolso de custos ou mesmo mediante uma quantia fixa, conforme vier a ser acordado no contrato."* Cada um dos proponentes formaré um grupo distinto, integrado com a equipe do dono do projeto, para desenvolver o valor do respectivo “custo-alvo” e demais parametros necessatios para a posterior execugdo das obras da alianga de projeto. "Apés essa etapa, o dono do projeto escolhe um dos proponentes uti- lizando 0 critério de menor ou melhor “custo-alvo”, ¢ ainda pode levar em consideragio outros critérios no relacionados a prego, com 0 qual celebraré o respectivo Contrato de Execucio da Alianga (PAA) para im- plantagio do projeto. ‘Hi recomendacées para utilizagao do modelo de competigao de TOC quando, pela natureza do projeto, 20 selecionar o proponente, o dono do projeto tiver que escolher entre diferentes tecnologias “proprietérias”, a escolha dessa tecnologia possa ter um impacto sustancial no custo de implantagio ou operacio do futuro empreendimento.” 1.4.2.2. Competigio de pregos vs. Competigao sem precos Entendemos adequado sintetizar os argumentos do debate acerca do mo- delo mais adequado de selegio de NOPs, pois eles evidenciam a grande preocupagio dos agentes em nfo criar quaisquer elementos que possam prejudicar as bases necessiirias criagao do ambiente cooperativo almejado na alianga de projeto. Os defensores do modelo “single TOC” entendem que a insergio do elemento de competigéo de pregos na seleco dos NOPs descaracteriza ‘modelo alianga, da{ talvez por que muitos também designam o modelo “Single TOC” de “pure alliance” em contraposi¢a0 ao “multiple TOC”, que também pode ser designado de “competitive alliance” Segundo Jones, hi ‘uma polarizagao de opinides, no mercado de construgio, no qual os NOPs defendem, de forma undnime, o modelo sem competicao de pregos, ¢ os % A minuta de Alliance Development Agreement sogerida pelo Departamento do Tesouro & Finangas de Victoria sugere o pagamento de uma quanti fixa (Model Alliance Development Asreenent "> Pryject Allioncing Practitioners Gude, p16. ™* Dous Jonss, Relashionship Contracting, p27 CONTRATO DE ALIANGA érgios governamentais australianos e neozelandeses, principais donos de projeto, tém tendido a0 caminho das aliangas com modelo de competiga0 de pregos.? Passemos a descrever sucintamente os principais arguments e contra- -argumentos utilizados no debate, Conforme anteriormente mencionado, os defensores do modelo de selegio competitiva tém a preocupagéo de que, sem a tenséo competiti- ‘va no processo de contratacao dos NOPs, as aliangas de projeto possam nao atingir o melhor resultado possivel em matéria de custos (“value for money”), pois hé o risco de que, durante a fase de desenvolvimento do “custo-alvo", as partes adotarem premissas excessivamente confortaveis de precificagao, algo que poderia resultar em um “custo-alvo” mais caroe conservador, ou, como designado pela literatura, um “soft TOC”! ‘MacDonat alega nfo haver evidéncias de que a competigao de pregos tenha efeito positivo sobre o resultado final de relagao custo-beneficio do projeto, comparativamente as aliancas “single TOC”. Segundo o autor, justamente pelo enorme sucesso das aliangas de projeto, no cenéio da construcio, é que algumas agéncias governamentais passaram ademandar a demonstragdo da boa relagio de custo-beneficio das aliangas, dado que tal sucesso poderia simplesmente significar que o modelo comercial apre~ sentava um problema intrinseco na sua concepgio, indicando parémetros de desempenho nao desafiadores.” A critica central utilizada contra o modelo competitivo de alianga é de fundo comportamental. Sugere-se que a competigio de pregos em um mo- ‘mento fundamental de criagio do ambiente colaborativo, que éactapa de desenvolvimento da alianga, prejudica a base central para a construgio de confianga e de comunicagio franca entre as partes. Alega-se que omesmo nivel de colaborago e confianga tende a nao ocorrer em um cendrio em que grupos diferentes de NOPs concorrem para obter o projeto. Segundo Ross, muito do sucesso das aliangas se deve justamente a0 grande comprometimento dedicado pelo time na etapa de desenvolvi- mento da alianga. De acordo com o autor, em um contexto de competigio de precos, 2 dem, ibidem, p. 28 = project Alliancing Practitioners Guide, p.28. 