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“Tido cantarola: Nossa saudade dura mais 7 es a 1é Nosso_ abraco m apertado bleque-tais’ Minhas juras sto mais juras Gi NE RANCESCO Meus carinhos mais carinhoso GUARNIERI ios mais puras, 10 € mais jeitoso, Nés se gosta muito mais, Nés nao usa as “bleque-tais’....” (Trecho de uma das falas «do personagem Tido) | them tine anfrancesco a bl “Wisin Inn ._ Eles a yy ack-tie, Ce eee ne ea Ce eee RCo en pode chamarde“oteatro novo brasilei A pega parte, sem divida, de uma visio de mundo romantica. Pressupde uma série de valores bisic imutiveis, a partir dos quais os problemas sungem, ee eee or outro lado, a pega apresenta muitos aspectos da Pe eee eee en eee PS ee eee ey Cee ee ee ee Coe ee Coe A introdugo de uma tematica urbana, 0 conflito CC eR Rn fundamental de Tido, todos sio aspectos positivos que eee ey ee er Coe an vez em 1958, no Teatro de Arena de Sio Paulo. ee Ca Janeiro, foi apresentada em diversas capitas e cidades do Brasil, além de obter éxito também na Argentina, Ue eet Gianfrancesco Guarnieri Eles nao usam black-tie 28" edigdo CIVILIZAGAO ORASILEIRA Rio de Janeiro 2014 Copyright © Gianfranceseo Gu: FOTO DE CAPA: Estevarm Figueiredo Cipsissi. CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Gussie, Ginfrancecn, 1934-2006 lr mio usam Backvie | Ginfrancesco Guarnieri 2g ed Ru de Jane: Cinaago Beales, 2014 1. Teatro basi (Literatur) Ti, “Tovdos os dcctos reservados. Proibida a reproduio, imazenamento ou transmissdo de partes deste listo través de quaisquer mics, sem previa autorizas80 por ste lvro foi revisndo segundo o novo Acordo Ortogrifico de Lingua Portaguesa. Direitos desta edigdo adguirdos pela EDITORA CIVILIZAGAO BRASILEIRA Um seo da JOSE OLYMPIO. EDITORA Han Argentina 171 ~ 20821-380 Rio de Janeiro, RJ Tel: 2585-2000 Seia um ler preferencal Record Atendimento e venda direa 20 le mdiretourrecord.com-br ou (21) 2 Impresso no Bras 2014 Prefacio Creio que 0 nome certo das linhas que se seguem — mené- rias, opinides, tanto do autor da peca como de criticos que viram Eles nao usam black-tie em tempos um tanto distanciados, mas com © mesmo interesse — deveria ser Depoimentos. A palavra talvez soe falso, mas o contexto do que aqui esta pode dar um sentido exato do que se viu, do que se falou, do que se escreveu, ¢ principalmente do que diz agora 0 autor, passados cito anos da estreia, Falam, nestas piginas, primeiro o autor, com suas vivencias, com af razes que o fizeram escrever a peca; sio memérias de um tentio quase adolescente, um pouco afastado no tempo em que se obrigou a dar este testemunho que foi Eles ndo usam black-tie. E cle, hoje, sentindo a pega, com oito anos de distancia, mais madu- ro, no abandona o amor € o fervor que o determinaram a fazer a sua primeira tentativa teatral. Dela nos fala, as vezes, com calor & simpatia; outras, com uma espécie de pudor sobre 0 primeiro conhecimento com o meio de expressio que usaria para extemar toda a sua problematica humana e social. Gianfrancesco Guarnieri, autor hoje consagrado, fala aqui de sua primeira experiéncia. Seu primeifo amor, digamos assim, que cle analisa, disseca, mas nio renega Falario também da peca, analisando-a, criticando-a, e princi- palmente admirando-a, quatro pessoas que acompanharam de perto essa obra que iniciow e foi uma das mais sérias € melhores tentati- vas de uma dramaturgia urbana brasileira “Escrita em 1955, a pega Eles ndo usam black-tie nao surgi de uma determinagio, ndo obedeceu a nenhuma estrutura prévia, isse-nos Gianfrancesco Guarnieri. Nasceu de jorro, ia-se estru- turando conforme 0 dislogo era posto no papel. Os personagens apareciam de repente, iam criando forma e a hist6ria pouco a pouco se estendia e formava sentido. . De inicio era apenas a necessidade de descrever uma festa de noivado num barraco de favela, entre ope adolescéncia. A coisa romou impulso e impeliu-me a escrever, dan- rios. Impressdes de do-me uma sensagio gostosa de travessura. Tinha 21 anos. Re- cém-comegara a fazer teatro, como ator, no Teatro Paulista do Estudante, Minha experiéncia, a primeira séria, como dramatur- 20, 86 foi possivel — tenho certeza — por nao ter consciénzia de estar fazendo a primeira experiéncia séria como dramaturgo. J antes havia escrito uma pegazinha no Rio de Janeiro para o tea- tro do Colégio Santo Antonio Maria Zaccharia. Foi montada com éxito. As pecas representadas em escola geralmente tém éxito. Nio ime deixei, no entanto, iludir por aquele sucesso. Foi uma brinca- deira que me deu dor de cabega, mas nao passou de uma brinca- deira. Depois daquilo, fiquei muito tempo sem pensar em teatro. Alias, habituado ao teatro, desde crianga, quando acompanhava meus pais, nao perdendo uma 6pera das temporadas liricas, acos- tumei-me a traté-lo como coisa doméstica, sem muita ceriménia. © gosto pelo teatro existia. Podia fazer ou nao fazer teatro, pou- co importava, Parecia-me que quando quisesse eu poderia fazer teatro, assim, a toa, como coisa natural. Escrever pegas de teatro foi a mesma coisa, assim, & toa, sem querer. Escrevi Black-tie rapidamente, Levantava-me & noite para escrever. E divertia-me muito com os personagens que surgiam, principalmente com 0 Chiquinho. Fui o primeiro a chorar com 0 final do terceiro ato. E minha admiragao por Romana foi sempre imensa. Eles estavam Ii — os personagens — e eu aqui. Intuitiva- mente ia colocando no papel uma série de vivéncias, as preocupa- ‘sOes que me afligiam estruturavam-se no ato de escrever. Luto hoje em dia para aliar uma visio mais real das coisas com aquele estado de graca: a mais sincera, ingénua, integrada, desimpedida maneira de falar do meu mundo, Uma auséncia total de autocritica no at de escrever. A critica vinha muito depois, deixando-me assim livre para me expor realmente a mim mesmo. Black-tie parte sem divida de uma visio romantica do mundo. Pressupde uma série de valores basicos, imutdveis, através dos quais 6s problemas surgem, estourando os conflitos, os homens se deba- tem, mas tudo chegaré a bom termo gracas a uma providencial ordem natural das coisas, atingindo-se no tempo a harmonia geral esperada, em virtude de uma tomada de ‘consciéncia’. Black-tie, no fundo, é uma peca idealista. Mas, por outro lado, a pega reflete corretamente muitos as- pectos da realidade brasileira, fornecendo consideravel material para elaboragdes posteriores. Parece-me que as personagens, nas- cidas de um contato direto com o ambiente em que elas se desen- volvem, foram bem-sucedidas, Particularmente Romana e Tido. A introdugio de uma temética urbana, 0 conflito de classes, a atuagio politica de Otivio, 0 pro- blema fundamental de Tido, sio aspectos que reputo positivos e penso que contribuiram para o desenvolvimento da nova drama- turgia brasileira, Black-tie foi montada pela primeira vez em 1958, no Teatro de Arena de Sio Paulo, Esteve depois um ano em cartaz n0 Rio e ja foi apresentada em diversas capitais e cidades do Brasil e também com éxito na Argentina, no Uruguai, no Chile e na Alemanha, para © pablico normal e principalmente para piiblicos bastante popula- res. O pablico popular adota a pega como sua, identifica-se com cla, A sinceridade com que foi escrita e o grande amor que sem diivida encerra sio fatores preponderantes para essa comunicagio. Por esses aspectos positivos nao considero Eles ndo usam black-tie uma peca superada, embora nao escrevesse hoje da mesma forma sobre o mesmo tema. Para mim é um caminho a ser aprofundado.” Referindo-se & pega, assim escreveu o critico Décio de Almeida Prado (Teatro em progresso, pp. 132 a 134 — Editora Martins): ‘Gianfrancesco Guarnieri é um jovem fendmeno de nosso jo- vem teatro, Com 25 anos, s6 teve tempo de escrever duas pecas. Pois as duas constituiram-se, como se sabe, em éxitos excepcionais, dos maiores de que se tem noticia, modernamente, em galcos bra- sileiros. Em menos de um ano e meio de atividade paiblica como autor, Guarnieri jé teve certamente mais espectadores do que a maioria dos nossos dramaturgos em toda uma existéncia dedicada a0 teatro, Ambas as pecas, alids, acabaram de sair do cartaz, par- tindo a procura de novas plateias. Eles ndo usam black-tie ird a0 Rio de Janeiro depois de um giro pelo interior, enquanto Gimba se apresenta por uma semana no Teatro Municipal carioca, antes de ir representar o Brasil na Europa. © momento parece, portan- to, oportuno para uma derradeira tentativa de se avaliar criti ‘mente os seus respectivos méritos. Eles nao usam black-tie, se nio estamos enganados, poe dire- tamente 0 dedo na ferida. A greve € 0 seu tema osten: i operiria, de reivindicagao de melhores salérios, que acaba por se- Parar pai filho. O pai, revolucionério consciente de seus fins, forte da forga de sua classe, é um dos cabegas do movimento. O 'ilho, criado, por citcunstancias varias, em ambiente diverso, pensa em primeiro lugar no préprio futuro. Corajoso quando se trata de enfrentar outros homens — ¢ o fato mesmo de furar delibe- radamente a greve poe isso em evidéncia —, o seu medo é de ou tra natureza; 0 grande medo da nossa sociedade moderna, 0 medo de ser pobre. Jovem, nas vésperas de casaf, com mulher e filho em perspectiva, s6 tem um cuidado: fugir de sua condigio operaria, melhorar de vida, subir — e quem é que ousaria, de consciéncia tranquila, langar-lhe a primeira pedra? A acio, pois, pelo seu lado moral, prolonga-se além dos dados iniciais do problema, transcendendo de muito 0 caso local da gre- ve. Numa sociedade bem organizada — nada custa sonhé-la e é desses sonhos que se alimenta o doloroso e lento progresso da humanidade — ndo haveria conflitos assim tio marcantes entre 0 interesse coletivo e o interesse individual, Ora, é uma alternativa desta natureza que o nosso jovem opersrio tem de enfrentar. Para ele, greve, revolugio, sio palavras longinquas e problematicas pro- ‘messas de um futuro melhor. A realidade imediata ¢ a mulher, 0 filho, a fome, a miséria, a qual € preciso fugir a todo 0 custo. E uma sociedade que se fundamenta sobre o individualmente, como a nossa, ndo esta em condigdes de exigir sacrificio de quem quer que seja. : Cérto que 0 ponto de vista revolucionario, representado pelo Pai, teria bons argumentos a estas consideracdes. Mas a perspectiva 8 da peca é a do filho: o drama é seu, ele é quem devers pronunciat- se perante a existéncia concreta da greve. A sua posigio, no fun- do, nao diverge muito da de qualquer rapaz de 20 anos chamado 8 decidir pela primeira vez entre as suas conveniéncias pessoais € certos apelos de outra natureza, menos egoistas e mais generosos. O préprio Guarnieri, como homem, e como homem de teatro, é impossivel que nao tenha sentido por momentos a tentagio do langar a0 mar a incémoda carga das ideologias humanitarias, cui- dando, acima de tudo, de defender-se economicamente numa so- jedade onde todos sabem defender-se com unhas e dentes, Nem £ @ nossa vida encarada moralmente, mais do que a soma de uma série de decisées de tal natureza, Nao é preciso, portanto, ser ope ririo, ter participado da preparacio de uma greve, para sentir 0 impacto das questées propostas com tanta emogio pela pega, O segredo de Eles nao usam black-tie € dizer respeito a todos nds, é ter alguma coisa a segredar & consciéncia de cada espectador. Para sentir que € este 0 verdadeiro problema, veja-se como a prdpria gradagio psicolégica das personagens repete o choque entre © que € € 0 que deveria ser, indo do otimismo algo sonhador € ingénuo do pai, sempre pronto a acreditar na perfeigao moral da humanidade, até o realismo sem ilusées da mie, Nao ha cinismo nem desespero, nem amargura, e nem mesmo desengano, na bra- ura terra a terra com que ‘Romana’ — a figura dramaticamente mais bem desenhada da pega — desafia diatiamente a miséria, Mas as suas observagoes cruas, francas, desabusadas, sem circunléquios, mordazes, chamam os homens para a realidade, neutralizam, como uma nota, levemente écida, 0 falso sentimentalismo em que amea- gam cair tantas cenas, : - Teria Guarnieri pensado em tudo isto ao escrever a sua pega? Nao necessariamente, porque uma das virtudes de Eles ndo usam black-tie é exatamente a de no proceder do abstrato para 0 con- creto. O seu ponto de partida sio os homens, através dele é que entrevemos outros antagonismos, que si apresentados sempre come conilitos vitais, de ago, no como critica de diretrizes tedri- cas. E essa inexisténcia de prevengdes doutrinarias que possibilita a0 autor simpatizar simultaneamente com todis as personagens, Se nem todas tém razio, todas, ao menos, tém as suas razbes, que € preciso compreender. £ admiravel, com efeito, a isengao com que a pega, jogando pai contra filho, equilibra os dois pratos da balanga. Apenas ao final intervém o autor, fazendo a noiva aban- donar o operario que, traindo a greve, traira os seus amigos e com- panheiros. Algumas espectadoras protestaram contra semelhante desfecho, em nome da psicologia feminina, Mas nfo se trata, aqui, de psicologia e sim de moral: 0 autor necessitava externar de al- {gum jeito seu pensamento, dizer afinal de que lado estava, deixan- do a neutralidade do puro naturalismo para entrar no terreno em aque desejava colocar-se: o da pega de ideias e mesmo de ideias po- liticas, E um direito seu, que s6 deixariamos de Ihe reconhecer se 0 texto escorregasse para a propaganda, coisa que ele tem sempre a dignidade artistica de evitar. Como pega de teatro, Eles ndo usam black-tie tem essa incon- fundivel espontaneidade das primeiras obras da juventude. Por entre os seus defeitos de concepcio e de fatura (certa moleza de construcio, certas ingenuidades, certos preciosismos, como a cena ‘em que pai e filho se defrontam no terceiro ato, afetando falar um com 0 outro por interposta pessoa: “O teu pai mandou te dizer’, ‘Diga a meu pai’, etc.), 0 que sobreleva € a notagio psicol6gica exata, viva, alerta, despida de literatura. Acabamos de vé-la pela terceira vez: rimos e nos emocionamos tanto quanto da primeira.” Por outro lado, na Folha da Manha (27/2/58) escrevs sobre a pe gaa seguinte critic “Sao raras, rarissimas, as vezes em que 0 critico pode falar de uma peca nacional com entusiasmo € com esperanga na elevagio do nivel da nossa dramaturgia. Tem se tornado tio mediocre a produgio eatral nacional nestes ilrimos tempos, salvo uma ou duas fexcecdes, que 0 papel da critica parece ser 0 da maior inimiga da arte cénica brasileira. A cada estreia corresponde, geralmente, uma série de criticas severas ¢ desiludidas. Felizmente, porém, este nao € 0 caso do trabalho de Gianfrancesco Guarnieri. Jovem, muito jovern ainda, Guarnieri ingressou no teatro, cémo ator, em 1955. Desde entio seu trabalho tem sido sempre clogiado e sua curta carreira faz prever uma série de triunfos futuros. Mas eis que 0 ator nos revela nova faceta do seu talento, Langa-se como autor € ‘6 faz de maneira muito acima do comum, no panorama teatral brasileiro, Eles ndo usam black-tie, ficard, por certo, na histéria de 10 nosso teatro, como a primeira pega séria escrita sobre as favelas cariocas, pondo de lado 0 seu aspecto exético € pitoresco. Nio é uma favela para turistas que 0 autor nos mostra, mas um conglo- merado humano que luta, que sofre, que vive e que tem uma cons- + ciéncia clara de sua fungao social. ‘Se tive alguma pretensao em minha peca foi a de impregni-la de amor e de transmitir este amor’, disse Guarnieri na apresenta- fo feita para a estreia da pega, no programa do Teatro de Arcna. E essa intencao esta presente em cada cena de seu trabalho. Somente assim poderia ele criar as figuras admirdveis de Ro- mana — que tem os pés firmemente presos 3 terra e sabe amar como ninguém, a sua maneira brusca e contida, os que formam o seu mundo cotidiano —; de Otavio — com uma paixao politica ¢ sew sentido de humanidade que o levard a dizer na cena final, sobre 0 filho: “Ele voltara depois de ter adquirido consciéncia de classe” —; de Maria — que ama mas compreende que s6 0 amor no bas- ta. E necessdrio também a amizade e 0 respeito dos que a cercam € com 0 desprezo deles sabe que no poder viver. — Finalmente, de Tid, cujo medo da vida se traduz no desejo de fuga do ambien- te que, na verdade, € o tinico onde, no intimo, sabe lhe ser possf- vel viver. ‘Com essas figuras e mais algumas que as rodeiam, Gianfrancesco Guarnieri compés uma peca onde a