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2| FACTORES DE RISCO E FACTORES PROTECTORES PARA A OCORRENCIA DE MAUS-TRATOS — PRINCIPAIS PERSPECTIVAS E MODELOS Introdu¢gao Para além dos estudos que procuraram avaliar o mimero de criangas vtimas confuses quanto & rigorosa demarcacio entre causas ou consequéncias dos 48 Maus-Traros & Cnuanea ‘maus-tratos. Por exemplo, as alteragdes do comportamento de uma érianga = que tanto podem ser desencadeadoras de episédios de maus-tratos fisicos como consequéncia de tais situagées. Em segundo lugar, os autores referem 4que 0 mais comum é trabalhar-se com casos provenientes dos servigos de protec- 40 infantil, 0s quais, por representarem apenas uma parte limitada dos casos existentes, tornam artiscadas quaisquer generalizagdes. Por diltimo, os mesmos. autores consideram que se realizam ainda muitas investigagdes sobre os factores de risco dos maus-tratos infantis entendendo-o como um conceito global, quando na verdade trabalham unicamente com casos de abuso fisico ou outro tipo de abuso, Para Martinez. Roig ¢ De Paiil (1993) as causas que levam um. individuo a perder 0 controlo dos seus impulsos agressivos nao tém necessaria- ‘mente que coincidir com as causas que levam uma pessoa a no alimentar adequadamente os seus filhos, defendendo que existem casos mistos onde ‘ocorrem em simultaneo situacoes de maus-tratos fisicos, negligéncia ou abuso sexual, por exemplo, mas tal facto nao significa que todos eles se produzam por tuma mesma causa ou pelos mesmos factores de risco (Martinez Roig e De Pail, 1993}, Atendendo a estas limitagdes, os autores defendem que no estudo desta tematica € fundamental que se realizem miiltiplas investigacses de tipo epidemiol6gico que abordem os diferentes factores de risco das situagdes de ‘maus-tratos infantis. Porém, o estudo sobre os factores que se considera estarem na origem dos maus-tratos 4 crianga tém implicita uma analise paralela sobre 6s eventuais factores que diminuem a sua ocorréncia ~os denominados factores protectores. Com efeito, os modelos mais recentes apresentados na literatura sobre esta temética defendem que as atitudes e formas de cuidar das eriangas pela familia ndo podem ser explicadas apenas por uma classe de factores. Os maus-tratos & crianga deverdo ser analisados & luz de uma perspectiva cossistémica que possbilite uma visio mais global e abrangente¢, simultanea- ‘mente, permita uma articulagio pluridimensional dos varios factores que os inam, Apesar de actualmente haver consenso sobre esta perspectiva, os estudos sobre as possiveis causas ou factores que poderio estar na origem deste problema passaram inicialmente pela elaboracao de modclos unidimensio- nais, de cardcter mais redutor e simplista, Para uma melhor compreensio do que acabamos de expor comecaremos por fazer um breve historial sobre os modelos explicativos dos maus-tratos infantis. Os primeiros modelos foram desenvolvidos nos finais dos anos 60 e inicio da década de 70 ¢ focalizaram-se nos maus-tratos como um conecito ico nao considerando cada uma das diferentes tipologias. As primeiras teo- tiaS, onde se incluem as de Kempe ¢ colaboradores, centravam a sua anslise a \ividual, enfatizando a questao relativa aos teagos de perso- los pais maltratantes ¢ a suposta presenga de perturbagdes de ordem -acTonts br Risco # FACTORS PRoTicrORIS WAKA A OconRENE!K px Maus-Taaros 49 No inicio da década de 70 surgem autores que consideraram a perspectiva iduais jgnorando os factores, 1996) promoven 0 modelo sociol6gico, radicalmente diferente do anterior, vez que atribuia um grande peso aos factores socioeconémicos. Quer um quer outro modelo (psiquidtrico e sociolégico) se baseavam em aspectos isolados do problema, uma vez que este cra analisado a partir de erspectivas unidireccionais. Estes modelos nao explicavam, por exemplo, orque € que alguns pais maltratavam