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JORGE VALA + MARIA BENEDICTA MONTEIRO COORDENADORES PSICOLOGIA SOCIAL 9." Edigio Revista e Actualizada 2045/82 é. FUNDAGAO CALOUSTE GULBENKIAN 5b) Se € justo reconhecer a utilidade dos dados que Asch recolheu nas entrevistas pds-experimentais, niio € menos justo criticar a forma como o autor, iniimeras vezes, usou esses dados como substitu Go de uma teoria. Por exemplo, & duvi- doso que dizer “quando 0 aliado, a meio da série de julgamentos, adere & norma grupal, 0 conformismo restabelece-se porque 0 sujeito critica se sente traido”, adiante o que quer que seja Aquilo que ja est presente nos resultados das. entre- vistas. Parece, portanto, que, algumas vezes, 0 autor usou as entrevistas como explicagio dos julgamentos. Ora 0 que teria sido bem mais frutuoso seria o desenvolvimento de uma teoria que expli- casse, tanto 0 padrio dos julgamentos efectuados, como os resultados das entre- vistas pés-experimentais. Tal, em muitos aspectos, deixou Asch por fazer 4, Orespeitinho € muito bonito: as experiéncias de Milgram 4.1. Introdugio Stanley Milgram pretendeu estudar em laboratério d fenémeno da obediéncia social) Mais especificamente, até onde & capaz de ir uma pessoa comum que se limita a obedecer a ouirem. Fora da propria psicologia social, as expe- riéncias de Milgram foram, certamente, entre as mais amplamente discutidas. Foram discutidas 211 com igrejas © associagées civieas, na comuni- cago social e em intimetos livros dirigidos ao grande piblico. As filmagens da experiencia foram dos mais vendidos filmes da psicologia cientifica e até surgiram excertos delas em filmes de Hollywood. Porqué este tio grande sucesso?” Por varias razdes. Por um lado, porque sio surpreendentes e até assustadoras. Por outro, porque, superficialmente, parecem compardveis ‘a acontecimentos terriveis da historia recente da humanidade. E, finalmente, porque calham as mil maravithas as teses do nosso famigerado sonambulismo. priprio Stanley Milgram no pareceu muito longe desta perspectiva ao filiar 0 seu proprio interesse pelo estudo da obediéncia na atengio que a psicologia social clinica deu aos fendmenos da sugestao (Milgram, 1963). Seja como for, Milgram (1963, 1965a, 1974) explicou claramente os objectivos dos seus estudos e é com uma referéncia a estes que terminaremos este subeapitulo, Segundo 0 autor, a obediéneia é um fend- meno tanto_comum como itil das_sociedades humanas. Fenémeno itil porque garante 0 fun- cionamento rapido e eficaz das. nossas com- plexas estruturas sociais. Mas a obediéncia também representa um perigo para a democra- ticidade © humanidade da nossa civilizagio. Quantos crimes, massacres, perseguigdes foram realizados por pessoas comuns que obedeciam a ordens? Vejam-se os recentes exemplos das sevicias praticadas em Guantanamo, das limpe- zas étnicas na Somalia ou no Kosovo, sempre as ordens de quem de direito. Milgram pretendeu estudar em laboratério até onde sio capazes de ir pessoas normais que se limitam a obedecer. © Recentemente foi adaptado ao formato de concurso televisive. Ver, por exemplo, wwi-youtube.com/watch? v=GLiSbZPXLGU e Beawvois, Courbet © Ober (n0 pre). 278 Mas antes de descrever estes estudos, con- viri ter presente a definigZo que Milgram fornece do conceito de obediéncia: “Se y segue ‘© mandamento de x, diz-se que y obedeceu a x. Se y o nfo fizer, diremos que ele desobedeceu a x. Os termos obedecer © desobedecer, como foram usados nestes estudos, referem-se apenas a acgdes manifestas do sujeito, € no contém qualquer implicago sobre as razSes ou estados experienciais que acompanhem a accao."” Assim podemos, sem divida, considerar a “obe- digncia” como uma manifestagio da influéneia 4.2. sitwagdo experimental de Milgram O paradigma experimental de Milgram consis- tia muma suposta tarefa de aprendizagem para estudar os efeitos da punigéo. Os participantes desempenhavam 0 papel de “professores” e deviam adminisirar um choque eléctrico de inten- sidade crescente sempre que um “aprendiz” (comparsa do experimentador) dava wna resposia errada, Qual a intensidade méxima de choques eléctricos que estaria disposto a administra? ‘No estudo original (Milgram, 1963) parti- ciparam quarenta participantes com idades compreendidas entre os vinte © os cinquenta ‘anos, que se apresentaram em resposta a um amincio no jornal. As suas profissdes iam desde carteiro ¢ professor liceal até ao engenheiro ¢ vendedor. A experiéneia decorreu na Univer sidade de Yale, nos BUA, num moderno laboratério. Uma vez ai chegados, 0 sujeito critico e uma “vitima” (um comparsa do experi- mentador) recebiam a seguinte explicagao: “Presentemente sabemos muito pouco acerca do efeito da punigio na aprendizagem, por se niio terem realizado praticamente nenhuns estu- dos verdadeiramente cientificos com parti cipantes humanos. Por exemplo, no sabemos, ‘que quantidade de punigio é mais benéfica para ‘a aprendizagem ~ e também no sabemos que importincia tem o tipo de pessoa que pune, se um adulto aprende melhor com alguém mais novo ou mais velho do que ele ~e muitas outras coisas do género, Por isso, neste estudo, estamos a juntar uma série de adultos com diferentes ocupagées ¢ idades, e estamos a pedir a alguns deles que sejam professores © a outros que sejam aprendizes. Queremos saber que efeito pessoas diferentes tém umas nas outras, enquanto professores e aprendizes, € qual é 0 efeito que a ‘punigdo teré nesta situago. Portanto, peditei a ‘um de vés para ser ‘professor’ e a outro para ser ‘aprendiz’. Alguém tem alguma preferéncia?” sujeito critico eo comparsa tiravam a sorte quem seria o qué, € a0 primeiro “calhava” sempre ser professor, Imediatamente a seguir a0 “sorteio”, ambos os participantes eram levados para uma sala contigua e o aprendiz era atado a uma “cadeira eléetrica” — as correias eram. |justificadas pela necessidade de 0 “aprendiz” se ‘no mover demasiado enquanto the fossem admi- nistrados os choques eléctricos. Um eléctrodo cra preso a um pulso do “aprendiz” ¢ outro ligado a um gerador situado numa sala adjacente (ver Figura 7). Para aumentar a credibilidade da * Convenhamos que esta definiglo se afasta muito pouco do significado da palavra obedincia. E onde se afasta € na simplificagdo que introduz. Assim, ndo deixa de ser absurdo considerar que alguém que ndo voe, apesar de outrem a iso o exorta,esteja 8 “desobedecer”, ou que alyuém a quem se mande respiraresteja a “obedever” quando respira. No entanto, cesta falha conceptual ndo toraa mais dificil a comproensio dos trabalhos que iremos discutir — _—_ 279 FicuRA 7 Fotografias do filme Obedience (Milgram, 1963) 4) Gerador da experiéncia de Milgram. Quinze dos trinta interruptores jétinham sido ligados. 1b) O “aprendiz" é amarrado dcadeira. 1) O sujeito critico recebe um pequeno choque para ‘aumentar a credibilidade da encenagiio experimental 4) Osujeito crtico recusa-se a continuar. (Fone: Roger Brown, Social Pycholog, 1968). 280 situagio, 0 experimentador respondia a uma pergunta feita pelo “aprendiz”, afirmando que “embora os choques possam ser extremamente dolorosos, no iro causar danos permanentes nos tecidos epidérmicos” ‘A tarefa de aprendizagem mais frequen- temente utilizada consistia na memorizagdo de pares associados de palavras. © “professor” lia alto uma lista de pares de palavras e depois Tia a primeira palavra de cada par, juntamente com quatro alternativas. O “aprendiz” tinha de Iher aquela alternativa que tivesse sido previa- ‘mente emparethada com a palavra respectiva ~0 “aprendiz” fazia isso carregando num de quatro interruptores que acendiam diferentes Iuzes muma “eaixa de resposta” situada na parte superior do gerador de chogues. (© gerador dispunha de um painel instru- ‘mental com trinta interruptores numerados de quinze a quatrocentos volts ¢ com etiquetas apropriadas que iam desde “choque ligeiro” até “perigo: chogue severo” 420 volts. Os interrup- fores numerados com 435 e 450 volts continham etiquetas dizendo apenas “XXX”, Quando um interruptor era accionado, acendia-se uma luz-piloto, ouvia-se