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CAPITULO 1 5.11 Ptolomeu e o Sistema Geocéntrico Claudius Ptolomeu (110-170 d.C.) nasceu provavelmente no Alto Egito, vivendo praticamente quase toda sua vida em Alexandria. A sua grande obra, o Almagest (cujo titulo original era He Magiste Sintaxys, em grego, A Maior Compilacao), que os arabes chamaram de Al Majisti que, posteriormen- te, deu a corruptela Almagest, tornou-se a base da Astronomia-Matematica até 0 século XVII, sendo usada, inclusive, por astrénomos do porte de um Copérnico ou de um Kepler. Fig. 18 -Ptolomeu. Ptolomeu apresentou uma descrigéo matematica detalhada dos movimentos do Sol e da Lua, sendo capaz de prever, precisamente, as datas de futuros eclipses tanto solares quanto lunares. Quanto aos cinco planetas conhecidos na época, Ptolomeu in- troduziu poderosos artificios geométricos, como os do excéntrico, do epiciclo e do deferente, inventados por Apolénio. Em sua teoria lunar, Ptolomeu utilizou dois epiciclos e, quando tratou dos planetas, teve que descrever seus complexos movimentos de paradas, lagadas e retrocessos, in- ventando 0 elegante artificio do equante que era um ponto adicional, em torno do qual o movimento circular era uni- forme, mas que nao era 0 ponto central do deferente, nem o centro da Terra. Na verdade, 0 que Ptolomeu conseguiu, em uma linguagem atual, foi atribuir aos planetas érbitas elipticas, tendo a Terra como foco, sem contudo deixar de usar Epiciclo / Qoen te é fy ‘ 4 7 Fig. 19 - Diagrama de um movimento o circulo como figura basica (Fig. 19) eliptico gerado por movimentos circulares, Ateoria de Ptolomeu era totalmente coerente com a Mecanica de Arist6teles e baseava-se apenas na hip6tese geocéntrica/geoestatica e na descrig&o de todos os movimentos dos corpos celestes, como uma super- posigao de movimentos circulares de varios centros, raios e velocidades. 69 ORIGENS E EVOLUGAO DAS IDEIAS DA FISTCA Hoje sabemos que qualquer orbita periddica, plana e fechada pode realmente ser descrita como uma superposicao de movimentos circula- res, pois, de acordo com 0 teorema de Fourier, uma fungao periddica pode ser representada como uma série de senoides convenientemente escolhida. Como o movimento circular uniforme tem como projecao o movimento harménico simples, isto é, senoidal, concluimos que 0 modelo de Ptolomeu era matematicamente correto, embora ele tenha chegado a este procedimento por argumentos puramente estético-filos6ficos que alcavam 0 circulo 4 condigéo de figura de maxima perfeicao. Para modificar-se o sistema ptolomaico, era imperioso mudar toda a Mecanica aristotélica, faganha que nao foi conseguida antes de Newton, 16 séculos depoi: colocando a origem no Sol, produzindo um sistema mais Copérnico modificou a cinematica dos movimentos, imples e re- volucionando a Filosofia e a Religiao, mas seu sistema nao respondia a questoes basicas de como 08 corpos pesados caem em diregao da Terra e nao do Sol. Copérnico também nao soube explicar, convincentemente, o porqué de objetos atirados para cima voltarem as nossas maos, mesmo com o deslocamento da Terra, pois isto s6 foi devidamente esclarecido coma completa formulagao do principio de inércia contida na Primeira Lei de Newton. Kepler dessacralizou o circulo e a musica das esferas, introduzindo a clipse ea lei que relaciona raios e periodos. Galileu intuiu o principio de inércia e demoliu a lei aristotélica de que corpos mais pesados caem mais rapidamente. Mas 0 sistema aristotélico-ptolomaico sé péde ser definitivamente aposentado com o advento da Mecanica newtoniana e constituiu-se no marco desse grande processo de desenvolvimento inte- lectual helénico que durou varios séculos e que iniciou-se com Pitagoras ese encerrou com Ptolomeu, persistindo até a Revolugao Cientifica que tem inicio no século XVI. 6 A Revolucao Copernicana: Surgimento de uma Nova Ciéncia Em 19 de fevereiro de 1473, nasce Nicolaus Copernicus — na yerdade — Nikolaj Koppernigk, em Thora (Thorn), Polonia. Seu pai, 70 CAPITULO 1 também Nicolau, era comerciante de cobre (kopper), assim como