beleza e a poesia nio vém s6 das palavras, mas das situag6es arquitetadas, imprimindo uma for- ga extraordinéria em cada cena, onde o dislogo funciona com ab- soluta economia de meios, sublinhando a situagio e nunca, ou quase nunca, indo além dela, mas explicando-a, realizando-a com inteli- géncia e discricio. Veja-se, por exemplo, 0 contraponto formado pelo final do primeiro ato com a festa do noivado, o radi¢ ligado © mais alto possivel, terminando com 0 nascimento dos dois gé- ‘meos; € 0 final do terceiro, com o longo e dramitico didlogo entre Maria e Tido, assistido em silencio por Romana, Sao duas cenas {que se completam ¢ dio um senso de equilfbrio fundamental & pega, revelando um instinto inato da construcio teatral. E logico que a peca tem defeitos, mas em se tratando de um trabalho de estreia, realizado por autor bastante jovem, as suas qualidades reais sdo tantas que as suas fraquezas quase se anu am. Assim, a construcdo cerrada e quase cronomeétrica das cenas do u primeiro ato, onde sio apresentadas as personagens € €xPosto © problema, dilui-se bastante no segundo, terminando pela cena quase desnecessaria dos dois namorados olhando para a cidade. Ai, 0 autor tenta propositadamente fazer um didlogo poético ¢ ja néo foi feliz, pois a poesia nao nasce entio da situagi0, mas das pala- vyras, ¢ estas nio chegam a atingir realmente 0 piblico. Outra fra- ‘queza da peca esté no seu aspecto politico. O autor, amando tanto seus personagens, nos dé uma ideia um tanto romantica da favela (note-se da favela, e nao da vida de seus habitantes), exaltando a vida de comunhio e camaradagem que ali se leva. Ora, a meta se- ria exatamente conseguir 0 contririo. ‘Na realidade os operaios lutam, no para preservar o barraco mas para elevé-lo a categoria de moradia condigna com 0 seu pa- pel dentro de uma sociedade socializada, Muitas vezes as persona- gens parecem preferir que tudo se mantenha como esta pois a melhoria da situagdo poderia acarretar uma transformagio psico- lgica de seus habitantes. O que nao é verdade, pelo menos ideo- logicamente, Também alguns modismos na maneira de falar nem sempre sio felizes, tais como ‘tu gosta de eu’, repetido varias vezes durante 0 desenrolar da pega. ‘Mas, apesar desses sendes — que’se diluem ante o impacto que 1a pega proporciona ao espectador —, trata-se de uma das realiza- ges mais acabadas e sérias apresentadas em nossos palcos nestes filtimos tempos. Oxali possa Gianfrancesco Guarnieri continuar no caminho em que se iniciou € dé ao teatro nacional obras que retratem problemas da vida social das nossas grandes cidades, crian- do uma dramaturgia urbana”. Entre as criticas feitas no Rio de Janeiro sobre a pega, desejo destacar a de Paulo Francis (Revista Sr. — janeiro de 1960). Nao you reproduzir aqui a integra de seu artigo, mas o que mais de perto disse a respeito do trabalho de Guarnieri: “Eles ndo usam black-tie, de Gianfrancesco Guarnieri, a partir da insofisticagio de titulos que pode ser também um desafio a ‘conceitos de vulgaridade, serve a geragio de hoje como Look back in anger (Recordar com rancor, tradugio aproximada), de John -Osborne, serve a juventude britanica, 3 juventude que se conscien- tiza, que participa intelectualmente de seu destino, que procura 2 saber aonde vai. Ambas as pegas sio exig ncias de esclarecimento, revelam uma ansia de libertacio do caos e frustragdes que consti- tuem a esséncia da vida social de hoje, na Inglaterra € no Brasil. Em Osborne, deparamos com o filho de umacultura saturada, | cuja raiva é filtrada por impoténcia. O Império Britanico se des- morona. J ninguém acredita nele, em literatura, como entidade ética, desde Kipling. O socialismo-trabalhista se intrometeu, O individuo melhorou. Mas o artista intelectual, que € 0 protago- nista de Osborne, permanece insatisfeito, Ter que comer, 0 que vestir, onde morar, ainda que modestamente, sio necessidades primérias que o governo supre com o atraso de séculos — em re- lagio a visio humanista, em vigor desde a Renascenga — ¢ o faz ainda com imperfeigdes ¢ concessées ao passado. O individuo pre- cisa mais; sentir-se inteiro ¢ independente como os homens de Shakespeare, ¢ nio ser reduzido a pega de uma engren: em mecanicista, coletivamente estandardizada, sem face, sem espiti- to. A possibilidade do exterminio tecnolégico contribui para 0 ressurgimento do individualismo em termos modernos. Esges problemas nos parecem remotos, sendo no fato de cons- tituirem a outra extremidade do drama escrito pot Guarnieri Seu ‘Tio’ é um operdrio que trai a classe numa greve. Nzo 0 faz por covardia ou interesse. Apenas nao cré no sucesso de uma greve. Os patrdes concederiam 0 aumento ¢ aumentariam 0 prego dos géneros de consumo, num ciclo de cinismo, que é a constante do meio social em que o rapaz se criou, E “Tido’ vai casar-se. A subsisténcia é 0 que Ihe importa. Fa ta-lhe a conviegio ideolégica necessdria 2 resisténcia € A revolta por meio do sacrificio indivi dual. Nunca the ensinaram diferente, nunca viu diferente no pais em que vive. A faléncia ideol6gica da personagem de Osborne de- corre das experiéncias das geragoes precedentes. A de Guarnieri, da indiferenga, Um dramaturgo jovem como este — tinha 22 anos quando es- creveu Eles ndo usam black-tie —, que passou fome em principio de carreira, que supre com talento o que Ihe falta em experiéneia cultural, escolheria, naturalmente, a si proprio e a seus prximos para dramatizar em seu proprio esforco. Nao quero dizer qu: ele tenha retratado especificamente fulano ¢ beltranos ao que me B consta, isso no aconteceu. Mas as suas pretensdes ideol6gicas, que busca expressar através da condigao de operarios favelados — vi- veu nas proximidades de uma favela no Rio, durante algum tempo — juntou por certo sua experiéncia afetiva do teatro brasileiro, 0 ambiente em que est amadurecendo como homem e artista. E 0 teatro, arte menor que entre nés destacou-se das demais em pene- tracio popular, é um microcosmo da situagio de suas irmas, como da situagao geral do Pats Na vida piiblica do Pais, trabalha’se pelo casulo do nacionali mo, cujo rompimento nao seria o strip-tease politico a que estamos habituados. Aos artistas cabe expressar esse estigio, desde que desejem expressar-se em acordo com a época em que vivem. Ressaltei Guarnieri como expoente da consciéncia da arte a que estou mais ligado. Ele é um dramaturgo que transmite a ur- géncia dessa tomada de posigao, que a justapde as acomodagbes de ordem individual, pedindo ao paiblico que escolha entre as duas atitudes. E o faz carregando consigo a metrépole para 0 palco, indo ao centro do conflito, Marca o despertar da gera- Gao de hoje”. E, por fim, como viu a pega 0 eritico e historiador da nossa dramaturgia, Sabato Magaldi (Panorama do teatro brasileiro, 1962, pp. 229 a 231, Difusio Europeia do Livro) “Eles nao usam black-tie, estreada em 1958, ‘no Teatro de Arena de $io Paulo, trouxe para 0 nosso palco os problemas sociais provocados pela industrializacao, com 0 conhecimento das lutas reivindicatérias de melhores salirios. O titulo, de cla- ro propésito panfletario, pareceria ingénuo ou de mau gosto, no fosse também o nome da letra de samba que serve de fundo aos trés atos. Embora o ambiente seja a favela carioca, 0 cend- rio existe apenas como romantizagio de possivel vida comuni- tria, jf que a cidade simboliza 0 bracejar do individuo s6, Nem por isso o tema deixa de ser profundamente urbano, se 0 consi- derarmos produto da formagio dos grandes centros, € nesse sentido a peca de Gianfrancesco Guarnieri se definia como a mais atual do repertorio brasileiro, aquela que penetrava a rea- lidade do tempo com maior agurleza. “4 Que a tese implicita do texto seja marxista, nio se pode duvi- dar, Mas 0 Autor nio deformou os caracteres em fungio de um objetivo politico, desenvolvendo antes as situagdes para cue a plateia concluisse a seu gosto. A dignidade artistica do tratalho isenta-o de sectatismo, ea pega se beneficia de uma convicgio since- ra que enforma o entrecho com evidente consciéncia. Gianfrancesco Guarnieri opde duas mentalidades que a ri- gor se sintetizardo numa s6, porque acredita fundamentalmen- te no homem, ¢ ele, depois de descaminhos, encontra o rumo certo. O tradicional conflito de geragées se coloca de maneira diversa: 0 pai sempre fiel ao meio de origem nao titubeia quan- do deve enfrentar um problema; e o filho, entregue aos padri- nhos e tendo servido como pajem, isto é, sendo um alienado da vida auténtica do morro, toma a decisio que a comunidade condena, Sugere o dramaturgo que as circunstincias moldem 0 individuo, e 0 préprio pai se responsabiliza pela defecgao do filho, por nao querer consider4-lo congenitamente mau. Depois da prova definitiva o filho podera integrar-se de novo no meio. A peca patenteia ouitra tese, segundo a qual 0 individuo que procura salvar-se sozinho, desconhecendo 0 interesse coletivo, se vota a solidao irremédiayel ¢ ao desprezo dos demais. A vida dificil e sem comunicagio da cidade, 0 texto opde o trabalho 4érduo mas com apoio nos semelhantes, simbolizado na solida- riedade vigente no morro, © esquema de duas mentalidades antagonicas que buscam a sintese se repete no bindmino que rege a vida humana: o amot eo trabalho, Os dois se acham intimamepte entrelagados na figura de Tido, fixando-se no decorret da pega em intrigas paralelas. O amor Por Maria leva 0 jovem a querer melhorar de nivel financeiro, a fim de usuftuir a existéncia perfeita. Quando, pelo desprezo dos colegas, € obrigado a procurar novo emprego, ¢ pela reprova paterna é coagido a deixar a casa, © amor também nio tem possi- bilidade de completarse, ao menos momentaneamente. Mara o receberd de volta, se ele se reintegrar na favela. Mas nio 0 acom- panha na peregrinacdo a cidade e se encarregard de cuidar sozinha da erianga que vai nascer, ¢ que, na linha de fidelidade a0 ambien- te, receberd o nome do ave Tado isso poder parecer um pouco simplificado, até roman- tico ou primério, se 0 texto se incumbisse. de filtrar a ideologia em afirmacio de vida. Na contextura da pega, a simplicidade elemento obrigat6rio, sem o qual as personagens nao teriam ra- zi0 de ser. Sente-se que todas foram tomadas 20 vivo, em flagran- tes sucessivos do cotidiano, nada elaborado para que nao se perdesse a espontaneidade. Romana, sob esse aspecto, € a criag4o mais feliz, uma auténtica mie, como as generosas figuras do teatro de Brecht. A aspereza do traballio nao Ihe tira 0 encanto essencial de viver, que se estende & fungio de companheira do marido e a de protetora da prole. A cena em que a noiva do filho vai confiar-Ihe a gravidez demonstra, na naturalidade ¢ no contentamento com que aceita a revelagio, sua integra natureza humana. E assim existem as outras persona- gens, cujas reacdes Sio sempre veridicas, nada elaboradas. Suce- dem-se no painel a poesia ¢ a firmeza da noiva, o universo ainda infantil de Chiquinho e Tezinha, e o tipo contrastante de Jesuino, fo malandro venal. Nesse mundo nao hé também lugar para pre- conceitos raciais. E 0 compositor que passa todo o tempo ao violio e, no fim, se entristece porque ouviu seu samba, no ridio, com a suposta auroria de outrem, marca 0 espirito de criagio do morro, roubado pela cidade, A linguagem acompanha fielmente a descri¢ao natural da fa- vela. As cenas de maior gravidade se alternam com os didlogos de saboroso coloquialismo, que mantém a peca em permanente vi- bragio. Registre-se, como pintura admiravel de costumes, 0 pedi- do de casamento em que falam 0 noivo e o irmao da noiva. A excessiva liberdade no conduzir as falas talvez. tenha dispersado, As vezes, o-didlogo, que se insinua em certos momentos por initeis temas laterais. O texto, embora trabalhado num sentido de dramatizagio dos efeitos, conserva também fluéncia na estrutura. A circunstancia de nao se perceber nunca o processo de elaboragio do autor aumenta-lhe 6 interesse, A matéria nao esti, entretanto, bem distribuida, para que a tensio cresga de ato para ato. Depois da apresentagio bentfeita + do primeiro, que acaba em festa, o segundo tem feitio intinista, fem que as personagens procuram definir-se para si mesmas antes do desfecho. Se se justifica psicologicamente essa tomada de cons- 16 cigncia, do ponto de vista dramético o segundo ato perde em in- tensidade ¢ em vigor, para s6 no terceiro verificar-se de novo a inteira adesio da plateia. Ainda assim, a estrutura tem a virrude de nao filiar-se a formulas estabelecidas por escolas antigas ou contem- poriineas, parecendo ditada pelas necessidades interiores do e trecho. Nao cabe investigar influéncias ou semelhangas erp seu pro- cesso literario.” Ainda uma éltima palavra, a0 terminar estas linhas que desejei chamar de Depoimentos. Vimos — através das lembrangas do autor, das opinides de qua- tro criticos que julgaram, sentiram, amaram a primeira pega de Gianfrancesco Guarnieri, apesar das divergéncias, das coincidéncias de opinido sobre a obra e do seu sentido social, das palavras de en- tusiasmo, das restrigoes — uma constante que me parece bastante sétia: resta ao final uma impressio s6 e € a de que a primeira pega do dramaturgo marcou um momento importante, bisico, definitivo no teatro brasileiro. Mas o que mais me impressionou em tudo 0 ue foi dito foi uma simples, pequena, porém sintomética frase de Paulo Francis, escrita em 1960, e que serve muito, e bem, aos nos- s0s artistas de agora c também a toda a juventude: a pega, disse acuele critico, “marca o despertar da geragio de hoje”. DELMIRO Goncstves Eles Nao Usam Black-Tie Pega em 3 aos € 6 quadros Personagens, sea pega foi representada pela primeira vee no dia 22 de fevereiro de 1958 no Teatro ide Arena de S. Paulo, sob a diego de José Renato, com o seguinteelenco; MARIA, (Miriam Mehler, TIAO (Gianfrancesco Guarnieri, CHIQUINHO (Flivio Mighaccio), OTAWIO (Eugenio Kusnet), ROMANA (Lelia Abeamo), TEREZINHA (Celeste Lima), JesuiNo (Francisco de Asis) JOAO (Henrique Cezar, DALva (Riva Nimita)e BAAULIO (Milton Gongalves). (Barraco de Romana. Mesa ao centro. Um pequeno fogareiro, cémoda, caixotes servem de bancos. Hé apenas uma cadeira. Dois colchdes onde dormem Chiquinbo e Tido.) QUADRO I Mania (falando baixo, entre risos) — Pronto, ld se foi o sapato... Enterrei o pé na lama... TiO — Olha s6 como t4 meu linho! (Passa a mdo pela roupa, risonho. Para fora) Ei, Juvéncio! Tocando na chuva estraga a viola! (Pausa. O violdo afasta-se.) E um maluco... tocando na chuva. 