um zumbido eléctrico © um voltimetro marcava a intensidade do choque. Cada “professor” era submetido a um choque de 45 volts “para testar 0 gerador”. © experimentador explicava a0 “professor” que este deveria administrar um choque 20 “aprendiz” sempre que este desse uma resposta crrada, aumentando a intensidade em quinze volts por cada novo erro, Era ainda pedido que, antes de administrar 0 chogue, corrigisse 0 erro do “aprendiz” ¢ anunciasse em voz alta a sua voltagem, sujeito critico eo experimentador encon- tram-se numa sala contigua a do comparsa pres -adeira eléetrica” e o “aprendiz” pode owvit ‘0 “professor” através de um altifalante, embora O° —eEEE————eee_eeeeeet—te s6 possa emitir as suas respostas a partir dos interruptores que acendem as luzes no painel de ‘comando situado no cimo do gerador. Depois de dez ensaios-treino (onde se nunca ultrapassavam os 110 volts), a verdadeira exp rigneia comegava. Ah, ¢ é verdade, leitor, o gera~ dor era falso ~ 0 ‘inico choque que era capaz de administrar era o de 45 volts! No decorrer da experiéncia alguns elementos cram constantes 4) As respostas da vitima ~ “aprendiz” (que cometia um tergo de err0s); ') As reacgbes da vitima ~ até aos trezentos volts no reagia, aos trezentos volts batia audivelmente na parede com a mio livre ¢ a partir dai nao surgiam mais respostas sinalizadas na “eaixa de respostas”, Nessa alture sujeito critico que deveria considerar a auséncia de respostas como um erro; ¢) Em varios momentos no decorrer da expe- riéncia era natural que © sujeito critico protestasse ou se aconselhasse com © expe- rimentador. Cada vez que isso acontecia, 6 experimentador realizava uma de uma série de incitamentos-padrdo que cram feitos na seguinte ordem: “Por favor continue”, “a experineia requer que con- tinue”, “6 absolutamente essencial que continue”, “nio tem alternativa, fem de continuar”. Se, apés estes quatro incita- mentos, 0 sujeito critico se recusasse a continuar, a experiéncia terminaria; d) Se 0 sujeito critico dissesse que 0 “aprendiz” no queria continuar, 0 expe rimentador respondia: “Queira ou no, voeé tem de continuar até que ele aprenda todas as palavras correctamente” (e depois, seguiam-se, se necessirio, os quatro incitamentos-padrao); © experimentador indicava a0 sid cri “Til en te se —— ©) Se © sujeito critico perguntasse quem assumia a responsabilidade pelas eventuais consequéncias nocivas dos choques, 0 experimentador responderia que ele. expe responsabilidade. mentador, assumia inteiramente a A principal varidvel dependente era a inten- sidade maxima dos choques que cada sujeito critico administrava, A situagdo era gravada on filmada e, posteriormente, o sujeito critico era entrevistado. Finalmente, era-lhe explicado 0 teor da situagdo em que tinha participado ¢ os seus objectivos. Quapro VIII Distribuigio da intensidade de choque a partir da qual os participantes se recusam a continuar a experiéneia (Milgram, 1963) [Namero de sueitos ieee eset acer an [aa Seer catl mere eetoeaw || iim] 6 Gotsme | asi | 8 Gobeiate™ | Asa | 8 | 30} 5 capes eel 38 ; : Pee lr ze ron sco ees ro0. re 0 & | & 281 Resultados (intensidade dos choques) Bom, leitor, até onde é que acha que iria na intensidade dos choques? Se as suas intuigdes foram idénticas as de duas amostras de parti antes a quem se pediu a mesma previsio, 0 leitor ted pensado em 150 volts, talvez um , mas nunca ultrapassard os trezentos pouco mai volts na sua previsio. E, de facto, uma amostra de quarenta qualificados psiquiatras concordou com tal previsio, considerando que o nimmero de pessoas dispostas a chegar aos 450 volts nio visto ser essa a ultrapassaria os 0,2 por cento percentage média de psicopatas na populacao. E a realidade qual foi? A realidade foi bem diferente! Consultemos © Quadro VIL. Nada menos nada mais do que 26 dos quarenta participantes criticos foram até Figura 8 © comportamento predito pelos psiquiatras © 0 obtido nas experiéncias (Milgram, 1963) # q — Gl g 4 8 a imtcosidne ctesonte Gnu de chogue 282 ‘a0 