12 CHARLES C. MacDONAL»D, Value for Maney ta Project Alliances, p. 61 05 CONTRATOS DE ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOBS DO MERCADO [-Jé dificil de ver como o mesmo nivel de comprometimento, colaboragao, ¢ lideranga pode ser desenvolvido com dois times competindo ent si, parti- cularmente quando os Iideres sentores do dono do projeto (que normalmente cestariam fornecendo uma lideranga crucial através do Comité de Lideranga da Allanga) terdo de evitar demonstrat qualquer favoritismo para qualquer dos times.” Jones sugere que tal argumento, de fundo comportamental, talvez seja exagerado, Segundo o autor: Donos de projeto eo governo alegam que concorréncia com competigio de pregos nfo atrapalha a cultura colaborativa ena verdade entrega melhores re~ sultados em termos de incentivos 3 inovagio. Bles alegam que encorajar com- petigZo entre os NOPs tende a promover solugdes inovadoras antecipadamente no processo de tal modo que os concorrentes & alianga direcionam o TOC 0 mais competitivo posstvel. Os NOPs sio incentivados a mostrar redugdes de ccustos em inovagdo em suas propostas de forma a garantir o projeto para si.” argumento supra-apresentado, todavia, nio parece contrapor a ale- gnc de que hi uma piora no grau de confianga entre as partes, no mo- delo competitivo, mas sim que essa menor congfianga seria potencialmente compensada por beneficios obtidos com a tensio competitiva. Estudo empiric recente menciona que, no setor puiblico, na Australésia, a tendéncia seguida pelos principais donos de projeto tem sido a adogao de aliancas com competigao de precos. O estudo menciona, todavia, que “as vantagens de se mover aum modelo de competigao de TOCs nao esto claras, assim como nfo estfo claros os sacrificios associados que terdo de ser feitos para a adogio dessa abordagem’’#* Em sua conclusio, todavia, sugere oestudo que alguns dos respondentes da pesquisa claramente associavam 2 transigdo a0 modelo competitivo de pregos com o perfil motivacional do projeto, partindo de um modelo “melhor para o projeto” para um modelo de “autointeresse”:5 "© Jin Ross, Introduction to Project Alliancing,p. 20 tradugfo noss). ° Douc Jowes, Relashionship Contracting, p28 (traducz0noss2. “SD, HLT. WALKER, J. HARLEY B AND A. Mics, Longitudinal Study of Performance in Large Australasian Publi Seto nfasractareAliances 2008-2013, p32 (radueko nosss). ®® Idem, bidem, p.34 CONTRATO DE ALIANGA Outro argumento utilizado pelos criticos a0 modelo competitivo & relacionado a eficiéncia de custos. Alegam que, uma vez que a etapa de desenvolvimento da alianca" ser4 realizada com dois proponentes, haveri ‘uma duplicagao ineficiente do custo dessa primeira fase da alianga. Dizem ainda que haverd um prolongamento do processo de formagao do “custo- -alvo", atrasando o inicio do projeto. Segundo Jones, esses argumentos io consideram o beneficio obtido pela tensdo competitiva, em atingirmelhor relagio de custo-beneficio do projeto. Além disso, no modelo competitivo, ‘odono do projeto teria algumas redugdes de custos relacionados a audito- rias independentes, entre outros, Ademais, segundo o mesmo autor, néo necessariamente 0 processo de desenvolvimento do “custo-alvo” parale- lamente atrasaré o inicio do projeto.” Sugerem ainda alguns autores que a comparacio simplista de pregos, que acabaria se tornando a tendéncia com 2 adogio do modelo competiti- vo, nao seria edequada a projetos de grande complexidade, podendo nio representar o melhor interesse do projeto: Ross sugere, alids, ser bem , ‘VICTORIAN DEPARTMENT OF TREASURY AND FINANCE, The Practitioners Guideto Alliance Contracting, p16. ™ ¥, tem 3.24.5 da Capitulo 3 “No item 42.3.2 do Capitulo 4 detalharemos 0 conceito de fla intenclonal de acorde com a pritica usual de contratos de allanga, 8 (OS CONTRATOS DE ALIANGA SOB A FERSPECTIVA DAS GONVENGOES DO MERCADO