5 MaRia — Fala baixo, tu acorda 0 pessod! TINO — Acorda, nao. Mania — E melhé a gente ir andando... é s6 um pedacinho, ‘TIO — Pra ficd enterrada na lama? Nao senhora, vamo espera esti. Maki — D. Romana ndo vai ach ruim? TAO (acendendo um lampido) — Nao sei por qué! MARIA — Vamo embora, Tido. Ta tarde, mamie sido dorme en- uanto eu ndo che TKO — Qué te aquiets? (Pausa. Aponta a cadeina:) Senta aqui Maria obedece. Tido senta-se no chao junto dela. A viola continua, Pergunta, MARIA (sorrindo) — Tu gosta de eu? THO — 6 dengosa, eu sem tu nio era nada... MARIA — Bobagem, namoradé como tu era. Tio — Tudo passou! MARIA — Pensa que eu nio sei? Todas elas miando: jo2inho pra cd, Tidozinho pra Id...” (Abragando-o.) Mas eu roubei ‘oc® pra mim! TiA0 — Todo eu! MaRiA (fazendo bico) — Fingido! TIAO — Palavra, dengosal MARIA — Sei tudo tintim por tintim. Quando ‘océ morava na ci dade era o garoto mais sapeca do Flamengo. Namorava uma filhinha do papai que era vizinha dos seus padrinhos e por cau- sa dela levou uma bronca deles. Viu como sei tudo? ‘TAO — Muito bem, 0 que mais? Makia — Sei muito mais. Ta era um grande mentiroso. Dizia pra menininha que era estudante, contava uma porgio de vantagem, até que um dia ela ia te pegando servindo de babs, Ai, quando tu viu ela, quis escondé o carrinho da crianga atrés do murinho da Praia. O garoto caiu, machucou a cabeca e tu levou uma bruta surra de teus padrinhos, e a menina no quis mais nada com vocé! TiO — E uma bela histéria, mas € também uma grande mentira ue eu nunca escondi de ninguém que era cria dos meus padri- ho, muito menos pra aquela enjoada Id. (Intrigado) Quem te contd tudo isso? MARIA — Nao digo. TIA — Ta bem. Nao pensa que eu vou rogé Makia — E sem fali nas mogas da fabrica de 1a que tu namorou todas... TKO — E nunca esquecendo a Brigitte Bardot que eu namorei trés anos MARIA — Convencido! TAO — Quem te contou essas histérias? MARIA — Num adianta que eu nao digo. Chiquinho resmunga e remexe-se, MARIA — Fala baixo que ele vai acorda THO — Chiquinho? Nem com uma bomba... Quem te conto? MARIA — Nio digo, THO (abracando-a e encostando seu rosto no dela) — Dia sim, Mania — Fica quieto, Tido. Teus pais acorda daqui a pouco, £ melhé a gente ir indo. TH40 — Quem te contd? MARIA — Foi 0 Jesuno, pronto, TIA0 — Safadio! Deixa ele pra mim! MARIA — E nio vai fazé diz que diz! TIO — Té bem, Gosto de tu toda a vida! MARIA — Tomara! TiA0 — Juro! MaRiA — Tomara sim... Se nio gosté, eu vou sé a moga mais infe- liz do mundo... Ainda mais agora! Biblioteca do Instituto Feral do Parana Campus Curitiba TIO — Vou te gostd sempre! O Juvéncio continua tocando... O Tio — E claro que eu quero, dengosa. Eu s6 tava esperando me samba é dele, sabe? ajeita melhé na fabrica, Mas sendo assim, ndo tem outro jeito. Maria — Eu disse: Ainda mais agoral MARIA — Tu té contente ou triste? Tuo — u sei TAO — Mais do que contente... S6 tem uma coisa... Eu gostaria que tu tivesse tudo, num queria que minha mulhé vivesse em barraco... MARIA (1m pouco sem jeito) — Nao. Vocé tem de pergunta por qué. TiAO — Por qué? MARIA — Sempre vivi em barraco! E vivé com tu € 0 que interessa... Maria (sem jeito) — Porque sim! ‘TIAO — Eu € que no me ajeito muito no morro. TIAO (num protesto) — Ah! dengosa! MakIA — Por qué? Aqui também tem tanta coisa boa... $6 0 que eu quero é vivé contigo... Mania — Porque parece que nés vamo... ‘TIAO — E vai vive! Festa de noivado daqui dez dias, TIAO (mum berro) — Um garoto! MaRIA (rindo feliz) — Ti... Maria — Psiu!... Seu maluco! TIAO — Dévum beijo! (Beijam-se.) Tio — Nao! Fala sério! Mania — A chuva jd parou, vamo indo... ‘Maria — Parece que sim, TiAO (vai até a porta) — Parou nada... Vem vél TIAO — Mas nio esti certo, certo.. Manta — Tit quase, quase.. MARIA (indo até a porta) — E esquisito ele ‘TAO — Eu ja vi ele assim uma porgio de ver, fica olhando 0 céue AO — O jeito, nega, € casi logo... i ae “ parece nio senti nada... — Se tu quisé, eu fico feliz! - - amie ae ° Maria — Nao sente mesmo, ta todo molhado! AO — Ora, se quero, Marco o casamento amanhi mesmo! De pore TAO — E como faz samba, o danado, Ficou assim depois que aquela mulata deixou ele... Maria — Precisa fied noivo antes ‘TIO —Nio di... Depois comega a aparecer, vai dé bolo na tua casa, MARIA — Mesmo de antes ele era diferente. Ta nunca vai me deixal. Maia — Nao aparece logo nio. O bolo dé também se a gente casd sem noivi... TIAO — Nunca! E tu? TIA — Entio, é fazé 0 noivado logo... MARIA — Nunca! $6 se tu deixa de sé meu Tido!. MARIA — Mas, Tido, 86 se tu quisé mésmo... TiA0 — Nunca vou deixé de sél... J4 ouvin a letra desse samba dele? 2 2B TIAO (cantarola) — Nosso amor € mais gostoso, Nossa saudade dura mais Nosso abrago mais apertado Nés nao usa as “bleque-tais”. Minhas juras so mais juras Meus carinhos mais carinhoso Tuas mao sio mos mais puras, Teu jeito € mais jeitoso. Nés se gosta muito mais, Nés nao usa as “bleque-tais” MARIA — Bonito!... E tu diz que nio se ajeita no morro, me dei- xou triste, TiAo — Esquece! Marla — Quem é que a gente vai convidé pra festa? CHIQUINHO (num pesadelo, acordando) — Balisa!... Ahnnn!... Nao senhora... (Senta-se no colehdo assustadissinto)... O qui Maka — Eu disse que acordava, TIAO — Nao foi nada. Dorme, Chiquinho. CHIQUINHO — Océs tio ai?.. Que chuva, hein? Maria — Fala baixo, senio acorda sua mie. CriquiNo — Foram ao cinema? TiAO — Filme de deserto. CHIQUINHO — Que legall... Eu tava sonhando com escola de sam- ba... Quem t4 tocando? Tio — Juvéncio. (CHIQUINHO (desaprovador) — Manco e andando na chuva... MARIA — Que € que tem uma coisa com outra? CHIQUINHO — Escorrega mais... Tem café? TAO — Se tive € pra amanha... E nao vai fazé barulho que a velha levanta daquele jeito... MARIA — Sabe, Chiquinho, nés vai fic4 noivo daqui dez dias. CHIQUINHO — Boal... E quando casa? TKO — Logo. CHiquINHO — Eu quero casi com Tezinha também... TIAO — Deixa de onda moleque! CHIQUINHO — Vou casi sim, Deixa eu entra pra fabrica... TIAO — Fabrica nfo dé sustento pra ninguém! CHIQUINHO — Dé pra tu, dé pro pai, pruqué nao vai da pra mim? TAO — Dorme, vi... CHIQUINHO (deita-se, coméca a rir) — Tido, mamac é gozada pra burro. Ela dé as bronca, mas tem esportiva. Hoje ela quis me baté com a colhé de pau. Eu me baixei e a colhé quebré na pe- dra. A mie xingava e ria, xingava e rial MaRIA (rindo) — Dorme se nao tu acorda ela. Tido e Maria abragam-se sorrindo. OTAVIO (entra de capa, sacudindo 0 guarda-chuva) — Ué, que € isso? TiM0 — Bsperando a chuva pass Mania — Boa noite, seu Otavio! OrAvio — Salvel... Pegaram muita chuva? Maki — Um pouco. 4o passa tio cedo, nao. Deixa chové que espanta o calor. Deixa 0 guarda-chuva num canto e comeca a tirar os sapatos. To — De farra, hein pai? OrAvio — Farra?... Farra vio vé eles Li na fabrica. Sai o aumento nem que seja a tirol... Querendo podem aproveité o guarda chuva, t furado mas serve... En acho graca desses caras, con- trariam a lei numa porgio de coisas. Na hora de pag querem se apoid na lei. Vai se preparando, Tiio. Num dou duas semanas ¢ vai estouré uma bruta greve que eles vio vé se paga ou nio. (Vai até 0 mével e pega uma garrafa de pinga.) Pra combaté a friagem... Se nao pag, greve... Assim é que é.. TIAO — O senhor parece que tem gosto em prepara greve, pai. OTAvio — E tenho, tenho mesmo! Tu pensa o qué? Nao tem ou- tro jeito, nao! E preciso mostra pra eles que nés tamo organiza do. Ou ru pensa que o negécio se resolve s6 com comissio? Com comissio eles nao diminui o lucro deles nem de um tostio! Operirio que se dane. Barriga cheia deles é 0 que importa... (Apontando a garrafa) Nio vio queré um golinho? MARIA — Sabe, seu Otavio, o Tido resolveu uma coisa... TiO — E sim, pai. Nés vamos ficd noivo! OTAvIo — Hum... Se se gosta mesmo é 0 que tem de fazé! TIA — Isso nao tem diivida. Daqui dez dias nés fica noivo.. OTAVIO — Nao té meio apressado, nao? TIA — Ten de sé mesmo. Vamo faze log OrAvIo — E uma teoria. $6 que nés, 6, dinheito é pouco... MakIA — De todo 0 mundo... OTAVIO — Vem dizé pra mim... ROMANA (interrompendo, sonolenta e furiosa) — Tem festa e eu nio sabia? OrAvio — Chilli! ROMANA (a Otavio) — E nio vem depois se queixa de reumatis- mo. Andando na chuva, preparando encrenca, depois de velho fica bobo... (A Maria:) Como vai, Maria... E melh6 ir andandos sua mae daqui a pouco desentreva ¢ vem te procuri... OTAVIO — Calma, mulhé, calma. ROMANA — Calma, sim! Quem levanta daqui a pouco sou eu!.. Quem acorda vocés sou eu! Quem faz café sou eu!... (Caindo em si) Mas que gandaia € essa. TiM0 — A chuva, mie, Paramo aqui por causa da chuva. Depois, Papai chegou e tamo conversando... OTAVIO — Vio ficd noive daqui dez dias... ROMANA — Té tudo louco! Nao podia espers até amanha pra fal de besteira... (A Maria:) Desculpe, minha filha, nao € contigo, ‘do... Mas esses dois nao pensam em nada. Chegam berrandoe a velha que se dane sem dormi, lavando roupa, acordando an- tes pra acords eles... (Quase berrando) Que noivado é esse? TIAO — Resolvemo fica noivo, m. OrAvIO — Daqui a dez dias... ROMANA — E isso € hora de se mare noivado? (Furiosa, a Oté- vio:) Tu tava falando em greve. Nao me vem com confusio de novo, Otivio... Noivado, greve... Ea burra que se dane aqui... CHIQUINHO (sentando na cama) — Me, eu também vou... Romana (cortando) —E tu dorme ai que ndo é nada da tua conta Eu acho bom cada um ir pra sua cama, amanhi a gente conver- sa. (A Maria: )Num é nada contigo nio, Maria. Esses dois € que sio de amargi... (A Otdvio:) Deixa essa pinga e vem dormi que tu amanha tem de levants mais cedo... (Sai,) OTAVIO — 6 furacio! Coitada, tem razio... Aranha a gente con- versa melh6. Daqui dez dias, vamo lé... Até amanha, moga... Leva o guarda-chuval.. Marla — Até amanha... CHIQUINHO e TEREZINHA ne eee (cantando) — Minhas juras sio mais juras, TIAO (estd sério, evidentemente preocupado) — Mamie é d TEs Meus carinho mais carinhoso, Maria — F 0 jeito dela... Eu gosto dela toda a vida... 5 Tuas mio sio mais pura ‘Teu jeito é mais jeitoso Nés se gosta muito mais Tio — F boa, sim!.: mos indo... violao aumenta como se Juvéncio estivesse tocando Nés no usa as “bleque-tais"! encostado a porta do barraco, OTAVIO — Vio acabar com esse berreiro ou nio vio?! MARIA — Que foi, Tito? ROMANA — Deixa eles, Ordvio. Festa é pra canté., Tio — O que? OTAVIO — E eu t6 consertando essa droga pra tocd, mas quero ‘MARIA — Tu té preocupado, € por causa do garoto? Nao quero a que tu case por obrigagio. Os dois cessam a castoria, TIAO —Nio diz bobagem... Greve agora nao vai nada bem... Sem OrAvIO (a Romana) — Cade a porca? pre da bolo... ROMANA — Que porca? MARIA — Vamo indo... OTAVIO — A do parafuso! CHIQUINHO — Tido! . ROMANA — Eu que vou sabé! Deve ti af pelo chao! Tido volta OrAvI0 (proctrando) aqui. — Chiquinho, vé se faz alguma coisa, ajuda CHIQUINHO — Diz pro Juvéncio continud tocando aqui perto!... Os dois saem. CHIQUINHO (achando logo) — T’aqui, pai. ROMAN — Ta tudo atrasado. Num deu pra fazé nada. E lava a foupa € faz comida, ajeita as bandeirinhas. Ainda bem que tu Yai, Terezinha! : QUADRO IL CHIQUINHO E TEREZINHA Bs eT eee ee Teseinia — Eu até que num fz nad. . Nossa saudade dura mais Nosso abraco mais apertado 6s ndo usa as “bleque-tais"! ROMANA — Podia ter feito mais mesmo, As banderinhas do terrei- ro tio uma bela droga, Chiquinho estd para roubar um sandviche. OTAvIO — Filho da mae, pra empresta uma porcaria dessa era melhor nao ter emprestado nada! Romana (batendo-lhe com a coll capeta! Iher na mao) — Deixa isso af, 28 CHIQUINHO — Me dé um, mae! RoMANA — Dé 0 qué? Num tem quase nada! Vai tudo ficd com fome; mais nio tem! CHIQUINHO — Me da RoMANA — Cala a boca! Me faz um favor, Tereza, me pega aquele tacho que ta la fora. TEREZINHA — Onde? RoMANA — Perto do barril de chope! Terezinha sai apressada. OrAvio — E barril grande ou pequeno? RoMANA — Pequeno, ué! OTAvio — Num da pra nada! ROMANA — O dinheiro que tu me dew dé pra muita coisa... (CHIQUINHO — Me dé, n ROMANA — Menino, se tu soubesse como me irrita esse teu “me da”, tu saia correndo & num voltava mais! OTAvIO (as voltas com a vitrola) — Acho que essa droga aqui no tem mais jeito! Romana — Foi-se o dinheiro que tu me deu ¢ ainda tive que pedi emprestado pro Braulio. OTAVIO — Logo pro Bréulio! ROMANA — Precisava, no é! OTAVIO — Bréulio t4 mais duro que poste. ROMANA — Mas dew. 30 OTAVIO — Vai ver que era dinheiro do armazém ou do aluguel. Ta ndo deve pedi mais nada pr’aquele negro. E capaz até de ver- der as calgas pra presta um favor, -ROMANA — Segunda-feira mesmo eu devolvo.. OFAVIO — Puxa! Até que enfim! CiHIQuINHO — Consertou? OTAVIO — O radio acho que sim! (Liga 0 nédio. Ouve-se a Ave: Maria das seis horas.) Reza que a fome passa. (Liga a vitrola,) Deixa vé a vitrola... (Comega a tocar A voz do morro.) Batate! ROMANA — Até que tu serviu pra alguma coisa! OTAVIO (owve um pouco, depois desliga a vitrola) — Chiquinho, tu comprou a Champanhe? ROMANA — Champanhe? OTAVIO ~Noivado de meu filho é com Champanhe! (A Chiquinho:) Onde é que tu botou? CHIQUINHO — O g (Entra Terezinha com 0 tacho.) OTAVIO — A Champanhe! CuiiQuiNHo — Eu inda nio compreit OTAVIO — Entio, que € que tu esta esperando, vai compra! Ja te dei o dinheiro. CHIQUINHO — Pois é, deu! OTAVIO — Tu gastou o dinheiro, desgragado? CHIQUINHO — Gasté nao gastei... Perdi! TEREZINHA — Perdeu sim, eu vi ROMANA — Cala a boca que tu nao é mulhé delet. OTAVIO — Tu me dé esse dinheiro, menino, se aol... CHIQUINHO — Perdi, palavra! OTAvIO (correndo atras dele) — Seu safado! Agora € que eu te mostro quanto vale cinco mil cruzeiros, E quase um salirio de teu pai, filho da mae! (Correm pela sala, Romana também pro= cura acertar Chiquinho.) TEREZINHA — Ah! Nao bate nele... Nao bate ne OTAVIO — Nao corre que é pior! Quando eu te pegi eu dou dobrado! TEREZINHA — Deixa cle, seu Orivio! ROMANA — Noivado de teu irmao, sem Champanhe... Tu gastou em figurinha, desavergonhado! CHIQUINHO — Gastei ndo, mae, pergunta pra Terezinha! TTEREZINHA — Gastou no, perdeu. Eu vi. OTAVIO — Ta viu quando perdeu? Entéo por que ndo pegou? ROMANA (apanha as figurinhas do chéo) — E tu vai perdé figurinhas também, seu capeta. CHiQUINHO (parando) — Ah! Me dé mie! OrAvio (agarrando-o) — Te peguei, seu capitalista! CHIQUINHO — Perdi, jurot (Safit-se do pai e sai correndo.) OTAVIO (conendo até a porta) — Aproveita a corrida e vai pedi mais duas dizias de cerveja no boteco... E volta logo se nao eu te racho! Voz bE FORA — Deixa de valentia, 6 velho! OrAvIO — Vai te meté com tua vidal ‘TEREZINHA — Nao fica com raiva, nao, seu Otivio. Ele perdeu! ROMANA — Deixa de s# mentirosa, menina. E demais! (Apontan- do a menina.) Isso ai pegou paixio por Chiquinho. Daqui a pouco vamo ter outro noivado... OTAVIO — Com esse estrepe de meu filho? Tu té bem arrumada! TEREZINHA — Que nada! Ele ainda meio crianga! ROMANA — Crianga, eu sei! Crianga que faz crianga nao crianga, Terezinha, com uma risadinha, sai correndo. ROMANA — Ta louca! Ta reparou? Hoje em dia, essa mogada ta tudo de cabega viradal.. OTAVIO — Que é que tu queria, vivendo assim!... Deixa mudé de regime pra tu vé como melhora... (OMANA — Nao comega com tuas ideias, Otvio, pra mim isso € coisa do diabo e ta acabado! OrAvIO (brincalhdo) — Tu ti velha e burral ROMANA — Burra, sim... Aguentando o tranco aqui. Ta chega feijio na mesa. Tu sai: café na caneca, Tu toma banho: camisa lavada. O ordenadg nao deu? A burra lavou roupa e arranjou a gaita... OFAMIO (brincalhdo) — E vai me dizé que tu é a tinical... ROMAN — Ah! Tu 96 tem é prosa! Porque leu nos livro. Porque velho disse, porque o velho falou. Eu sei que se nao sou eu ¢ da murro, nds tava é fazendo o enterro das criangas. Uma ja fo O1AvIO (apés breve paxsa) — Devia ti uma mogonat ROMANA — Era bonita a danada.., OFAVIO —Sabe uma coisa que eu nunca te disse? Tu é valente toda vida minha velha! RoMANa — Chord pra qué? Melh6 pra ela, A beleza nio durava muito, nao, Eu acho que é assim que devia sé. Os filhos deviam morré antes da m: OTAVIO — Que € isso, velha! ROMANA — Ora se devia! A mae devia ciiidé dos filhos desde a hora deles enxergi o mundo, até a hora deles dizé adeus. Nas horas de aperto todo mundo berra: “mamie!" — na hora de morré quase nunca ela té perto. Eu tive perto de Jandira; ela morreu sorrindo; era noite de Sio Joio... OrAvi0 (abragando a velha) — E hoje é 0 noivado do garoto.. Nada de cara triste... Cadé ele, hein? RoMANA — Tomando banho nz casa do Eduardo! OTAvio — Deixa eu da uma beliscada, RoMANA — Larga isso, homer OTAvIO — Sabe, eu acho que ele vai se dé bem com Maria! ROMANA— Ela é muito boazinha... Ta sabia que ela € diplomada? OrAvI0 — Nao. ROMANA — Sim senhor! Diplomada em corte e costura. Ganhou até prémiol OTAVIO — Ja € uma profissio. (Belisca mais um sanduiche...) ROMANA — Otiviol... Nao sobra nada! OrAvio — Eu &s vezes fico pensando na situagio do Tio. Ele nio se sente bem com a gente, nao ROMANA — Por qué? OTAvio — Ele viveu bem com os padrinho... A mudanga foi dural pra ele.. ROMANA — Tio nio ia fied servindo de pajem toda vida, ia? OTAvIO — Mas a mudanga foi dura... Tido ainda hoje é o tipo dal rapaz de cidade, feito pra mora em apartamento... Romana — E melhé do que mora em barraco... 