seus antepassados, sendo esta a provavel origem de seu nome. O sistema ptolomaico/aristotélico reinava absoluto pois, apesar de sua complexidade e de utilizar recursos artificiais como cfrculos excéntricos, equantes, além de dezenas de epiciclos, ele dava conta dos fenémenos observados, com grande precisao. Para Ptolomeu, os planetas, a Lua e 0 Sol se moviam em torno do epiciclo (poderiam haver varios), cujo centro, por sua vez, se movia em movimento uniforme ao longo de um cfrculo maior, O SISTEMA DE PrOLOMEU o deferente. O centro do deferente nao era necessaria- mente a Terra, mas, sim, um ponto simétrico entre a Terra e o equante, definido como Equante © ponto em torno do qual o Centro do movimento do epiciclo era oe J uniforme (Fig. 20). Como ve- mos, este modelo é de grande complexidade'. Para alguns planetas, era necessario uti- lizar varios epiciclos, girando planeta : epiciclo em planos diferentes em tor- no de um circulo excéntrico! ZO. Além disso, Ptolomeu imagina todo o sistema do universo desde a Terra até as estrelas, Primeiro epiciclo formado por uma série de corpos esféricos (as orbes) que se encaixam uns nos outros, sem deixar espagos vazios. O sistema € preenchido por éter (os gregos nao acreditavam na ideia de vacuo) (Fig. 21). Fig. 20 - O deferente, 0 epiciclo ¢ oartificio do equante. 71 ORIGENS E EVOLUGAO DAS IDEIAS DA FISICA % Rte * eK * * * *K aot * TT Sear ata ts te 7 29 WITR Py; zy ae RY ea yy? eo GRTERAND Reg eRe OP 7 ne RR X ye SA ERTITA ENDL ao nee * a hy * x * a kL SITE Fig. 21 - As orbes celestes. Sa ete + * eS" et Copérnico estava muito insatisfeito com a invengao e o uso do equante e do movimento excéntrico, que introduzia um movimento desigual que, segundo ele, entrava em conflito com a regra de que tudo deveria girar em torno do centro do universo a uma velocidade invariavel. Fig, Copérnico com uma esfera armilar: Imaginou pois, primeiramente, que era possivel construir um sistema onde a Terra se move em torno do Sol, este sim, em repouso; que todos os movimentos eram circulares, uniformes e concén- tricos e, finalmente, que era possivel mostrar que este sistema era mais verdadciro do que o sistema geocéntrico (Fig. 23). Para tanto, inicialmente ele tenta mostrar as suas ideias como sendo mais simples do que as de Ptolomeu, uma vez que os equantes e todas as irregularidades dos movimen- tos sao eliminadas descrevendo-se os movimentos 72 CAPITULO 1 de forma tao precisa quanto Ptolo- meu, utilizando-se um ntimero total de circulos menores. Assim é que Copérnico afirma triunfalmente: Merctirio corre com 7 circulos ao todo, Vénus com 5 ¢ a Terra com 3 e, em torno dela, a Lua com 4; enfim Marte, Jupiter e Sa- turno com 5 cada wm. Portanto, los, com. os quais fica explicada toda bastam no universo 34 ci aestrutura do mundo e a danga dos planetas. Fig. 23 - O sistema heliocéntrico de Gopérnico. No seu grande tratado Das revolugdes dos Corpos Celestes, na mesma pagina onde aparece a ideia heliocéntrica do universo, ele escreveu enfaticamente™!: Imével, no entanto, no meio de tudo, estd o Sol. Pois nesse mais lindo templo, quem poria este candeeiro em outro ou melhor lugar do que este, do qual ele pode iluminar tudo ao mesmo tempo? [...]. No entanto, para impor sua visao heliocéntrica como verdadeira, Copérnico precisaria nao s6 mostrar que ela é util e adequada, mas também que as leis da Fisi s6 séo compativeis com esta teoria. Seria uma ardua tarefa que exigiria a substituicao de toda a Fisica aristotélica, trabalho que recairia sobre os ombros de Galileu e que sé seria concluido por Newton. Copérnico foi admirado e respeitado em sua época como o maior astrénomo da histéria, mas seus contemporaneos costumavam consi- derar os modelos que utilizava apenas como instrumentos matemiaticos de grande engenhosidade e utilidade, sem aceité-los, no entanto, como verdadeiros. De um modo geral, em sua época (e até os tempos de Newton), a questao de realidade era considerada “coisa para fildsofos”. Matemiaticos e astré6nomos tinham que produzir modelos que “salvassem 73 ORIGENS E EVOLUGAO DAS