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IA Camarco Costa NEM UMA LAGRIMA: TEATRO EPICO EM PERSPECTIVA DIALETICA 0 + Nanquim Editorial 2012 Cupra ate eo © 2012 Era Eres Popul ennui sri ‘eva: iti, Mera eA Marr Taaes Fret Capa Projte prio Diagram: its Esso Imprssio: rasa Dados itornaconals do Catalgagéo-na-Publicgao (IP) eam con 700.0981 cou 70261) Ctagigora Pca Elane .oaroch AB 87250 SUMARIO Por uma critica dialética.........0s0eeeeeseeeeeseseeeeee 7 Teatro na luta de classes... e.sseseeeeesseeeeneeeeeeeee! 9 Transig&eS. ee eceececeeeeeessesseeeseeeteeeneeeens 35 O trabalho da ditegd0......66eceeeeeeeeesseseeeetseeees 93 Brecht e 0 teatro épico no Brasil. 1 \ Brecht no cativeiro das forgas produtivas . -137 NEM UMA LAGRIMA: TEATRO PICO EM PERSPECTIVA DIALETICA que 0 &xito do critico, assim como o das obras, é um diploma conferido pelo mercado. Mas convenges bem-sucedidas s40 por sua propria natu- reza ultrapassadas, ¢ entio soa a hora em que o eritico nio entende mais © que julga. E quando ele prazerosamente se deixa rebaixar aos papéi propagandista daquilo que permanece aferrado as convengies, ¢ de ce sor de tudo o que foge a elas, ainda mais feroz se a obra expuser alguma io verdade. Consuma-se entao a antiga falta de caréter de um offcio que participa do amplo trabatho de tecer o véu das aparéncias. A critica dialética empenha-se em confrontar metodicamente todas as manifestages da propaganda e da censura, em expressa alianga com a arte também dialética. TEATRO NA LUTA DE CLASSES: Como a religifo,a arte tem suas razes na pré-istria,Ideias, estilo, dem sobreviver na mente bumara por mi tempo depois de desaparecido o contexto concreto em que surgitam. No fim das contas, a mente humana se caracteriza por seu conservadorismo. Ldeias que ha muito tempo perderam sua razdo de ser permanecem tei te arraigadas na peique bumana e continuam desempenban: wvolvimento bumano. Iso 6 ica ao campo da arte eda ‘Alan Woods forma poetas e pensadores . O templo da sabedoria, sforma em bolsa.. Brecht, O manifesto mais dif tomar lenis as ideas fas do que mudar a existéncia sensivel. Hegel (QUESTOES PRELIMINARES Para quem entende que o proletariado é o verdadeiro sujeito do processo de acumulacio porque ele produz capital além da mercadoria , com essa compreensio, se dedica ao teatro levando em consideragio a Ita de classes, impde-se a trabalhador cerebral fcar as coreografias do mente as que se apresentam sob méscaras revolucion sobretudo, procurando revogar ideias como luta de classes, evolu, 7 Roteito para semindro organizedo pelo Engenho Teatal ao segundo semeste de 2008. 9 NEM UMA LAGRIMA. TEATRO EPICO.EM PERSPECTIVA DIALETICA necessidade de intervengio politica, organizagao ¢ assim por diante. Essas teses vm de longe: na frente teatral circulam ha mais de cem anos, ena elaboracao te6rica sdo ainda mais antigas. Por isso, os acontecimen- tos priticos ¢ tebricos do teatro francés a partir da segunda metade do século XIX serao aqui tomados como ponto de partida Como disse Engels, no prefacio a edigio alema de 1885 da obra de Marx O dezoito brumério de Luis Bonaparte, “a Franca € 0 pais onde, ‘mais do que em qualquer outro lugar, as lutas de classe foram sempre levadas & decisio final e onde, por conseguinte, as formas politicas nas {quais se condensam seus resultados tomam os contornos mais defini- dos”, O livro de Marx trata dos resultados das lutas entre burguesia iado, bem como entre as diferentes fragdes da burguesia nos vio de 1848 a 1851, estabelecendo assim o referido ponto de ida e, como expresso daqueles resultados no plano ideol6gico ~ do ‘qual o teatro faz parte -, encontramos nos acontecimentos te ceses a manifestacio das lutas entre as classes sociais com ‘outros trabalhos, mas os debates que vém ocorrendo nos iiltimos dez anos entre os ativistas do atual movimento paulista de teatro de grupo ‘acabaram pautando a retomada ¢ o desenvolvimento mais met6dico de alguns temas. Duas questies que aqui sero tratadas dizem respeito, direta ou indiretamente, a persisténcia do pensamento metafisico na contempora- neidade, bem como & persisténcia de comportamentos que, mesmo no mais se reivindicando como “de vanguarda”, retomam suas pautas, algu- ras estabelecidas ainda no século XIX. Esse teatro das vanguardas de fins do século XIX e diferentes momentos do século XX agora reaparece identificado como matriz, ou modelo, do teatro “relevante” nas diltimas décadas do século XX, para 0 qual foi proposta a designagio de “pés- dramético”. A marca dessa espécie de “teoria” & explorar firmemente 0 ‘campo evanescente da metafisica sob as mais variadas roupagens. Qualguer espitito minimamente critico percebe a referida persis- téncia da merafisica pelo menos em sua manifestagao mais espalhafato- sa, como €0 caso das diferentes instituigdes religiosas em sentido estrito, sobretudo as que se organizam a partir do monoteismo, que € por defi- nigGo fundamentalista (judaismo, catolicismo, protestantismo, islamis- mo} ¢ continuam se confrontando seja em nome de Jeové (0 Estado de Israel), de Alah ou de Deus (os fundamentalismos americanos ¢ a Igreja Catélica, principalmente a romana). O interesse da industria cultural INA CAMARGO COSTA pelo assunto por si s percepsdes, inclusive (ou sobretudo) as p Mas a propria percepgao normal sistema capitalista’ é fundamentalmente m tem conotagii it igiosa. Hé pe formulou, mais uma vez, a explicagao mater fendmeno, pois é de fetichismo que se tra o sistema produtor de ticreadorias ndo constitui apenas uma “analogia com as representagées reli em pod apreendido como simples “ideologia”, porque ele proprio € uma cor ruicéo simultaneamente meta ‘tempo, Robert Kur indica 0 seu peso na organizagio das nossas -otidiana no interior do ica, mesmo quando n30 critica, para o 0 fetichismo do moderno josas, como diz Marx, nem pode ser apenas real da sociedade e da sua reprodu- io, tanto material como cultural-simbélica. A modernidade, nas suas . como ela prépria acredi penas relagdes, nio superou a metafisi fez descet do antigo apego religioso & transcendén cexerna) para uma imanéncia puramente terrena ‘Ao contrétio do que afirmam seus ide6logos modernidade), longe de ser “pés-metafisi metafisica”. "na verdade yeus, alma, vida iuo ¢ sociedade). fas é metafisica de uma maneira nova, se comparada a suas formulages mais antigas, como a religio, Esta tiltima foi dissolvida enquanto principio de direcdo celestial da reproducao da vida transfo mada, na modernidade, em “questdo de fé privada”, gragas as vitorias na lata contra a Igreja Cat romana em favor do Estado laico. Seu lugar foi ocupado pelo principio da disegao da vida terrena pelas relagées cap- tal ns de produgio, que so percebidas de modo metafisico, O “sujeto automatico” do moderno sistema produtor de mercadorias nao é a razio hhumana libertada (das cadeias religiosas), mas sim 0 paradoxo de uma “transcendéncia imanente” em process A pura autologia que expande o conceito ao se negar a determiné-lo ¢ em were 00 tej de modo gle cep enn to evil (AdaeN, of. - 6 a INA CAMARGO COSTA a categorizago narrativo/ndo narrativo lade extremamente agusada para o fenémeno e para a ruina 187). “Hermenéutica da produgao da presenga é a eucaris- “*A presenga do ator é epifania autorreferente” (p. 