insuficiente de qualquer das partes no escopo do projeto, os participantes deverao buscar a melhor solugao do problema, em vez de canalizar sua atengio na tentativa de transferéncia da culpa pelo problema encontrado. Para ilustrar 0 conceito, vale transcrever a redagao de uma minuta-padrio sugerida por uma consultoria especializada em aliangasna Australia: ‘To the extent chat any failure by a Participant (che “defaulting Partici- pant”) to perform any obligation or to discharge any duty under or arising cout of or in connection with this Agreement does not constitute a Willful Default, apart from any financial impact that may arise under the Compensa- tion Framework set out in Schedule 5, the defaulting Participant will nothave any liability to any other Participant, whether in contract or tort (including, negligence), or otherwise at Law or in equity." Ou seja, a alianga de projetosir& tratar a falha humana como mais um risco do projeto, alocando-o de forma compartilhada entre os participantes da alianga, Essa eventual falha iré potencialmente impactar os custos de execugo das obras, e suas consequéncias serdo assumidas coletivamente por todos, ao término do projeto, por meio do modelo de remuneragio € de incentivos. Occorolario no dispute, em nosso entendimento, refere-se ao comprome- timento das partes de resolver seus conflitos ¢ discordancias sem o recurso ao litigio de qualquer natureza, seja ele arbitral, judicial, ou mesmo rela- Gionado a outras formas de solugio de controvérsias, como os chamados comités de disputa (dispute boardi). O objetivo é evitar toda a cultura de pleitos que se tornou uma epidemia nos projetos complexos organizados de acordo com modelos tradicionais de contratagao. Importante ressaltar que a clausula no dispute ndo propde.a inexisténcia de iscordancias, mas sim que tais discordancias sejam resolvidas de maneira saudével, fazendo uso da prépria governanca interna da alianga, Umambien- te saudavel de debates é sinal de que hé um time efetivamente engajado* Além disso, em contratos colaborativos, é normal a utilizagao dos cha- mados fecilitadores. Esses profissionais nao agem como meros mediadores ° Cliusula 342.2 do PCI Group. Generic form of Projet Execution Agreement (PEA), 2010 °® VicroniaN DevaKtMenT oF TREASURY AND FINANCE, The Pricttoners’ Gul 1 Allance Contracting, p18. CONTRATO DE ALIANGA de conflitos, mas procuram auxiliar as partes no realinhamento do projeto A filosofia da alianga* ‘Asminutasde alianga tradicionalmente nfio possuem procedimentos de resolugio de disputas além da propria governanca contratual, Ross enten- de que seria inapropriada, desnecessitia e il6gica a incluso de cliusulas com procedimentos de solugdes de disputas em aliangas de projeto.! No entanto, ¢ verdade que, na auséncia de tais cléusulas, eventuais disputas correlatas deveriam ser resolvidas em via judicial, possivelmente o meio ‘menos apto a solucionar um problema de tamanha complexidade e espe- cificidade como seria um conflito advindo de contratos de alianga. Uma observagio curiosa acerca das aliangas de projeto ¢ que, de fato, praticamente nio hé, na literatura, relatos de casos envolvendo disputas judiciais e arbitrais entre as partes. O resultado do estudo empirico desta obra, descrito no Capitulo 3, evidencia tal conclusio. E de especial nota © fato de que profissionais com experiéncia em mais de uma centena de contratos de alianga, na Austrélia e Nova Zelandia, reportarem um niimero quase inexistente de conifitos.* CHEUNG et al. sugerem que o princ{pio no blame, no dispute seria uma tautologia. Para esses autores a criagdo de um ambiente que nio crie dis- putas litigiosas somente seria possivel mediante a aplicagio de préticas de gerenciamento relacional. Ou seja, 0 efeito de reducao de disputas teria muito mais a ver com as praticas voltadas a evitar disputas do que pro- priamente coma cliusula no blame, no dispute. A conclusao dos autores, no centanto, se baseia em um estudo de caso isolado:** Efetuamos anteriormente uma mera explicagio de como o mercado parece interpretar o prinefpio no blame, no dispute. No Capitulo 4, item 4.2.4, da presente obra, retomaremos tal principio, interpretando-o sob uma perspectiva juridica. 