34 OTAVIO — Claro! Mas geralmente 0 sujeito melhora de casa e muda as ideia. © problema de Tido é esse — mora em casa errada! Dando um duro danado a gente se convencen que melhoré s6 com muita luta... Tido, nao, Ele ndo quer melhor, cle quer volta a ser. ROMANA — Tu devia é deixa de 1é essa livraiada que tu vive lendo, Aposto que nao ficava vendo problema onde nio tem, 10 — O pior € que tem... Mas ele vai sé feliz. com Matia.. ROMANA — Estefania é que nio precisou de muita luta pra melhoré de vida! Marido dela era porteito de um clube gri- fino. Muito puxa-saco, esperto que nem ele s6, arrumou dinheiro emprestado e alugou apartamento, Fizeram rendez- vous, ta bem?! Agora jé compraram apartamento; 0 marido deixou a portaria e trabalha no escritério do clube. E é respei- tado. Tudo quanto € sécio é fregués do rendez-vous. Ten to- dos eles na mio... Tao felizes, contentes... e sem muita luta, seu Oravio!... OTAVIO — Deixa isso, vamos embora, répido! RoMANA — Pra onde, seu louco! OTAVIO — Monté um rendez-vous! ROMANA — Cruz-credo, Ave-Maria, sai pra lit OtAvIO (abragando-a) — Melhor mesmo, s6 com muita juta, D. Romana! TeREZINHA (fora) — Viva a noiva, viva a noiva! Mania (entrando) — Boa noite, meus sogros OFAvIO — Pensei que nio vinhal... Makia — Pedi pra saf mais cedo da oficina inas nao houve jeito! O1AvIO — Otha s6, Romana. Até que se eu fosse mais moo... Romana — Eu te dava com 0 martelo na cabeca, velho sem-ver- gonha! (Para Maria) Ah! Maria, que trabalho... Té tudo ainda uuma desordem... E lava a roupa, ¢ faz comida, e ajeita bandei- rinha e faz sandufche, Mania — Imaginol... Eu queria ajuda, mas a madame nao quis sabé de me deixa sai... RoMANA — Ah! Jé tou acostumada, Trabalho é bom, OTAVIO — E sua mae como vai? Maria — Na mesma, coitada. Muitas dores, ndo pode nem mais sentar, Ta tdo triste, queria que a festa fosse Ii... ROMANA — Pena que ela nio possa v Mania — O Joao vem representé a familia. Ela disse pro senhor ir 1 em casa; td doida por uma prosa. E € melhé ir depressa, por- que do jeito que vai daqui a um més ela no pode mais falé.., RoMANA — £, t4 no fim mesmo!... OTAvI0 (repreendendo-a) — Que tiada, Romana! Isso trata! RoMaNa — Isso!? Desculpe, menina, mais isso no tem cura, Nem pai de santo adianta mais. Olha, dou mais trés meses ¢ olhe Id... E é melh6, hein!... Mais tempo sofre mais! OTAvIo — Tirou o dia pra dizé bobagem! Roma — E a verdade, ¢ da verdade ninguém escapa, meu nego. E depois, cadcia foi feita pra ladrio, caixto pra defunto. Pra que ficé enganando os outros? E 0 fim mesmo. E ou nao € mi- nha filha? Maki — Ti na mao de Deus! ROMANA — E depois é um dinheirio em remédio! OTAVIO — Nio hi de ser nada, nfo. Tem muito tempo pela fren- te. E eu ainda you prosé muito com a vethal TEREZINHA (fora) — Viva o noivo! Viva 0 noivo! 36 ROMANA — Tamo até com porteiro anunciador!, NAO (entrando) — Minha santa! A mulher mais feliz do mundo. Fica noiva do rapaz mais bacana da Leopoldina. (Passa @ méo + pelo cabelo,) Manja s6 a cabeleira. (Abraca Maria.) Ta bonita, mulher! Como é, mae... E as comida? ROMANA — Perto do teu pai, diminuindo! OTAVIO—~E intriga. Teu irmao € que tava comendo o tempo todo. TIAO (beliscando no prato) — O noivo tem direito. Bem, gente.. Hoje é meu dia... Ja ganhei presente de noivado... ROMANA — Saiu 0 aumento? OTAVIO — Que aumento! Sem greve nio sai aumento! ROMANA (repreendendo-o) — Otivio!... TAO — Aumento nada... Tive minha chance no cinemal... RoMANA — Como € que.é? OrAVvIO — Explica isso! Maria — Cinema? TAO — Cinema, cinema, Vistavisio, Cinemascope e outras vigari- ce... Cinemal.., ROMANA — Ah, vai tomé banho! Oravio — Explica isso! TAO — Muito simples. Tou calmamente vindo pra casa quando eu vejo um monte de gente, policia... Nao tava com pinta de ser desastre... Fui espiar nao é... Fura aqui, fura ali, cheguei perto das cordas de isolamento... Era uma filmagem! Uma porgio de artista, uns cara correndo de Ié pra ca, 0 diret6 da fita de boina nna cabega... De repente, 0 cara de boina me chama... Eu fui, né... Ele mandou eu andé na frente da maquina e dizer: “Que beleza”. E eu disse Maria — E depois? ‘Tis — Depois ele filmou. Eu andei de novo € repeti: “Que beleza”. ROMANA — E quanto tu ganhou? OTAvIO — Parece gringo! Trio —O que eu ganhei? (Tira um cartao do bolso:) Esse cartio! — Gineasta-Anténio Di Rocca, — Escrit6rio, Av. Gettlio Vargas. RoMANA — Deus faga que esteja em bom lugar! Tio — 1.058, Ta bom? ‘Maria — Mas do que adianta? TIAo — Meu amor, do que adianta? © homem achou que eu te- nho panca pro trogo. Mandou eu aparecer por li pra acerta novos detalhes! OTAVIO — Nao sei, nio. Tiko —E fato minha gente! Tidozinho diretamente da Leopoldina para a Cinelindia. (Cantarola misica de jornal da tela e teatral- mente para Maria.) Desde que te vi meu coragio ficou partido, minha alma cheia de fogo, agora te abrago e me redimo dos meus} pecados. Zi endi! Que tal?! ROMANA — Minha filha deixa-esse Tirone Pover af € me ajuda al evar esses pratos Li pra fora. O pessoal deve ti chegando. Tiko — Cagoa, cagoa que nao te dou entrada de graca! Maria — Até que seria bom, hein! Tido — Seria nio, minha nega, vai sé! (Saem as duas levando pratos.) « OTAVIO — E sétio isso? TAO — Ora se €, t4 aqui 0 cartio! 38 Or vio (lendo) — Di Rocca. Brasileiro 100%. To — Diretor de cinema e estrangeiro por luxo. Seu filho, meu pai, ti de caminho feito. O que é que diz af a vanguarda cesclarecida? O1Sv10 — Que ta tudo podre e que € preciso da um jeito, is80, que devia dizé. Mas esses vagabundos de intelectuais ficam dis- cutindo se o velho era um filho da mae, ou nao, se os bigodes atrapalharam ou deixaram de atrapalhar! E aqui continua tudo subindo, ninguém mais pode vive, e eles discutindo se o velho cra personalista ou nao! Que vio toma banho! Ti\o — Tem uma nota sobre a greve na primeira paginal... O1AvIo — Se até as oito horas da noite no derem 0 aumento, reve geral na metalirgical TAO — Ninguém tem peito, pai! O1AvIO — Como no tem peito? Ta esquecido do ano passado? TiAo — Eu nao tava I, O1AvIO — Mas eu estava! Deram o aumento ou nao deram? [No — Deram parte do aumento, parte! E mesmo assim porque todas as categorias aderiram! Mas aguenté o tranco sozinho, OrAvio — Espera s6 a assembleia de hoje e vai ver se tem peito ou nnio! Eu tinha avisado, hein! O ano passado entramos em aco: do com o patrio e foi o que se viu. Agora, aprenderam. TA0 —E por que entraram em acordo? OrAvio — Porque parte da comissio amolecew T\o — Ti vendo, ai! Se, em greve de conjunto metade da turmra amoleceu OFAvio — Metade da turma nao senhor! Metade da comissio. Tio — E entio? Or{vio — E entio, o qué? Eram pelegos! A turma topava mas t- nha meia dizia deles que eram pelegos. A turma topava, os pelegos deram pra tras. Tio — Nio, pai. Pro senhor, quem nio pensa como o senhor € pelego.. OTAvio —Nada disso! Eram pelegos no duro. T’ai a prova: td tudo bem-arrumado na fabrica. Tudo chefe ¢ fiscal. O que € isso? Peleguismo, traidores da classe operiria... Tiko — Entiio metade da turma Ii da fabri tudo com medo da greve! é pelego, porque ta OrAvi0 (furioso) — Nao diz besteira, seu idiota! A turma que taf ‘a mesma turma que fez greve 0 ano passado e que aguentou tropa de choque em 51... TiAo — E por isso mesmo “tio cansados ¢ nao querem sabé de arriscd o emprego... OrAvio — Tu té discutindo como um safado!... Pois fica sabendo {que [d tem operario e no menino-familia pra medré, ROMANA (entrando) — Nao grita tanto homem! $6 vive discutin- do politica! (Pega mais sandufches ¢ sai.) OrAvIO (baixando a voz) — Ta vai me dizé com o resultado da assembleia de hoje! (Pausa.) Tiio — Os pelego que furaram a greve 0 ano passado tao bem de vida, OTAVIO — Depende do que tu chama de bem de vida. Pra mim: teles estio na merda, merda moral que é pior! Se venderam, né! Tio — E! (Pansa.) Eu queria casi daqui a um més, pail OrAvio — Bom! Tiho — O senhor gosta de Maria, nio é, 40 OLAvIo — Pode ser uma boa companheirat 1140 — Ela é diplomada, sabia? OFAvIO — Tua mae me disse... Que é que tem isso? Diploma ndo vale nada. Esse governo que Pai é tudo diplomado! Analfabe- ta mas honesta, mal-educada, falando errado mas com... com nquele (procurando), aquele treco que s6 a gente tem aqui ce (bate no peito). Essa € a mulhé que eu queria pra meu lilho.. TiAo — Além de tudo, ela tem esse... treco, pai! O1AvIO — Sei no. Ta parece que ndo tem... 10 — Por qué? O1\vlo — Tu tem medo.. TiAo — De qui O1Avio — Uma porgio de medos... Um é de perdé 0 emprego. Ti\o — Nao € medo.. Oy Avio — Entdo por que tu foi vé se arrumava emprego no escri- torio da fabrica? Tio — Ganha mais. O1Avio —Tu também procurou na farmaicia do Dalmo.. Is ganha Tio — Foi s6 pra ter uma ideia...* . O14vio — Sinceramente? Ti\o — Nao tenho nada pra escondé! OFAvio — Ta acha que aguenta as luta da fabrica sem medo!... TiO — Se os outros aguent’. OFAvIO — Se no aguentasse? TIAO — O senhor acha que a turma vai topa a greve? OTAvIO — A assembleia é hoje a noite. Braulio ré Id, ele vem com as novidade... ai um que tem esse tal treco... Empres- tou dinheiro pra nos... E capaz de vender as calgas pra presté um favor. TiAO — Tem poucos assim! OrAvio — Engano. TiO — Ninguém vale nada, pai! OrAvio — Como voce tem medo! TiAo (irritado) — Mas medo de que, bolas! OTAvIO (imperturbivel) — De ser pobre... da vida da gente! TIAO (com um gesto de quem afasta os pensamentos) — Ab! Tou & nervoso... fou apaixonado, pai... Nao liga, nao! Entram Chiquinho e Terezinba. TEREZINHA — O pessod té chegando! OTAVIO (@ Chiquinho) — Ta comprou as cervejas, seu estrepe? CHIQUINHO — Duas diizias, pai! Né, Tezinha? TEREZINHA — Comprou sim, seu Otivio, eu vit Entram Romana, Jodo e Maria, RoMANA—T’af o geno, Oxivio, Olha s6 que pratio de dove que ele comprou.. OTAVIO — Pra que se incomodi, seu Joao!... JOAO — Deixa pra li... Como é que é, Tid0.. Tih — Tudo bom... ROMANA — Mas vamo sent, Jodo, uai! Cadeira s6 uma, mas tem caixore! . Jodo e Maria sentam-se nos caixotes, a cadeira fica vazia. O1AVIO — Vamo entio dé a partida. Tenho uma caninha af que € tum regalo. Vamo vé? Joo — £, uma caninha vai bem! Voz DE MULHER DE FORA — Romana, 6 Romana! Romana — Ea Euldlia, j4 vai pedi coisa! (Alto:) J4 t6 indo, sua cha- ta! (Sai. Chiquinho e Terezinha acompanham. Os homens bebem.) Joho —E boa. Tio — Pauls, Joho —O pessoé té atrasado. O1Avio— Vem tudo junto. Se entré a vizinhanga € que vio sé clas! JoAd — Vé 14 0 Carmelo, hein! O1AVvIO — Esse se ented sai a tiro! Tio — Moleque arruacciro. Joho — Um cara desses devia t em canal OrAvlo — Dedo-duro da policia lé vai em cana?! Tem até regalia! NoMANA (entra esbaforida) — Mais um pra sofré! A Candida do 36 vai da a luz... OFAvIo — O morro t4 em festa, hoje... NoMa — Qual festa! A mulhé té berrando que nem uma bezer- ta, Pra mim € mais que um. Aquilo é gémeo no minimo! JoAo — Entio isso nao € motivo pra festa, D. Romana? ROMANA — Pra tu pode sé, que no vai t@ que sustenté... Eu sou que nem japonés: morreu faz festa, nasceu desata a chori! Joko — Assim, também nao... MARIA — Ela t4 precisando de ajuda. ROMANA— O mutherio t4 todo la. E depois, eu ensinei uma sim- patia que € tiro e queda, Num dou mais duas horas e os bichi- rnhos vio nascé que nem rolha de champanhe! OTAvIO — Chamaram a parteira? ROMANA — Ji! Mas nio era preciso, nao. OTAvIO — Romana, tu ndo entende do negécio. Fica inventando moda, é capaz de complicé a mulhé... RoMaNa — Ora, te aquieta, Otavio... Joio — Eu acredito em simpatia. Meu tio uma ve Entram com estardalhaco: Jesuino, Dalva e dois casais. JESUINO — Miisica pessoa que nés chegamo! OrAvIo — Ora viva, pensei que tivessem ficado em outra festa pelo, caminho! ROMANA — Seu frajola, descarado! Oia s6, faz a gente esperd mais, de més e depois aparece com a cara limpa, limpa... JesuiNo— Dé cé um abrago, minha velha! (Para seu Otdvio:) Como) 6 seu Otavio, tem miisica ou nao tem? DaLva — Palmas pros noivos! Todos batem palmas; abracam-se, cumprimentanda ‘Tido e Maria. OrAvio — Vamos ficando a gosto, minha gente. A casa é de pobr ROMANA (gritando para fora) — Chiquinho ¢ Terezinha! Vao pre parando 0s copo que a turma ja vai entri no chope... TEREZINHA (de fora) — J4 tamo preparando! 44 O1Av10 (indo @ vitrola) — Dei um duro danado consertanda essa roga, vamo vé se ndo desmerece, RoNIANA — Pro que é emprestado tudo serve! Ji vino — Fal6 a véia de ouro! Rotana (rindo) — Da mais um abrago, moleque sem-vergonha! CHIQUINHO (entra com Terezinba) — Olha o chope! (Comeca a O1Avio — Funeionou! JisutNo (chamando) — Darvinha! Datva (pulando pra Jesuino) — Té aqui! Jisuino — Vamo mostré como se danga! Dancam agarradinhos, passos de gafieiva. OFAvio — Olha Ii eu sou mestre-sala! Ti\o — Maria, nao vamos deixa eles passi na nossa frente nio, gruda aqui! Dancam também, os outros riem. Otévio vai de par em par separando 0s que esto muito juntos. OFAvlO — Nao eseracha que essa gaficira € de respeito! inho e Terezinha entram na danca. Romana (apontando) — Oia s6 esses dois! JisuiNo — Trocé de part Jesuino pega Maria. TiAo — Vamo néis, Darvinha! Pikezina — Cuidado, Maria! EiIQUINHO — Zuino, tio te passando pra tras! OTAVIO — Logo agora que ele vai trabalhé no cinema, tu precisa tomé cuidado, se nao te passam pra tris mesmo, Maria! DALVA — O qué? O Tiio também vai trabalhé no cinema? * RoMANA — Chegou todo prosa, minha filha. Joio — Até que enfim vou ter parente rico! DAtva (espantada) — O Jesuino também vai. Prosa tava ele.. JesuINO — Trocé de par! (Trocam novamente.) ‘T1AO (contrariado) — Tu também, Jesuino? JesINO — Uail! Sou mais feio que tu por acaso? DALVA— Ele ti de encontro marcado com um cineasta! Um italianol OTAVIO— Que nem o cara que falou com 0 Tido! $6 da estrangeiro, JESUINO (parando de dancar, no que é acompanhado por Tido) Ta aqui, Antonio Di Rocca! Tio — Eo meu, oral JesuiNo — Nio! Esse é 0 meu. DALVA — Entio, esto os doist OTAvIO — Parec O cartéo € 0 mesmo! TIAo — Pois é! Tu encontrou 0 homem na rua, no foi? DAA — Que nada, ele foi na fabrica procurd o Jesuino, Tio — No duro, DALva — Foi sim! ROMAN — Cinema sim, eu sei. Iss0 é conto do vigirio! JesuiNo — Conto nada, D. Romana. © homem até me pergunt se eu no conhecia um tal de Sebastido... Eu nao me lembrei Tido, pensei que fosse outro... Ao (irritadissimo) — Devia ser outro. Porque eu encontrei o homem na rua. Disse “que beleza” na frente da maquina e ele marcou encontro comigo... Ele nio me conhecia ante J!SuiNO — Mas vocé no disse pra ele que trabalhava na fabrica? Tio — Disse, J/SuiNO — Entdo foi isso! H1REZINHA — Arranja lugs pra mim no filme? JisuiNo — Tu queima qualquer fital CiiQuINHO — Queima nadal... JiSUINO — Perdao, eu tava s6 brincando!... Mania (que se mantivera séria ouvindo) — Puxa, que coincidén- cia, & Jisuino — Parece até mentiral ViA0 (rindo amareio) — Parece mesmo! (Mudando logo.) Mes como € que € Vamo anima isso ou nao vamo? (Recomeca a miisica,) RoMANA — Quem quiser dangar é melhé ir pro terreiro, mais espago! OFAvIO — 0 pior € que nao tem muita luz!... JisuiNO — Que é isso, compadre. Pior nao, melhor! Daiva — Faz de conta que € “boite” (promuncia como estd es- crito) Romana — E, “boite” de pobre s6 pode ser terreiro escuro! Tho — O chope ta la fora é 36 ir servindo. Teeezinta — E 0 pedido? MARA — Ja nao, pera ait TEREZINHA — Mas vai té pedido? me JesuiNo — Vamo I4 Tido, te animat TIAO — ’Ta cedo ainda! ROMANA — Mete 0s peitos, rapaz! OTAVIO—O pior é que no tem nada melhé pra beber. O Chiquinho quebrou a garrafa de champanhe! ist CHIQUNHO — Eu perdi, pai, palavra! (Leva um tapa.) Datva — Cémo € que é, Tido! Jusuit TiAo (a Maria) — Vamo? 0 Mania — Vamo! (Todos se reiinem em volta da mesa.) Jus TIAO (em meio a um grande siléncio) — Bem... hum... seu Joao. Eu 1 conheci Maria, gostei... e quero casi... porque gosto dela, € ela fi\c de mim... E s6. (Palmas.) hi JoAo — Seu Sebastio, eu, em novine da famia de Maria, em nome de nossa mae que doente nao pode esté aqui, eu quero dizé pra Jy todos que é com alegria e sastifagdo que nés te recebemos nal famia, fazendo o Gnico pedido que tu faga a Maria feliz! E quel ny esteja tudo na graga de Deus! DAIVA fenquanto todos batem palmas) — Muito bem, assim m1! que é! JEsuiNo — Um viva pros noivos! eu Tio TODOS — Vival... OrAvIO —E com cachaga mesmo! (Serve clices,) Aos nossos filhos! Ao futuro casamento € a Libertagio do Brasil! P Tc ROMANA — Otavio! CHiquNHo — Pro terreiro pessos, tem chope! INHA — Vamos pra “boite”! Saem todos menos Romana, Jesuino e Tido. NA — Liga o bichinho ali, Tido! Tido liga a vitrola. De fora vém risadas. Romana vai 0 outro quarto, Jo — Tia quer mesmo € cartaz, hein, vagabundo? — Cartaz, por qué? ) — 0 negécio do filme. —Ond e ru encontrou o cartio? NO — Onde tu encontrou também. Na subida do morro. Ti 1 uma porgio, tudo esparramado! — Ni fica te fazendo de besta que tu também inventow uma t6ria (P — Romana atravessa a cena, cantarolando, diri- 0). — Nio foi pra me mostr4, nao. Foi pra Dalvinha té mais isa comigo, me ach mais bacana. Tu sabe como é mulhé. Elas s6 querem cartaz! — Eu inventei essa hist6ria por causa dos velhos, Eles fica- 1 contentes. No — Tua mie achou vigarismo... Da boca pra fora, No fundo ‘té se babando! E 0 pai en- 1? ingiu que nio ligou, mas ficou todo bobo. Pra eles é bom, {ém a impressio que a gente pode subi mesmo na vida. E isso m que podia té acontecido mesmo. 