fisicamente os filhos € outros os abando- wam (Cantén Duarte e Cortés, Arboleda, 1997}. Nos tltimos anos, os trabalhos de investigagao sobre a etiologia dos maus- -tratos confirmam que nem os factores de ordem psiquisitrica nem os de ordem condmica so suficientes, por si s6, para provocar situagées de abuso infantil. Surge, assim, o modelo ecossistémico, no qual se procura integrar os aspectos psiquidtricos ¢ psicolégicos com os sociais, culturais ¢ ambientais. Este modelo distingue entre factores de risco ou potenciadores dos maus-tratos ¢ factores protectores, que diminuem a probabilidade do abuso. Para os adeptos «da perspectiva ecossistémica, os primeiros modelos, demasiadamente simplistas ¢ redutores, falharam por nao terem em consideraco os condicionalismos de rdem social, econémica e cultural que, conjugados com factores de ordem ividual, poderao originar ou favorecer o desencadear de situagdes de maus- -tratos infants. A semelhanga do que tem vindo a acontecer noutros dominios cientificos & hoje reconhecida, no mundo académico, a importancia das perspectivas hol ticas para a anilise ¢ compreensio do fenémeno dos maus-tratos. Sendo esta problemtica um fenémeno tao complexo, onde actuam ¢ interactuam em simu- tineo variéveis miltiplas e continuas, devera considerar-se tanto a simultanei- dade de factores como a interaccio entre os mesmos. ‘No que concerne & problematica dos maus-tratos intrafamiliares, 0 con ddeecossistema inclui todos aqueles aspectos que rodeiam o individuo e a fa afectando-os de maneira directa. De acordo com a perspectiva ecossistémica pode dar-se um efeito bidireccional entre as caracterfsticas do individuo e far as caracteristicas do ecossistema (Martinez. Roig e De Paiil, 1993). Os maus- -tratos surgem, assim, como o resultado da conjugacio de aspectos individuais, sociais, econémicos ¢ culturais que permanentemente interagem entre si. Deste modo, no estudo desta tematica, o paradigma ecossistémico, com a sua conotagio holistica e dinamica, tem vindo a angariar cada vez mais adeptos tuma vez.que permite analisar o problema dos maus-tratos de uma forma mais ampla e abrangente, articulando diferentes factores que esto na base da ex, cagio do problema. Na actualidade, a generalidade dos autores € partdaria da ideia de que o modelo ecossistémico é muito importante para a compreensio 50 Maus-Travos A Cusnnen do conjunto geral de factores explicativos dos maus-tratos infant defendem que os comportamentos concretos de maus-tratos fisicos, ne abuso sexual ou maus-tratos psicol6gicos requerem explicagdes espe “Apesar de se assistir nos siltimos tempos 4 adopeao de perspectivas mais slobais ¢ complexas, ¢ a intensificagao de trabalhos de investigacio sobre os ‘maus-tratos nao ha ainda, na actualidade, suficiente corpo te6rico capaz de dar resposta adequada a todas as situagdes de maus-tratos. Trata-se, como referem De Patil ¢ Arruabarrena Madariaga (1996), de um lapso de ‘tempo muito escasso para que os investigadores possam conhecer e validar ‘empiricamente 03 modelos teéricos desenvolvidos. No capftulo que agora se inica sero apresentados as principais perspectivas ‘e modelos te6ricos desenvolvidos para a explicagao dos maus-tratos & crianga. A estrutura deste capitulo obedece a um fio condutor, através do qual preten- ‘demos tomar mais clara e simples esta apresentagio. Comecaremos por abordar ‘05 modelos centrados na crianga e nos pais, os modelos centrados na familia e finalmente passaremos a explicagdes mais abrangentes, de ordem social ¢ cu tural. Esta metodologia, porém, nem sempre obedece a uma correspondéncia directa entre a ordem cronol6gica do aparecimento dos varios modelos e a forma como os iremos aqui apresentar uma vez que, na actualidade, nao ha ‘compartimentos estanques entre os mesmos: a perspectiva ecossistémica continua a valorizar as caracteristicas dos pais abusadores, os