'S Lut Usata Do Canmo, Contrarosde construct de grandes obra, p. 130, '© jis Ross, Introduction to Project Allianeing,p. 13. °S V. item 3.243 do Capiculo3. 'S* Cuzune etal, Alliancing in Australia - No-Litigation contracts: tautology? p. 8. 05 CONTRATOS Ds ALIANGA SOD A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO 1.5.4, Regime total de transparéncia (open book) Outro principio de suma importancia no contexto da alianga obriga as tes a observar total transparéncia quanto as informagdes do projeto, sobretudo quanto a aspectos financeiros. O fato de os profissionais do dono do projeto ¢ dos NOPs pertencerem a uma equipe integrada faciita a transparéncia de informagées. Nenhum dos participantes deve ocultar dos demais quaisquer fatores relevantes ao sucesso comum do projeto. Usualmente, é previsto o direito A ampla realizago de auditorias como objetivo de analisar os pagamentos que serio realizados no bojo da alianga. regime de transparéncia deverd serimportante também para que o dono doprojetoesteja confortavel com os valores incluidosno “custo-alvo” (TOC). O objetivo do principio de transparéncia é diminuir a dupla assimetria informacional existente em modelos tradicionais, fator que, em grande medida, contribui coma desconfianga reciproca e, consequentemente, com a existéncia de conflitos. Assim como 0 dono do projeto passa a compreen- der os reais desafios de implantagio de fatores que usualmente estariam sendo controlados pelos NOPs, estes passam a compreender oracional de mnitas decis6es tomadas pelo dono do projeto. Esse tipo de transparéncia, aliada & maior participagao do dono do pro- jeto em decisées do dia a dia do projeto, permite que, em caso de situagies quedemandem flexibilidade, as partes estejam mais alinhadas para resolver o problema, em um ambiente de confianga miitua. Ademais,a literatura profissional sobre aliangas de pojeto sugere que, nos trabalhos de alinhamen- to durante a etapa de desenvolvimento da alianga, as partes elaborem simula- ‘ges conjuntas sobre eventos que, se vierem a ocorrer na fase de execugao das obras, devem ser considerados “variagdes” no ambito dos contratos de alianga, Eles produzem um “Guia de Variagbes” que facilitaré muito eventual negociacéo decorrente de modificagbes a0 longo das obras.* Além dos principios e ferramentas organizacionais antes mencionados, tem especial meng na doutrina profissional a criagio de um ambiente que encoraja um regime de comunicagio aberta e honesta, sem “agendas escondidas” (open and honest communication), muitas vezes coma utilizago ™ Jiu Ross, Introduction to Project Alliancing, p. 910. CONTRATO DE ALIANGA de sistema integrado de tecnologia da informagio, entre todos os partici- pantes da alianga.®* Por fim, menciona-se a importancia de se agir com integridade e boa-fé, dever que o The Practitioners Guide to Alliance Contracting traduz da seguinte forma: a) uma obrigagéo das partes de cooperar para atingir os resultados do projeto; b) cumprimento com os padrdes razodveis de conduta espe- rados; e c) uma obrigagao de agir de forma justa, inclusive néo obtendo vantagens comerciais em detrimento dos demais participantes.*” Este tema, no entanto, seré retomado, sob uma perspectiva juridico-dogmética, no item 4.3.2 do Capitulo 4. 1.6. Modelo de remuneragio e de incentivos Essencial para compreensio do contexto da alianga entender seu modelo de remuneragio, com incentivos baseados no desempenho coletivo do time da alianga. A nosso ver, o modelo de remuneragio criado, embora tenha variagoes, de maneira geral, tenta criar uma ferramenta de incentivo a0 bom desempenho e desincentivo ao desempenho inadequado, mas sempre de forma coletiva. Se, de um lado, abre-se mao da prerrogativa de busca da protegio, por meio da nogao de inadimplemento culposo, por outro, garante-se que essa falha no cumprimento da obrigagio seja igualmente compartilhada entre 0 dono do projetoe