10 — Ah! Lf isso podia... Com franqueza, velho... Me dé uma secura de saf daquil 49 JEsuINO — Sim, e ir pra onde. ‘TIAO —Embora! Nao te enche essa vida, nao? Trabalha, trabalha. € sempre lutando... E pra qué? JesuINo —E 0 jeito,é se vir Escuta, tu ndo ti topando muito a TAO — Deixa isso pra Ii, amanha a gente conversa, JesuINo — Essa greve di bode rapaz! TIAO — Deixa, deixa... Vamo li pra fora... Maria ta Id fora sozinha. CHIQUINHO (na porta) — Com’é Tid TiAo — TO indo, 16 indo... (Balbiirdia na porta — entram todos com Briulio.) Mania — Chegou 0 Braulio. “Té com noticias da fabrica! OrAvio (dando a cadeira a Bréulio) — Senta, homem, té cuspind © pulmao! BRAULIO (arfando) — Eta subidinha braba! ROMANA — E eu que subo isso umas quatro vezes por dia! BRAULIO — A senhora € de ferro, D. Romana, O nego no tem purmdes ld muito em dia, nao! OTAVIO — Boa a Assembleia? BRAULIO — “Tava, Maria — O que resolveu? BRAULIO — Pera af, deixa eu acalmé o ar! Voz DE FORA — Romana, 6 Romana! RoMANa — O! Gente chata! (Sai.) ViO — Nossa turma ‘tava toda la? 10 ~ $6 faltou voeé (continua arfando e enxugando 0 suor com o lengo). Tu vai bebé uma caninha da boa. Se ainda deixaram pra esse negro, (Serve pinga.) NK \ULt0 — Pouguinho, Orsvio, pouquinho! (Beberica um pouco.) hem, minha gente, segunda-feira greve geral! (Siléncic.) OLAvIO (triunfante, olbando para Tido:) Eu nio falei? A turma 6 do barulho! Niko (6ério, abraga Maria) —Tinha muita gente li? NkAULIO — Tinka, tinha.,.. A turma do sindicato ‘tava toda. 10 — Jitem gente aderindo? BuAULIO — Por enquanto é muito cedo... Nao, 0 negécio nio vai t Sopa, Segunda-feira, cedinho, vamo se concentra na porta da empresa. Vio queré obrigé a gente entr, mas nds nao entra! 1) — Nao vai ser sopa! iio € a primeira que a gente fa2! Silencio, Bréulio be NHA — Danca comigo seu Orivio? — Dango sim! (Brincalhdo a Chiquinho:) Nao adianta me lh feio. Chiquostio — Pai, eu perdi o dinheiro, num joguei, nao! OFAvio — Ti bom, vai... PhkeziINHA — Vamo dangé no terreiro! (Sax la aumenta devagarinho. Sebastido continua estdtico abracan- Maria que o olba preocupada. Bréulio beberica...) Biblioteca da nsituo Federal de Parana Campus Curitiba BRAULIO— Dé cd um aperto de mao (Maria e Tido seguram as mdos de Bréulio). Felicidades pra vocés:. Quando é que casam? TiAO — Dagui um més, eu queria... dagui um més. Pausa, 0 samba aumenta. ROMANA (que comeca a gritar de fora irrompe aos berros) — Eu falei! Nasceu, nasceu! Gémeos. A Candida teve gémeos... Mi nha simpatia nao falha! PeSsoal a festa muda pro 36, a Candida FIM DO PRIMEIRO ATO (Mesmo cendrio. Domingo de manba. Romana ocupa- se com a casa. Chiquinho zanzando pelo barraco. Tido nna porta do barraco absorto em seus pensamertos.) QUADRO I Homans — O que estraga é que homem nao pode vé festa sem bvebé. Teu pai sabe que ndo pode bebé e jé tava de cara cheia. {)iQuINHO — Gozei foi com o porre do Mauro. Levou um bruta tombo na descida... Rasgou a calga... HOMANA — Aproveita o exemplo, Chiquinho... Quando tu f a festa, bebe, mas ndo mistura. : CHiQuINHO — Eu misturei e nao aconteceu nad: Nodana — Tu deixa de salincia, garoto... Nao aconteceu aada. odo mole dormindo no colo da Tereza. Se tu tivesse bom ia leva uns tapa. Hpiquintio — Dormi foi de sono, nao foi de porre! HOMANA —O Braulio € que € duro na queda... T4 com os purmao arrebentando, mas bebe bem... CHIQUINHO — Gozado 0 jeito dele... Um pouquinho, sé um pouquinho... E vai engolindo... (Pega um Gibi e senta-se.) ROMANA — E a Candida, coitada, quase morrendo, com a casa, cheia de bébado... Tu viu, Tido? Uma porgio de bébado em volta dos gémeos: “Que bonitinho!” — Até bébado esses caras nio tém franqueza. (Pausa.) Nao sei por que essa mania de aché ccianga recém-nascida bonita. E feio que déit E se puxaram a mie vio ser mais feio aindal... Ei, Tido, t4 me ouvindo.. TAQ — Hum!? RoMANA — To falando contig¢ TiKo — Sei. RoMANA — Sabe 0 qué? Té ficando louco? TIO — Té pensando. ROMANA — Na morte da bezerra? Tio — Em como seria bom viajé. Pegava um avigo e zummuuum Ia embora. Tomava café aqui, almocava na Bahia... Jantava m México... Dormia no Japfo... Eu e Maria... Jé imaginou se Mari fosse japonesa que gozado? RoMANa — Té de porre ainda... Tiko — Tou ni ROMANA — Mas que ontem tu tava, tava. TiAO — Um pouguinho... ROMANA — Pouquinho muito... Sorte que teu pai também tav senio ia sai muita discussio... © que tu disse pra ele nao se di TIAO — O que foi que eu disse? ROMANA — Ento tu nio lembra? TAO — Palavra que nao. RoMANA — Ainda bem... TAO — O que foi que eu disse? RoNANA — Um monte de ingratidio... Que o culpado da tua vida cra teu pai... Que a gente devia té te deixado com teus padri- nos... Que se tu tivesse na cidade, Maria nao ia precis4continud trabalhando € um monte de besteira... Tio — Bebedeira Romana — E, mas é bébado que a gente se abre... Eu fiquei cismada, TiAo — Nao tem motivo mae... RoMANA — $6 se tu fosse burro poderia queré té ficad> com os teus padrinho. TAO — Isso nfo... Se nao fosse eles eu nao tava vivo... RoMANA — Nao faz romance... Cuidei de Jandira, cuidiva de tw também. TNO — Com papai na cadeia, a senhora sozinha, duvide muito! Romana — E mesmo se nao cuidasse, eles nio fizeram coisa mclhé... Conhego aquela laia, queriam é pajem pros filhos, um criadinho... E vieram com a conversa de educa vocé, de fazé voce um homem... Entdo por que nao te puseram na escok Prt ie pro grupo foi um custo... Ta hoje podia ta T\0 — Mas nao t6... O que pass6, pass6! Nomana — Mas que tu té meio enfezado, t4... Que & & a ressaca? Ti\o — Preocupagao... Tenho que casi no més que vem.. Wonana — E casa uait... Quem resolveu foi tu mesmo, aguenta Tio — Mas € duro, ma CHIQUINHO — Eu fico... (Tido sa arruma uns trocado? ROMANA — Todo mundo acaba casando, Duro é .) Mae... a senhore podia me mas a gente sem= pre se vira... TIAO — Sabe, mae, uma coisa que me invoca. RoMANA — Pra qué? continua trabalhando depois de casada... E Maria té de CiIQUINHO — Pra ir ao cinema com Terezinha... CHIQUINHO (imperturbavel, lendo o Gibi) — Pensamento burgués... HkEZINHA — Tem filme do Oscatito... ROMANA — A conversa ndo chegé na cozinha... E se tu vive repe- tindo 0 que ouve teu pai dizé, vai para em cana sem sabé por qué... (A Tido:) Que € que tem trabalha? Nao mata, nio... Olha eu... 6 aqui dando diro ano mais ano e ainda no morri. KOMANA — E teu ordenado? CiiQuINHO — Cabs. : Rotana — Entio vai ao cinema pro més, pra aprendé néo esbanja! Tio — fi. pees CHIQUINHO — Esbanjei nao... Seu Alvaro é que descontou uns ROMANA — Tu ti € precisando de um purgante... trogos que sumiram do armazém. TAO — Té bom, NOMANA — Tu anda roubando as coisas do Alvaro, seu safado? ROMANA — Tu € outro que ndo pode bebé... ThktZINHA — Cruz-credo, D. Romana, rouba nio! TEREZINHA (entra correndo) — Seu Otivio ti quase brigando no, RoMANA — Tu cala a boca anjo da guarda! botequim!... io da guard. CHiQUINHO — Roubei nada, mae! ROMANA — Nossa Senhora, pronto... Esse Otivio!, NoMana — Eu vou convers4 com ele. Mas fica sabendo, se tu ti- ou um feijdozinho que for tu vai apanhé tanto que nem sei! TEREZINHA — Ta quase; ainda nao td, nio! E por causa da greved Seu Anténio disse que greve 6 coisa de vagabundo. Ai, seu Orda vio disse que vagabundo era quem ganhava dinheiro com barriga encostada na caixa. Af, seu AntOnio disse que quem nd consegue dinheira ¢ porque nao gosta de trabalhar. Ai seu Ord vio disse que seu Antonio era ladrio e “caspitalista”. Ai, ee ficaram berrando que nio entendi mais nadal... Pega uma trouxa de roupa e sai. Ther zivHA — Tu roubow HiiQUINHO (assustado) — O qué: : ROMANA — Isso ainda dé encrenca... ie Tio — Dé nko... Seu AntOnio é 0 portugues mais de nada que lg wl'*'N"O— Roubs, eu nto roubei, nao! a PeknzinHia — E por que tu nao reclamou com o seu Alvaro? Ago- RoMANA — Vai Id, Tido... Diz pra teu pai cri jufzol... oem iene cremal THO —& Nio te preoeup, no. 0 velho fala, mas aca ihn” gesntanta nada feclams... Ele tem de desonté de em nada... (Vai saindo:) Vamo Chico... 56 7 ‘TEREZINHA — Mas nio té certo! CHiQuINHO — E depois, eu nao roubei, mas deixei roubst TEREZINHA — Chiquinho, tu deixou?! (CHiquiNio — Deixei. Mas ndo tive culpa, no, Eles me obrigaram.. TEREZINHA — Quem? CHiQuINHO — A turma do Tuc’, aquele moleque sardento que vende amendoim... A turma dele € braba... A Amélia tava chei- nha de compra, Tinha trés duizias de fruta, uma porcio de cho- colate ¢ 0 uisque do Dr. Pedro. Eu passei perto do Tuca... tava até rindo pra ele nao cisma comigo! Mas foi pid, perguntd pruqué eu tava rindo... ‘TEREZINHA — Eu se fosse tu quebrava a cara dele! CHIQUINHO — E uma turma de mais de vintel... Tiraram tudo! ‘TEREZINHA — Mas tu deixou? CHIQUINHO — Que jeito? E depois eles foram legais. Me deram fruta € chocolate... TEREZINHA — E tu devolveu CHIQUINHO — Tinham tirado mesmo! As fruta eu comi, 0 choco late eu te dei, TEREZINHA — Aquele chocolate que tu me deu era esse? CHiQUINHO — Era! TEREZINHA (com raiva) —Tu mente, hein, Chiquinho! Tu nao diss que tinha guardado dinheiro s6 pra me dé chocolate? CHIQUINHO — Fic mais bonito, num ficd? TEREZINHA (cangada) — Ta mente muito, (Passa.) CHIQUINHO — Tezinha, tu gosta de mim? Tr keZINHA — Num sei, nao! CHIQUINHO — Diz que gosta! TV REZINHA — Ta € muito encrenqueiro, vive apanhando. Nao faz nada direito. Depois fala em casi! Cas de que jeito? Pruqué tu no contou a seu Alvaro 0 que aconteceu com as coisas? Ele nao te descontava. CiiguiNHo — Conté eu contei! Ele nao acreditou. Disse que no me mandava embora porque tem bom coragio... Mas descontou! Thkr2iNHA— Podia ter contado tudo pra seu Otdvio, ele dava am jeito! CiN1QUINHO — Ele nao ia acredité. E depois, se acreditasse, ia me chamd de frouxo! Tiki 2iNHA — Tu foi sim! ChiQuinto — Foi o qué? TvkiZINHA — Frouxo, mole! Eu dava um escindalo! EHiQuINHO — Mulhé pode da escdndalo, homem nao! Tem de aguentd calado; malandro ndo estrila, aguenta a mao! T)kiziNHA — E fica sem dinheiro... ChiQUINHO — Mas aguenta a mao. (Pausa.) Tezinha, se eu pu se cu te dava tudo! . TkiziNtia — Chocolate roubado! HHiQuesio — E gostoso do mesmo jeito! Phirzintia — Isso €! (Ri.) Sabe 0 que eu queria, Chiquinho... Os dourado da Igreja... Ta nao acha bonito? Aqueles pano bren- quinho e tudo dourado. Tem cada Nosso'Senhor grande. HWiQuis1i0 — Eu acho mais bonito tetreiro! TEREZINHA — Nio tem nada dourado! Ror ANA — Amor, eu sei! (CHIQUINHO — Mas tem fantasia, danca! Tikt2INHA — Nao € nada, nao. Brincadeira! TEREZINHA — Mas nio tem Nosso Senhor! . CHIQUINHO — Brincadeira? Entio tu nj gosta de mim? CCiiquisHo — Mas tem uma porgio de santo! h ZINHA—Ta é burro hein, Chiquinh o! (Sai correndo, Chiquinko TTEREZINHA— De cabeca pra baixo, ¢as velas tio grudada no chao, nio tio enfiada em castig A — Que bonitinh CHIQUINHO — Mas tem cantoria, na missa nao tem! MANA — Quero vé beleza, quando Tezin ‘ ha fica de barriga TEREZINHA — Como € que nio tem? Deixa de sé bobo, tem mais do que em terreiro! — Que nada, D. Romana! CHIQUINHO — Mais € que nio tem! NA — Que nada? Co : Fens Weunse® © mundo, nega... Vocs vé tudo reenen sa. Eu ndo. Vejo ali, na batata. O que é, é. (Pausa,) Mania — Tido demora? CHIQUINHO — Nao tem, Tezinha! Kowana — Dagui a pouco té aqui! Mas fala com ele, t viu... Fala iniesmo... Se tu t TEREZINHA — Tem, tem, tem, tem! Diz que tem, se no, nio fal i com cisma, omelho é ha mais com tu! 5 MAkiA — Mas a senhora nao achou CHIQUINHO — Ah! Deixa de sé boba! ae ele tava esquisito? Homana — Preocupado, + Noivado, casamento, greve... bebedei= fa! Isso passa ‘TEREZINHA — Nao falo mais com tu! CHIQUINHO — Entdo temt... Tu nao sabe conversé! Quer sempt Mania Eu chego até a pensi que ele & capar de furd a greve! t€ razdo... Por isso é que eu gosto da Amélia, Com ela nio te aimee ieee eee Moma — Tio? Deixa disso... Tilo €filho de Otivio, o maior Wreveiro carioca... Mas por qué? J TEREZINHA (indignada) — Que Améli 4 : ae Win — Fala em greve, Tio emburra... Ontem ele tava meio CitQuintio (rindo) — A cesta. a cesta de compras.. fase ibs uma porcio de coisa, que isso no € vida., Que TEREZINHA — Tu € biruta mesmo, vive dando nome pras coi tru fo ee to dé futuro pra ninguém... Que a gen Me nunca iat sossego... Ele té com medo que a greve nie de Chiquinho ri. Terezinha ri'também... Os dois aca erto € que seu Otavio, ele © 0 resto da turma perca o emprego... gargathando e beijam-se. Entram Romana e Maria IROMANA — Bobagem!... E depois, as greve que Otivio se mete ROMANA — Que sem-vergonhice é essal... ppbre dew certo... Tio té € bebado... Mas falacom ele. melha We ulte23~- Se ele tivé com vontade de fazé bobagem tu pode Alé aconselhé... MARIA — Amor, D. Romana! 60 Maia — sim! ROMANA — Nao vai espera Tido? ROMANA — Tiso fura a greve nada... Tido é operario, pode té suas MaklA — Encontro no camino... esquisitice, mas nao foi feito pra adulé patrao. ROMANA— Ent Senta, Z1 “ee "a la pra fora! ino. Fica & vontade. ue MARIA — A senhora tem razio JesuiNo (entrando) — Opal. H'SUINO (a Maria) — Encontrando Tito, diz que té aqui RoMANA — Entra béhado sem-vergonha... Tu € escandaloso hein, MARIA — Ta bem... (Saem.) peste? Jesuino fica s6. Assobiando um samba, vai até o fogao, ne, serve-se de café. Examina os miveis, ave uma gaveta, Encontra um papel, lée cai na gargalbuda. ROMANA — Tu soltou palavrao que nio foi vida. ROMANA (fora) — E teu pai? Jesvino — Costumel... Com’é, noival... Cadé Tiio? N40 — Nao houve nada, nao. Ele foi procur ROMANA — Foi tir Otivio de uma confusio... Daqut a pouc vaqui No (entrando) — Té rindo sozinho! 4 0 Braulio, JesuINo — Contente, moga? J!SUINO — Disso aquit Tu € poeta, é Tido?! MARIA — E nfo € pra ti? TNO — Larga isso, metido! Jesuino — Tu € quem sabe! J!SuINO — Tido, tu apaixonado é a coisa mais gozada que eu ja vil. Maria — TO sim... To - Tu precisa perdé essa mania de xereté 0 que om fo é da tua JEsuiNo — Assim & que ROMANA — Entio, amanha océs tio de greve... . Com raiva, rasga 0 poema. PIsuiNo — Cuidado, Tido! A gente n; JEsuINO — Pois é, mais uma... mulhé, nao! iio pode ficd muito caido por Mulhé gosta € de dureza... Olha a Dalva... Se en fosse muito babao ela jé tinha me botado pra tré diss nuito babao ela js tinha me borado pra tis. Eofha que eu Oravio deve té com a louca! Seu Otivio deve té Mio ROMANA — Mais alguns cruzeiros. Tesuino — E precist 4 Deixa de prosal... Tu foi vé 0 Carlos? ROMANA — Nem me fala... $6 isso que me dé medo... Oravi en rete a Pisvi'vo — Fui, mas néo encontrei, Foi pra Petrépolis. Falei com 0 JES.1INO — Vai dé tudo bem. Magia — Eu you indo, D. Romana... Mamie t4 sozinha! 2 68 {Jesuino — Se a greve gord, eles despedem os cabega. Se nio gord... TiAO — E do nosso caso? JEsuINO — S6 0 Carlos pode resolvé... Amanhi ele taf, E mais que certo, Se nio conseguir emprego no escrit6rio, vai pra che- fe de turma, Dez mil a mais! TAO — Ja melhora... E sem greve! JEsuiNo — A condigdo 6 essa. Ficd do lado deles, € vigid 0 movi- mento do pessoa TiAo — Espiso! Jesuino — Espito, nada! Auxiliar de geréncia. Tio — Mas € 0 jeito... Esse negécio nao dé futuro, Jesuinow Greve! Greve! E daf? A turma fez greve 0 ano passado, jd tée outra... e assim por diante. Tu consegue um aumento num greve, eles aumentam 0 produto, condugio, comida, tudo! Tu ta sempre com a corda no pescogo... JesuiNO — O jeito € 0 cara se defendé como podet. Tio — Sabe, Zuino. Maria vai té um filho meu. Jesuino — O qué? TIAO — Maria vai té um filho meu! Jesuino — Ta brincando!.. TIA — Ia brincd? Preciso casi no més que vem... E te juro ‘alma de minha mae que eu caso com Maria e no fago ela pa necessidade. O negécio € consegui gente com boas relagi Dai é subi... Jesuino — Tem um porém... TiO — Qual? JesviNO — Se a greve der certo, o pessod vai xingé a gente de quanto €nomel—* TAO — Quem tem de sustenta mulhé sou eu, nao eles! Proble- ma é meu, nao deles! Que fiquem por ai com suas greve, eu ndo sou trouxa, Ja imaginou, Zuino... A gente entra pro es- critGro, Faz um curso de qualgué coisa, si da abrica earruma JISUINO — Nao € tio facil, ndo... TAO — Precisa da duro! E muito mais inteligente do que ficd fa- zendo greve por trés mil cruzeiro.. i ee Vou sé franco contigo, o desprezo do pessod me mete Tio — Que desprezem! Amizade deles nio me ajeita na vida! J)suiNo ~ £ essa mania. Chamam logo de taidd, pelego.n. 1i\o — Traidé, nada! Greve é a defesa de um direito, nés rao. «ju6 usd esse direitoe té acabado. Cada um resolve seus galhos tomo pode J)svlivo —A gente pensa assim, eles nao. £ um pessod teimoso! Tik0 — Nao, velho, #6 resolvido. Vou casi e vou té a vida que ew quero t&, Vida de morro estraga qualqué amd! Pisin — Encdo, tu t4 resolvido a sai dagui? To — sea greve der certo, é 0 jeito. Mas duvido. Ninguém ade- Hiv, a turma té sozinha, vai gord. Se gord fico mais um fouco. 