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in presidente Dire eda coneabe strat Proiante ‘onsuterseaénica areca anlomenteenavosproletos Conc Legis doutra eae Prous striat ‘agramapi erevste Cami KT Praag i Ingress acabamerto san orp. 85-47217518, ages nTERACONAI DE car. A URLEAEA 2) fvaEUck ACCOR CRE UTEET aro Ma) ‘a Lacing va Aes rain atos Rog Mar Argel Dis os Sots eat Pasco Mer Feber tavaro ‘aise Gana Rociues ana Gane Bt Catrae! aoa due ‘ Data fochamento doa: 1.7.27 Maca abe 8, resin cor) (Capa asst Dis? Acesse wencinasava com rio ‘Chudene de Mowat Ceci es eur part est pubcao poder s epoca por Danie Debord Souza ‘alr me os forma sar apa aarp a la aie sanescti ‘Sous Avon do dete are oie eb Nm Anteota art Cazaim _-"aUsT. BYOB «pai pe at 1 o Cason Pra one Pin casos ae Wiles Caza eV. Melo Cis Brescia 00) aero Hm Sear Kea Precio ia Coco san Tin oe Srtoe Ro Tago De Rosa oat Eta tlhe sta a Sve er omnia Mat arin 08 Ere ies Bomar ia. (NEO)CONSTITUCIONALISMO 1.4. ALOCACAO DO DIREITO CONSTITUCIONAL 11.4. Aclassificagao em “ramos do direito” ‘Antes de tratarmos do movimento que recebeu o nome de “constitucionalismo”, faremos uma ponderacao inicial, lembrando que 0 direito constitucional costuma set alocado dentro do ramo do direito piiblico, destacando-se por scu objeto e principios fundamentais orientadores de sua aplicagio. José Afonso da Silva observa que 0 direito constitucional “configura-se como Diveito Pablico fundamental por referir-se diretamente & organizagdo ¢ funciona~ mento do Estado, @ articulagao dos elementos primérios do mesmo ¢ ao estabeleci- ‘mento das bases da estrutura politica”.* “Apesar de colocarmos o direito constitucional dentro do ramo do dieito piblico (fundamental), devemos alertar o leitor que, modernamente, vem sendo dito que direito € uno e indivisivel, indecomponivel. O dircito deve ser definido e estudado como um grande sistema, em que tudo se harmoniza no conjunto. A divisio em ra- mos do direito é meramente didética, a fim de facilitar 0 entendimento da matéria, vale dizer: questio de conveniéneia académica, ‘Aceitando a classificagao dicot6mica (ptblico e privado), apenas para fins didé- ticos, dentro do direito paiblico poderemos alocar, também (destacando-se a particu- Jaridade fundamental do direito constitucional), 0 direito administrativo, o urbanis- © financeiro, 0 econdmico, o penal, 0 processual, © nal etc., a0 contrério do direito civil e do comercial, que. historigamente, preencheriam a categoria do direito privado. Ast Referida classificagao dicotémica pode ser atribufda a Jean Domat (afastando- -se daqueles que a imputam ao Dircito Romano), que foi quem separou, pela primei- ra vez, as leis civis das leis piblicas e cuja obra influenciou a elaborago do Cédigo Napoleiio de 1804, despertando a denominada “Era da Codificago”, que conferiu 0 Cédigo Civil a natureza de verdadeira “constituicao privada”, disciplinando as relagées particulares, as regras sobre familia, a propriedade, o estado civil, a capaci- dade etc. Surgia entao a ideia do dogma da completude, ou seja, de que os Cédigos “Curso de direito constitucionsl positivo, p. 36. Pedro Lenza 62. Direito Constitucional Esquematiz continham toda a regufamentago das relagdes privadas, devendo o juiz. simplesmen- te aplicé-tas.” Essa perspectiva de codificagéo do dircito civil como regulador das relagdes privadas € fortalecida pela principiologia do liberalismo classico, cue enalteceu a ideia de liberdade meramente formal perante a lei e de nao intervencao do Estado (direitos de primeira “geracdo”, ou, mais tecnicamente, de primeira “dimensi0”) (absentefsmo estatal), tema que seré retomado no estudo dos direitos fundamentais (Cf. item 14.2 deste trabalho). Em outro momento, além da classificagdo dicotémica em ramo de dircito puibli- co € de direito privado, a evolugdo do Estado liberal para o Estado social de direito faz surgir a necessidade de se reconhecer, ao lado da dicotomia, a categoria dos di reitos sociais, cujas normas de direito do trabalho e de direito previdencidrio expres- sam a manifestagio de um Estado prestacionista, intervencionista e realizador da chamada justiga distributiva (esses novos direitos, chamados de segunda geragio ou dimensio, surgem, pela primeira vez, na Constituigdo brasileira de 1934), tendo ‘como marco a Revolugao Industrial. O texto de 1988, por sua vez, muito embora jé tivesse sido insinuado no texto de 1946 ¢ na Carta de 1967, consagra a protecdo aos direitos de terceira geracio ou dimensiio, marcados pelo lema da solidariedade ou fraternidade, evidenciando, assim, os direitos transindividuais.? A superagio da dicotomia “publico-privado” — constitucionalizagao do direito privado Ayangando, por outro lado, modernamente, sobretudo em razdo da evidenciago de novos direitos e das transformacdes do Estado (de autoritériofabsolutista para li- beral e de liberal para social, podendo-se, inclusive, falar em Estado p6s-social de ireito), cada vez mais se percebe uma forte influéncia do direito constitueional sobre o direito privado. Sob essa perspectiva, especialmente diante do principio da dignidade da pes- soa humana, fundamento da Reptilica Federativa do Brasil e prinefpio-matriz de todos os direitos fundamentais (art. 1°, IIL, da CF/88), parece mais adequado, entio, falar em um direito civil-constitucional, estudando o direito.privado & luz das re~ gras Constitucionais e podendo, inclusive, em muitos casos, reconhecer a aplicagio direta dos direitos fundamentais nas relagdes privadas, tema que sera mais bem esttt- dado no item 14.8 deste trabalho (efiedcia horizontal dos direitos fundamentitis)* Neste sentido of, Maria Celina Bodin de Moraes, A caminho de um direito civil constiticional, Diretto, Esiado e Sociedade, n. 1, p. 59-73, jl /dez, 1991, ¢ Julio César Finger, Constituigo e di reito privado: algumas notas sobre a chamada constitucionalizagio do direito civil, in Ingo W. Sarl (org), A Constituiao concretizada,p. 86-89, Novamente, alertamos que esse tema sobre as gerages ou dimensies de direitos seré retomado no capitulo sobre os direitos fundamentais, tem 14.2 Sobre essa perspectiva do Direito civil-constitucional, cf. Gustavo Tepedino, Temas de direito civi, 4 edt 1, passim. CE, ainda, Paulo Luiz Netto L&bo, Constitucionalizagdo do direito civil, in Cristiano Chaves de Farias (coord), Leituras complementares de diveito civil, p. 21-36; Maria Essa situagdo, qual seja, a superago da rigida dicotomia entre 0 piblico ¢ 0 privado, fica mais evidente diante da tendéncia de deseodificacao do dircto civil, Syoluindo da concentrago das relagBes privadas na codificagio civil para o surgi uento de vérios microssistemas, como o Cédigo de Defesa do Consumidor, a Lei de Locagies, a Lei de Direito Autoral, 0 Estatuto da Crianga ¢ do Adolescente, o Esta- tuto do Idoso, a Lei de Alimentos, a Lei da Separacdo e do Divorcio etc. ‘Todos esses microssistemas encontram o seu fundamento na Constituigao Fede- ral, norma de validade de todo o sistema, passando o direito civil por um processo de despatrimonializagio.® Portanto, apesar da “suposta” utilidade didética, parece adequado nao mais falar- ‘mos em ramos do direito, ¢ sim em um verdadeiro escalonamento verticalizado ¢ hie- rérquico das normas, apresentando-se a Constituigdo como Lorama de validade de todo ‘ sisteme, situagao essa decorrente do prinefpio da unidade do ordenamento ¢ da su- premacia da Constituigao (forga normativa da Constituigsio — Konrad Hesse) Fala-se, entfo, em uma necesséria e inevitével releitura dos institutos, notadamen- 1¢ 0s de direito civil (e privado), sob a dtica constitucional, conforme o quadro a seguir!” Penske (Principio-Matriz) ‘= Direito Civil Constitucional s i Eficécia Horizontal dos Direitos Fundamental 1s Descodificagao-do Direito Civil ‘= Microssistemas 1 Despatrimonializagéo do Direito Celina Bodin de Moree, A camino de um direito consttucianal posiivo, passim; Julio César Finger, Contitugaoe dreitoprivado,p. 85101 Eugéaio Facchini Neto, Reflexdeshistrico-evo lutivas sobre a constitcionalizagao do dircito privao, in Ingo W. Sarit, Constituigo, direitos Fandamientis edivetoprivado, p. 13-62; Luiz Edson Fachin, Drelio de fanlia: elementos cricos {Taz do now Cédigo Civil, passim; Flévio Tartuce e Marcio Araijo Opromolla, Dict civil ¢ Consiga, in Consiuigdy Federal: 15 anos. p. 36739. ‘Conform anota Julio César Finger, 08 princfpos cnstiusions, entre eles o da dignidade da pessoa humana (CF, at. 1%, inciso 1), que € sempre citado como um prineipio-matriz de télos os fireits fundamentas, colocam a pessoa em um patamar diferencindo do qu se encontrar Es- tado Liberal O direito civil, de modo especial o expressar tal ordem de valores tina por norte a ‘egulamentago da vida privadaunicamente do poato de vista do patrimOnio do individu, Os pine ios consttucioais em vez de apregor tal conformagio, tim pormeta orienta a orden juréica para 2 realizago de valores da pessoa humana como titular de interesesexistencnis, para além dos ‘meramente patrimonias. dzeit iil, de um dieito-propretrio, passa a sr visto como uma regu- Jago de interesses do homer que convive em sociedad, que deve terum lugar apto a propiciar seu [Centro do sistema } +L Notma jurcica —imperatvidade e superioridade ) | »(Conctetizagao dos valores constitucionalizados ‘of Gerantia de condigées dignas minimas } Estado constitucional de direito: supera-se a ideia de Estado Legislativo de Direito, passando a Constituiggo a ser 0 centro do sistema, martada por uma intensa carga valorativa. A lei e, de modo geral, os Poderes Paiblicos, entiio, devem niio s6 observar a forma prescrita na Constituigao, mas, acima de tudo, estar em consondn- cia com o seu espirito, 0 seu carter axiol6gico e os seus valores destacados, A Constituigdo, assim, adquire, de vez, 0 carter de norma juridiea, dotada de impe- ratividade, superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituigio. @ Contetido axiol6gico da Constituigdo: para Barcellos, do ponto de vista mate- rial, sobressai o seguinte elemento dentro da nogo de consticucionalismo: “(i a incor- Poracdio explicita de valores e opgées politicas nos textos constitucionais, sobretudo no ‘que diz respeito & promogaio da dignidade humana ¢ dos direitos fundamentais”2* Como importante marca das Constituigdes contemporineas, além de realgar seus valores (especialmente apés a Segunda Guerra Mundial), associados, particu- Jarmente, & idcia da dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, Barcellos identifica a previsdo de opgdes politicas gerais (como a redugdo de desigualdades sociais — art. 3°, III) ¢ especifieas (como a prestacio, por parte do Estado, de servi- 0s de edueagéio — arts. 23, V, ¢ 205) Nesse contexto, a partir do momento que os valores siio constitucionalizados, o grande desafio do neoconstitucionalismo passa a ser encontrar mecanismos para sua efetiva concretizacio, "Ana Paula de Barcellos, Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das politicas pi blicas p. 4 (hutpz/www:mundojuriico.advbeleg- bin uploaditento8S3.pd), 72. Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza pomatieeder 14 Coneretizacio dos valores constitucionais e garantia de condicdes dignas inimas: de acordo com a li¢do de Barcellos, completando, do ponto de vista mate- rrial, destaca-se um outro elemento na concepgio de constitucionalismo: “(i) a ex pansio de conflitos especificos e gerais entre as opgGes normativas ¢ filos6ficas existentes dentro do proprio sistema constitucional”.” Sem davida, os valores constitucionalizados poderio entrar em choque, seja de ‘modo especifico (por exemplo, a liberdade de informagéio e de expressiio ¢ a intimi- dade, honra e vida privada), seja de modo geral, no que, conforme afirma, diz res- peito “ao préprio papel da Constituigo”. Em uma visio substancialista (a Constituigdo deveria impor “um conjunto de decisbes valorativas que se consideram essenciais e consensuais”), ou mesmo desig- nada de procedimentalismo (a Constituicao deve “garantir 0 funcionamento ade- quado do sistema de participagaio democritico, ficando a cargo da maioria, cm cada ‘momento hist6rico, a definigdo de seus valores e de suas préprias corvicgbes mate- riais”), em relagdo a qualquer das posigBes que se filie, mesmo no “procedimentalis~ mo” deveriio ser resguardadas as condigdes de dignidade e dos direitos dentro, a0 ‘menos, de patamares minimos.® ‘Ainda, segundo Dirley da Cunha Kinior, “.. foi marcadamente decisivo para delineamento desse novo Direito Constitucional, a reaproximagio entre 0 Direito ¢ a Etica, 0 Direito ¢ a Moral, o Direito ¢ a Justiga c demais valores substantivos, a revelar a importancia do homem e a sua ascendéncia a filtro axiol6gico de todo 0 sistema politico e juridico, com a consequente protegao dos direitos fundamentais & da dignidade da pessoa humana”.* 1.3.3. Marcos fundamentais para se chegar a um “novo direito constituci nal” (neoconstitucionalismo) Fim interessante trabalho, Barroso aponta trés marcos fundamentais que defi- nem a trajetéria do direito constitucional para o atual estigio de “novo”: 0 histérico, 0 filosético eo teérico. ‘Ao analisar 0 quadro a seguir, conclui-se que “o neoconstitucionalismo ou novo ireito constitucional, na acep¢io aqui desenvolvida, identifica um conjunto amplo de transformagées ocorridas no Estado e no direito constitucional, em meio as quis, podem set assinalados, (i) como marco histérico, a formagao do Estado consti? nal de direito, cuja consolidagio se deu ao longo das décadas finais do século XX; Gi) como marco filoséfico, 0 p6s-positivismo, com a centralidade dos direitos Funda- mentais e a reaproximago entre Direito e ética; e (ii) como marco tedrico, 0 conjun- to de mudangas que incluem a forga normativa da Constitui¢ao, a expansio da juris- digo constitucional e 0 desenvolvimento de uma nova dogmética da interpretagaio > Ana Paula de Barcellos, op. cit, p-4. ® Ana Paula de Barcellos, op. cit. p.7-8. % Curso de deito consttucional, p. 35 (grifames). te meaxentudonatina sonstitucionalDesseconjunt de fendmenesresultou um processo extensoe profun- Jp de constitucionalizagtio do Direito’.* ‘estado Constitucional de Direito mDocumentos 2 partir da Segunda Guerra Mundial mRedemocratizagao Pos-positivismo Direitos fundamentais Taner Brunette *( FILOSOFCO > Fora normativa (Konrad Hesse) = Supremacia da Constituicao FTEORICD’ (consivuonatzacbo dos direitos = Nova dogmatica da interpretaco, constitucional Assim, podemos esquematizar:” historico: evidenciam-se aqui as Constituig6es do pés-guerra, na Europa, destacando-se a da Alemanha de 1949 (Lei Fundamental de Bonn) ¢ o Tribunal Constitucional Federal (1951); a da Italia de 1947 e a instalagdo da Corte Constitucio- nal (1956); a de Portugal (1976) e a da Espanha (197), todas enfocando a perspectiva de redemocratizacao e Estado Demoeratico de Direito, No Brasil, o destaque recai sobre a Constituigéo de 1988, em importante proceso democritico; B filoséfico: o pés-positivismo aparece como 0 marco filoséfico do neoconsti- tucionalismo. ‘A ideia de jusnaturalismo moderno se desenvolve a partir do século XVI, aproximando a lei da raziio ¢ se transformando, assim, na filosofia natural do Di reito, ¢ vai servir de sustenticulo, “fundado na crenga em prinefpios de justiga uni- versalmente vélidos”, para as revolugdes liberais, consagrando-sc nes Constituigdes scritas ¢ nas codificagées. “Considerado metafisico ¢ anticientifico, o direito natu- ral foi empurrado para a margem da hist6ria pela ascensdo do positivismo juridico, © Las Roberto Baroso, Neoconstitucionalismo: 0 triunfo tard do dtsitoconsiucional no Brasil, 5 (hitpsww.conjurcom.br/staticnent 43852). 2 Todas as ctagdes e a exposigo seguem trabalho de Lal Roberto Barroso, op cit, passim. 74 Direito Constitucional Esquematizado™ Pedro Lenza no final do século XIX. Em busca de objetividade cientifica, © positivismo equiparou 6 Direito & lei, afastou-o da filosofia e de discusses como legitimidade e justiga & dorinou o pensamento juridico da primeira metade do século XX, Sua decadéncia é cemblematicamente associada & derrota do fascismo na Ilia ¢ do nazismo na Alema- nha, regimes que promoveram a barbsrie sob a protecao da legalidade. Ao fim da 2 Guerra, a ética e os valores comegam a retornar 20 Direito”. Nesse contexto surge a nog do pés-positivismo como marco filossfico do neoconstitucionalismo. “O pés-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas no despreza o direito posto. Procura empreender uma leitura moral do Direito, mas sem recorrer a categorias metafisicas. A interpretagao e aplivaydo do ordenamento |juridico hao de ser inspiradas por uma teoria de justiga, mas néo podem comportar voluntarismos ou personalismos, sobretudo 0s judiciais. No cotijunto de ideias ricas ¢ heterogéneas que procuram abrigo neste paradigma em construgo incluem-se a atri- buigio de normatividade aos prinefpios e a definigao de suas relagées com valo- rres e regras; a reabilitacio da razio priitica e da argumentagao juridica; a forma- Go de uma nova hermenéutica constitucional; ¢ 0 desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. [Nesse ambiente, promove-se uma reaproximagao entre 0 Direito e a filosofia"; B teGrico: a) forca normativa da Constituigio; b) expansio da jurisdieo consti- tucional; ¢) nova dogmética da interpretagio constitucional " Dentro da ideia de forga normativa (Konrad Hesse), pode-se afirmar que a norma constitucional tem status de norma jurfdica, sendo dotada de imperatividade, com as consequéncias de seu descumprimento (assim como acontece com as normas jjucidicas), permitindo 0 seu cumprimento forgado. No contexto de expansio da jurisdi¢io constitucional, Barroso observa que, “antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do Poder Legistativo, na linha da doutrina inglesa de soberania do Parlamento e da.con- cepgio fancesa da lei como expresso da vontade geral. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe nao apenas novas constituigdes, mas também um novo modelo, inspirado pela experiéncia americana: o da supremacia da Constituigio, A formula envolvia a constitucionalizacéo dos direitos funda- mentais, que ficavam imunizados em relagdo ao processo politico majoritério: ‘80 protecdo passava a caber ao Judiciério. Iniimeros pafses europeus vieram a adotar um maodelo proprio de controle de constitucionalidade, associado 3 criagdo de tribunais constitucionais”. Ao confrontar regras (enunciados descritivos, aplicados de acordo com as re~ gras de subsuncao, isso quer dizer a aplicagdo e enquadramento do fato & norma) € rinefpios (aormas que consagram valores), Barroso conclui no sentido de uma nova dogmética da interpretagao constitucional, no mais restrita & denominada inter- pretacdo juridica tradicional. Assim, .. as especificidades das normas constitucionais (..) levaram a doutrina € a jurisprudéncia, j4 de muitos anos, a desenvolver ou sistematizar um clenco pré- 1# (Neo}Constitucionalismo 6B 1_# (Neo}Constitucionalsme prio de principios aplicéveis &interpretaco constitucional. Tas principios, de natu- feza instrumental, ¢ nG0 material, sio pressupostos I6gicos, metodol6gicos ou fina- listicos da aplicagio das normas constitucionais. Sto eles, na ordenagéo que se afigura mais adequada para as circunstancias brasileiras: 0 da supremacia da Cons- tituigao, o da presungio de constitucionalidade das normas ¢ atos do poder plico, o da interpretacio conforme a Constituig&o, o da unidade, o da razoabi Enfim, essas so as marcas do “novo direito constitucional” ou neoconstitucio- nalismo, que se evidencia ao propor a identificagao de novas perspectivas, marcando, talvez, 0 infcio de um novo periodo do Direito Constitucional. © NOVO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRATICO LATINO-AMERICA- NO. CONSTITUCIONALISMO PLURALISTA (ANDINO OU INDIGENA). ES- TADO PLURINACIONAL E INTERCULTURAL denominado nove constitucionalismo latino-americano (por alguns chama- do de constitucionalismo andino ou ind(gend) culmina com a promulgagio das Constituigdes do Equador 2008)" e da Bolivia (2009)* e sedimenta-se na ideia de Estado plurinacional,* reconhecendo, constitucionalmente, 0 direito & diversidade cultural e 2 identidade e, assim, revendlo os conceitos de legitimidade e participa- G0 popular, especialmente de parcela da popilacio historicamente excluida dos processos de decisio, como a populagio indfgena. ‘Trata-se, inegavelmente, de necesséria e real transformagao estrutural e, assim, conforme aponta Grijalva, “o constitucionalismo plurinacional s6 pode ser profun- damente intercultural, uma vez que a cle corresponde constituir-se no ambito de relagio igual e respeitosa de distintos povos ¢ culturas, a fim de manter as diferengas legitimas, e eliminar — ou, 20 menos, diminuir — as ilegftimas, mantendo a unida- de como garantia da diversidade””” Esse modelo de constitucionalismo pluralista pressupés rupturas paradigms as, muito bem delimitadas por Raquel Yrigoyen Fajardo, a saber: a) colonialismo, b) > Em relagio & Constituigio do Equador, ef: Agustin Grijalva, O Estado plurinacional e intereultu ral na Consttuigdo equatoriana de 2008, passim, e Marco Aparicio Wilhelmi, Possibilidades € limites do constitucionalismo pluralista: direitos e sueitos na Consttuigao equatoriana de 2008, passim. Para mais discussdes sobre a Constituigio da Bolivia, cf. idén Moisés Chivi Vargas, Os cami- nihas da descolonizacdo na América Latina: os povos indigenas ¢ 0 igualitarismo jurisdicional 1a Bolivia, passim, e Fernando Gareés V., Os esforgos de construcao descotonizada de um E3- tado plurinacional na Bolivia e os riscos de vestir 0 mesmo cavatheiro com um novo paleté, passim, Para aprofundar, cf. Boaventura de Sousa Santos, La reinvencién det Estado y el Estado plurina: ional, passie. Agustin Grijalva, op. tp. U8 76 _Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza constitucionalismo liberal, c) constitucionalismo sacial-integracionista e d) consti- tucionalismo pluralista (delimitado por 3 ciclos de reformas constitucionais)* @ colonialismo: vigorava a ideologia da “inferioridade natural dos indios”, em um modelo de subordinagao. 