os NOPs. Dai a azo de ser crucial estudar e compreender esse modelo de remunera¢io, conforme veremos no item 4.2 do Capitulo 4. ‘Muitas sio as alternativas de estruturagdo de modelos de remuneragao € incentivos possiveis em aliangas de projeto, contanto que o modelo reflita oalinhamento coletivo de objetivos essencial dalianca. A seguir, vale uma descrigao do modelo de remuneragio atualmente mais consolidada no universo australiano, Os contratos de alianga, sobretudo na Australia, t8m sido organizados por meio de um regime de remuneragao que possui trés componentes: @ reembolso de custos incorridos (Componente 1 ou Limb 1); (i) taxa de © Idem, ibidem, p. 3. °© Vicronia Davari’ OF TREASURY AND FINANCE, The Practitioners’ Guide to Alkance Contracting, p17 2 (05 CONTRATOS DB ALIANGASOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGORS DO MERCADO remuneragio (Componente 2.0u Limb2); (ii) compartilhamento deganhos ¢ perdas (Componente 3 ou Limb 3). O Componente I da remuneracio representa a totalidade do que vier ‘a ser gasto diretamente nas obras, além de custos indiretos das obras. ‘Usualmente, na etapa de desenvolvimento da alianca, as partes estabele~ ccem as regras para definigo desses custos indiretos, nem sempre muito simples de serem demonstrados. E muito importante destacar que, dife- rentemente do que usualmente ocorreria em contratos tradicionais, os custos reembols4veis do Componente 1 incluirao também custos de “re- trabalho” relacionados a falhas de qualquer NOP ou mesmo do dono do projeto na execugio de suas atribuigdes no projeto.' Tal trago ¢ essencial para compreensio da alianca, Outro aspecto importantissimo de destacar & que todos os custos in- corridos no projeto deverdo estar inteiramente sujeitos ao chamado regi- ‘me open book, ou seja, em total transparéncia, devendo estar disponiveis para realizacio de auditorias, pritica usual nos contratos de alianga, na Australia] ‘Ainda durante a etapa de constituigio e desenvolvimento da alianga, an- terior a0 infcio das obras,as partes realizardo um trabalho de detalhamento de engenharia, de identificagdo de riscos, de planejamento, entre outras atividades, que terao como um de seus objetivos estabelecer 0 “custo- -alvo” ou, na lingua inglesa, o Target Outturn Gost (TOC). O “custo-alvo” basicamente ser uma estimativa razoivel de todos os custos em que as partes, inclusive o dono do projeto, incorrerio para entrega do projeto, em conformidade com as premissas de qualidade, de seguranga e de desem- penho acordadas."* (0 “custo-alvo” sera a referéncia posterior para estabelecimento do Com- ponente 3 de remuneragdo. Em tese, como explica Ross, ommomento de esta~ belecimento do “custo-alvo” seria um momento em que o deno do projetoeos ‘NOPs encontrar-se-iam em situag&o de interesses totalmente contrapostos, pois ointeresse do dono do proto seria ter 0 menor “custo-alvo” possivel, e0 dos NOPS, o maior “custo-alvo” possivel. Ross, no entanto, explica que alguns ° Jin Ross, Introduction to Project Alizneing pS. ° Idem, ibidem,p. 4 "© V item a seguie ™: Jin Ross, Introduction to Project Allancing, pS. CONTRATODE ALIANGA fatores mitigam essa contraposicao. Dentre eles, incluir-se-iam aintegracao de times, transparéncia, o receio deo alto custo do “custo-alvo" inviabilizar a decisio de investimento, a reputacio, entre outros. (O.Componente 2 representa dois outros componentes de remuneragio dos NOPs: uma margem de lucroe uma contribuicio ao chamado overhead, que sto os custos de administragao central das empresas. Essa margem de lucro inclufda no Componente 2 de remunerago varia de acordo como 0 arranjo comercial do projeto. Usualmente, em projetos na Austrilia, ela tem sido determinada a partir de um percentual aplicado sobre 0 “custo-alvo” Assim, torna-se uma soma fixa a ser paga proporcionalmente ao avango das obras. O componente de overhead usualmente é um percentual sobre ‘custo efetivamente incorrido durante a execugao das obras. © Componente 3 ¢ o componente de incentivo a obtencio de um bom desempenho (pain/gain mecanismi). De maneira