1 em negécio com um barraco. Fico por lf até arranjé pouso Hi cidade ae BUINO — Sabe, Tido. Eu acho que tu nio pens6 direito nas Konsequencia disso! W) — So vivo pensando nisso, Zuino. T6 resolvido.. o O negocio, aa € ter uma chance “batata”! O que a HPFIO © © aumento é 86 de pouco.., ae Tiko — Enquanto nio tivé outra chance, essa é a melh6! Como td nao pode fica. Isso & vida de cio! JesuiNo — Sabe, outro dia, o “Gri-Fino” veio fal4 comigo. Con- Versa vai, conversa vem, me elogid, disse que eu tenho panca, ttc, ¢ tal, Resultado, me convidd pra turma dele. Tho —E mu? JesuINO — Eu nfo disse nem que sim, nem que not Tio — Se meté com ladrio nao dé fururo pra ninguém! Jesvino — O pid é essa mania do cara ser direito Tiko — Direito o cara tem que ser. JEsUINO — Direito! Todo © mundo rouba! Os maiord af, tio pi ‘cima mas nio é indo a missa, nao! E roubando no duro! ‘Tiko — Tu td pegando barco errado! Jesvino —Te garanto que resolvia. A gente no tava aqui com e problema TiAo — Vocé vai se dans! JesuiNo — Eu nao disse que vou tops! O pi6é isso, nio tea coragem! Primero arrombamento eu tava em cana diretOy ‘no hospité, morto de medo. Nao & questdo de sé honesto, £ medo! O que a gente nio tem, Tido, é chance! Olha, $6 no”, arrumava uns cobre, corista. Depois, tia 1 Essa era umay topasse o negécio com o“C prava um caFro, ia pra praga como mot ia té até escritério. O negocio é da chan perco de medroso! Tiko — Isso nio é chance, velho, é arapuca. Chance € a fab Chance é tu conhecé gente de posigio! Chance é tu té cal aproveita as situagio! JesuINO — Nio, velho! “Gri-Fino” tf che io do ouro! Jé iniagir ‘cara desse pessoal? Todo mundo convencido que vida da gel tessa € que ndo sai disso. E tu aparece com escrit6rio, secret Ai, ninguém vai te pergunta como n e pergunté como tu conseguin! Pode t@ rouba- do, matado... Ninguém pergunta! S6 querenié sé reu amigh. E tu diz: “Aproveitei a chance, companheiro”.. Muitos deses conseguiram ser até Presidente da Repablic TAO — Pois nao, seu Presidente. Hsuio — Conseguiram sim! Nox € que somo trouxa, eu mss! Nio tenho coragem pra pep a chance, vou ped poraue sou TAO — Ta bébado, Zuino! jeu pre ee cae pew a chance pra te mostrs. Chega- va a Presidente, liberavao jo de bicho eavitava a fina TAO — Chega, Zuino. Té enchendol... J!SuiNG — Nao posso falé nessas coisa que me pee nessas coisa que me da dor de cabeca, 1ii0 — Hum! JisuiNo — Tu vai sé pai mesmo? Gozado! TAO — Vou pegé minha chance! Jisulivo — Se a greve di reve der certo, 0 que pode acontecé é a gente lcvd muita hordoada do pesseall “ To — Dé certo, nadal... : Yisvino — Mas se der?! To — 0 jeito € arrisea! Vou fara a greve. Vou fa te, € ficd do lado dele, senahcan Jsuino — Tiao! Tem outro jeito... To — Qual? Tiwivo — Furs e nao furs. Tio — Como? a situagio pro Carlos. A gente finge Jesuivo — A gente explica io da bolo! que fura mas de combinagio com eles, assim n: TAO — A turma ia sabé logo! Tu parece que nunca viu piquete. Ia sé pid. E depois € covardia... ! Covardia por qué? £ um jeito melhé ancada. Ta pode evité inclusive o des bem com 0. Jesuino — Deixa de pancal do que se arrisca e leva p prezo da turma, Tu pode te arrumé na fabricae fics pessoal! Pensa bem, Tito! E depois, tu ja pensou em Maria, pensa como eles, € capaz de nio gosti.. é minha mulhé e gosta de mim. O que eu fizé ela (0 que cla podia acha errado € eu té medo de 14 posigio, contra a greve. Furo @ Tio — Mari vai aché certo! tomé posicao. Mas eu vou tom: greve ninguém tem nada a vé com isso! Jesvino — Otha, velho!... Eu me lembro do Torquato; arrebentas ram 0 menino. T1ko — Ta tem medo de briga, €? Depois, essa greve gorou antes de comes JesuNo —Tido, eu sou pela sorte. Vamo tird no palito, Se eu gan ‘a gente fura de combinagio com a geréncia: Se tu ganhé, a gent te fura de fato... TAO — Besteira! Eu t6 ftzendo isso consciente. Unico jelto a feu tenho é me arrumé, iio devo satisfagdo pra ninguém. Qu de faz’ greve a vida toda por causa quisé que se arrebente vive feliz com mil mixaria. Eu nio sou disso. Quero cas € mulhé! Se a turma quisé, pode dé o desprezo... Nesse mundo negécio € dinheiro, meu velho. Sem dinheiro, até 0 amor a ba! Pois eu vou sé feliz, vou t@ amé, ¢ vou té dinheiro, mem pra isso eu tenha de puxa saco de meio mundo! Jesvino — Ta té com a razio. Varo furd com peito! TIO — Que seja o que Deus quisé! JesuiNo — Am TIAO — Aguenta a mao. Po a a mio, Por enquanto ninguém precisa sabé. spove gs, fi tudo como ead! ne JeSUINO — Isso!... TiAO — Amanha, a gente i, a gente sai mais cedo e vai direto pra’fébr Talveza gente evite os piquete. Se for tudo como eu a ms gente vai entré na fabrica. Ai, o negécio nao t4 tao ruim, nio, J'SuINO — E se der certo, Tido? TAO — E aguenta a mio! besta, vai sé pio! Tu faz 0 que quisé, mas tua ideia J'SUINO — Jé nao t4 mais aqui a mais aqui quem fal6! Amigo é amigo, topado! TAO — Tu vai encontrd a Dalva hoje? JisuiNo — Ta claro. TiO —Eu vou ao a Eu vou ao parque, & noite, com Maria. Ja té funcionando? h INO = Deve t. Tina um brutocartaz, li embaixo, an do pra hoje a inauguracio! a T\o — Eu vou lé com Maria! O1AvIO (entra mum rompante, seguid 10 en mmpante, seguido de Bréulio arfante) — se que esses cafajestes iam reagir, eu disse! Ce Jisvino — Que é que houve? DiAvio — Px Drivio — Prenderam o Onofre, o Mara e 0 Tito, Ft hoje de nadrugada, Tao pensando que v4o meté medo na gente! IhAutio — i] Aviio — Tura de safadost Agora € que ¢ tempo de aguents wesmo, Nem que seja preciso pass mais fome, o jeitc & aguientat Psuivo — Por que € que prenderam? OrAvio — Porque so os cabegas. Querem met medo na rurma pra greve gord! Mas eu sabia que ia ser assimt BRAULIO — Eu tava dizendo ontem que nio ia sé sopal Jesuino e Tido entreolham-se. OrAvio —Turma de safados! E 0 Antonio do boreco dizendo que quem entré em greve € vagabundo! BRAULIO — E tudo isso por causa de mais trés mil cruzeiros. 1 0 balde cheio de roupa) — Chit Braulio! ra teu lado. O Zequinha veio avis pra tl fem uns home da policia na porta! ROMANA (entrando com O negécio t4 ruim p! no ir pra casa que t peiuL10—Jé tou sabendo! Querem vir pra cima de mim também E por causa do sindicaro. Deixa eles pra lat ko (saindo da sala num rompante) — Ta tudo errado, ttm errado! Pa OTAVIO — Que € que deu nele?t aixonado. (Cant JesviNo — Bobagem, seu Orivio. O Ti ido) Paixio quando puxa na gente, derruba o crist QUADRO IL Domingo a noite... Tido e Maria chegam em fret casa da moGdew TiAo — Contente? Mania — To! Tho — Pergunta? Maria — Tu gosta de eu? TiSO — Demais!... Pergunta de novo. Makia — Tu gosta? TIAO — Assim, nio, Pergunta inteiro. MARIA — Ta gosta de eu? TAO — Eu por tu era capaz de qualqué coisa! Manta — Nao diz isso! Ti80 — Palavral MARIA — Tava bonito 0 parque, nao? Tio — Tav ci AO — Tava... Tu comeu tanto sorvete que é capaz de fazé mal! MARIA — Desejol... (Tido ri.) E se for menina, Tid T1\0 — Esquece. Vai sé um muleque, parecido comigo. MakiA — Durval € nome bonito, sim. 11\0 — TA na hora de tu entr... Mania — Pera um pouco... Olha a cidade li embaixo! T\o — Tu nao gostaria de ir pra la? Mania — Hum, hum... ndo. & fria... Eu gosto do morro. Tho — Muito? Mania — Eu gosto d C ost0 do pessoal, Olha o eruzeiro, Tiéo! Como td bonito, cheio de vela aces... dbs Po — Macumba, Mani — Eu acho que tu fez macumba pra me pega To — Tu € que fez, mie de santo! Maki — Quem sabe?... Imaginou nosso barraco? Otha o b: a 0 barraco do Espanhol, Ta jé viu amor ta i eh ee 1or tio grande, ele e Luiza? Luiza tam- cana, hoje. Carmelo Tiko — Perto té 0 barraco da Zéfa. Foi em cana, hoje. C mat6 0 Bodinho... 10 fala em tristeza. Maka — TIO — Sio tristeza do morro. MARIA — Na cidade € pi6... $6 que ninguém se conhece... Comeca a viola do Juvén cio. Tiko — LA vem 0 Juvéncio... jo te mete em encre nca MaRia (abraca Tido fortemente) — Tido, nao te mete e amanha! TiAo — Que encrenca?! Marla — Nao sei. Nao te mete em encrenca! TAO — Nio tem susto! MARIA — Pensa na turma, Tido. Aqui todo mundo te qué bern. E eu mais do que ninguém. TKO — TA preocupada com qué? f yreve tu te aborrece... MARIA — Com océ! Porque quando fala em greve tu te ab é m que mulhé se mete. TIAO — Nao pensa nisso. Nao é assunto em que mulhé se me Mania —E sim... O que é que m tem medo.. é vem fal em medo? Medo de nadal en necro ores oe di bolo, a gente pode perdé emprego... Ah! Nao pensa nisso... O que eu fizé é pra nosso bem! Maria — Nio te mete em encrenca! TAO — Tu nio confia em mim? Maria — Confio!... THO — Entio, néo pensa mais... Fica quietinha, sem pens. Pensa 86 no Durval! Dele tu precisa cuida MARIA — Teus olhos me dio calmal... (Abragim-se.) TKO — Ta nio gostaria de viajs, vé nova gente? MARIA — Gostaria... Mas ia té saudade... TIAO — Tu ndo gostaria de sat daqui? Pensa! Maki (olha em volta) — Gostaria! Mas levando todo mundo Sligo: D. Romana, Mamie, Joao, Chiquinho, Seu Orivio, Eeainha, Zia, Flora..o Espanhol...tade mundo. (Olhando para © lado do cruseiro.) Até 0 cruzeito ld do alto... (Pausa.) — eve, la sem cruzeiro deve sé feia! TIAO — Eu nio acho favela bonita, Maria — Ni 0 € ndo... Mas a gente faz fic... bonita! Tu me faz a favela Tio + Vou embora... MARIA — Tido... Pede pro Juvéncio tocé aqui perto... TAO — Pego sim MARIA — Cuidado, Tito. TAO — Vai dormi... Betjamse.. Maria entra. Tido fica iluminado pelo re- fletor que se apaga em resistencia enquanto 0 sama cresce finalizando 0 ato, FIM DO SEGUNDO ATO 7 QUADROT ROMANA — Ta acordou cedo, hein? ROMANA — O café ja t4 pronto. TIAO — A senhora também acordou mais cedo.. RoMANA — Servigo, filho, muito servigo! T1A0 (procurando) — Cadé minha caneca? ROMANA — Pode deixd que eu preparo. Pio nio tem! TIAO — Nio faz mall... . ROMANA — Tu no dormiu quase nada... Tuo — £... ROMANA (apontando Chiquinho que ressona) — Esse gente nio acorda, vai até de tarde! TAO — F da idade. ROMANA (aproximando-se de Tido) — Tu ta enfezado por qué? Tiko — Eu? RoMANA — Deixa disso, fui eu que te fiz € te’conhego bem. Essa testa franzida nao me engana. O que é que ha? TiO — Nada, ué! ROMANA (com intengdo) — Tu vai fazé piquete? TiAo — O qué? ROMANA — Piquete de greve. Tu vai fazé? TIO — Num sei. Acho que j tem gente bastante. ROMANA — Num vai te meté em bolo, hein?! TIAo — Que bolo é que pode da? RoMANA — Greve sempre dé bolo? TiAo — Nem sempre. RoMANA — Policia chegou, tu sai de perto! Num vai te meté a valente! TIA — Nio precisa se preocups. RoMANA — Vé ld, hein? TIAo — Eu sei o que fago. Nio se incomode! ROMANA — Quer mais café? TIAO — Nao, ta bom assim! ROMANA — Nao vai espera teu pai pra sai? Tio — Nao! Romana — Por qué? “To — Pra qué: 76 ROMANA — Tu sempre esperal. ‘TiAO — Hoje ta muito cedo. Num vou espers.. ROoMANA — Ti bem, TiAO — Se Maria vier, diz pra ela nio se preocupa, Ela também té com besteira na cabega. Roman ‘A — Eu digo. (Pausa.) Tu passeou com ela ontem? TiAo (vestindo o palet6 e examinando a carteira e os documentos) = No parque. Tava bom... Ela comeu trés sorveres! (Sorrindo,) E uma esganadal. ROMANA — Ve a, hein? TIA — Deixa de bobagem, minha velha! ROMANA — TA com 0 endereco no bolso? TIO — Que enderego? RomaNa—O daqui. Se te acontecé alguma coisa a gente sabe logo! TIAO — Que é isso, mie! ROMANA — Tu td com o endereco ou néo? TIAO — Tou sim, tna carteira, ROMANA — Entdo, vai com Deus! ‘TIA — Eu volto logo! (Sai.) Romana tira um baralho da gaveta e dirige-se para a ‘mesa. Sentada, comega a distribuir as cartas como fa- zem as cartomantes. OTAvio (de dentro) — O Romana! RoMANa (escondendo apressadamente as cartas) — O que é? OTAVIO — Cadé minha cueca limpa? 7 RoMANA — Ta debaixo da trouxa de roupa. OTAVIO — Ta vive enfurnando as coisa! ROMANA — Sorte tua de eu ter lavado! (Vai até Chiquinho.) Eil Chiquinho, té na hora! CHIQUINHO (resmunga dormindo) —Terreito é mais bonito... hum, hum. Tem eantoria... ROMANA — Acorda estrepe, ta na hora! CHIQUINHO (idem) — Tou acordando... hummm... (Vira-se para 0 ‘outro lado.) OTAvIO (entra afivelando o cinto) — Puxa, dormi demais! RoMANA — Ti cedo ainda! OrAvio — Cedo, nada! Eu ja devia t4 na fabrica, preciso organiza ‘o meu piquete... TA pronto 0 café? RoMaNa — Ti quentinho! OrAMI0 (olhando para Chiquinbo) — Nao vai deixé ele chega atra- sado no armazém! RoMANA — Eu jé chamei ele, mas ti cedo ainda. Vou deixd ele dormir mais um pouco. OrAvio — Cade Tilo? ROMANA — Jé foi! OTAVIO.— Ja saiu? Ora essa... ROMANA — Tava com uma daquelas cara OTAVIO — E por que nao me esperou? RoMANA — Sei li, foi emboral. OTAVIO — O Tido é capaz de faze besteiral, 78 OTAVIO — Sei ndo! Desde quando a gente comegou a fali em gre- ve, ele anda meio esquisito... Mas ndo ha de sé nada. Taruimo | café, hein, Romana! ROMANA — Que besteira? | ROMANA — Deixa de luxo, velho! OrAvIo — Sorte que ta quente, a gente nio sente.bem o gosto! (Pausa.) ROMANA — Nio vai te meté em bolo, hein? OTAVIO — Que bolo é que pode da? ROMANA — Greve sempre da bolo. OTAVIO — Nem sempre. RoMANA — Policia chegou, tu sai de perto! Num vai t2 meté a valente! OTAVIO — Nao precisa se preocupét RoMANA — Ve [8, hein! OTAVIO — Eu sei o que fago, nao se incomode! ROMANA — Quer mais café? OTAVIO — Nao, té bem assim! RoMANA — Jé soltaram os tés que foram presos? OrAvio — Ainda nao. Talvez eles soltem hoje. A turma té fazendo forgal ROMANA — Eles nao iam solté ontem & noite? OrAvI0 — Mas nio soltaram. (Veste o casaco para sair.) Nio deixa © Chiquinho chegé atrasado. RoMANA — Eu acordo ele logo. Vé lé,-hein! 78 OTAvIO — Deixa de bobagem, minha velha! ROMANA — Té com o enderego no bolso? OTAvIO — Que enderego? ROMANA — O dagui. Se te acontecé alguma coisa a gente sabe logo! OrAvIO — Que é isso, Romana? ROMANA — Tu td com 0 enderego ou no? OTAVIO — Tou sim, té na carteira. ROMANA — Entao, vai com Deus! OrAvIO — Eu volto logo! (Sai.) ROMANA (fica um instante parada perto da porta. Lentamente, vai ‘até Chiquinho que continua ressonando) — Acorda logo, Chi- quinho. Jé t4 na hora! Chiquinbo resmunga. ROMANA — Vamos, vamos... Deixa de moleza! CHIQUINHO — Ah! Eu jé fui, mie! (Resmungando.) Porcarial... Qualquer dia eu fago uma greve também! Romana vai até a mesa onde volta a botar as cartas. tha absorta para cada carta que tira do maco, ora com jtibilo, ora com ar de profunda preocupacao. Chiquinho espreguiga-se, olha em torno e comeca a vestir-se len- tamente, ROMANA — Nio estou gostando € desse quatro de espada, CHIQUINHO (com voz de sono) — © que, mie? ROMANA — Anda depressa que se tu chews atrasado eu te racho 0 couro! CHIQUINHO (aproximando-se da mae) — A senhora t4 botando carta, & z 80 RoMANA — Nio esta vendo? CrIQuINHO — Entio a senhora ta cismada com alguma coisi? ROMANA — Vai te lava diabo! CHIQUINHO — F por causa da greve, né mie? ROMANA — Nao te mete onde tu ndo é chamado. CHIQUINHO (apontando as cartas) — O que é que diz ai? RoMANA — Diz que se tu nao for logo te apronta eu racho tua cabeca! Chiquino vai lavar-se na tina. ROMANA — Que seja o que Deus quisé! CHIQUINHO — Ser que a greve dura muito, mie? RoMANA — Sou eu li quem vai sabé?! CHIQUINHO — As cartas no disseram? ROMANA — Nao disseram nada. (Romana, decidida, agarra Chiquinbo e lava-Ihe energicamente o rosto. Enxuga-o.) Senta af pra tomé café! CHIQUINHO (obedece) — Assisti um firme bem bacana onte! Um firme de Oscarito. A Tezinha deu até escindalo de tanto ti. Era firme do tempo antigo! Cada roupa gozada! Tudo de cabs lo grande. No fim, o bandido levon uma bruta surra do Oscarito! ‘Mas era briga pra ri! A senhora precisa ir ao cinema, mie! ROMANA — Pra perdé tempo? Eu nio. CHIQUINHO — Perde nio, é gozado! Se Tido entrs pro cinema é ‘que vai sé bacana, Até 0 Tuca vai se bab todo! ROMANA — Tu est andando de novo com aquela turma? CHiQUINHO — Eu nio! Mas, se ele soubé que o Tio trabalha no cinema, ele vai se mordé de raiva, Aquele moleque € invejoso! 