1 constitucionalismo liberal (século XIX): construgdo do Estado-nagao pelo “monismo juridico”, ou seja, como bem anota Yrigoyen Fajardo, a existéncia de um tnico sistema jurfdico dentro do Estado, sobressaindo-se um regramento geral para todos, A ideia de pluralismo juridico, como forma de coexisténcia de varios sistemas normativos dentro de um mesmo espago geopolitico... no era admitida pela ideologia do Estado-nagdo, havendo exclusio dos povos origina- rios, dos afrodescendentes, das mulheres, das maiorias subordinadas, buscando a manutengdo da sujeigao dos indios.” 1 constitucionalismo social-integracionista (séeulo XX): marcado pela Cons- tituigdo do México de 1917 e a de Weimar (Alemanha) de 1919, hd o reconheci- mento de direitos sociais e sujeitos coletivos, com a ampliagao das bases de ci- dadania, O Estado define 0 modelo de integracio dos indios com 0 Estado ¢ 0 mercado, nio havendo, contudo, rompimento da ideia de Estado-nagio e monis- mo juridico. 1 constitucionalismo pluralista (séculos XX e XT): Yrigoyen Fajardo reco- nhece 3 ciclos marcantes e que ensejam importantes reformas constitucionais nos paises latino-americanos, evidenciando-se novos atores sociais nos proces- sos decisérios: a) ciclo multicultural (1982-1988); b) ciclo pluricultural (1989- 2005) ¢ ¢) ciclo plurinacional (2006-2009)* Vejamos a esquematizagio:® Raquel Z. Yrigoyen Fajardo, Hitos del reconocimiento del pluralismo jurfdico yel derecho indfgena en las politicas indigenistas y el constiucionalismo andino, passin. CL, ainda, da mesma autora, ‘Aos 20 anos da Convenedo 169 da OIT: balango ¢ desafios da implementagio dos direitos dos po- vos indigenas na América Latina, p. 25-31. » Raquel Z. Yrigoyen Fsjardo, El horizonte del consttucionalismo pluralista: del multicultualismo ‘la descolonizacin, p. 139-140 (radugio livre), “Raquel Z. Yrigoyen Fajardo, El horizonte. cit, p. 140. Raquel Z. Yrigoyen Fajardo, El horizonte...p. 140-1 © A tabela, bem como as‘citagtes, foi retirada de Raquel Z. Yrigoyea Fajardo, Avs 20 anos da Con venedo 169 da OIT: balango e desafios da implementacio dos direitos dos povos indigenas na América Latina, p. 25-29. E, como bem descreve a ilustre pesquisadora, “as reformas constitucio- ‘ais mais importantes ocorridas nas dltimas tr8s dScadas impactaram a prépria definigio do mo- delo de Estado e reconfiguraram a relacio juridica entre os Estados ¢ os povos indigenss. Estas reformas foram fetas segundo o horizonte do Convénio 169 da OFT; com excegao do Chile, todos 09s pafses andinos mudaram a Consttuigao (Coldmbia em 1991, Peru em 1993, Bolivia em 1994- 2007, Equador em 1998 e 2008, e Venezuela em 1999) incorporando elementos do Convénio 169, Entre tas reformas,cabe ressaltar as que seguem: a) oreconhecimento do caréter pluricultural do Estado/Nacio/Repiblica, e o direto & idemtidade culturl, individual e coletiva. © que permite superar a ideia de Estado-nagio monocultural e monolingue; b) © reconhecimento da igual digni- dade das culturas, que rompe com a supremacia institucional da cultura ocidental sobre as demais; 14. # (Neo)Constitucionalismo 4s Weo)Constitucionatisme introdugie do direto 20s povos indigenas de Jndudal¢coletive—| ides mo. Convanio 168 da | mandam que sem recenhe: | ‘idenidade caltra jr | OTT Exte do arma odie | cidos nfo apenas como ‘cul | | Tocome incusdo de direl- | to (individual e coletivo) & | turas diversas, mas como | {bs incigenesespeifios” | Identdade eclversidade cul | nage: origins ou sueltos tural, j8Introdurido ne pi | polos oletvos com direto tmeiroeiclo, mas desenvalve | s prtcpar nos novos pacts, tials 0 conceito de ‘nagio | do Estada, que se configure CARACTERISICAS ehscni eesace pat am. ani como, Eades Culture, quando & ne- | plarinacionals.E alm dso, tureza da populagio e avan- | redamam, ao Estado, dreltos Sande rome 20 cardter do | sodals e um papel frente 2s | Extado, “tamblim reconhece | transnacionalse poderesme- © pluralizmo juridico, assim | tris tradcionais™ | coma noves dleitosindige- fave deafrosercendentes” epee anada— 1982 ‘mColdmbio — 1991, | wequador — 2008 ‘uatemala— 1985 | m Méxlco— 1982 ‘Bolivia — 2008 imNicorégue— 1987 | m Paraguai — 1992 srasl— 1988, Peru— 1993, | ‘Bolivia — 1998 ‘Argentina — 1994 1m Equador — 1996/1998 | | sm Venezuela — 1999 [a convencio 169/077 sabre | m Aprovacio da Decleracio Povos. Incense e. Tribals | das NacSes Unidas sobre oF (Decreton.5.051/2008) (os dos Povosndiganas 2007 ocuMENToS NORMATIVOS (oNTERNACIONAIS) tm Reviefo da Convencao ro @ «15. consrrucionausmo soserama rorutan @ 15.1. Aspectos gerais A ideia de que todo Estado deva possuir uma Constituigio e de que esta deve conter limitages ao poder autoritrio e regras de prevaléncia dos direitos funda- mentais desenvalve-se no sentido da consagracao de um Estado Democratic de Direito (art. 18, caput, da CF/88) e, portanto, de soberania popular. 0 carter do sujeito politico dos poves e comunidades indigenas 2 campesinas. Os povos indige- ras tm direito ao controle das suas insttuigdes politica, culturaise sovais e seu desenvolvimen- to econtémico. O que permite superar 0 tratamento tuelar desses povos, como objeto de poiticas ‘que ditam terceiros; d) 0 reconhecimento de diversas formas de perticipagio, consulta ¢represen- tagio diteta de povos indigenas, campesinos e afrodescendentes, O que supera aideia de que ape- nas os funcionérios péblicos representam e podem formar a vontade popular ) 0 reconhecimento do direito (consuetudingri) indigena e a jurisdigdo especial Ito supe uma forma de pluralismo Jutidico interno. Todos os paises andinos incorporaram na Consttuigdo alguma férmula de pinra- lismo legal reconhecendo autoridades indigenas ov campesinas, fungses de justiga ou jurisdicio- nais, ¢0 dreito indgena ou suas préprias normas e procedimentos;f) junto a isso, 0 teconheci ‘menio de um conjunto de drsitosrelativos & terra as formas organizacionais coetivas, educagao bilingue intercultural, oficializagao de idiomas indigenas, etc.” (op cs. p. 30-31). UAH ASB 78 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza Assim, de forma expressa, o pariigrafo tinico do art. 1° da CF/88 concretiza que “todo 0 poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou Giretamente, nos termos desta Constituigao”” Vale dizer, mencionado artigo distingue titularidade de exerefcio do poder. O titular do poder € 0 povo. Como regra, 0 exercicio desse poder, cujo titular, repita- -se, £0 povo, dé-se através dos representantes do povo, que, como veremos ao tratar do Poder Legislativo, sto os Deputados Federais (ambito federal), os Deputados Es- taduais (Ambito estadual), 0s Deputados Distritais (@mbito do DF), os Vereadores (@mbito municipal) ¢ os Deputados Territoriais (Ambito de eventuais Territ6rios Fe- derais que venham a ser criados). Lembramos, desde j, que os Senadores da Rept- blica Federativa do Brasil representam os Estados-Membros ¢ o Distrito Federal, de acordo com o art. 46 da CF/88. EXERCICIO DO PODER DE FORMA INDIRETR __,[ Federal — Deputados Federais— art. 45 — Camara dos Deputados Estadual — Deputados Estaduais — art. 27, caput — Assembleia Legislativa_~ Distal — Deputador Dita — a 32 Camara egiltva do DF |_ [Municipal — vereadores at 23, | *UCeimare Manica ‘Teritoral— Daputadoseritorab— ar 33, 530 chmara eit Além de desempenhar 0 poder de maneira indiréta (democracia representativa), por intermédio de seus representantes, o povo também o realiza diretamente (demo- cracia direta), concretizando a soberania popular, que, segundo o art. 1 da Lei n. 9709, de 18.11.1998 (que regulamentou o art. 14,1, Ie TH, da CF/88), “é exercida por sufrégio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, nos termos, desta Lei e das normas constitucionais pertinentes, mediante: plebiseito, referendo ieiativa popular”. Podemos falar, ento, que a CF/88 consagra a democracia semidireta ou par- iva, verdadeiro sistema hfbrido e que sera mais bem desenvolvido no capitu: Jo 17, a0 qual remetemos 0 nosso querido leitor (0 estudo especifico da iniciativa popular seré feito no capitulo 9, no caso, no item 9.13.3.4) 4. # (Neo}Constitucionalismo 79 ee 16, QUESTOES [A partir desta 21 edigdio, em raziio da necessidade de atualizagio ¢ aprimora- ‘mento da obra e diante da impossibilidade de aumentar 0 seu nfimero de péginas, decidimos transportar as questdes do modelo tradicional para a plataforma on-line. (© material poderd, inclusive, ser baixado em PDF para o“treino” e segue exatamen- te o mesmo formato das edigdes anteriores. Potencializando a pioneira, vitoriosa, consagrada, testada e jé aprovada metodo- logia, aplicada com sucesso desde a 1.* edi¢go do NOSSO Esquematizado®, intro- uzimos duas poderosas novidades que passam a constituir material digital exclu- sivot a), videos a0 longo dos capitulos; b) acesso & plataforma on-line. Os videos servirio de ferramenta para a sedimentagdo da matéria, destaque dos pontos mais importantes, revisio e, em alguns momentos, introdugo de contetido complementar novo; 0 acesso & plataforma permitiré a ampliagao do “treino”. Esperamos que gostem das novidades e estamos sempre abertos a criticas € sugestdes! 