maximo do choques e 35 dos quarenta ultra~ ;passou os trezentos volts! Surpreendente, nio €? Para vermos até que ponto 0 ¢, consulte-se a Figura 8. Resultados (entrevista e observagéio) Os resultados das entrevistas confirmaram que os participantes criticos nao se aperceberam. do teor da simulagdo envolvida. Mas, mais importante do que isso, demonstraram que os participantes viveram a situago num estado de extrema tenstio ~ tal 6, de resto, evidente nas varias filmagens das experiéncias de Milgram. Mais coneretamente, os participantes nesta experiéncia suavam, tremiam, riam nervosa- ‘mente, mordiam os labios e murmuravam conti- nuamente, Muitas vezes diziam que tinham de para... ¢ continuavam. 43, Variagies experimentais A partir desta situagzo de base, Milgram realizou diversas replicages ¢ variagbes experi- mentais (Milgram, 1965a, 1965b, 1974), algumas das quais iremos referir sucintamente. 4) A proximidade da “vitima” Milgram fez variar 0 grau de contacto do sujeito critico com a vitima, A situagdo que acima discutimos serviu de condigio de con- acto remoto, sendo acrescentadas trés novas condigées. A saber: condigdo voz audivel ~ a vvitima fazia-se ouvir, protestando com veemén- cia erescente dos 150 aos trezentos volts, a partir dai tudo decorria como na primeira condigio; condic&o proximidade — esta condigdo diferia da anterior apenas na medida em que vitima ¢ sujeito critico eram colocados na mesma sala, ppassando a vitima a ser, além de audivel, também vvisivel; condigiio proximidade contacto — nesta condigdo a vitima s6 recebia o choque se colo- ccasse a mao “numa placa de choque”; como este se recusasse a fazé-lo a partit dos 150 volts, 0 sujeito critico tinha de forgar a mao da vitima a colocar-se sobre a placa. 5 resultados mostraram que a manipulagio da mencionada varidvel “proximidade” teve um feito impressionante. A obediéncia decresceu substancialmente 4 medida que a proximidade aumentou (ver Figura 9). b)A proximidade da autoridade Se a proximidade da vitima fez diminuir a obediéncia, a proximidade da autoridade talvez devesse faré-la aumentar. E foi isso mesmo que Miler exper variav sentay estes versit tivest cette ———————EEEEE——————_—S=SNe Milgram (1965a) verificou numa nova variagao experimental. As condigies desta experiencia variavam da seguinte forma: o experimentador sentava-se perto do sujeito critico (condigao um), © experimentador, depois de dadas as instrugées, ausentava-se © comunicava com 0 sujeito critico apenas pelo telefone (condigao dois), o experimentador nunca aparecia na situa- do ~ as instrugdes eram fornecidas por uma gravagio (condigdo trés). Os resultados mostra- ram existir uma fortissiina relagao positiva entre proximidade da autoridade e os niveis de obedién- cia alcancados ©) O prestigio da autoridade Um factor que poderia ter contribuido para estes resultados ¢ 0 prestigio de que a Uni- versidade de Yale dispOe nos EUA. Se assim tivesse sido, a replic laboratério de menor prestigio deveria, com certeza, atenuar o grau de obediéne ficado. Milgram (1965a) testou esta hipdtese num “laboratério” com aspecto velho e deslei- xado, situado num edificio normal do centro da cidade de Bridgeport, em nome de uma orga- nizagiio desconhecida: a Research Associates of Bridgeport. Os resultados foram novamente surpreendentes, na medida em que no demons- traram nenhuma apreciavel redugao do grau de obediéncia. E, no entanto, muitos participantes revelaram, nas entrevistas pés-experimentais, ter grandes diividas sobre a credibilidade da tal Research Associates of Bridgeport. Jo desta experiéneia num veri- 4) A influéncia dos outros e 0 peso do apoio social para a desobediéncia Milgram (1965b) realizou ainda outras varia Bes, em que foram introduzidos novos part 283 cipantes (comparsas do experimentador). Numa experiéncia, a sesso de aprendizagem com- preendia trés “profe era “critico”. A meio da experiéneia, os doi “professores” comparsas do experimentador recusavam-se a continuar a administragao dos choques. Mais de 90 por