simplificada, na etapa de desenvolvimento da alianga, sio acordados indicadores de desempenho-chave (key performance indicatorsou KPIs), aptos a demonstrar se 0s resultados do projeto foram bons ou ruins. Ao final das obras, o resultado positivo ou negativo é dividido entre o dono do projeto e 0s NOPs, conforme critérios pré-acordados. Usualmente, essa divisio é de metade para o dono do pro- eto e metade aos NOPs. Obviamente, o principal desses indicadores cria parimetros de custo e de prazo para conclusio do projeto, mas é possivel ainda criar KPIs em matérias variadas, como | ‘impactos ambientais, niimero de acidentes de trabalho e impactos sociais a ele relacionados, O KPI relacionado ao custo do projeto, também chamado de Value for ‘Money, serio principal item a fazer parte do Componente 3 ter como pardmetro o “custo-alvo” (“Target Outturn Cost” ou “TOC"), previamente escrito, Assim, se, 20 final do projeto, o custo total incorrido for superior 20 “custo-alvo”, parte do custo excedente (geralmente, metade) deverd set arcado pelos NOPs, Nesse caso, desconsiderando outros KPIs, o Compo- nente 3 seria um valor pago pelos NOPs ao dono do projeto. Se o custo total incorrido for inferior a0 “custo-alvo”, metade dessa economia sera paga pelo dono do projeto aos NOPs. Esse mecanismo, associado ao principio no blame, no dispute, altera.o jogo do “ganha-perde” ou “perde-ganha’”, dos contratos tradicionais, para um jogo de “ganha-ganha” ou “perde-perde”. Na alianga, de pouco adiantard °S Tem, ibidem, p. 6, (OS CONTRATOS Dp ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOBS DO MERCADO as partes buscar atribuir 4 outra a culpa por um problema no projeto,jé que ambas arcardo igualmente com as consequéncias. Mais racional ser4 canalizar toda a energia nas solugées efetivas para o problema encontrado, evitando desperdigé-la com disputas internas ou com processos judiciais ow arbitrais." B, de certa maneira, um reconhecimento de que a condigao Jhumana nos da margem a erros e que mais eficiente do que buscar culpados sera lidar com suas consequéncias. ‘Um aspecto a se destacar, no que tange ao Componente 3, é que, usu- almente, o méximo de risco incorrido pelos NOPs é a perda de todo o seu ucro e overhead. Ou sea, no sistema de remuneragao das aliangas, 0 Com- ponente 3, se pago pelos NOPs, normalmente estaria limitado ao valor total do Componente 2, O Componente 1, no entanto, deve ser pago integral- ‘mente, independentemente do sucesso ou insucesso do empreendimento. Essa limitagZo de risco dos NOPs, embora represente um fator de ris- co ao dono do projeto em certas circunstancias, usualmente era justificada ‘como protecio pelo fato de os NOPs assumirem, no bojo da alianca,riscos que, em projetos tradicionais, nZo estariam dispostos @ assumir. Assim, se inicialmente tal limitagao era entendida como elemento essencial da alianga, comega-se a ser analisado se essa limitagao de risco deve sempre ser aplicada." Os resultados do estudo empirico mencionados no Capitulo 3, no entanto, sugerem que a quase totalidade dos respondentes qualifi- cam tal limitagio como essencial, ou pelo menos relevante aos contratos de alianga.!* De todo modo, como em qualquer projeto, o fato & que hi um trade offentre risco e prego. Caso a limitacio de risco nfo seja aplica- da, certamente haverd um aumento do valor do “custo-alvo", por meio de mecanismos de contingenciamento. O grafico seguir, bastante citado na literatura especializada, descreve o modelo tradicional de assungdo de riscos e recompensas aos NOPs em aliangas de projeto: LeonanDo ToLEbo pa Sitva, Altanga brasileira, p.124 “SV, VictoRIAN DapARrMgi7 OF TREASURY AND FINANCE, The Practitioner Guieto Alliance Contracting, p- 60-61. 