1 (NEO)CONSTITUCIONALISMO_ UA MH re CONSTITUICAO: CONCEITO, CONSTITUCIONALIZACAO SIMBOLICA, CLASSIFICACOES, ELEMENTOS E HISTORICO Nesta parte devemos conceituar e classificar Constituigao. Lembramos que 20 cconceituar ou classificar qualquer instituto surgirdo diversos critérios, nao sendo um mais certo que outro, talvez, no maximo, mais adequado. Procuramos trazer os que ‘mais aparecem nos concursos piblicos, dado o objetivo deste trabalho, 2.1. CONCEITO Existem varias concepgées ou acepgdes a serem tomadas para definir o termo ‘Alguns autores preferem a ideia da expressio tipologia dos conceitos io em varias acepgdes. Vejamo-las. © 2.1.1. Sentido sociolégico ‘Valendo-se do sentido sociolégico, Ferdinand Lassale, em seu livro ¢Qué es una Constitucién?, defenden que uma Constituigdo 56 seria legitima se representasse o efetivo poder social, refletindo as forgas sociais que constituem 0 poder. Caso isso ‘do ocorresse, ela seria ilegitima, caracterizando-se como uma simples “folha de papel”. A Constituigo, segundo a conceituagao de Lassale, seria, entdo, a somatéria dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade. 2.1.2. Sentido politico Na ligo de Carl Schmitt, encontramos o sentido politico, que distingue Coms- tituigdo de lei constitucional. Constituigao, conforme pondera José Afonso daSilva ‘20 apresentar o pensamento de Schmitt, .. 96 se refere & decisao politica fundamen- tal (estrutura e érgdos do Estado, direitos individuais, vida democritica etc); as leis constitucionais seriam os demais dispositivos inseridos no texto do documento cons- titucional, mas nao contém matéria de decisto politica fundamental”! Pode-se afirmar, portanto, em complemento, que, na visio de Carl Schmitt, em raziio de ser a Constituigio produto de certa decisio politica, cla seria, nesse sentido, 4 decisio politica do titular do poder constituinte Curso de direitoconstluucional positivo, p. 40. 82__Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza = 2.1.3. Sentido material e formal Constituigdo também pode ser definida tomando-se 0 sentido material ¢ formal, critério esse que se aproxima da classificagao proposta por Schmitt. Do ponto de vista material, o que vai importar para definirmos se uma norma tem carter constitucional ou néo ser 0 seu conteiido, pouco importando a forma pela qual foi essa norma introduzida no ordenamento juridico. Constitucional sera, entio, aquela norma que defina e trate das regras estruturais da socicdade, de seus alicerces fundamentais (formas de Estado, governo, seus 6rgi0s etc.) Trata-se do que Schmitt chamou de Constinuigao. Por outro lado, quando nos valemos do crtécio formal, que, de certa maneira, tam- ‘bém englobaria o que Schmitt chamou de “ei constitucional”, no mais nos interessaré 0 contetido da norma, mas sim a forma como ela foi introduzida no ordenamento juridico. ‘Nesse sentido, as normas constitucionais sero aquelas introduzidas pelo poder soberano, ‘por meio de um processo legislativo mais dificultoso, diferenciado e mais solene que 0 pprocesso legislativo de formato das demais normas do ordenamento. ‘Valendo-nos das definigdes acima, fazemos duas observagdes: ‘a) em primeiro lugar, por mais que parega estranho dizer, ao eleger 0 critério material, torna-se possfvel encontrarmos normas constitucionais fora do texto constitucional, na medida em que 0 que interessa no aludido conceito é 0 conted- do da norma, ¢ nao a maneira pela qual ela foi introduzida no ordenamento in- tern, Como o préprio nome sugere e induz, 0 que é relevante:no critério mate- tial 6 a matéria, pouco importando sua forma; b) em segundo lugar, em se tratando do sentido formal, qualquer norma que tenha sido introduzida por meio de um procedimento mais dificultoso (do.que 0 procedimento de elaboragio das normas infraconstitucionais), por um poder s0- bberano, teré natureza constitucional, nao importando o seu contetido (vale dizer, tomando-se o sentido formal, o que nos interessa é a forma de nascimento da norma). Lembramos um exemplo que supomos ilustrar bem 0 raciocfnio: trata- -se do art. 242, § 2°, da CFI88, que estabelece que 0 Colégio Pedro TI, localizado na cidade do Rio de Janeiro, seré mantido na érbita federal Pois bem, essa situagio definida no citado art, 242, § 2°, da CFI88, do ponto de vista material, de modo algum traz elementos que, por sua essencia, sejam consti- tucionais, traduzindo regras estruturais ¢ fundamentais da sociedade. No entanto, do ponto de vista formal, essa norma sera tao constitucional como, por exemplo, 0 artigo que garante 0 principio da igualdade. Isso porque o que nos interessa nesse sentido classificatério no € 0 conteddo da norma, mas sim a maneira pela qual foi introduzida no ordenamento interno. Bla é to constitucional como qualquer norma introduzida pelo poder constituinte origindrio (€ pelo derivado, dese que observa- das as regras definidas pelo originério),’ devendo todo ato normativo respeité-la, sob pena de padecer do vicio de inconstitucionalidade. ‘Verifica-se uma forte tendéncia no direito brasileiro a se adotar um critério mis- toem razdo do art. 5°, § 3°, que admite que tratados internacionais de direitos humanos, Para um estudo mais detalhado da matéria vide capitulo 4, sobre o Poder Constituinte 2. ® Constitulga0: Conceito, Constitucionalizacao Simbélica, ClassificagSes.. Et} cr oriio—e—S———ever'vewver ove ove (enatéra) sejam incorporudos como emendas, desde que ob=degam a uma forma, ou seja, a um processo diferenciado de incorporaséo. 2.1.4. Sentido juridico Hans Kelsen € o representante desse sentido conceitual, alocando a Constitui- fo no mundo do dever-ser, e no no mundo do ser, caracterizando-a como fruto da yontade racional do homem, ¢ nao das leis naturais. José Afonso da Silva, traduzindo o pensamento de Kelsen, conclui que “.. Cons- tituigdo , entdo, considerada norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensio a fundamentagio sociol6gica, politica ou filoséfica. A concepeao de Kelsen toma a palavra Constituigdo em dois sentidos: no ldgico-juridico e no juridico-positivo. De acordo com o primeiro, Constituicéo significa norma fundamental hipotética, cuja fungio é servir de fundamento légico transcendental da validade da Constituigao juridico-positiva, que equivale & norma positiva suprema, conjunto de normas que regula a criagio de outras normas, lei nacional no seu mais alto grau”.* ‘Também assim o entendimento de Michel Temer, ao tratar da teoria kelseniana, observando que o jurista de Viena descreve a existéncia de dois planos distintos no direito, conforme acima salientado por José Afonso da Silva: “o jurfdico-positivo eo I6gico-juridico. Aquele corporificado pelas normas postas, positivadas. O outro (16- ico-juridico) situa-se em nivel do suposto, do hipotético. Umas sao normas postas; outra & suposta”* i No direito perecbe-se um verdadeiro esealonamento de normas, uma consti- tuindo o fundamento de validade de outra, numa verticalidade hierérquica. Uma ‘norma, de hierarquia inferior, busca 0 seu fundamento de validade na norma superior © esta, na seguinte, até chegar & Constituigao, que é o fundamento de validade de todo o sistema inftaconstitucional. A Constituigo, por seu turno, tem o seu fundamento de validade na norma potética fundamental, situada no plano légico, e nao no jurfdico, caracterizando-se como fundamento de validade de todo o sistema, determinando a obediéncia a tudo ‘© que for posto pelo Poder Constituinte Origindrio. Para facilitara fixagdo da matéria, destacamos a teoria de Kelsen no quado a seguir Geren nites! norma fundamental hipotetica = plano do suposto | 1a fundamento légico transcendental de velidade da Constituigéo juridico-positiva Eee eckessu) norma posta, positivada norma positivada suprema José Afonso da Silva, Curso de direto constituctonal positivo,p. Al Michel Temer, Elementos de direito consttucional, p.20. Sao Pedro Lenza ito Constitucional Esquematizadi Esclarecedoras sio as palavras de Michel Temer sobre a verticalidade hierar- quica descrita, citando, como exemplo, o indeferimento, pelo chefe de segao de uma repartigio piblica, de um requerimento formulado. Trata-se de verdadeiro comando individual, que deverd estar em consondncia com as normas superiores, ou seja: “.. devo compatibilizar aquela ordem com a Portaria do Diretor de Divisio; esta com a Resolugio do Secretario de Estado; 2 Resolugtio com 0 Decreio do Governador; este com a Lei Estadual; a Lei Estadual com a Constituicao do Estudo (se se tratar de Federacio); esta com a Constituigo Nacional. Tudo para verificar se os comandos expedidos pelas varias autoridades, sejam exccutivas ou legislativas, encontram ver- ticalmente suporte de validade”® E, por fim, como visto, a Constituigdo Nacional encontraré o seu fundamento de validade na norma hipotética fundamental, esta, o fundamento de validade de todo o sistema. Trata-se de norma suposta, ¢ nio posta, uma vez que no editada por nenhum ato de autoridade. Figura, como referimos, no plano légico-juridico, pres crevendo a observancia do estabelecido na Constituigdo e nas demais normas juriai cas do sistema, estas vitimas fundamentadas na prépria Constituicdo. A norma fun- ‘damental, hipoteticamente suposta, prescreve a observancia da primeira Constitui¢ao histérica® Daf, partindo da exemplificagiio proposta por Michel Temer, estabelecemos, graficamente, a ideia da “pirmide” de Kelsen, consagrando a verticalidade hierar- quica das normas ¢ a Constituigio positivada como norma de vatidade de todo 0 sistema e, assim, 0 principio da supremacia da Constituicio: Res. do Secretar de Estado > Portaria do Diretor de Diuiséo ‘Order do Chefe de Secso de direito constitucional, p. 19. 0 histérica em Kelsen,explica Fabio Ulhoa Coelho, “seré aquele texto fundamental cuja claboragio no se encontra prevista em nenhuma disposigio nocmativa anterior; aquele cujoseditores ‘no foram investidos de compet@ncia por nenhuma outra norma jusiica. Para nos valermos da expres- ‘io de Kelsen, a primeira Constitugio histéria deriva da revoluedo na ordem jurdica, tendo em ‘sta que nfo encontra suporte nesta ordem, mas inaugura uma nova” (Para entender Kelsen,p. 31) ‘onstituicdo: Conceito, Constitucionalizacao simbélica, ClassificagOes. 