factores socioe- ‘conémicos e socioculturais, nao para considerar estes factores de forma isolada ‘mas para os analisar de forma interactiva. O modelo centrado na crian¢a Este modelo considera que as caracteristicas ¢ 0 comportamento da crianga siio factores que poderao determinar as relagdes que se estabelecem entre pais € que a crianga vitima de maus-tratos apresenta determinadas carac- -a5 que a tornam aversiva aos pais ficando, deste modo, numa situacio de risco de abuso ou abandono. O choro ou a desobediéncia, por exemplo, podem provocar frustracao ¢ stress nos pais, aumentando a possibilidade da ocorréncia dos maus-tratos (Cantén Duarte e Cortés Arboleda, 1997). Porém, ‘como a maioria dos estudos empiricos sio de cardcter retrospectivo, torna-se il precisar se determinado comportamento de uma crianga funciona como ‘causa ou consequeéncia dos maus- FE a estes factores de risco que dedieamos os pr6ximos parigeafos. 108, ‘acronis oF Rico # FACTOR PROFRCTONES AKA 4 Oconnéncta be Mavs:Tearos ST A idade da crianga los scus pais ou pessoas que os substituam e, deste modo, petmanecer mais tempo com estes. Ainda segundo Gantén Duarte ¢ tés Arboleda (1997), as eriancas mais pequenas té as emogdes, facto que pode incrementar a poss ncia contra elas. Esta situagZo pode, por sua vez, gerar nas criangas reacyes aversivas para com os pais, ou comportamentos frustrantes. Ainda jue concerne a estas criangas, sera necesss ferar que o menor desen- iento cognitivo nao lhes permite antecipar ¢ evitar os castigos. Os autores alertam, porém, que o facto de as criangas maiores parecerem a que existam poucos casos de maus-tratos ou adolescéncia, havendo mesmo estudos que ior taxa de maus-tratos fisicos durante a adolescén- ‘comparativamente com estadios anteriores, Para estes autores tal resultado oder dever-se ao facto de os maus-tratos na adolescéncia nao terem sido reconhecidos ou denunciados. © estado e 0 aspecto fisico da crianca Hi estudos que tém demonstrado que a satide de uma crianga ¢ 0 sen aspecto ‘0 sto factores que podem interferir na relacdo que se estabelece entre pais, hos. Deste modo, uma erianga com problemas de satide ou portadora de ma dé ima crianga aparentemente saudavel ou sem. F'studos prospectivos demonstraram que algumas criancas que foram ddasem fases posteriorestinham sofrido doencas infecciosas durante os primeiros meses de vida (Cantén Duarte e Cortés Arboleda, 1997). 0 aspecto fisico das criangas é um factor que pode também influenciar a relacdo pais-filhos. Assim, as criancas que correspondem do ponto de vista de aparéncia fisica as expectativas e desejos dos pais estario menos sujcitas a maus-tratos do que aquelas criangas menos «dotadas» de determinados atribu- tos fisicos. C. Spitz (1994) apresenta excertos de algumas cartas que lhe foram enviadas por adolescentes. Numa dessas cartas uma jovem evidencia bem este aspecto quando diz «[...] os meus pais nunca viram nada 4 sua frente a nfo ser a minha irma [...] A minha irma é bonita e eu vivi sempre na sua sombra [1 Ela sempre recebeu elogios e carinhos. Eu, repreensdes e agoites [..] sempre A minha irma (C. Spitz, 1994, p. 55). fisicas poderao funcionar como handicap no estabeleci- ‘mento de uma relagao saudavel entre pais e filhos, A este respeito Barudy 52 Maws-Twaros & Cutanen (1998) comenta que na actual sociedade de consumo as familias so imersas numa vasta gama de estimulos que podem provocar alteragdes nas re vvinculagdo que se estabelecem entre pais ¢ filhos. Entre estes es -se 0 facto de, na actualidade, os pais serem bombardeados pela pul ‘que Ihes apresenta © comportamento da crianga Alguns estudos sugerem que 0 proprio comportamento da crianga pode provocar ou manter o abuso infantil. Tal como em relagio a outras sreas, também aqui nao ha consens: adores, uma vez que a maioria dos estudos efectuados é de c ‘0 que torna muito diftcil deter