238). estrutura de um choque euja excitagio nio se prende a um objeto ~ de um espanto nao com a his- torla, ndo acerca de um faro, mas acerca do proprio espanto. O teatro pés-dramético € teatro da presenga (...) como algo que acontece. Nao pode ser objeto nem substancia; nao pode ser objeto do conbecimento mntentamo-nos com entender essa presenga como algo que acon- 239). “A arte se torna 0 outro estritamente vazio de conteitdo, ‘como uma epifania sui generis” (p. 240). “Derrida exy ‘Artaud interessava a dimensio de acontecimento radical néo se afirma nem se rejeita esta ou aquela posigios prio posicionar-se permanece em aberto |...) palavra como 3s termos de Heidegger) & desconstrugio p ivenciamos um mondtono fluxo de signos que se esvaziaram de seu cara ‘no podem ser apreendi- dos como totalidade poética, cénica e musical: versio pés-dramética ¢ negativa do subl 310), “Nesses momentos da néo compreensio, do choque, da percepao do indizivel, experimenta-se a exposicéo a um outro tempo” (p. 319) e fer algo notivel de si mesmo, saiu da c tum espaco além e adiante do grupo. Este outro ambito permanece estra rnho e inquietante, de modo que o palco conserva algo do Hades perambulam espiritos. O corpo do teatro é sempre da morte” (p. 331). ®Na evocagao do nio representivel, isto é da dor, deparamos com um problema central do teatro: a exigéncia de tornar presente o inapreen- ‘O teatro pés-dramético nao ocul © corpo est ado 2 morrer; a0 contrario, enfatiza este fa espantosa a presenga de Grotowski no pensamento das pessoas de teatro radicais, 6 respeito que sua insistente aproximagao do sagrado conquistou: € © programa da espiritualizagao do corpo” (p. 359-360). “Na oragio, no ritual, no coro e na comunicagao de tipo com nitério, 0 teatro segue 0 rastro de suas raizes religiosas ¢ mfsticas 101), A subetinela humana fofrimento, 0 mal ea 5 A filovoia de Heidegger 6 ums telogia da morte (Adorno, ‘ constuida de imporciaenlidade. Por iso € preciso more (idem, p53) a7 NEM UMA LAGRIMA TEATRO EPICO EM PERSPECTIVA DIALETICA almejam-se grandes paixdes (..) na era tecnol6gica o teatro continua a set um lugar de metafisica mais sugest evidencia-se a necessidade de buscar outros mundos, atopias e utopias nas ciftas do palco para rea- izar uma auténtica experiéncia espiritual” (p. 361). “O teatro é uma espécie de insinuagio da mortalidade” (p. 370). “No fundo, é esse espago-tempo comum da mortalidade, com suas implicagbes éticas e te6ricas, que persiste como diferenga entre 0 teatro € as midias” (p. 372). “O que a tragédia antiga jd tornava possfvel era © pensamento de que era preciso que a vida humana fosse inerente algo como uma coeréncia inacessivel ao saber dos préprios homens, uma apenas a pai ue 0s homens no podem assumir: 0 ponto de vista dos configuragio, um contexto, representavel, onto de vist 10, 0 que é percebido nao esté dado, mas apenas dé, chega, remetido a réplica de coro e paiblico em um circuito incandescente representabilidade é inerente a esse processo temporal e permanece em tensio inconcilidvel com todas as representagdes que atravessa. Destino é uma outra palavra para representabilidade” (p. 401). Para encerrar, 0 mandamento supremo do Evangelho p6s-dramé- tico, ou teologia apofitica da cena: “a representabilidade, movimento da realidade teatral, no se ope de modo nenhum & nogio de que se pode tratar da realidade humana sob a condicdo de que ela permaneca rid representével” (p. 402) DESAFIOS CORRENTES PARA A ATIVAGAO SIMBOLICA DA LUTA DE CLASSES Em lugar dos valores a servigo da continuidade da dominagao

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