85 2.1.5. Sentido culturalista Nesse sentido, pode-se dizer que a Constituigdo & produto de um fato cultural, produzido pela sociedade e que nela pode influir. Ou, como destacou J. H. Meirelles ‘Teixeira, trata-se de “.. uma formagdo objetiva de cultura que encerra, ao mesmo tempo, elementos hist6ricos, sociais ¢ racionais, af intervindo, portanto, nao apenas fatores reais (natureza humana, necessidades individuais ¢ sociais concretas, raga, geografa, uso, costumes, tradiges, economia, téenicas), mas também espirituais(sen- timentos, ideias morais, politicas e religiosas, valores), ou ainda elementos puramen- te racionais (técnicas jurfdicas, formas politicas, instituigBes, formas e conceitos ju- ridicos a priori), e finalmente elementos voluntaristas, pois nao € possivel negar-se 6 papel de vontade humana, da livre adesto, da vontade politica das comunidades sociais na adogao desta ou daquela forma de convivéncia politica e social, e de orga- nizagdo do Direito e do Estado"? Em seguida, conclui o ilustre professor que a concepgio culturalista do direito conduz a0 conceito de uma Constituigdo Total em uma visio suprema e sintética que “.. apresenta, na sua complexidade intrinseca, aspectos econdmicos, saciol6gi- cos, juridicos e filosdficos, a fim de abranger 0 seu conceito em uma perspectiva unitdria”, Desse modo, sob o conceito culturalista de Constituigao, “.. as Constitui- ‘gBes positivas so um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela Cultu- ra total, ¢ ao mesmo tempo condicionantes desta, emanadesda vontade existencial da unidade politica, ¢ reguladoras da existéncia, estrutura e fins do Estado e do modo de exercicio ¢ limites do poder politico”® 2.1.6. Constituiggo aberta Grande parte dos publicistas vem anunciando a ideia de uma Constituigao aber- ta, no sentido de que ela possa permanecer dentro de seu tempo ¢, assim, evitar o risco de desmoronamento de sua “forga normativa’”. Para Canotilho, dentro da perspectiva de uma Constituigo aberta, “relativiza- a funcdo material de tarefa da Constituicao e justifica-se a ‘desconstitucionaliza- «Go" de elementos substantivadores da ordem constitucional (Constituigao econémica, Constituicdo do trabalho, Constituigdo social, Constituicdo cultural). A historjcidade do dircto consttucional ¢ a indeseabilidade do ‘perfecionismo consitusRaT Constituicao como estatuto detalhado e sem aberturas) no so, porém, incompativeis com 0 cariter de tarefa e projecto da lei constitucional. Esta ter de ordenar 0 proces- so da vida politica fixando limites as tarefas do Estado e recortando dimensoes pros pectivas traduzidas na formulagao dos fins sociais mais significativos e na identifica 0 de alguns programas da conformagio constitucional”” 7 JH. Meirelles Teixeira, Curso de diveito constirucionai, p. 58-59, ¢ importante discussfo do tema as piginas 58-79 * J.HL Meirelles Teixeira, Curso de direito constitucional, p. 77-78. * 4.4. Gomes Canotitho, Direto constituctonal e weoria da Constlnicdo, 7. ed. p. 1339 86 _Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza 2.1.7. -Concepgées da Constituicdo: qual o seu papel iio ordenamento juridico de um pais? Virgilio Afonso da Silva, depois de fazer eriticas as classificagoes (da Constitui- cio) apresentadas pela doutrina brasileira (tipologia), muitas vezes, em sua opiniao, sem utilidade prética ou tedrica limitada, propde a andlise do papel da Constitui- ‘do, ou, ainda, da sua fungo no ordenamento jurfdico e a sua relacao com a ati- vidade legislativa ordindria, analisando a capacidade de conformagao atribuida 20 legislador, aos cidadios e & autonomia privada.”” Dentro dessa perspectiva de andlise do papel da Constitui¢ao ou da sua fungao, destacainos, também, a concepgio proposta no trabalho de Gustavo Zagrebelsky (Il diritto mite). Passamos, entao, a analisar essas quatro propostas: @ Constituicio-lei. @ Constituiciio-fundamento (Constituigio-total). @ Constituicio-moldura. @ Constituicio diictil (Constituicéo maledvel, costituzione mite). 82.171. Constituigéo-lei Para o autor, muito embora no mais vidvel na maioria das democracias consti- tucionais contemporaineas, a ConstituicHo-lei em muito pouco se distingue da le- gislagéio ordindria. “Talvez a principal defesa desse tipo de Constituigao seja aquela formulada por Gerhard Anschiitz em fins do século XIX. Segundo ele, a Constitui- ‘io ‘niio est acima do poder legislative, mas & disposigio dele”. Nesse sentido, a Constituigéo é, na verdade, wma lei como qualquer outra. Os dispositivos constitu cionais, especialmente os direitos fundamentais, teriam uma funcao meramente in- ), cuja proposta é, “por meio da internet, incentivar a participagio da sociedade no debate de temas importantes para o pais". E, conforme sustentado, “o envolvimento dos cidadiios na discussio de novas propostas de lei contribui para a formulagio de politicas péblicas mais realistas ¢ implantiveis” O portal esté dividido em dois grandes espacos de participagao: “as Comunida- des Legislativas e o Espaco Livre. No primeiro, vocé pode participar de debates de temas espectficos, normalmente, relacionados a projetos de lei jé existentes. Essas ‘Comunidades oferecem diferentes instrumentos de participagao ¢, ainda, orientagdes quanto a0 andamento da matéria no Congresso Nacional. Jé no Espaco Livre, voce ‘mesmo pode definir o tema da discussio ¢ ser o grande motivador dela. O debate seré acompanhado pela equipe e-Democracia e pode vir a se tornar uma Comunidad A palavra crowdsourcing € recente o seu surgimento data do ano de 2008, conforme descrito: “the activity or practice of involving a great many people to develop ideas, produce content, or 2c- ‘complish huge or tedious tasks, as by soliciting help via the internet. The word originated as a convenient compound to denote “outsourcing to the crowd” (Bryan A. Garner, Black's law dic- Fionary, 10. ed, p. 459) ‘Tratase e projeto promovido pelo Instituto de Assuntos Piblicos (IPA — Institute of Public Affairs) ‘da Escola de Economia de Londres (LSE) em conjunto com o seu departamento de direto sea ge _po de politicas pibicas e auitorias democriticas. Nesse sentido, cf: a) site: ; b) Twitter: @eonsttutionUK; c) Facebook: . 2 constituicao: Conceito, Constitucionalizacao Simbélica, Classificarbes. sativa. Os parlamenteres envolvidos com a matéria acompanham as discusses ‘eas consideram para auxiliar suas decisoes"." ‘0 Senado Federal, por sua vez, pelo Ato da Mesa n. 3/2011, instituiu 0 progra- gua e o portal “E-Cidadania” “com 0 objetivo de estimular e possibilitar maior articipagdo dos cidadfios, por meio da tecnologia da informagao e comunicagio, nas idades legislativas, orgamentérias, de fiscalizacdo e de representagio da Casa”. ‘Buscando sanar lacunas identificadas pela Comissdo Senado do Futuro (CSP) ¢ que ameagavam “a continuidade e 0 sucesso do Programa, cujo maior objetivo & proximaro cidadio dos trabalhos legislativos do Senado Federal" foi editada a Res. n. 19/2015/SF, regulamentando-o. ‘Como se observa, existem trés ferramentas de participaciio disponfveis no Portal: ativ Ideia Legislativa: “enviar e apoiar ideias legislativas, que sio sugestdes de alteragao na legislacao vigente ou de criagao de novas leis. As ideas que tecebe- ‘em 20 mil apoios serio encaminhadas para a Comissio de Direitos Fumanos e LLegislagaio Participativa (CDH), onde recebero parecer”; m Evento Interativo: “participar de audiéncias piblicas, sabatinas e outros ‘eventos abertos. Para cada audiéncia/sabatina/evento, € criada uma pagina espe- cifica onde haverd: a transmissao ao vivo; espago para publicagao de comenté- ros; apresentagdes, notfcias e documentos referentes i 1 Consulta Pblica: “opinar sobre projetos de lei, propostas de emenda & Cons- tituigdo, medidas provisGrias ¢ outras proposigSes em tramitaczo no Senado Fe- deral até a deliberagao final (Sango, promulgacao, envio a Camara dos Deputa- dos ou arquivamento)”. ‘As experiéncias ainda se mostram muito timidas e, infelizmente, pouco divul- ‘gadas, apesar das diversas “contas” nas redes sociais e portais especificos.”® Con- sideramos as propostas bastante interessantes € esperamos, no futuro, que essa importante instrumentagao de participaco popular possa ser utilizada como ins- ‘tramento balizador e indispensdvel para a tomada de decisdes politicas. 2.3, CONSTITUCIONALIZAGAO SIMBOLICA® 2.3.1. Aspectos ini A introdugio da ideia de “constitucionalizagao simbélica” deve-se a Marcelo Neves em trabalho apresentado para a obtengio do cargo de Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco realizado em 1992. Cf: Cimara dos Deputados: a) Twitter: @edemocracia; b) Facebook: ; c) Youtube: . Senado Federal: a) ste -chupistwww senado leg briccidadania>; b) Twitter: @senadofederal Referido tema foi exigido, dente outros, no edital do IV Concurso para ingresso na Carreira de Defensor Pablico do Bstado de Sie Paulo (2010). A apresentacio se dard de acordo com 0 traba- tho: Marcelo Neves, A constituefonalizagdo simbélica, Col Justiga e Direito, passim. © tera tam- bbém foi objeto do programa “Aula Magna” da TV Justia e pode ser assistido em: (“A Constitucionalizacdo Simb6lica Revisitada”), 92. Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza Uma primeira versio foi publicada pela Editora Académica, sendo, em seguida, o texto editado em alemao, quando sofreu ampla revisao. Depois, referido trabalho foi trazido do aleméo para o portugués, com acréscimo e alguns textos e notas. Vejamos as suas principais consideragbes." ‘Marcelo Neves, na apresentacdo do trabalho, esclarece que o estudo pretende “.. abordar o significado social e politico de textos constitucionais, exatamente na relagdo inversa da sua concretizago normativo-juridica. Et outras palavras, a ques- tio refere-se a diserepaneia entre a fungao hipertroficamente simbélica ¢ a insu- ficiente concretizacio jurfdica de diplomas constitucionais. © problema nao se reduz, portanto, 2 discussao tradicional sobre ineficacia das normas constitacionais. Por unt lado, pressupGe-se a disting#o entre texto e norma constitucionais; por outro, procura-se analisar 0s efeitos sociais da legislacao constitucional normativamente ineficaz. Nesse contexto, discute-se a funcao simbélica de textos constitucionais ca- rentes de concretizagio normativo-juridica’.