cento dos participantes criticos o fez também (Milgram, 1965b). Noutra experigncia, idéntica & anterior, os comparsas continuavam obedientemente a seguir as instru- ‘G6es até aos 450 volts (Milgram, 1965b). A obe- digncia aumentou apenas muito ligeiramente. Portanto, a influéncia dos outros foi mais eficaz na facilitag3o da desobediéneia do que mogio da obediéncia, Note-se, mais uma vez, 0 impacto “libertador” do apoio social sores” — destes, apenas um. eA consisténcia da autoridade Noutras experiéneias, Milgram (1974) fez, ‘num caso, com que o sujeito critico tasse com dois experimentadores com opinides divergentes sobre a continuagio da adminis- tragdo dos choques; noutro, as fungGes do expe- rimentador foram delegadas num sujeito (com- parsa do experimentador). Em ambos os casos, 0 nivel de obediéneia baixou ‘onfion- 44, Conclusio Fessoas comuns, em condigdes particulares podem ser levadas a cometer actos objecti ‘mente cruéis, No entanto, ndo & claro quais so estas condi¢des que permitem a generalizagiio dos resultados de Milgram. Por outro lado, diversos contextos (e.g., apoio social para a desobediéncia) parecem potenciar a desobedién- cia conscenciosa mesmo neste paradigma experimental 284 E provavelmente facil de compreender 0 éxito “mundano” dos trabalhos de Stanley Milgram sobre a obediéncia. So impressio- nantes, inesperados, com consequéncias éticas cevidentes, reveladores de algo sobre a “natureza humana” de uma analogia, em que 0 outro se chama “nazismo”, sfio assustadores. Mas 0 que exactamente nos é dito por estes resultados? O proprio Milgram nos assevera que “uma proporedo substancial de pessoas faz 0 que Thes mandam, qualquer que seja 0 contetido do acto ¢ sem entraves de consciéncia, desde que considerem 0 comando como emitido por uma autoridade legitima” (Milgram, 1965a, p. 75). A chave destes resultados seria, para 0 autor, 0 facto de os participantes disporem de uma autoridade que se responsabiliza pelas con- sequéncias do seu comportamento, sentindo-se estes. “desresponsabilizados”. Milgram con- fessa-se perturbado com o que as suas experién- cias indicam estar ao aleance de um agente social, ou instituigdo, investido de autoridade, Resumindo: “Estes resultados levantam a possi- bilidade de que a natureza humana, ou mais especificamente o tipo de personalidades pro- duzido na democrética sociedade americana, ndo possa imunizar os seus cidadéos da bruta- lidade e do tratamento desumano sob a direcco de uma autoridade malévola” (Milgram, 1965a, p. 75). E 0 homem social como uma Bela Adormecida continua sonambulamente & espera © em vio, do beijo do Principe Tebrico que 0 desperte. Poderemos subscrever com confianga a inter- pretagio que Milgram faz dos seus resultados? Dificilmente... Isto por trés motivos basicos: Em primeiro lugar, a interpretag3o acima esbogada envolve uma aprecivel generalizagio e se 0S usarmos como um dos termos dos resultados de um conjunto de experiéncias para a realidade social. Tal genetalizagao envolve um sem-mimero de inedgnitas e é, por isso, altamente discutivel que se possa aceitar 0 laboratério como um modelo do mundo social (Turner, 1981). A generalizagdo dos resultados de uma experiéneia tem de ser mediada teotica- mente caso contritio, & impossivel seleccionar aquelas que, das inimeras diferengas que existem entre uma dada situagdo de laboratorio e uma dada situagdo natural, condicionamento de tal generalizagao. Ora, neste caso, a posigdo teérica do autor é tio vaga que qualquer generalizagao feita a partir dela sera de validade indeterminavel. Em segundo lugar, Milgram afirma que uma autoridade, desde que possa ser considerada como legitima, pode induzir obediéneia qual- quer que seja 0 contetido do acto em causa. Isto 6 relativamente paradoxal, na medida em que uma autoridade legitima exerce-se tipica- mente dentro de uma Area mais ou menos restrita de competéncia. Um policia agira na sua area de competéncia se nos mandar sair de um local de estacionamento proibido, mas, pelo contrario, exorbitard