IDEIAS DA FISICA os fendmenos”, na linguagem atual, que descrevessem os dados e, neste sentido, a teoria ptolomaica era tao eficiente quanto a copernicana. Assim, a reac&o quase unanime dos astronomos foi a de consi- derar a teoria de Copérnico matematicamente genial, mas fisicamente absurda. Michael Mastlin, professor de Kepler, utilizou seus dados sem contudo aceitar a sua teoria. Chistophorus Clavius chamou de “absurda” a hipétese de Copérnico, porém considerou-o o grande reformador da Astronomia. Giuseppe Magini, professor de Matematica em Bolonha, utilizou as observagées e os dados de Copérnico, declarando-o 0 maior astronomo de todos os tempos, porém classificando a sua teoria como “absurda”. E muitos outros exemplos poderiam ser citados. A verdade € que faltava a teoria de Copérnico uma “aparéncia de verdade”. A oposicao dos astrénomos foi quase sempre fundamentada na falta de argumentos fisicos a favor de sua teoria. Vejamos quais. Copérnico nao resolveu os trés problemas basicos do heliocen- trismo: mostrar que a Terra realmente se move, desenvolver uma nova Mecanica nao aristotélica, estabelecer uma teoria da gravidade. Uma ta- refa para gigantes, é certo, mas para que a sua teoria tivesse a “aparéncia de realidade” deveria responder a certas perguntas: Por que os corpos insistem em cair para o centro da Terra endo para o Sol, j ? que este é 0 centro do univer Por que néio somos atirados para fora da Terra, como ocorre num carrossel em rotacao? Por que uma pedra atirada para cima, volia as nossas maos? Por que as estrelas parecem nao se mover? Para responder as duas primeiras, € necessario formular uma teoria de gravitagéo que substitua os movimentos naturais de Arist6teles; para a terceira, € necessdria uma lei de inércia e, para responder a quarta, sera necessario supor um universo muito maior do que o suposto pelos gregos. Ainda que com estas lacunas te6ricas, Copérnico produziu, sozi- nho, uma das grandes revolugées da Histéria da Ciéncia, contra a qual surgem as mais fortes reagoes. Antes mesmo que Das Revolugées tivesse sido publicada, Martin Lutero assim se expressou!: CAPITULO 1 O louco vai virar toda a ciéncia da Astronomia de cabega para bair : pois, como declara o Livro Sagrado, foi o Sol e nao a Terra que Josué mandou parar. Sob muitos aspectos, Lutero estava certo, A teoria de Copérnico, fosse apenas matemiatica ou real, virava a ciéncia de cabega para baixo, num sentido que transcendia os seus limites, vangando para os perigo- sos redutos da Religiao e da Moral. O homem nao estava mais situado num lugar adequado 4 sua natureza impar como imagem de Deus, no centro de todas as coisas, mas banido para um mero planeta entre tantos outros. Isto teria as mais profundas repercussdes na visto do homem, de si mesmo, e de seu lugar na criagao. 7 Kepler: Novas Descobertas e o Antigo Ideal Pitagérico Johannes Kepler nasceu em 27 de dezembro de 1571, num pequeno vilarejo incrustado na Floresta Negra. Crianca doentia e problematica, odiava o pai, a quem se referia como “malvado e violento”, e menos- prezava a mae, sobre quem escreveu: “era pequena, magra, sombria, fofoqueira e estava sempre de mau humor”, o que demonstra a sua pouca afeigao a familia. Trés de seus seis irmaos morreram precocemente. A tragédia, a doenga ¢ 0 sofrimento acompanharam Kepler Fig. 24- eles por toda a sua vida. Aos 26 anos, tragou mapas astrolé- gicos dos integrantes de sua familia, nado poupando ninguém e atribuin- do o perfil doentio de todos a influéncia maléfica das estrelas; chegou mesmo a considerar uma de suas tias como bruxa. Com tal ambiente familiar, nao se poderia esperar de Kepler um temperamento afavel ou pelo menos normal. Além disso, sofria de uma estranha doenga de pele que lhe abria chagas nas maos, onde se alojavam vermes que nao as deixavam cicatrizar. A maioria das pessoas teria sucumbido a tantos males e a uma ori- gem familiar tao sombria, mas Kepler estaria predestinado a se tornar, juntamente com Copérnico, Galileu e Newton, um dos construtores da

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