81 ROMANA — E se eu soubé que tu anda metido com aquela gente, tu vai apanha como nunca apanhou! CHiQuINHO— Puxa, mae! E por isso que a senhora td sempre can-" sada, vive me prometendo pancada! ROMANA (rindo) — Também tu vive se metendo onde nao dev Toma o café anda. (Pega um pedaco de pao da gaveta) E come esse pio! CHIQUINHO — Té duro, mie! RoMANA — Deixa de luxo e dé gragas a Deus! Pio melhor s6 no almogo € se a greve der certo, porque se nio.. (CHiQUINHO (para wn instante, como que ouvindo) — Ea Tezinhat ROMANA (admirada) — Tu tem antena, é! TEREZINHA (entrando) — Bons dias! CHIQUINHO — Veio cedo, hei ROMANA (a Terezinha) — Senta af, tu ti botando os bofes pra fora! ‘TEREZINHA — Eu trouxe 0 leite. Tem duas xicarast ROMANA — Bobagem tua, ‘TEREZINHA — Chiquinho precisa engordé! RoMANA — Tu tf acostumando mal esse menino. CHiquINHO — Qual nada. Me d§, Tezinha! TEREZINHA — TA frio! ROMANA — Vai assim mesmo. O café t4 quente demais! (Serve o leite.) CiriquiNtio — Eu tava contando pra mie o firme que a gente ‘TEREZINHA (comega a rir desbragadamente) — Gozado pra burro! CHIQUINHO — Eu nio disse pra senhora que ela deu escandalo de tanto rit TEREZINHA — A cara daquele homem é a coisa mais gorada que eu ja vi CHIQUINHO — Tu te lembra a hora da garrafada? TEREZINHA — E quando ele bateu com a luva daquele home de ferro na cara do bandido! Criquino — Nao! Melhor é o tropegio que ele leva na escada! ‘TEREZINHA — E 0 mocinho! Que carinha! CHIQUINHO — Carinha tinha a Princesa! TEREZINHA — Muito magra.. ROMANA (sem quebrar a vivacidade e 0 ritmo do didlogo) — Tu via © pessoal da fabrica descendo? TTEREZINHA (quebrando s6 agora o ritmo) — Senhora? Romana — Tu viu a turma da fabrica por af? TEREZINHA — Arguns! Tavam no boreco de seu Antonio. Seu Oré- vio eu encontrei na descida... RoMANA — Tido, tu encontrou? ‘TEREZINHA — Vi sim, tava dando uma bronca no Jesus. ROMANA — Por causa de qué?” TEREZINHA — Nao sei! ROMANA (a Chiquinho) — Vamos andando, seu Chiquinho. Té na hora! CHIQUINHO — Tou com uma bruta preguiga! ROMANA — Anda depressa, CriquiNHo — Vou pega a Ameélia. (Vai para 0 quarto'dos fundos,) ROMANA (a Terezinha) — Eles tavam discutindo sobre a greve né? TEREZINHA — Parecia sim. CHIQUINHO (entra com a cesta de compras) — TE logo, mie. (A Terezinha.) Ta vem? ROMANA — Deixa a menina sent um pouco. Que grudacio! Vai emboral : CHIQuINHo — Té logo. ROMAN — Vai com Deust ‘TEREZINHA — De noite eu venho aqui. CHIQUINHO — Ta. (Enquanto sai, berra o samba-tema que se per- de aos poucos.) ROMANA — Tu ja tomou café? TEREZINHA — Jé sim, RoMANA — Bem, toca a trabalhal! TEREZINHA — Muita roupa? ROMANA — Um montio. E tudo pra entregé amanhi “TeREZINHA — A tia também té dando duro. Ela aument6 os prego. ROMANA — Vai me descurp4, mas assim jf é exploragio! Ainda se fosse um servigo benfeitol... Mas nem passé ela sabe! TEREZINHA — E que ela td meia doente, jd no tem vontade. . ROMANA — Vontade eu também nao tenho, mas um pouco de capricho nao custa! Minha filha Jandira € que era um taco pra passa roupa. Ela chegava tarde dos baile! Mas nao tinha con- versa, passava roupa até de manhi alta! Também, durou pouco.. Eu avisava, mas qual! Mocinha, mocinha, na farra! Também, se destraiu, Tirou alguma coisa da vidal... Morreu numa noite de So Joao! TTEREZINHA (pensando) — O pai morreu em dia de Ano-Bom. Eu ndo lembro, era crianga, ROMANA (que enguanto isso arrumou a roupa dentro do balde) — + Bom, Id vou pra bica! ‘TEREZINHA — Eu vou com a senhora. Romana —E melhor ir pra tua casa, ajudé tua tia. E pode dizé pra cla que, pra mim, aumenti os prego é exploracio! TTEREZINHA (rindo) — Digo sim. Mas a tia nio é ruim de todo. Pegou a roupa da Candida pra lav, sem cobré tostio. E vai lava até a Candida ficé boa... RoMaNa— Com aqueles dois garoto pra cuidé, Candida, tio cedo, no vai té sossego!... (Saem as dias.) A cena fica vazia durante alguns instantes. A luz que vinha aumentando de intensidade, denotando 0 avan- ¢0 da manha, atinge seu maximo. ROMANA (de fora) — Ué, tu por aqui a essa hora? Maria (idem) — Queria fal com a senhora. Romana (idem) — Vamos entrando. Era sol brabo! MARIA — Nio precisa se incomods por mim, nio. ROMANA — Estou mesmo precisando de uma sombra, (Entram, as duas.) Ta falou com Tio? MARIA —Falei. Ele ti preocupado com o casamento da gente, Tem medo que a greve nao dé certo, de perdé o emprego e nao podé mais casi. ROMANA — E entio? MARIA —Ele disse que sabe o que fa juietei um pouco! ROMANA — Seja 0 que Deus quisé! Ta vai pra oficina, nio vai? Maria — Daqui a pouco... Sabe, D. Romana, eu gosto muito do Tiso! ROMANA (wm tanto espantada com o inesperado da frase) — Bom pra ele, Maria — Eu gosto muito da senhora também! ROMANA — Uai! Obrigada, eu gosto de tu também! MariA —"Eu acho a senhora o tipo da mie que sabe entender os filhos! ROMANA — Pode ser. MARIA — A gente tem confianga na senhorat ROMAN — Tanto elogio di pra desconfiat MARIA — Nao € elogio, nao. A gente nfo pode escondé nada da senhora, a gente precisa conti tudo ¢ pedi conselho.. ROMANA — Entio, tu qué me conté dlguma coisa. Vamos Ii! MARIA — A senhora sabe que eu gosto muito do Tio... ROMANA — Th ja disse isso. Eu acredito. Maria — Eu acho que ele também gosta de mim! ROMANA — Eu também acho. Maria (sem saber como continuar) — Pois é, ¢ quando a gente gosta, a gente gosta muito €... 4. € nao pensa muito... ROMANA — Pois é... ‘Maki — Quando conheci Tito, en gostei logo dele! Ontem, no Parque, eu vi que gosto ainda maist ROMANA — Minha filha, se tu qué me convencé que gosta mesmo do Tido, nao precisa dizé mais nada que eu ja éstou mais do que convencida! MARIA — Eu sei... Mas é que tem uma coisa que eu gostaria que a senhora soubesse. RoMANA — Entio, vamos Is. ‘Maria — A senhora se lembra de um batizado em Coelho da Ro- cha que nés fomos? ROMANA — Se lembro, 0 Otivio pegou um bruto pifio! Derois daquilo se convenceu que t4 ficando velho. Makia — Foi boa a festa. Romana — E depois? MariA — Eu fui com Tido, com a senhora... ROMANA — Com Otivio, Chiquinho, Terezinha, Jesuino, e dat? Vai falando menina, num precisa t@ medo MaRiA — Nés passamo a noite Iie... a senhora sabe... eu gosto muito do Tido e ele gosta de mim... ROMANA (com toda calma, Calmissima) — Tu té gravida, né, mi- noha filha? : MARIA (10 mesmo tom) — TO sim senhora. ROMANA — E ¢ isso que tu tinha pra me dizé? Maria — Eu estou escondendo de todo mundo, mas no queria escondé da senhora. : ROMANA — Eu tava meia desconfiada mesmo! ‘Marla — Desconfiada? ROMANS — E. A gente sempre muda de jeito quando fica mulhé de um homem e tu ficou desse jeito. MARIA — $6 nao quero que a senhora fique aborrecida! ROMANA — Eu, por qué? Problema é de vocés! MARIA — Nos vamo casi, Eu nfo conto pra ninguiém, Mamie vai ficd chateada se souber.. ROMANA — Pode deix. Eu no digo nada, nio. MARIA — E 0 que a senhora acha que eu devo faze? ROMANA — Pari, minha filha! O que é que tu quer fazé? ‘Mania (sem jeito) — Eu sei... Eu digo, devo esperd quieta até cas4? Vou precisa cas4 no més que vem! ROMANA — Por isso é que Tido t4 tao preocupado com 0 negécio do emprego, nao Maia — Acho que sim... E sim, ROMANA — Bobagem dele. A gente sempre se vira na hora “h”! Maria — E isso que eu queria conta pra senhora. ROMANA — Tua sorte foi ter encontrado Tido. Ele é bom garoto. ‘Outro talvez te largasse por ai. Tid0, nao. Nao precisa é medo! Maria — Nao tenho, nao. Eu sei disso, Por isso é que eu fui mulhé del ROMANA — Até que € gostoso sabé que a gente vai sé avé! Magia — Pois é! ROMANA — Osivio € que vai se Babi todo! Maria — Eu queria pedi mais uma coisa pra senhora, Nao conta pra mais ninguém, nem pra seu Oravio! ROMANA — Coitado do Oravio, ele ia ficd contente! Por causa de que nao conta? ‘Maia — Vergonha, Eu ia té vergonhat ROMANA — Vocés sio gozada! De fazé nao tem-vergonha, nio, €? Maria — D. Romana! 88 ROMANA — Ta bem. Nao conto nem pro Otivio, Mas vai sé duro... ‘Maria — Obrigada. A senhora € um anjo (beija a velha), Romana — Epa, vamos deixa de grudagio! (Intrigada.) Esse mun- do € gozado. Acontece as coisas pra gente e a gente nem sente. Tudo acontece assim, sem mais nem menos, “acontecendo”, Qual! Tu quer menino ou menina? Maria — Preferia menino, RoMANA — E Tio? Mania —Também (animada). A senhora imaginou se ele entré pro cinema? ROMANA — Com o tal do Rocca? Isso é conversa! MARIA — Quem sabe, as vezes... Tido vai fal com ele. RoMANA — O gozado € que o Jesuino também encontrou o tal Rocca! Nao, minha filha, af tem coisa! ‘Maria — Que coisa? ROMANA — Bobagem, deixa pra li! MARIA (depois de wm instante) — Durval! A senhora acha que se- ria um bom nome pro menino? ROMANA — Por que Durval? MARIA — Assim! Tem Orlando, Roberto... : ROMANA — Meu primeiro namorado, em Minas, se chamava Durval! ‘MARIA — Entdo, no pode. Vai se chama Oravio! TiKO (entrando) — Voct af dengosa? RoMaNa — Jé de volta? Maria — Como € que foi? 7 MARIA — Vin como foi facil? TiAO — Tudo bem. Z TIO — Nao foi tio ficil. Eu tinha meio Mania — Deu certo a greve? Fazio quando dizia que a turma nio top. No principio, uma porgio de gente queria Enird na fabrica. Os piquete é que trabalharam diteito ¢ con: tarp am todo mundo... O pai nso descansou. Acho que o par RoMANA — Mas a turma topou a greve? ‘tro nao deve gosté muito dele, nio! TiO — Como € que a gente vai sabé? $6. SS ROMANA ~ E aquele safado do Jesuino, em piquete também? MARIA (abragando-o) — Eu nao dizia? Pra que té medo? TKO — Deixa o Jesuino pra li, coitado.. ROMANA — Deu algum bolo? MARIA — Bateram em um que furou, é TiAO — Tinha muito policia na porta, mas acho que nao deu nada TAO = Uns tapa 6. A policia tou o rapaz do meio da turma eos Ri ‘Teu pai? outros operarios nao deixaram bater... OMANA — Teu pai Tio — Vi tante. Tava conversando com um cara que que ROMANA — Bom. Agora nés € que vamo ter uma conversinha! 140 — Vi um instante. Tava conver ria entra. Depois, nao vi mais. TWO (pondo-se em guarda) — Nés? Fs ean MARIA — Qué dizé que o trabalho parou mesmo’ ROMANA — Sim senor, sew ico! Entao o senhor é pai, no é? TIO (@ Maria) — Ah, voce veio cont? MARIA — Vim, Tio — Parou! ‘MARIA — E os que furaram a greve? TiAO — Um levou uns tapas. $6 isso. ROMANA (a cee ROMANA — Olha, tu me desculpe, mas eu tava com a impressio sado. E ainda fica quie que tu ia furd, sabe? Tu merecia umas bordoadas, sev apres- #0, com a cara mais cinica do mundo! MARIA — D. Romana! THO (vai até 0 fogdo e se serie de café frie) — E... RoMANA — Que D. Romana! Tu pao tem culpa de nada, mas ele MARIA — Quer dizé que t4 tudo em ordem? tem. Aposto que a ideia foi dele co a TIAO (com meio sorriso) — & mae, a senhora vai é avé! iho — Tat ROMANA — Tu devia ter vindo com o teu pai. Ele é capar de far ROMANA — Jé t& batizado, Vai sé Otivio! besteira. TWO — Nao era Durval? TiAo — Ele estava meio ocupado ainda... MaklA — Ordvio tem uma razio, Durval nio tem, ROMANA — Ainda bem que nio deu bolo. TKO — Entio, Otévio! 90 ROMANA — TA certo, nome do avé! Ele vai ficd se babando, mas essa bobinha no quer que conte. Otivio ia puld de contente. Tio — F, ele ia fied contente.. ROMANA — Deixa conta, va! MARIA — Nao conta, nio! RoMANA —Té bom, no conto... (Comeca a rin) Tou imaginando a cara do velho. Ele jf tem orgulho desse estrepe af, ainda mais com um neto! 7 TIAO — Nao sei, nao! Maria (abracando o namorado) — Que bom, né, Ti Tiio (abragando-a com forca) —Sabe mae, eu quero bem. E quando ‘a gente quer bem é capaz de uma porgio de coisas. ROMANA — Chil Li vem 0 outro dizendo que quer bem! Vai con- tando, vai! Maria também comegou assim: “D. Romana, eu gosto muito, porque eu gosto de verdade!” — Qual! ROMANA — Conta o qué? Vocés quando comegam a dizé que gos- tam ete. e tal, acabam contando coisas! Tiko — £ sé isso. Eu quero bem ¢ sou capaz de fazé uma porgio de coisas. BRAULIO (entra arfando como no primeiro ato) — D. Romana... Ufft... Eta, subidinhal... (Estanca ao ver Tido.) Ah! Voce j4 t& aqui! RoMANA — Nem esperou pelo pail BRAULIO —E nem podia esperd. Preferiu se esconde logo junto da mamie e da noivinha! : TIO — Nao te mete nisso Braulio! _BRAULIO — Nao te mete, no te mete! Assim é facil! Me desculpe D, Romana, mas nao sei por que seu filho veste calgas! 92 ROMANA (confusa e irritada) — Pera ai, seu Braulio! © que é que houve? TiO — Nada, mae! $6 que eu fui um dos dezoito que furaram a reve. Sé isso! BRAULIO — De tu eu nao esperava isso, Tido! ‘TIO — Braulio! Tu nao sabe porque foi! BRAULIO — Nio, velho, pra isso nao tem descul it 9, velho, pra isso nao tem desculpa, Tu traiu agen- te ¢ isso nao tem desculpa. : a ‘MARIA (segurando a mao de Tido) — Pot que, Tio? TIO — Nio te preocupa, Maria, O que interessa pra gente é que eu nio vou perdé o emprego. Eu entre, furci a greve, o encar- reed romon nora do nome da gente Deu mil eruzios pra cada um de gratificagio e disse que a gente nao ia arrependé. Pra mim é 0 que basta. “ ROMANA — Desta vez, filho, tu fez besteira! TiO — Cada um resolve seus gal Ive seus galhos como pode! © meu, eu re- solvi desse jeito. . 2 BRAULIO — Traindo teus companheiros! Se todo o mundo pensas- se assim, adeus aumentos, meu velho! TIAO — Eu no podia arrisca! BRAULIO — Arti “4 0 qué? ‘TIO — Meu emprego. A gente precisa viver! BRAULIO— O que é que tu arriscava, nio arriscava nada! ‘TIAO — Como nio? Se eu perco meu emprego como é que eu fico? BRAULIO — Nao fica muito pior, nao! Arriscé salério minimo é 0 mesmo que nao arriscd nada. E depois, todo mundo tem seus galhos pra quebra, ninguém ia aguenta muito tempo. Tu quis agi sozinho, meu velho, e sozinho nao adianta! 93 TiAo (obstinado) — Greve é defesa de um direito. Eu nao quis defender meu direito e chegal BRAULIO — Tu te sujou, Tido! Agora vai sé pior TiAo — Tenho meu emprego! BRAULIO (exaltando-se mais) — Ninguém vai perdé o emprego, a gente jé venceu a greve! Tis — Podia nao vencer! ROMANA — Chega de bate-boca! Vocés resolvem isso depois! MARIA (@ Tio) — Tu no deviat TiAo — Nio te preocupe, dengosa, eu sei o que fago!.. ROMANA (com amarguray — Por isso tu nio sain com teu pai, Por isso tu nao voltou com o teu pai BRAULIO — Nem adian.ava esperé... Otdvio foi um grande cara. Se nio fosse ele e mais meia diizia da turma de piquetes, a gre~ ve gorava. E assim que a gente deve pensi, Tido, ¢ nio tira 0 ‘corpo fora, resolvé os galhos pela metade, deixando os outros no fogo.. TiKo (gritando) — Vai te meté com tua vida! ROMANA — Tu cala a boca, Tio! BRAULIO — Ordvio tic6 entusiasmado e comegou a fazé com na porta da fabrica. Foi em cana! Prenderam ele como agitadot ROMANA — Otivio foi preso? Aquele quatro de espadas nunca me: enganou! ‘Maria (a Tido) — E tu sabia disso? BRAULIO — Nio, isso ele no sabia. Nessa hora ele tava receben= do gorjeta do encarregado! TiKo (avancando para 0 negro, possesso) — Olha, Braulio, tu 30) provoca! ROMANA (interpondo-se) — Cala essa boca. (Tira 0 avental,) Eu vou até li... BRAULIO — Nao vale a pena, D. Romana, ti uma turma tratando de solté ele! RoMANA — Que turma! Eu s6 mulher dele, num s62Eu vou | Meu marido preso, quem € que cuida disso aqui? Eu vou li! Vai para o quarto dos fundos. MARIA — Sera que ele vai ficé muito tempo preso? BRAULIO — Nao, no podem. Tem que solté logo. ROMANA (volta com um par de sandlias na mdo e senta-se para calgé-las) — Ta vai comigo até 14, Bréulio! BRAULIO — Eu acho que ndo vale a pena, mas sea senhora quer. ROMANA — Que nao vale a penal TiO — Eu vou também! ROMANA (autoritéria) — Tu nao te mexe daqui! Depois a gente conversal ‘Mania — Eu vou com a senhora, pode deixa! ROMANA — Num cumplica as coisas. Tu vai ET coisas, Ta vai pra oficina se pic perde o dia... A gente desce junto! > i“ ‘TEREZINHA (entra correndo) — D. Romana, os garoto do 28 pisa- tam na roupa estendida e sujaram tudo! ROMANA — Se eu pego um desses moleques eu torgo 0 pescoco. Terezinha, meu anjo, vem ci! Tu dé um jeito na roupa pra mim, 4 uma enxaguada. Depois, tu pe 0 feo no fogo mais 0 ar- roz, té bom? Eu vou até a policia. ‘TEREZINHA — Policia? RoMANA — E. Prenderam 0 Otivio. Ti ajeita tudo. De passagem eu aviso tua tia; depois te dou uns cobre pro-cinema. Vamos embora, Bréulio! Maria, toca pra oficina! (A Bréulio) Ele t na Central? BrAULIO — Foi pro D.OLRS. ROMANA — D.O.RS.? Vamo depressa se nfo ele entra na pancadat Cuida do feijao, Terezinha, fogo baixo! Vamo embora, gente! (Saem. Tio ndo esboca movimento algum. Quando todos desa- parecem...) . TeREZINHA (como quem anunciasse festa) — Prenderam seu Ots- vio! Prenderam seu Otavio! QUADRO II Mesmo cendrio. Segunda-feira, 7 horas da noite. Em cena: Tido ¢ Joao. TIO — Nio adianta, cunhado, O-que fiz té feito ¢eu faria de novo. Joao — Nao tou discutindo isso. Tou s6 dizendo que agora nio tem mais jeito. Tu vivé