5 V.tem 3.2.3 do Capitulo 3. Versio adaptada de The Practitioners’ GuldeteAllionce Contracting, p.9. CONTRATO DE ALIANGA Recompensa NOPs TLuero/ Overhead Underrun (redugdo de custos) (Gorsnoaaqos) unszaig Penalidades NOPs 7. Possiveis beneficios associados a utilizagio dos contratos de alianga Analisar comparativamente a eficiéncia de modelos organizacionais néo € uma tarefa simples. Normalmente, essa andlise comparativa se da sob € tice da redugdo de custos de transagSo, Esse realmente ¢ o fator mais valorizado quando buscamos medir o desempenho de modelos organiza- cionais empresariais. No entanto, nfo ¢ 0 tinico. Segundo Ross, os seguintes beneficios podem advir dos projetos ade- quadamente estruturados pelo modelo da alianca: () entrega do projeto dentro ou anteriormente ao prazo previsto; (ji) custo final do projeto den- tro do orgamento; (ii) melhor gerenciamento de questécs de stakeholders do projeto; (iv) melhores praticas de gestio de temas envolvendo “satide ¢ seguranca”, meio ambiente e comunidade; (¥) maior transferéncia de habilidades entre equipes, crescimento profissional e desenvolvimento de pessoal; (vi) melhora reputacional para todos os envolvidos.” Um aspecto interessante, exaltado pela doutrina, diz respeito a aptidao 4a alianga para gerar um ambiente de criatividade ¢ inovagio. Ao excluir © V, Jim Ross, Introduction to Project Alliancing, p. 18, V. Gano Cun et al, Overview of alliancing research and practice in the construction industry, p. 107 86 (05 CONTRATOS DE ALIANGA SOW A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO da equagdo dos NOPs a possibilidade de serem responsabilizados por uma falha de uma solugio adotada, cria-se grande abertura para comportamen- tos inovadores. Nesse sentido, alguns experimentos da psicologia compor- tamental sugerem que determinados tipos de incentivos financeiros, em tarefas menos simples, podem ter o efeito de reduzir a capacidade criativa dos agentes, uma vez.que os torna excessivamente focados, reduzindo sua visto periférica do problema. ‘No que se refere exclusivamente ao aspecto de custo, alguns levanta- mentos, inclusive estatisticos, na Austrélia, procuraram analisar a eficién- cia dos contratos de alianca, comparativamente a outros modelos. Os re- sultados apresentados sugerem que, de fato, projetos orgenizados pelo ‘modelo alianga tendem a ter maior sucesso na entrega do projeto dentro do orgamento previsto.”" Ha, no entanto, forte criticismo no sentido de {que esse sucesso pode estar relacionado & elaboracao de orgamentos con- servadores. Seria o problema do “soft TOG” a que nos referimos no item 1.4.2.2 deste Capitulo 1 e que originou contratos de alianga com critérios de competigéo de pregos. 18, Fatores de sucesso da alianga de projeto ‘A doutrina que trata do tema dos contratos de alianga costuma abordar os “frtores de sucesso da alianca, ou sefa, os elementos organizacionais dos con- ‘tratos de alianga que influenciam no resultado bem-sucedido do projeto. Segundo GanG Cun et al,, os seguintes fatores de sucesso costumam ser geralmente elencados pelos autores que tratam do tema: (f)atitude “melhor para o projeto’; (i) relacionamento em projetos anteriores; (ii) adequada selegio das pessoas que participaro do time integrado ¢ 0 pro- cesso de construgio desse time; (iv) confianga e equidade entre as partes; @) treinamento adequado sobre a filosofia da alianga; (vi) extensao da ° V.Dantee H, Pint, Drive, p46. qr becomes obvious fom the dats, that only 2 minority ofalliance projects in the survey 4id not meet time and cost expectations” (D. H. T. Watke®, J. HARLEY © AND A. MILLS, Longitudinal Study of Pexfrmancn Large Australasian ble Sector nfatructure Aliances2008- 2013, p34), V.ainda Gan Cuan eral, Overview ofalliancing research and practice inthe construction industry, p.107 CONTRATO DE ALIANGA filosofia da alianga para as hierarquias funcionais mais baixas; (vif) comu- nicagdo aberta e honesta, entre outros." Recentemente, foi realizado estudo significativo que busca demonstrar correlagio estatistica entre elementos formais e informais de governanca € 0 desempenho dos projetos, com informagées de cerca de 320 organiza- es na Australia.” O termo governanga aqui é utilizado para se referir a mecanismos formais e informais de incentivos 20 desempenho adequado das atividades de implantagao do empreendimento, Algo que, a0 longo desta obra, por vezes, nos