minar @ relagio causa-efeito, ou seja, se as criangas maltratadas constituem a causa dos maus-tratos que sofrem devido ao seu comportamento proble ‘ous, pelo contrario, este comportamento é mais uma consequéncia dos maus- ‘em Cantén Duarte e Cortés Arboleda, lemanha seguindo uma amostra de c -aram que o seu comportamento era ma desde o que as criangas recém-nascidas nao se diferenciavam das criancas do grupo de ide quer em emissio de respostas. Porém, as mies ue maltratavam foram avaliadas como menos sensiveis nas interacgSes com 6s seus bebés. Aos oito meses estas criangas apresentavam um estado de animo ‘mais negativo € aos 33 meses eram menos cooperativas e mais desobedientes do que as do grupo de controlo. Cantén Duarte e Cortés Arboleda (1997) referem ainda um outro estudo nden (1985), através do qual este autor verificou que 0 ortamento problematico de criangas pequenas maltratadas melhorava ativamente quando havia junto das suas mies uma interven¢io no jo de fortalecer a sensibilidade destas e alterar as respostas que emitiam relativamente aos filhos. O modelo psiquiatrico/psicolégico centrado nos pais Este modelo, de carécter fatiza os aspectos individuais dos pais maltratantes, tendo subjacente a ideia de que o adulto que maltrata ‘acronis be Rico # FAerOARS PHOTRCTONES ¥ARA 8 OconRANCIA bE Mavs:TRaros $3. sofe de perturbagdes men comportamento abusivo d is ou pato los maus-tratos infa 20 campo da 1asas da ocorréncia do fenémeno te ponto de vista. O abuso infantil foi considerado como o resultado de pais com perturbagdes do comportamento ou personalidade ‘inton Duarte e Cortés Arboleda, 1997). ‘Convém salientar que actualmente ha varios autores que continuam a estu- a inicialmente, nao para atribuir toda a responsabilidade do comporta- nto abusivo dos pais a tais caracteristicas, mas antes para analisar a interac- transmissio intergeracional dos maus-tratos. A personalidade iras teorias sobre a personalidade postulavam uma relagao entre 0 990, cit. int Cant6n Duarte e Arboleda, 1997}. Hé investigagdes que revelam que alguns pais maltratantes tm diffculdade em controlar os seus impulsos, apres , ‘A depressio, a ansiedade ¢ a angistia tém um efeito negativo em todos «estes estidios, contribuindo para distorcer as tativas dos p: expretagdes, avaliagdes e expec- ‘em relagao i crianga, diminuindo a sua capacidade a informagio e escolher e manter estratégias mais adequadas para lidar com 0 comportamento da mesma. ‘Milner (1993) refere ainda que os pais que maltratam utilizam um «processa- » do comportamento infantil. Trata-se de um processo cogni- iciar-se sem que os pais tenham consciéncia do mesmo, a0 produzit-se a partir de contetidos enraizados na memoria a longo prazo. Tra- jo-se de um processo que exige pouca atengao e uma vez adquirido, & lo ou suprimi-lo. Alcoolismo e toxicodependéncia Vimos ja, quando referimos estudos efectuados em Portugal, como 0 consumo excessivo de alcool pode funcionar como potenciador das situagdes demaus-tratos infantis, Trata-se de uma tendéncia sociocultural que se verifica ialmente na Regio Norte. Porém, no é apenas em Portugal, ica. A telacio entre 0 consumo de alcool ou de as drogas por parte dos pais eo fendmeno dos maus-tratos infantis tem acronis Risco ¥ FACTORIS PROTECTORS TAKA A OORKENCIA DF Maus-Travos $7 vindo a ser estudada, confirmando:se a hipérese de que o consumo destes pro- a 0c0r fe diversos tipos de maus-tratos, sotenciam os comportamentos impulsive sobre 0 euidado proporcionado as criancas por pai -0€ 108 consumidores de stiles hayes 1980 Mayer-Renaud, 1985, cit. in Barudy 1998). Barudy 998) salienta que os resultados desta investigacao ede outras nos demonstram. 