® 82.3.2. Legislagdo simbélica Em um primeiro momento, o autor busca desenvolver 0 conceito de legislagiio simbélica partindo da teoria do direito e da ciéncia politica alema das duas tiltimas décadas do século XX. Analisando trabalho de diversos autores (Cassirer, Lévi.Strauss, Bourdieu, Freud, Jung, Lacan, Castoriadis, Peirce, Firth, Saussure, Carnap, Luhmann e ou- tros), Marcelo Neves apresenta uma delimitagao semantica da expresso “‘legislagtio simbélica” (apés ter determinado a ambiguidade entre “simbolo”, “simbélico” & “simbolismo”). ‘Nas suas palavras, a legislagiio simbélica “... aponta para o predominio, ou mes- ‘mo hipertrofia, no que se refere ao sistema juridico, da funcia simbélica da ativida- de legiterante ¢ do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da funcao juridico- -instrumental”.* Com base em Harald Kindermann, Marcelo Neves propde, ento, um modelo tricot6mico para a “tipologia da legislacao simbélica”, estabelecendo que o seu con- tetido pode ser: “a) confirmar valores sociais, b) demonstrar a capacidade de ago do Estado e c) adiar a soluco de conflitos sociais através de compromissos dilatérigs”” 2.3.2.1. Confirmacio de valores sociais Nesse caso, o legislador assume uma posi¢do em relacdo a determinados contli- tos sociais e, ao consagrar certo posicionamento, para o grupo que tem a sua posigéo amparada na lei, essa “vit6ria legislativa” se caracteriza como verdadeira superio- ridade da concepgéio valorativa, sendo secundéria a eficdcia normativa da lei. % ‘Marcelo Neves, op. cit, passim, % Marcelo Neves, op. cit p ® Marcelo Neves, op. cit, p. 23 (grams), te Constituigdo: Conceito, Constitucionalizacao Simbélica, Classificacoes. 93 "Assim, o grupo prestigiado procura influenciar a atividade legiferante, fazendo pre- vvalecer os seus valores contra os do grupo “adversério”. Neves traz como exemplo clissico a lei seca nos Estados Unidos. Conforme destaca 20 lembrar Gusfield, “a sua tese central afirma que os defensores da proibi- ‘gio de consumo de bebidas alcodlicas nao estavam interessados na sua eficécia instrumental, mas sobretudo em adquirir maior respeito social, constituindo-se a respectiva legislac#0 como sfmbolo de status. Nos conflitos entre protestantes/nati- vyos defensores da lei proibitiva e catGlicos imigrantes contrérios & proibigo, a ‘vit ria legislativa’ teria funcionado simbolicamente a um s6 tempo como ‘ato de deferés cia para os vitoriosos e de degradaciio para os perdedores’, sendo irrelevantes os seus efeitos instrumentais"”” Cita, ainda, a legislaco sobre o aborto na Alemanha e sobre os estrangeiros na Europa. A confirmacdo de um dos valores antag6nicos teria um papel muito mais simbélico que ofetivo. A “Iegislacdo simbélica destinada primariamente a confirma- «io de valores sociais tem sido tratada basicamente como meio de diferenciar grupos ¢ 0s respectivos valores ou interesses. Constituiria um caso de politica simbélica por ‘gestos de diferenciagao’, os quais ‘apontam para a glorificagao ou degradaco de um ‘grupo em oposigao a outros dentro da sociedade”.* %2.3.2.2. Demonstragao da capacidade de aco do Estado no tocante a solu- $0 dos problemas sociais (legislaco-élibi) Além de ter o objetivo de confirmar valores de determinados grupos, a legisla- ‘slo simbélica pode ter 0 objetivo de assegurar confianga nos sistemas juridico & politico Diante de certa insatisfagdo da sociedade, a legislacBo-Alibi aparece como uma resposta pronta e répida do governo e do Estado. Busca a legislago-4libi dar uma aparente solugo para problemas da sociedade, mesmo que mascarando a realidade. Destina-se, como aponta Neves, “.. a ctiar a imagem de um Estado que responde normativamente aos problemas reais da socie- dade, embora as respectivas relagdes sociais nfo sejam realmente normatizadas de ‘maneira consequente conforme o respectivo texto legal. Nesse sentido, podease afir- mar que a legislago- Enfim, a legislacio-4libi tem o “poder” de introduzir um sentimento de “bem- ~estar” na sociedade, solucionando tenses e servindo a “lealdade das massas” ® Marcelo Neves, op. cit, p34 ® Marcelo Neves, op. cit, p. 35 ® Marcelo Neves, op. cit, p. 39-40, 94 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza Como exemplo, Neves lembra a prestaco de contas dos politicos nos periodos eleitorais, sem se ter condiges de assegurar que a lei criada cumpriu cfetivamente 0 seu papel Lembra, ainda, apés grave problema decorrente da venda de peixes causadores de ‘doengas intestinais, na Alemanha, a divulgaco de uma lei que procurou controlar a situa~ ‘20, sem sucesso, porém, dada a sua complexidade e a necessidade de outras medidas, No Brasil, destaca mudancas na legislagdo penal como mera reagao simbélica as pressOes da sociedade buscando reduzir a criminalidade. Como exemplo temos a Lei n, 11.923/2009, que acrescenta pardgrafo ao art. 158 do Cédigo Penal, para tipi- ficar o chamado “sequestro relmpago”. Neves faz, porém, um alerta sobre 0 uso exagerado da legislago simbdlica ¢ 0 risco de seu fracasso. “Isso porque o emprego abusivo da legislagao-Alibi leva a ‘des- ccrenga’ no préprio sistema jurfdico, ‘transforma persistentemente a consciéncia juri- dica' (..); disso resulta que 0 pablico se sente enganado, os atores politicos tornam-se cfnicos”.® 2.3.2.3. Adiamento da solucso de conflitos sociais através de compromis- sos dilatérios Ainda, conforme anota Neves, a legislacdo simb6lica também pode “.. servir para adiar a solugo de conflitos sociais através de compromissos dilatérios. Nesse caso, as divergéncias entre grupos politicos nio so resolvidas por meio do ato legis lativo, que, porém, seré aprovado consensualmente pelas partes envolvidas, exata- ‘mente porque esté presente a perspectiva da ineficdcia da respectiva lei. acordo no se funda ent&o no contetido do diploma normativo, mas sim na transferéncia da solu- [0 do conflito para um futuro indeterminado”.* Cita, como exemplos, a Constituigdio de Weimar e a lei norueguesa sobre empre- gados domésticos de 1948. Em relagio a esta tiltima, os empregados ficam satisfeitos, pois a lei aparentemente fortalece a protego social. Por sua vez, os empregadores também se satisfazem, jé que a lei, como apresentada, no tem perspectiva de efeti- vac, devido a sua “evidente impraticabilidade”. Dessa forma, conclui,“... abranda-se um conflito politico interno através de uma ‘lei aparentemente progressista’, ‘que satisfazia ambos os partidos’, transferindgse para um futuro indeterminado a solugo do conflito social subjacente”™ ns 2.3.2.4, Efeitos sociais latentes ou indiretos da legislagao simbélica Neves aponta que, além dessa visdo simplista de inexisténcia ou irrelevancia social da legislagio simbélica, cla também apresenta efeitos sociais latentes, que, ‘em muitos casos, seriam mais relevantes que os “efeitos manifestos” que Ihe faltam. §® Marcelo Neves, op. cit p. 40-41 % Marcelo Neves, op. cit, p. 4. % Marcelo Neves, op. cit, p. 42. 95 stituigdo: Conceito, Constitucionalizacso Simbolica,ClassificacBes.. yp con igho Bxemplifica com uma Ie trbutiria qu, muito embora sea eficaz, pode trezer erm ela recessfo, inflagao. Ou, ainda, uma lei ue, a0 censurar os meios de comuni agi, possa repercutir negativamente na criagio artistic. "Neves fala, assim, dos efeitos colaterais que as leis produzem. Portanto, além do sentido negativo da legislacao simbélica (de ineficicia nor- ‘mativa e vigéncia social, ela também se apresenta em um sentido positivo: produgao e efeitos politicos, e no propriamente juridicos. 12.3.3. Constitucionalizagao simbélica Marcelo Neves, valendo-se do modelo sistémico proposto por Niklas Luh- ‘mann, define a Constituigo como “... ‘acoplamento estrutural’ entre politica e di- reito, Nessa perspectiva, a Constituigio em sentido especificamente moderno apre- senta-se como uma via de ‘prestagbes’ reciprocas e, sobresudo, como mecanismo de interpenetragao (ou mesmo de interferéncias) entre dois sistemas sociais auténo- ‘mos, a politica ¢ 0 direito, na medida em que ela ‘possibilita uma solugao juridica do problema de autorzeferéncia do sistema politico e, a mesmo tempo, uma solugio politica do problema de autorreferéncia do sistema jurfdico”.” Diante desse conceito de Constituicdo (nos termos da teoria dos sistemas de Luhmann), é possivel, segundo Neves, associé-lo & nogio de constitucionalizacio e, centdo, enfrentar a problemética da coneretizacHo das normas constitucionais, anali- sando a relacio entre o texto e a realidade constitucional. ‘Assim, Marcelo Neves, partindo dos modelos de Miiller e Htiberle, define a cons- titucionalizagao simbéliea, também, tanto em sentido negativo como positive." ‘Nogativamente, o texto constitucional “ndo é suficientemente concretizado nor- mativo-juridicamente de forma generalizada’’ Positivamente, “a atividade constituinte ¢ a linguagem constitucional desempe- ham um relevante papel politico-ideolégico”, servindo para encobcir problemas so- ciais e obstruindo as transformagBes efetivas da sociedade. Em seguida, o autor admite o desenvolvimento adotado para a legislagao simbé- lica também para a constitucionalizacio simbélica, falando, aqui, ento, em trés formas de manifestagdes, jé estudadas no ponto anterior: a) confirmar valofee'so- ciais, b) demonstrar a capacidade de aco do Estado (constitucionalizacio-aibl) & ©) adiar a solugao de conflitos sociais através de compromissos dilat6rios. 2.3.4, Constitucionalizagao simbélica como alopoiese do sistema juridico Marcelo Neves desenvolve a ideia de constitucionalizagio simbélica como “alo- oiese do direito”, isso quer dizer, “... a reproducdo do sistema por critérios, programas ™ Marcelo Neves, op. cit, p. 65 % Marcelo Neves, op cit, p. 90-101. Pedrotenza 96 Direito Con icional Esquem c cédigos de seu ambiente”, e, enti, discute a possibilidade de descrever 0 direito da sociedade moderna como “autopoiético”, o que quer dizer, capaz de antoproduzir-se ‘a partir de critétios, programas e cédigos de seu proprio ambiente. ‘Apés distinguir os pafses da socicdade moderna periféricos dos centrais, estabe- lece que a constitucionalizago simbélica aparece como uma realidade marcante da modernidade periférica (em razfo da desigualdade econdmica entre os paises) e, nesse sentido, dentro desse contexto, percebe-se uma hipertrofia da fungao politi- co-simbélica em relacdo 2 eficécia normativo-juridica da Constituigao (simbélica) nesses paises (periféricos). ‘Constata-se, assim, uma preponderancia (ou mais adequadamente uma sobrepo- sigio) do sistema politico sobre o jurfdico, nao se percebendlo 0 “acoplamento estrutu- ral" entre os sistemas politico e juridico anteriormente apontado na teoria de Luhmann. [Nesses paises, entio, como afirma, hé um