referiremos também como mecanismos de en- forcement contratual. Os mecanismos formais, no estudo de CHEN ¢ MANLEY, seriam os in- centivos contratuais relacionados & alocagio clara ¢ adequada de riscos. (Os mecanismos informais compreenderiam incentivos nao contratuais para fomentar confianga mitua, permitira cooperacéo, facilitar a comunicacao ce dividir o conhecimento.” Oestudo considera trés mecanismos de mercado que, no contexto dos contratos de alianga, se poderiam chamar de “governanga formel: (I) esti- ‘mativa conjunta de custos; (2) regime de repartig&o de risco e recompensa; € () divisio de risco dos fornecedores de servigo”. Es cinco mecanismos colaborativos que definem o que os estudos chamam de “governanga in- formal”, foram os seguintes: (1) a existéncia de lideranga adequada; (2) a cexisténcia de um getente de relacionamento com autoridade suficiente e recursos para construire manter a cooperacéo durante a vida do proje~ +0; (@) workshops de equipe para integracio, avaliagio, inovagio etc; (4) mecanismo compartilhado de comunicacio, inclusive por meio de um mecanismo de tecnologia da informagio integrado; ¢ (5) integragio de engenharia, com a participagio de subcontratados, fornecedores e prin cipais contratados."* Dentre os resultados do estudo empirico, o mais relevante parece set a percepgio de que, nos contratos de alianga, os mecanismos informais ™ Ganc Cutzw et a, Overview of allioncing research and practice in the construction industry, p. 108, ™ L, Caw e K. Maney, Validation of an Instrument to Measure Governance and Performance on Collaborative Infrastructure Projects. °° Idem, ibidem, p L, Cue e K. MaNtéy, Validation of an Instrument to Measure Governance and Performance on Collaborative Infrastructure Projects, p. 43-44, 88 (05 CONTRATOS DB ALIANGA SOB A PERSPECTIVA DAS CONVENGOES DO MERCADO de governanga tém maior correlagao com o sucesso dos projetos do que os mecanismos formais. Tal resultado evidencia que, muito além do que celebrar tim contrato com riscos alocados de modo adequado, o sucesso do contrato de alianga depende muito mais da adequada implementagio dessa governanga informal, Nesse contexto, o estudo sugere a importincia de politicas que reforcem a aplicacao dessa “governanga informal”, em vez de, como tem ocorrido mais recentemente no cendrio australiano, reforgar mecanismos de mercado, como o modelo de selecio dos NOPs com base em critérios de prego: Client organizations need to shift away from a conventional approach to governance design, which primarily focuses on market mechanisms and specific actions, such as inviting single or multiple teamn/s to participate in the pricing stage. There isa need to increaseemphasis on informal mechanis- ms, since these are a stronger predictor of performance outcomes. Required actions inelude making decisions on a ‘best-for_project’ basis, secking con- ‘sensus across the supply chain in decision making, and effectively engaging community stakeholders. In addition, a relationship manager with sufficient authority and resources to build and maintain cooperation over the life ofthe project improves project outcomes.”* Oestudo, no entanto, nao afasta a importancia dos mecanismos formais de governanga, Tal aspecto, por sinal, é muito importante para compre- ender o papel que 0 contrato eo direito contratual devem desempenhar nesse contexto, Segundo CHEN ¢ MANLEY, os mecanismos formais forne- cem 0 arcabougo de governanga que auxilia a implementagio dos meca- nismos informais. Conforme explicaremos no item 2.3.2.2 do Capitulo 2, tal percepgio é também consistente com alguns estudos recentes sobre mercados tecnolégicos e de alta inovagao, Inversamente, sustentam CHEN € Maney, mecanismos formais s6 atingirfo uma clara e justa alocagio de riscos quando capacitados por um contexto colaborativo criado pelos mecanismos cooperativos de governanga hierarquica.”> Idem, ibidem,p. 1 © L. Cue e K. Mansy, Validation of an Instrument to Measure Governance and Performance on Collaborative Infrastructure Projects p. UL

You might also like