1e a toxicodependéncia é um factor que predispde os pais A pritica da ia. Um estudo semelhante foi realizado por Famularo, Kinscherft ¢ jon (1992, cit. in Cantén Duarte e Cortés Arboleda, 1997) sobre a relagao co alcool e 0 consumo de drogas por parte dos pais eos diferentes tipos de aus-tratos que causavam aos filhos. Os resultados deste estudo revelaram sonsumo de alcool isassociado aos maus-tratos fisicos, enquanto sumo de cocaina se relaciona mais com o abuso sexual. Outros estucos revelam que os pais toxicodependentes tém o triplo da probabilidade de atat os seus filhos (Cant6n Duarte e Cortés Arboleda, 1997). Os dados referentes a Portugal so escassos. No entanto Botelho (2000), num artigo publicado no jornal O Piéblico, baseando-se em dados fornecidos Instituto de Medicina Legal do Porto, refere que 0s abusos sexuais a joes sio efectuados, na sua mai lo 34,6% dest registados naquele organismo efectuados pessoas com tencléncias alcodlicas. Transmissao intergeracional do abuso infantil ‘A maioria das investigagées tem vindo a demonstrar que o facto de um individuo ter sido vitima de abuso infa do de tempo mais ‘menos prolongado aumenta a probal iduo se converter em pai maltratante. Conhecido como teori los maus-tratos infantis, este modelo postula que os naus-tratos durante a infincia podem tornar-se, no futuro, pais m: ste porém alguma disparidade entre os resultados das diversas investiga- «es realizadas que se prende com os seguintes aspectos:utilizacao de definicdes metodologias diferentes, idade que tinham os pais quando foram vitimas de maus-tratos e quem foram os autores desses abusos (Langeland e Dijkstra, 1995; 1997). Com efei -tratos, maior ser a taxa de transmissao intergeracional de abuso encontrada. O.uso de diferentes metodologias(estudos prospectivoss estudos retrospectv SOIIRIUINI Eine ual 58 Maus-Taatos A Cuawca ™ o tipo de perguntas e as fontes utilizadas para obtengao de dados in inevitavelmente os resultados. Assim, alguns pais que dizem nao ter so abusos durante a infancia podem ter dificuldade em recordar certos factos negativos ou simplesmente nfo quererem revelar a verdade, ‘A teoria da aprendizagem social sugere que o facto de um sujeito ser vitima efou observador de um comportamento abusivo durante a infancia aumenta a probabilidade de este se converter em pai ou mae abusivo. Assim, as experiéncias infantis de maus-tratos constituirao uma predisposigio para que a relagio com 6s pr6prios filhos se estabeleca com base na imagem de si mesmo como crianca (De Paiile Arruabarrena Madariaga, 1996). A teoria da aprendizagem social tem sido muito relacionada com a transmiss2o intergeracional do abuso, na em que defende que as criangas que sofreram maus-tratos na infaincia idades aprendidas para cuidar dos seus igo fisico como expoente da tinica estratégia aprendida . in De Patil e Arruabarrena Madariaga, 199 Simons ¢ colaboradores (1991, cit. in Cant6n Duarte e Cortés Arboleda, 1997) verificaram que a crenca na legitimidade de uma disciplina dura e 0 facto de ter experimentado esta a quando crianca, pode pot sua utilizagio quando adulto. Por sua vez, as criancas maltratadas tém dificul- dade em controlar as suas emogdes, como por exemplo a agressividade, e em que di acer desses comportamentos(BArudy, gute quatro niveis de experiéncias em torno ema de crengas que cessas mesmas experiéncias: as caréncias relacionadas com a fungio io paterna; perturbagoes. hnadas com a organizagao hierdrquica da familia; perturbacdes nas interacgoes ea familia ¢ 0 meio ambiente, Consideramos que, relativamente & fat outro aspecto que podera interferir na repetigao do ciclo do abu: turbagdes que se verificam na sua organizacdo como sistema, onde cada pel a desempenhar para 0 funcionamento do conjunto. Na destes aspectos é fundamental para uma melhor (0 intergeracional dos maus-tratos. Caréncias relacionadas com a fungao materna Barudy (1998) defende que os pais que tenham sofrido de caréncias maternas spraves durante a sua infancia, causadas pela auséncia da figura materna ou falhas graves na relagio