no morro nio vive mais. $6 se prov aque quer volta atris. TiAo — Esquece. Isso eu nao fago! Joho — Tu ja viu o ambienté como é que ests, ninguém mais te olha. Se falam contigo € pra te gozi. E de covarde pra baixo! Pra Maria também nio € bom! TIAO — Maria nao é obrigada a aguent4. Eu vou embora ¢ levo ela comigo. —Sei nio cunhado. Escuta, Eu sei que tu ndo furou a greve nase covardia. Eu sei que tu nao € covarde, foi pra se defendé. Ta no tinha a confianga que os outros tinham. Mas tu nio & contra a genite, nao custa nada se retrata. Explica com franque- za, eles vio entendé. Devolve 0 dinheiro que o gerente te deu, adere & greve, faz alguma coisa! TiO — Nio tenho nada que pedi desculpa a ninguém. O que fiz, fazia de novo. Cada um resolve seus galhos do seu jeito! Joio — Entdo, meu velho, hoje mesmo é sai daqui. Cenhego 0 Otévio, ele vai te manda embora! ‘TIAO — Problema dele! Eu vou embora, me arrumo,,fui ctiado na cidade. Depois, dou um jcito. Arranjo uma casa de emodos, alguma coisa, e levo Maria... Joao — Eu pensei que tudo ia sé bem diferente! TIA — Eu também gostaria que fosse. Joio — Tu toma cuidado por af. Tem gente querendo te pegi. TIAO — Que venham. Nao tenho medo, sei me defend. |i deixei esse cincdo na cara de muita gente! Joko —Tu viu que pegaram Jesuino? Tio — Benfeitorpra ele. Eu tinha avisado. Joio —Té com o brago quebrado, TIAO — O que ele fez nio se faz. Queré engand os outros té erra- do. Eu disse que a turma ia sabé. Joko — Pegaram ele quando ia saindo da Fabrica e depois soube- ram de tudo. Esse € outro que se azarou, TiAO — Pera af, tem uma diferenca! Ele procurou se ajeitar,eu nao. Tinha uma opiniio ¢ fui até o fim. Furei greve e digo pra todo mundo! JoAo — Bom, se precisa de um amigo sabe que tem um aqui as ordens! TiO — Obrigado, velho, Nessa altura, amigo, jé nfo adiante muito, nao. E esquisito, nao é mais o probléma de um cara contra ou- tro cara, é um problema maior! Eu sabia que a turma ia dé o desprezo se a greve desse certo, mas ndo pensava que ia sé assim, ” Nao 56 desprezo que a gente sente, € como... Sei li... E como se a gente fosse peixe e deixasse o mar pra.vivé na terra... E esquisito! A gente faz uma coisa porque quer bem e, no fim, € como se a gente deixasse de ser. Joao (intrigado) — Nao estou te entendendo! To —E. £ muito esquisito! MARIA (entrando apressada) — J4 té solto. Tio subindo 0 morro! Joio — Agora, velho, € aguenta! ‘MakiA — Té toda a turma com 0 seu Otavio. Que bom, tio fazen- do uma bruta festa pra ele... Tido — Eu estraguei a festa. Maria (indecisa) — Tido... Tio... Trio — Fala, ‘Maria — Nada. Escuta, é melhor tu ir embora. Depois, tu conver- sa com seu Orivio, Quando ele estiver mais descansado... TIAO — Nao. © que tem que ser, tem que set. Eu espero ele. Nio €bicho, € meu pait MARIA — Nao € por tua causa, por causa dele. E melhor convers4 com ele depois. JoAo — Pros outros jé foi duro, imagina pra ele... TiO — Ta diz que é meu amigo e fala assim? Té bom... Etu, Maria? Maria — Eu o qué? ‘TIAo — Ji virei lobisomem pra vocé também? MARIA — Deixa disso. Eu sei que foi por minha causa, Eu tou do, teu lado... TIAO (sérioy — Que bom!... £, seu Joao! A gente deixa de ser... E que nem peixe na terra... (Sai,) * MARIA — Como € que ele t4? JoAo — Desse jeito. Aposto que ele queria nao té feito nada, Mas € orgulhoso que nem uma peste! Mani — Nao foi por mal JOAO — Vai explicé isso a todo mundo! MARIA — E agora? Joso — Agora, Maria, € aguenté. Aqui ele no pode ficé. O pai, pensando como pensa, nao deixa ele em casa. Vai sé quests de honra. O jeito é ele deixs o morro... Disse que depois vem te bused, que vai arranjé um quarto numa casa de cémodos. MARIA (pensativa quase chorando) — Vai té que deixs o morro. JoKO — Ele ta sofrendo, mas foi apressado. Nao sei por que esse medo da greve! Os outros todos confiaram, ele MARIA — Joao, eu t.com medo! JOAo — Calmal ‘MakIA — Tou sim! Tu jd imaginou? Deixé isso tudo, assim, de re- pente? Tido no conhece mais ninguém, vai té que fazé ncvas amizade... De fora, vozes e “salves” para Otavio. Joko — Tio af? Aguenta a mao, nao faz cara de choro! Entram Romana, Chiquinho, Terezinha, Bréulio e Otdvio, ROMANA — Senta, meu velho, senta! Ta jé andou demais! BrAULIO — E melhor descansar! OTAVIO — Deixa disso, também nao me mataram! (Vendo Joao e Maria) Vocés to ai? Como € que € seu Joio? Que cara de es- panto é essa, D, Maria? Fui em cana, s6 isso! ‘Mania — Mas t4 tudo bem? OTAVIO — Tamos af, na atival BRAULIO — Também, D. Romana fez revolugio na policia! OrAvio — Eta, velha barulhenta! Quase que fica também. ROMANA — Endo é pra grits? Prendé o homem da gente, a 8 toa? CHIQUINHG — O senhor ficou atrés das grade, pai? OTAVIO — Que grade! Fiquei numa sala e num tava sozinho, nao! Tinha uma porgio! CuiQuiNo — E bateram no senhor? ROMANA — Deixa de pergunté besteira, menino. BRAULIO — O fato € que tu t4 solto € pronto pra outra. Nao é bichio? OTAvIo — Ebem pronto. $6 as costelas que doem um bocado mas, amanha, ta tudo em diat BRAULIO — A turma € ou nao é do barulho? OrAvio — Era, se é! Nego ia entrando, a gente conversava uns ‘minutos e pronto! Jé tava o homem ajudando no piquete. O aumento vai sai estourado! Maria — A greve dura muito? BRAULIO — Acho que nao. Mais um ou dois dias. Eles tém que concordi, se ndo o prejuizo é maior! OTAVIO (a Braulio, interessadissimo) — E verdade que a Sant’ Angela td pra aderf? BRAULIO (com uma risada alegre) — E sim senhor! OTAVIO (contentissimo) — Isso € que serve! (A Romana) Velha, da tum café aqui pro papai! 100 RoMANA (indo ao fogdo) — Ja, jf. Mas tu nao toma jeito, kein, descarado? BRAULIO — Isso € assim mesmo, D, Romana! TIAO (aparecendo na porta) — Com licenga! Todos esfriam. Mudos. Estatizos. TEREZINHA (Depois de alguns instantes quebra o siléncio) — TA vendo Tio, soltaram seu Oxivio! (Chiquinho da-lhe um belis- cio, Pausa.) ROMANA — Vai fics que nem estaca na porta, entra! TIAO (a Otévio) — Eu queria conversi com o senhor! OrAvIo — Comigo? TiX0 (firme) — E. OTAVIO — Minha gente, vocés querem di um pulo li fora, esse rapaz quer conversi comigo. ROMANA — Eu preciso mesmo recolhé a roupal Joao — J4 vou indo, entdo. Até logo, seu Oravio, e parabéns! one — Obrigado! (Saem., Tido e Otivio ficam a sbs.) Bem, pode ald, TiO — Papa... OTAvIO — Me desculpe, mas seu pai ‘ainda ndo chegou. Ele dei- xou um recado comigo, mandou dizé pra vocé que ficou muito admirado, que se enganou. E pediu pra vocé tomé outro rumo, Porque essa nao € casa de fura-grevel TIAO — Eu vinha me despedir e dizer $6 uma coisa: nao foi por covardia! OTAvIO —Seu pai me falou sobre isso. Ele tanibém procura acred.té que num foi por covardia, Ele acha que vocé até que teve pei- to. Furou a greve e disse pra todo mundo, nao fez segredo, mi Nio fez como 0 Jesuino que furou a greve sabendo que tava errado. Ele acha, 0 seu pai, que voce € ainda mais filho da mic! Que vocé é um traidé dos seus companheiro e da sua classe, mas um traid6 que pensa que ti certo! Naé um traidé por co- vardia, um traid6 por convicgio! TIAO — Eu queria que 0 senhor desse um recado a meu pai... OTAvIO — Vi dizendo. TIO — Que o filho dele nao é um “filho da mie”, Que o filho dele gosta de sua gente, mas que o filho dele tinha um proble- ma e quis resolvé esse problema de maneira mais segura. Que 0 filho é um homem que quer bem! OTAVIO — Seu pai vai ficd inritado com esse recado, mas eu digo. Seu pai tem outro recado pra vocé. Seu pai acha que a culpa de pensi desse jeito nao é sua s6. Seu pai acha que tem culpa... TIAO — Diga a meu pai que cle nao tem culpa nenhuma, OrAvio (perdendo o controle) — Se eu te tivesse educado mais me, se te tivesse mostrado melhor o que é a vida, tu nio pensa- ria em nio ter confianga na tua gente... TiAO — Meu pai nio tem culpa. Ele fez 0 que devia, © problema € que eu nio podia arrisc4 nada, Preferi té o desprezo de mew pessoal pra poder querer bem, como eu quero querer, a ti ar riscando a vé minha mulhé sofré como minha mie sofre, como todo mundo nesse morro sofre! OrAvIo — Seu pai acha que ele tem culp: TiAo — Tem culpa de nada, p: OTAVIO (num rompante) — E deixa ele acrediti nisso, se nao, ele vai sofré muito mais. Vai achar que o filho dele caiu na merda sozinho, Vai achar que o filho dele € safado de nas- cenga, (Acalma-se repentinamente.) Seu pai manda mais um recado. Diz que vocé nio precisa aparecé mais. E deseja boa - sorte pra voce. 102 THO — Diga a ele que vai ser assim. Nao foi por covardia eno me arrependo de nada, Até um dia. (Encaminha-se para a porta.) OtAVI0 dirigindo-se ao quarto dos fundos) —Tua me, talven, va Gueré falé contigo... Atéum dia! (Tido pega uma sacola que deve Saar debaixo de um mével e coloca seus objetos. Camas que estdo entre as trouxas de roupa, escovea de dentes, ete.) Romana (entrando) — Te mandou embora mesmo, nio é? TIO — Mandou! RoMANA — Eu digo que vocés tudo esto com a eabega vis TKO — Ni foi por covardia e nio me arrependo! ROMANA — Eu sei. Tu € teimosi onde? -€ €um bom rapaz. Tu vai pra THO — Vou pra casa de um amigo da fabrica, Ele mora na Lapa. ROMANA — E ele vai deixé tu ficd ? Também furou a greve? T De ties pias ‘mas é meu amigo. Vai discuti pra burro, como todo mundo discute, mas vai deixd eu ficd la . f ; cixd eu fic li uns tempos. E ele €a mie, sé! meee ROMANA — E depois? TiO — Depois 0 que? ROMANA — O que tu vai fazé? : pu — Vou continué na fibrica,t4 claro! La dentro eu me arruc ‘mo com o pessoal. Arranjo uma casa de cémodos evenho bus. Daan 5 Tu fez tudo isso pra ir pra uma casa de cémodos com Maria? THA — Fiz tudo isso pra ndo perder 0 emprego! RoMANA — E tu acha que valew a pena? 103 TiAo — O que té feito, t4 feito, mae! RoMANA — Teu terno té lavando. Tu busca outro dia. TIAo — A senhora é um anjo, mae! ROMANA — Tu vai vé que € melhé passé fome no meio de amigo, do que passé fome no meio de estranh TiO — Vamos ve! RoMANA — Dé um abrago! (Abracam-se.) Vai ebm Deus! E deixa 1 endereco daqui no bolso, qualquer coisa a gente sabe logo! TIAO — Se nao fosse a senhora, eu diria que tava agourando! Eu venho bused o resto da roupa.. ‘MARIA (entrando) — Tu vai embora? TikO — Tu jf nao desconfiava? ‘Maria — E agora? (Romana vai para o fundo e fica impassivel.) Tiio — Ta tudo certo. Nao perdi o emprego,nem vou perdé. A greve td com jeito de da certo, vou ser aumentado. Tu vai rece- ber aumento na oficina. Nés vamos pra um quarto na cidade, nés dois. Depois, vem o Otavinho € vamos levando a vida, ndo é assim? ‘MARIA — Quer dizé que tu perdeu os amigo? ‘Tio — Sobram alguns! Teu irmao, alguns.da fabrica... ‘Mania (abanando a cabeca, profundamente triste) — Nao... na Tio — Nés vamos casi, vamos embora, fazé uma vida pra gente. Isso que aconteceu... no td certo... Deixd isso, no ti certol... Marla — Nat ‘To — Nio te preocupa, dengosa, vai dé tudo certo, Nés vamos pra cidade, 6 ssl... Eu fiz uma coisa que me deu o desprezo do pessoal, mas vocé nao. Voce nao tem o desprezo de ninguém!... MARIA (cai mum choro convulsive) — Nao... nio ta certo! TAO — Maria, nio tinho outro jeito, querida. Eu tinha que pen- sar... A greve deu certo como podia nao dar... E tudo aconte- ceu na tiltima hora... Quando eu cheguei na fabtica a maioria queria entra. Depois € que mudou... Eu fui um dos primeiros a entra... Podia nao ter dado certo. Papai pode ainda perdé o emprego. Eles dio um jeito! E eu? Ta jé imaginou o que podia acontecé? Agora nao, nés ta seguro! MARIA (sempre chorando) — Nao t4 certol... Deixa isso, nao t& cer- 10, deixd isso... (Perde as forcas e cai chorando copiosamente.) TO — Mariinha, escuta! Eu fiz por vocé, minha dengosa! Eu quero bem! Eu tinha... eu tinha que da um jeito... 0 jeito foi esse. MARIA — Deixd 0 morro, nao! Nés vamo s@ infeliz! A nossa gente € essa! Vocé se sujou!... Compreende! TiAo — E que eu quero bem... Mas nao foi por covardia! Mania (idem) — Foi. foi... foi... foi por covardia... foil TIA0 (aflito) — Maria escutal... (A Romana) Mie, ajuda aqui! (Ro- ‘mana nao se mexe)... Eu tive... Eu tive... MariA — Medo, medo, medo da vida... vocé tevel... preferiu bri 24 com todo mundo, preferiu o desprezo... Porque teve medol.. Vocé num acredita em nada, s6 em vocé. Vocé € um... um con- vencido! TIAO — Dengosinha... Nao é tio ruim a gente deixé 0 morro. Ji € grande coisal... Vocé também quer deixé 0 morro, Depois a turma esquece, af tudo fica diferente!... ‘Mai — Eu quero deixa 0 morro com todo mundo: D. Romana, mamie, Chiquinho, Terezinha, Ziza, Flora... Todo mundo... ‘Vocé nao pode deixa sua gente! Teu mundo é esse, nio 6 ou- trol... Vocé vai sé infelia! TAO (id abafado) — Maria, nio vem outro jeito!... Eu venho bus- car voce! MakiA — Nao pode, nao pode... tf tudo errado, tudo errado! Por qué?... Té tudo errado TAO (quase chorando também) — Maria voce precisa me enten- der, vocé precisa me ajuda... Vem comigo!... Maria — Nao vou... no vot Tio — Foi por voce... MARIA — Nao... nio.., t4 tudo errado! (Chora convulsivamente.) TIAO — Maria, pelo menos tu sabe que eu arranjei saida, (Quase ‘com raiva) Agora ti feito, nao adianta chorat ‘Maria — Eu acreditei... eu acreditei que tu ia agi direito... Nao tinha razio pra brig com todo mundo... Tu tinha emprego se perdesse aquele... Tu € mogo... Tinha 0 cara do cinema... Tio (irrita-se cada vez mais. Uma irritacdo desesperada) Mariinha, nio adiantava nadal... Eu tive. €0 tive ‘Maria — Medo, medo, medo... TiAo (num grande desabafo) — Medio, esti bem Maria, medo!. Eu tive medo sempre!... A histéria do cinema é mentiral Eu disse porque eu quero sé alguma coisa, eu preciso s@ alguma coisal... Nao queria ficé aqui sempre, té me entendendo? Ta me entendendo? A greve me metia medo. Um medo diferen- te! Nao medo da greve! Medo de sé’operirio! Medo de nao sai nunca mais daqui! Fazé greve é sé mais operdrio ainda ‘Maria — Sozinho nao adiantal... Sozinho tu nao resolve nad: Té tudo errado! ‘TIAO — Maria, minha dengosa, ndo chora mais! Eu sei, ta errado, eu entendo, mas tu também tem que me entendé! Tu tem que sabé por que eu fiz! MARIA — Nao, nJo... Eu nao saio dag TIAO (num desabafo total) — Minha Miss Leopoldina, eu quero bem!... Eu queria que a gente fosse que nem nos filmes!... Que tu risse sempre! Que sempre a gente pudesse andar no parque! Eu tenho medo que tu tenha de sé que nem todas que to ai Se matando de trabalha em cima de um tanque!... Eu quero minha Miss Leopoldina... Eu te quero bem! Eu quero bem a todo mundo}... Eu nao sou um safado!... Mas para de chorii! Se vocé quisé eu grito pra todo mundo... que eu sou um safado! (Gritando para a rua) Eu sou um safadol... Eu trai... Porque tenho medo... Porque eu quero bem! Porque eu quero que ela sorria no parque pra mim! Porque eu quero viver! E viver nio € isso que se faz aqui! Maria — Tidol... TIAO — Mariinha, minha dengosa (Atira-se sobre ela. Abracam-se.) E agora, Maria, o que vou fazer? MARIA — Nao posso deixd 0 morro... Deixando 0 morro, 0 par que também ia ser diferente! Ti tudo errado!... Reconhece! TIO — Nio posso fics, Maria... Nao posso fic... Mania (para de choran. Enxuga as légrimas) — Entao, vai embo- ra... Eu fico, Eu fico com Otavinho... Crescendo aqui ele nio vai té medo... E quando tu acredité na gente... por favor... vol- tal (Sai.) TIO — Maria, espera... (Correndo, segue Maria, Pausa.) OTAMIO (entrando) — Ja acabou? . ROMANA — Vai fal com ele, Otivio... Vail OrAvio — Enxergando melhé a vida, ele volta. (Retorna ao quar- to, Entram Chiquinho e Terezinha.) CHIQUINHO — Sabe, mae, aquele samba. TEREZINHA — O samba do *Nés nio usa Black-Tie”. CHIQUINHO — Té tocando no radio... ROMANA — O qué? TTEREZINHA — O samba do Juvéncio, aquele mulato das bandas do cruzeiro! 7 (CHIQUINHO — Ele t4 chateado a bega. O samba té com o nome dé outro cara. (Sai correndo,) TEREZINHA — Eu fiquei com pena do Juvéncio. Ta perto da bica, chorandot Chiquinho! (Sai,) Romana, soziriha. Chora mansamente. Depois de al- uns instantes, vai até a mesa e comeca a separar 0 feiido. Funga e enxuga os olhos... FIM 108 Cen ee ey Eles nao usam black-tie possui uma universalidade de tal forma abrangente que o filme baseado na pega foi ae ae ee ey See ee SR eee ec Se ee eee ey Ce ee eee Se ee eee RO eee eet ee ery Pe em) eT See ane Se es Se Sree eet ae OR eee Se ee eee ee mulher por meio da reagio intuitiva de Maria ow do See a ey Ne ae ee am ee ee eee ne er Parr

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