essa competéncia se nos mandar tomar um antibiético de oito em ito horas durante dez dias. & provavel que obedecesse no primeiro caso (mesmo que no vvisse nenhum sinal de estacionamento proibido) e desobedecesse no segundo, Eos participantes de Milgram? Bom, &, na verdade, espantoso que estejam dispostos a cumprir determinagées que podem, aparentemente, por em perigo a vida de outrem, Mas é muito duvidoso que estejam dispostos a obedecer “qualquer que seja o contetido do acto”. Nao é muito crivel que, se 0 cexperimentador os mandasse pegar numa pistola matar o amante da mulher, eles prontamente obedece dade—« num dificil 5 ratorio semelh num di pante riénei instr obedecessem'. De notar que, neste caso, a autori- dade ~ 0 experimentador—exerce a sua autoridade num dominio de delimitagdo particularmente © labo- dificil para os participantes em causa rat6rio (ver Darley, 1995, para uma interpretagio semelhante da situagdo de Milgram). Quer dizer, ‘num dominio em que o seu grau de experiéncia anterior € minimo ~ consequentemente minima seri também a sua capacidade de apreensio das caracteristicas bisicas dessa situagiio, E duvidoso que se atinjam, em condigdes menos incomuns, sem coerviio, 0s niveis dramiticos de obedincia aqui verificados. Em terceiro ¢ tiltimo lugar, notemos que explicago em termos de um sentimento de des- responsabilizagio experimentado pelos partici- antes nio & satisfatéria, Isto porque na expe rigneia em que 0 experimentador fornecia as instrugtes pelo telefone (responsabilizando:se na mesma por todas as consequéncias), a obedién- cia baixou consideravelmente. Que coneluir enti destes estudos? Conser- vemos, sem diivida, a demonstragiio de que individuos normais em condigdes particulares so capazes de actos objectivamente cruéis e desuma- nos. Mas néio esquecamos também como, noutras condigées, em especial quando dispdem de apoio social para a desobediéncia (ver ponto 4.3), os ‘mesmos individuos s3o capazes de consciencios mente desobedecer (ver Brown, 1986; Gamson, Fireman, ¢ Rytina, 1982). Seja como for, nao parece, mais uma vez, que o sonambulismo capaz de, na sua simplicidade, fornecer uma adequada explicagio para estes resultados. 285 5.1. Introdugio Serge Moscovici é 0 primeiro a defender explicitamente que a influéncia social néo se esgota no conformismo do individuo em relagio @ um grupo maioritirio, mas pode envolver igualmente Inovagao, ou seja, a mudanga da ‘maioria como resultado da influéncia de uma minoria consistente. 0 Conformismo esta subjacente um processo psicossocial de Com- aragiio com a maioria e de aceitagao publica do comportamento desta; Inovagao esta subja- cente um processo de validagdo do julgamento da minoria e de aceitagéo privada (ou latente) do julgamento desta. Até agora temos discutido situagdes em que um sujeito exposto a um emissor de influéncia (grupo, autoridade, etc.) se confronta com duas alternativas: manter a independéncia ou confor- mar-se. Mas serd que, na realidade, 0 alvo da influéncia social s6 dispoe destas alternativas de acgio? A ser assim, as questdes de saber porque E que, e como é que, os grupos humanos mudam parece surgir como mistérios de dificil solugao. Mas talvez nio sejam a manutengao da inde- pendéneia ¢ o conformismo as tinicas alterna- tivas para a acgao... Pelo menos em certas con- digdes parece concebivel que o alvo da influéncia considere uma terceira alterativa: justamente a tentativa de fazer 0 grupo mudar. * Vem a propesito,o episdtio ocorrido com um jovem assstente de Charcot (neurologistafaneds ¢ grande pionsiro ‘ho estudo do hipnotismo), que, aproveitando-se da auséneia do meste, pretendeu indir hipnoticamente uma paciente a espir-se em pliblico, Tudo © que conseguin, contudo, foi um bom par de estalos! Como Charcot Ihe explicou Posteriormente 0 seu erro tinha sido o de ndo fer sugerido um context onde tira as roupas fosse natura Até mesmo 0 Poder da sugestio hipndtica nlo parece exercer-se sem restigBes de conteldo,

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