afectiva entre mae e filho, poderao utilizar os seus hos como «objeto de reparago»tentand eazarseaas dese, Ness circunstancias, existe 0 perigo Feal de que «0 adulto possa usurpar ao seu filho p. 79), Estes pais esperam que o filho ou flhos Ihes déem 0 cuidado, amor, respeito e aprovacio que eles pr6prios ndo tiveram na infancia. Esta situagao pode perturbar o processo de diferenciacio e individuagio psicolégica da crianga. O adulto pode apropriar-se do corpo da crianga para obter ternura, contacto emocional ou a auto-afirmacao de que necessita, com 0 risco de rar situagées de erotizacao e sexuali lerdo fazer emergit comportamentos incestu0s0s (i ‘que nuumerosas investigagGes demonstram que muitos pais ince uma grande imarurdade afi, com wn relate nee es. Relativamente ao tipo de pais incestuosos, o autor refere que € comum. Sitontrar seo que efaz da sua fia a mae que ele queria ter ido» (D. Mare 11996, p. 358). Relativamente as mies que se tornam eimplices destes com- portamentos, © mesmo autor defende que estas mies, por sua vez, foram também vitimas de abusos sexuais ou violéncia, delegando no pai determinados cuidados da crianga e, deste modo, «deixam a filha partilhar 0 leito com o pai, tenquanto elas préprias, sob diversos pretextos, dormem num quarto a parte» (ibi 60 Maus-Taavos A Cnuanca ‘Ainda relativamente as caréncias maternas, siio muito importantes os trabalhos de René Spitz (1968, cit. in Marcelli 1996) ¢ John Bowlby (1973, ienta que a caréncia afectiva levar em conta trés dimen- racqao (auséncia da mie) a distoredo (mae caética, eu um modelo sobre 0 comportamento dos bebés apés uma separacio brutal da mae, em que descreve como, apds passar por varias fases, o bebé pode chegar a um grave estado depressive que o autor denomina «depressio anaclitica», a qual, em casos extremos, poders conduzir A morte. Bowlby (1973) estudou igualmente de forma aprofundada a importiin- cia da relacdo afectiva entre a mae e a crianga, descrevendo a ligacio entre as has no processo de vinculagio e perturbagdes que ocorrem em fases poste: riores. Relativamente a separacdo mie-filho, este autor descreve trés fases de reaccio: fase de protesto (expressio de dor e sofrimento); fase de desespero (manifestagio da depressao); fase do desapego {mecanismo psiquico de defesa) ‘em que a crianca deixa de protestar e se torna passiva. Bowlby (1973) defende ‘que qualquer perturbacio no vinculo inicial da crianga a mie vai tornar a ‘pessoa mais insegura na sua emotividade na vida futura. Estas teorias vieram a ter uma grande influéncia, sendo actualmente unnime 4 aceitagao da importéncia de uma vinculagio segura para o desenvolvimento da crianga. Ha estudos que demonstraram, no entanto, que a figura de vin- da crianga nao tem de ser forcosamente a mie, podendo esta ser da por outra pessoa que cuide dela ¢ the proporcione um vinculo de dade. Os estados de Harlow (1958, 1981, leitman 1993), ‘efectuados com bebés e crias de macacos, demonstram que esta vinculagio no é provocada pelo facto dea mae os alimentar, mas porque é sentida como fonte de conforto. Esta fungio nao tem de ser exercida necessariamente pela mnie biol6gica, O importante é que a crianga encontre alguém que Ihe proporcione a intimidade, o conforto e a seguranca de que necessita para uma vinculagao segura Lopes (1996) salienta a importancia das fungées materna ¢ paterna no sso le desenvolvimento de uma crianga ena estraturagao do seu aparelho jomeadamente nos processos de identificagao e diferenciagio. Para jor a fung3o materna é fundamental no processo de estimulagio ica indispensével & formagao do Eu, da qual dependerio, entre outros portantes aspectos, as competéncias de autonomia pessoal e a sensibilidade as relagdes interpessoais, que terdo, necessariamente, um impacte no estilo posterior. ‘Pactonts ne Kisco F Factones Provrcronts Pana 4 Oconntnets ox Maus-Tuatos 61 Caréncias relacionadas com a fungao paterna 6 considerado fundamental no estabelecimento de uma inca, a sua vida emocional nao é exclusivamente pode causar profundas deficiéncias no que io de um modelo de autoridade parental gura paterna, Com efeito, z respeito & transmissio e integr: ido apenas a ver com a au ramos muitas vezes com a presenca nas familias de pais débeis ou com de competéncias, que no conseguem transmitir um modelo de comporta~ ‘mento suficientemente claro ou forte. Os individuos que na infancia viveram estes ambientes familiares, quando se tornam pais adoptam atitudes extremas da violencia, mas mais 0 meio através do qual os pais «ajustam as suas is» com os seus proprios pais (ibid. Relativamente & fungao paterna, Lopes (1996) refere que existem factores ie interferem no desenvolvimento harmonioso do individuo, salientando 0 lema das perturbagdes das identificagBes, nomeadamente com a figura na. A identificacdo é entendida como «0 processo psicolégico pelo qual la um aspecto, uma propriedade ou um atributo de outro 1u parcialmente segundo o modelo daquele» (Laplanche Lopes, 1996, p. 150). Deste modo, a auséncia da figura paterna ou a presenga de um pai que nao seja capaz de transmitir um modelo firme, seguro e coerente, provocaré perturbagdes ou lacunas no provesso de identificagao da crianga com a figura masculina. Porém, a semelhanga do que defende Barudy (1998), também Lopes (1996) salienta o problema dos pais ‘que, sestando legalmente casados esto, no entanto, separados elon divorciados cemocional e afectivamente» (Lopes, 1996, p. 150). Relativamente a este pro- , cada vez mais presente nos tempos actuais, destacamos as palavras de 1996) que, pela sua profundidade, consideramos dignas de reflexto. Refe- ndo-se a solidao sentida por muitas eriangas o autor argumenta: publicamente as suas habilidades. Foi 0 caso, por exemplo, da pequena ginasta romena Nadia Comannecci referida por Oliveira (1998), que encantou 0 mundo durante a realizagio de um dos Jogos Olimpicos. Mais tarde veio a saber-se, refere 0 autor, que a pequena ginasta (pequena em estatura) estivera sujeita a condigdes que a impediram de crescer e vivera num regime ‘autenticamente espartano» sem o direito de brincar ou conviver com outras criangas. O autor refere ainda que sob o slogan do «small is beautiful», esta ctianca servi de propaganda a0 Governo do seu pais. ‘Contudo, a naturalidade com que as «proezas» destes pequenos hersis S40 apresentadas pelos meios de comunicagio social permitem um «encapotar> 74 Maus-TRavos Cuawen da situagao, tornando-se dificil para o observador comum ou menos atento classificé-las como formas de maus-tratos. Estas situagGes vao ocorren pouco por todo o lado, de forma mais ou menos general de nds e revestindo-se ou nio de outros contornos, as criancas si0 também. idas para satisfazer as ambigdes dos adultos com os mais variados fins, pois, como refere Oliveira (1998), «todos os portugueses conhecem o Sail que canta com ar “malandreco” umas cangdes ordinaratas cheias de sucesso, Aos 10 anos sonha com um Lamborghini! E j4 ganhou dinheiro suficiente para os pais trocarem a roulotte por uma mansio» (Oliveira, 1998, p. 24). O drama destas criangas é que nao sao investidas nem amadas pelo que so, mas sim pelo que so capazes de fazer. Isto pode conduzir a uma iluséria € temporiria «felicidade» pois, tal como defende tem que tocam fica |] mas tudo isto nao Ihes serve de nada. Por detris de tuco isso espreita a depressio, a sensacio de vazio, do alienamento de si proprios». O mais grave, continua a autora, acontecers quando falha esta «droga da grandiosidade», logo que saiam dos tops. aspecto caracteristico da actual sociedade de consumo que pode léncia na sociedade, e consequentemente 0s maus-tratos is criangas, te valorizacio dos meios audiovisuais, nomeadamente a televisio, € dos jogos de computador. Biscaia e Neg ), referindo-se a televisio, argumentam que «as imagens de d io e de guerra sio permanentes ¢ no na televisio so ferozes e destruidores implacé- lo como exemplo «os jogos de computadores onde se ctiangas» (ibid). Sabe-se, por exemplo, que nalguns jogos de computadores s¢ ganham mais pontos quando se «matam» gravidas ¢ idosos. A maioria das, vvezes estes jogos sio oferecidos pelos proprios pais que ignoram completamente ‘o conterido dos mesmos. Trata-se, mais uma vez, de uma sociedade de consumo que tem como objec- tivo imediato e, muitas vezes lucro, em que aqueles que s6 visam 0 lucro com a venda de jogos ou aumento das audiéncias nao conseguem «perce- ber que o lucro imediato acaba por ser efémero e nao reprodutivo pela reacco icabard por provocar» (bid.). Trata-se ante, tanto mais que uma boa parte dos pais ~ cada vez mais, ‘ocupados a nivel profissional , nao tendo tempo ou paciéneia para darem atengio aos flhos, Ihes facultam ou estimulam 0 acesso a estes habitos, com a agravante de ignorarem ou negligenciarem o que os seus filhos véem ou jogam. ‘No que concerne os possives efeitos nocivos de certos programas da televisdo sobre © comportamento das criangas, consideramos tratar-se de um assunto ‘onde se deverdio conjugar varios aspectos como, por exemplo, o tempo que std exposta 8 observacio desses mesmos programas, a idade da iF em que vive, as oportunidades para se discutir os Provacronts raKa « Oconninets om MauseTwatos 75 programas com os adultos, ete. Com efeito, Giddens (1997), referindo-se aos geral de atitudes em que ela é apresentada e idens, 1997, p. 533). Isto leva a crer que o efeito da violéncia de certos sramas sera mais grave em criangas que vivam em contextos fai jolentos do que em criancas inseridas em ambientes familiares nao violentos. Outros autores, como Norman e Richard Sprinthall (1993), relacionam a icia_de certos programas televisivos com a agressividade has criangas eadolescentes, Estudos revistos por estes autores tém demonstrado que ha uma relagdo entre a observagiio da na televisio ea manifestagio 9, ou seja, nao se ‘05 rapazes mais agressivos, ou se sera essa agressividade dos rapazes que os leva a escolher programas mais, autores concluem que «a violéncia na televisdo pode ter um possivel efeito catirtico nos rapazes, reorientando a sua ageessividade por forma a agtessividade declarada» (Sprinthall ¢ Sprinthall, 1993, p. 487). Com efeito, segundo estes autores, os resultados demonstraram que 0s rapazes que cobservaram programas mais violentos expressaram mais agressividade latente, enquanto os rapazes que observaram pr. sta, Ainda com base no estudo de inthall e Sprinthall (1993) referem que a vi pode desencadear mais respostas agressivas do que a violencia observada nos programas de fic¢ao. Contudo, no que coneerne as eriangas, esta leitura te cuidado uma vez que a idade é uma feracao. Uma crianga muito pequena nao cia real e violéncia de ficgo ou fantasia podendo, deste ‘modo, sofrer influéncias quer de um quer do outro tipo de programas. Como sabemos ha muitos smas de ficgio, nomeadamente alguns desenhos animados, onde a vi € bem patente. Tal como Sprinthall e Sprinthall (1993) também nés concluimos que nao se poderd afastar por completo a hip6rese de a rlevisio causar efeitos sobre o comportamento das pessoas pois, se assim fosse, os pul jos ndo investiriam fortunas neste campo. Os imaleficios da violencia televisiva so, obviamente, muito mais graves para as criangas tornando-se indispensdvel uma permanente e atenta orientacio por parte dos pais, o que, na maioria dos casos, nao se vei Sao varios os autores que questionam os m: logias de informagio podem eausar As petigos das novas tecnologias, Sousa (1995) salienta que nos tempos actuais a crianga aprende a viver sozinha, socializando-se através das imagens que a

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