bloqucio do sistema jurfdico, havendo tuma falta de concretizagio normativo-jurfdica do texto constitucional. O texto da Constituigao € utilizado de acordo com os interesses politicos. A constitucionalizagio (simbolica), novamente, funciona como um ilibi “o “Es- tado' apresenta-se como identificado com os valores constitucionais, que niio se rea- lizam no presente por ‘culpa’ do subdesenvolvimento da ‘sociedade’. Ja na ret6rica dos grupos interessados em transformagGes reais nas relagdes de poder, os quais, pretendem frequentemente representar a ‘subcidadania’, invocam-se.os direitos pro- Marcelo Neves, op. cit, p. 188-189. | | gum consttuleo:Concito, Consttuonaizast Sinbice Casares 7 | g23.5. Neoconstitucionalisme, ativismo judicial e a concretizacao das nor- mas constitucionais, iante de todo 0 exposto, percebe-se que a proposta de constitucionalizacho simbdlica deve ser 0 ponto de partida para que, compreendendo « problemética, $Tante das expectativas colocadas, as normas néo sirvam apenas como retoriea pol tica ou dlibi dos governantes. £ preciso identificar os mecanismos de sua ‘concretizagio e, nisso, além do pa- pelda sociedade, parece-nos que o Judicidrio tem uma importante missio,realizan- fo a implementagio da efetividade das normas constitucionais ‘dentificamos, como seri estudado neste nosso trabalho, uma nova perspectiva na utilizaco das técnicas do mandado de injungio e da aglo direta de inconstitucio- halidade por omisso (em relagZo as normas programéticas) e, assim, a consagracao dda importante figura do ativismo judicial. Por esse motivo cio Oto Ramos Duarte™ define o neoconstitucionalismo par- tindo de uma nova visdo da Constituig&o, buscando dar a cla sentido e, assim, su- perando 0 seu caréter meramente retrico, encontrando mecanismos para a real € cefetiva concretizacdo de seus preceitos. 2.4. CLASSIFICAGAO (TIPOLOGIA) Como advertimos, qualquer classificagao depende de critétios escolhidos pelos cestudiosos, no se podendo dizer que um é mais acertado que 0 outro, talvez mais adequado. Procuraremos trazer a baila os critérios classificatérios que aparecem nos concursos piiblicos, dada a finalidade deste trabalho. Vejamo-tos. © 2.4.1. Quanto a origem e a distingao entre “Constituicéo” e “Carta” Quanto a origem, as Constituigées poderdo ser outorgadas, promulgadas, ce- saristas (ou bonapartistas) e pactuadas (ou dualistas). Outorgada é a Constituigao imposta, de maneira unilateral, pelo agente revolucio- nério (grupo, ou governante), que nao recebeu do povo a legitimidade para em nome dele atuar. No Brasil, as Constituigdes outorgadas foram as de 1824 (Império), 1937 Cinspirada em modelo fascista, extremamente autoritaria — Gettilio Vargas), 1987 (di- tadura militar), sendo que alguns chegam inclusive a menciona: como exempls déou- torga a EC n. 1/69 (apesar de tecnicamente impreciso). As Constituigées outoradas recebem, por alguns estudiosos, o “apelido” de Cartas Constisucionaas Conforme veremos ao estudar 0 hist6rico das Constituigdes, alguns autores en- tendem que o texto de 1967 teria sido “promulgado”, j4 que votado nos termos do art. 12, § 12, do AI 4/66. Contudo, em razo do “autoritarismo” implantado pelo Coman- do Militar da Revoluedo, no possuindo o Congresso Nacional liberdade para alterar substancialmente 0 novo Estado que se instaurava, preferimos dizer que o texto de % Bcio Oto Ramos Duarte, Neoconsttucionalismo e postivismo jurtdico,p. 24 98. Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza 1967 foi outorgado unilateralmente (apesar de formalmente votado, aprovado ¢ “promulgado”) pelo regime ditatorial militar implantado. Também entendemos que, dado o seu caréter revolucionério, a EC n. 1/69 pode ser considerada como manifestago de um novo poder constituinte origindrio, im- posta pelo governo de “Juntas Militares”, nos termos do AI 12, de 31.08.1969. Promulgada, também chamada de democrética, votada ou popular, é aquela Constituigao fruto do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita die- tamente pelo povo, para, em nome dele, atuar, nascendo, portanto, da deliberacio da representacio legitima popular. Os exemplos sio a de 1891 (primeira da Repaiblica), 1934 (inserindo a democracia social, inspirada na Constituigdio de Weimar), 1946 e, finalmente, a atual, de 1988, alterada por 6 emendas de revisdo e 95 emendas, fruto do poder constituinte derivado reformador, podendo, ainda, com a regra do art. 5°, § 32, trazida pela EC n, 45/2004, ter os seus direitos e garantias fundamentais am- pliados por tratados e convengdes internacionais de direitos humanos, 08 quais, ob- servadas as formalidades, terdo equivaléncia as emendas constitucionais. Cesarista, segundo José Afonso da Silva, “... no & propriamente outorgada, mas tampouco € democritica, ainda que criada com participagao popular’. E conti- nua 0 mestre definindo-a como aquela “... formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por tum Imperador (plebiscitos napolednicos}? ou um Ditador (ple- biscito de Pinochet, no Chile). A participacio popular, nesses casos, nao € democré- tica, pois visa apenas ratificar a vontade do detentor do poder. Nao destacamos esse tipo no esquema porque bem pode ser considerado um modo de outorga por interpos- ta pessoa”: Complementando, cabe acrescentar que a participacio popular pode dar-se niio apenas por plebiscito como, também, na hipétese de ratificacao, por refe- endo, j4 que este se caracteriza como instrumento de confirmagio das decisées politicas e governamentais, ou seja, toma-se a decisao para, posteriormente, levar-se a referendo popular. Nese caso, contudo, “.. 08 referendos so utilizados como um instrumento de autocracia (tegime do chefe), ¢ no da democracia, pois geralmente nem todas as correntes ideol6gicas participam do debate e nao se concede liberdade para uma efetiva discussio ou para eventual rejeigo das propostas”."" Pactuada, também pouco cobrada nos concursos, Segundo Uadi Lammégo Bu- Jos, as Constituigdes pactuadas “.. surgem através de um pacto, sio aquelas em que © poder constituinte originério se concentra nas maos de mais de um titular, Por isso mesmo, trata-se de modalidade anacrOnica, dificilmente ajustando-se & no¢o mo- derna de Constituigdo, intimamente associada & ideia de unidade do poder consti- Por esse motive, alguns autores classifica as eesaristas como Constitulgbes bonapartistas (por se tratar de um método utilizado por Napoledo Bonaparte nos referidos plebiscitos napole®: nicos) (ef. R, C.Chimenti F. Capez, M. F. E. Rosa, M, F. Santos, Curso de direito constitucional, 6.ed.,p.9), (Curso de direito constiucional postive, 17.04. p-44 — original sem grifos, “B.C. Chiment,F. Capez, M. F.E. Rosa, M, F, Santos, Curse de direito constitucional, 6, ed, p.9. Konstiticao: Conceito, Constituclonalizagzo Simbolica, Classificagoes 99 fate Teis Constituigdes pactuadas foram bastante difundidas no seio da monarquia @siaimental da Idade Média, quando 0 poder: ‘estatal aparecia cindido entre 0 monarca ere ondens privilegiadas. Exemplificam-nas a Magna Carta de 1215, que os bares = pgleses obrigam Joao Sem Terra a jurar’? Para Bonavides, “a Constituigao pactuada é aquela que exprime um compro- rmisso instvel de duas forgas polticas rivais: a realeza absoluta debilitada, de uma pare, e a nobreza é a burguesia, em franco progresso, doutra, Surge entio como Permo dessa relagéo de equilfbrio a forma institucional da monarquia limitada. En- tendem alguns publicistas que as Constituigbes pactuadas assinalam o momento his tgrico em que determinadas classes disputam ao rei um certo grau de participagio politica, em nome da comunidade, com 0 propésito de resguardar direitos e amparar Franquias adguitidas. Na Constituigao pactuada o equilfbrio é precério. Uma das partes se acha sempre politicamente em posiglo de forga. O pacto selado juridica- mente mal encobre essa situaco de fato, “e o contrato se converte por conseguinte ‘numa estipulago unilateral camuflada’, conforme se deu com a Magna Carta ou a Constituigao francesa de 1791: ali a supremacia dos barées; aqui, a supremacia dos representantes da Naco reunidos em assembleia constituinte”* E qual a diferenga entre “Constituigao” ¢ “Carta”? De modo geral, Constituig&o € 0 nomen juris que se dé & Lei Fundamental pro- mulgada, democrética ou popular, que teve a sua origem em um Assembleia Nacio- nai Constituinte. Jé Carta é 0 nome reservado para aquela Constituigao outorgada, imposta de maneira unilateral pelo agente revoluciondrio mediante ato arbitrério ilegitimo. 2.4.2. Quanto a forma Quanto a forma, as Constituigdes podem ser eseritas (instrumental) ou costu- meiras (niio escritas ou consuetudinarias). Escrita (instrumental), o préprio nome nos ajuda a explicar, seria a Constitui- ‘so formada por um conjunto de regras sistematizadas ¢ organizadas em um tinico documento, estabelecendo as normas fundamentais de um Estado. Como exemplo, citamos a brasileira de 1988, a portuguesa, a espanhola ete. i Nesse particular, cabe alertar que, no direito brasileiro, vém sendo encontrados textos escritos com natureza de Constituigao (no se resumindo a um “nico cédigo), por exemplo, nos termos do art. 5%, § 3°, 0s tratados e convenges internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, «em dois tarnos, por trés quintos dos votos dos respectivos membros e que, dessa ma- heira, passam a ser equivalentes as emendas constitucionais. Por isso, parece interes- sante a ideia, apesar de timida, de uma Constituicao legal (Constituigio escrita e * Constituigao Federal anotada, p.9. Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 9. ed, p. 72 100 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza piste Constucons IEA. que se apresenta esparsa ou fragmentada em textos, conforme apontou Paulo Bona- vides — cf. item 2.4.7). Costumeira (ndo escrita ou consuetudinéria) seria aquela Constituigao que, 0 contrério da escrita, no traz as regras em um tinico texto solene e codificado. formada por “textos” esparsos, reconhecidos pela sociedade como fundamentais, baseia-se nos usos, costumes, jurisprudéncia, convengées, Exemplo cléssico & a Constituigio da Inglaterra. ‘A doutrina observa que “hoje, contudo, mesmo a Inglaterra (exemplo normal- ‘mente Jembrado de pais regido por uma Constituigao nao escrita) assenta principios constitucionais em textos escritos, em que pesem os costumes formarem relevantes valores constitucionais”: [A classificagio propte, entdo, a utilizagio do conceito de costumeira em um sentido mais aberto, pois, como bem anota Paulo Bonavides, “na época contempora- nea inexistem Constituigées totalmente costumeiras, semelhantes aquela que teve 1 Franga no ancien régime, antes da Revolugdo Francesa de 1789, ou seja, ‘uma com- plexa massa de costumes, usos e decisdes judicidrias’ (Barthélemy)”. Por esse motivo Bonavides prefere classificar a experiencia inglesa como sendo ‘ade uma Constituigdo néo totalmente costumeira ou, melhor dizendo, uma Consti- tuigdo parcialmente costumeira, j4 que as “.. leis abrangem o direito estatutério (statute lav), 0 direito casuistico ou jurisprudencial (case law), 0 costume, mormente 6 de natureza parlamentar (Paliamentary custom) ¢ as convengées constitucionais, (constitutional conventions)" Quanto & norte-americana de 1787, Bonavides define como eserita, porém complementada pelos costumes, sendo que “.. 0 elemento consuetudindrio entra igualmente como fator auxiliar e subsidiério importantissimo para completa & cor- rigir o texto constitucional lacunoso ou suprir, pela interpretagao, partes obscuras & controversas da Constituigdo”, Lembrando Carl J. Friedrich, destaca que a norte- “RC. Chimenti, F. Capez, M. E.E. Rosa, M. F Santos, Curso de direito constnicional, 2004, p. 9 © Paulo Bonavides, Curso de direto constitucional, 21. ed, p. 84. Para aprofundamento da mate por todas, René David, Os grandes sistemas do direio contemporiineo,p. 381-355. Virgilio Afni da Silva, nessa linha e avangando, observa: “no Brasil, todos costumam mencionar a Constituigte inglesa como 0 modelo de constituigdo nao escrita eflexivel. Essa categorizaglo esti tio sedimen- tada no pensimento constitucional brasileiro que a discussio acerca da aprovagio (1998) e da en- ‘rada em vigor (2000), na Inglaterra, éo Human Rights Act, ue pds em cheque aideia de suprema- cia do pariamento inglés, ainda nfo fi percebida por aqui. Ovorre que a supremacis do parlamento 4 justamente o reflexo do que a doutrina brasileira costuma chamar de consttuiglo flexivel. Se 0 parlamento inglés j nko € mais soberano no sentido tradicional, e deve respeitar as disposigdes da Geclaraglo de direitos, o modelo de constituiga flexivel também esi po” tea” (A constirucfonali zacilo do direito, p. 19, nota 6, Para aprofundamento em relagio a essa mencionada tensio entre & suptemacia do parlamentoe a entrada em vigor do Human Rights Ace na Inglaterra, ef. por todos, [Nicholas Banforth, Parliamentary Sovereignty and the Human Rights Act 1998, Public Law 1998, p. 572-582) 101 consttuigBo: Conceito, Constituconalizagdo Simbolica, Classificacbes, americana 6 completa pela doutrina da revsio judicial (precedente juiciis) H ém disso, as normas escritas “.. tém que ser sumamente flexiveis, porque éim- ee el regulamentar com absoluta preciso as eventualidudes do futuro" Quanto a extensdo Quanto a extensiio, podem as Constituigdes ser sintéticas (coneisas, breves, sumérias, sucintas, bésicas) ou analiticas (amplas, extensas, largas, prolixas, ongas, desenvolvidas, volumosas, inchadas). ‘Sintéticas seriam aquelas enxutas, veiculadoras apenas dos prinefpios funda- mentais e estruturais do Estado, Nao descem a minticias, motivo pelo qual so mais Turadouras, na medida em que os seus prinefpios estruturais so interpretados e ade Gquados aos novos anseios pela atividade da Suprema Corte. O exemplo lembrado ¢ & Constituigo americana, que esté em vigor hé mais de 200 anos (€ claro, com emen- das ¢ interpretagées feitas pela Suprema Corte). Pinto Ferreira, analisando 0 constitucionalismo patrio, indica a Constituigao de 1891 como exemplo de sintética."” Paulo Bonavides, a seu turno, ¢ com precisfo, observa que “as Constituigdes ‘concisas ou breves resultam numa maior estabilidade do arcabougo constitucional, bem como numa flexibilidade que permite adaptar a Constitvigao a situagdes novas ¢ imprevistas do desenvolvimento institucional de um povo, a°Suas variagoes mais sentidas de ordem politica, econémica ¢ financeira, a necessidades, sobretudo, de improvisar solugdes que poderiam, contudo, esbarrar na rigidez dos obstéculos constitucionais".** Analiticas, por outro lado, so aquelas que abordam todos os assuntos que 0s representantes do povo entenderem fundiamentais, Normalmente descem a minucias, estabelecendo regras que deveriam estar em leis infraconstitucionais, como, confor- ‘me jé mencionamos, 0 art. 242, § 2°, da CF/88, que disp5e que o Colégio Pedro Il, localizado na cidade do Rio de Janeiro, sera mantido na érbita federal. Assim, o clissico exemplo € a brasileira de 1988, Segundo Bonavides, “as Constituigoes se fizeram desenvolvidas, volumosas, in- chadas, em consequéncia principalmente de duas causas: a preocupagio de dotar certos institutos de protegiio eficaz, 0 sentimento de que a rigidez constitucinnal € “anteparo ao exercicio discriciondrio da autoridade, o anseio de confsrir estabilidade a0 direito legislado sobre determinadas matérias e, enfim, a conveniéncia de atribuir a0 Estado, através do mais alto instrumento juridico que é a Constituigo, os encar- 0s indispensdveis & manutengao da paz social”? a2 Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 2. ed. p. 84-85, Pinto Ferreira, Curso de direito consttucional, 10. ep. 66, Paulo Bonavides, Curso de direto constitucional, 21. ed, p. 91 Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, 9. ed p. 74. ° 102 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza @ 2.4.4. Quanto a0 conteudo O conceito de Constituigao pode ser tomado tanto em sentido material como formal. Materialmente constitucional seré aquele texto que contiver as normas funda- mentais ¢ estruturais do Estado, a organizagao de seus 6rgios, os dirzitos e garantias, fundamentais. Como exemplo podemos citar a Constituigéo do Império do Brasil, de 1824, que, em seu art. 178, prescrevia ser constitucional somente 0 que dissesse res- eito aos limites ¢ atribuig6es respectivos dos poderes politicos e aos direitos politi- cos ¢ individuais dos cidadiios; tudo 0 que mio fosse constitucional poderia ser alte- ado, sem as formalidades referidas (nos arts. 173 a 177), pelas legislaturas ordinaias. Formal, por seu turno, ser aquela Constituigao que elege como critério 0 pro- ‘cesso de sua formagio, ¢ no o conteddo de suas normas. Assim, qualquer regra nela contida tera o caréter de constitucional. A brasileira de 1988 é formal! Cumpre observar (¢ este tema ainda nao estd fechado) que, com a introdugo do § 3° no art. 5°, pela EC n, 45/2004, passamos a ter uma espécie de conceito mis- to, jf que a nova regra s6 confere a natureza de emenda constitucional (norma for- ‘malmente constitucional) aos tratados € convengdes internacionais sobre direitos hunianos (matéria), desde que observadas as formalidades de aprovacio (forma). Como se sabe (¢ voltaremos a essa andlise), nos termos do art. 5°, § 32, “os tra- tados e convengées internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trés quintos dos votos dos respectivos membros, sero equivalentes &s emendas constitucionais”. ‘Nesse sentido, podemos lembrar o Decreto Legislativo n. 186/2008, que aprova © texto da Convengio sobre os Direitos das Pessoas com Deficiéncia e de seu Pro- tocolo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de margo de 2007, promulgados pelo Decreto n, 6.949, de 25.08.2009, tendo sido, assim, incorporado ao ordenamen- to juridico brasileiro com 0 status de norma constitucional. Outro exemplo de tratado internacional de direitos humanos incorporado na for- ma do art. 5°, § 3°, CF/88, e, portanto, com status constitucional, é 0 Tratado de Marraqueche, que busca facilitar o acesso a obras publicadas 2s pessoas cezas, com deficiéneia visual ou com outras dificuldades para ter acesso ao texto impresso, cele- brado em 28.06.2013, ¢ que entrou em vigor no plano internacional em setemb#é de 2016, a partir da adesio do Canads, 0 20° Estado-parte, conforme determitit'6 art. 18 do tratado. No focante ao direito brasileiro, apesar de o seu texto ter sido apro- yado pelo Decreto Legislative n, 261/2015, aguarda-se a promulgagio por decreto presidencial para a sua efetiva incorporacao no plano interno (pendente). § 2.4.5. Quanto ao modo de elaboragao Quanto ao modo de elaboragdio as Constituigdes podertio ser dogmudticas (tan bbém denominadas “sistemdricas”, segundo J. H. Meirelles Teixeira) ou histéricas. Dogmiéticas, sempre escritas, consubstanciam os dogmas estruturais ¢ funda- mentais do Estado ou, como bem observou Meirelles Teixeira, “.. partem de teorias a “gym constitute: Concetto. Constitucionalizacio Simbélice, Classificagées. 103 concebidas, de planos ¢ sistemas prévios, de ideologias bem declaradas, de dos: ri potticos.. Sao elaboradas de um s6 jato,reflexivamente, racionalmente, por via Assembicia Constituinte”*° Como exemplo, estacames a brasileira de 1988. Histéricas, constituem.se através de um lento e continuo processo de formacio, so longo do tempo, reunindo a hit6ria e as tradigdes de um povo. Aproximam-se, fexim, da costumeira e tm como exemplo a Constituigao i @ 2.4.6. Quanto a alterabilidade Fase critério recebe diversas denominagGes pelos constit ‘Além da citada alterabilidade (Leda Pereira Mota ¢ Celso Spitzcovsky"), encontra ‘pos: mutabilidade (Michel Temer;* Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Jinior®), estabilidade (José Afonso da Silva e Alexandre de Moraes) ¢ consisténcia (Pinto Ferreira®). Em esséncia, deixando de lado a questo terminolégica, as ConstituigSes pode- do ser rigidas, flexivels (também chamadas de plisticas, segundo a denominagéo ide Pinto Ferreira)” e semirrigidas (ou semiflexiveis). Alguns autores ainda lem- bram as fixas ou silenciosas, as transitoriamente flexiveis, as imutaveis (perma- nentes, graniticas ou intocdveis) e as super-rigidas. Rigidas so aquelas Constituigdes que exigem, para a sua.alteragao (dat prefe- rirmos a terminologia alterabilidade), um processo legislative mais arduo, mais so- lene, mais dificultoso do que 0 processo de alterag8o das normas no constitucionais. Lembramos que, & excegio da Constituigio de 1824 (considerada semirrigida), todas as Constituigées brasileiras foram, inclusive a de 1988, rigidas! A rigidez constitucional da CF/88 esté prevista no art. 60, que, por exemplo, em seu § 2° estabelece um quorum de votagéo de 3/5 dos membros de cada Casa, em dois turnos de votagdo, para aprovagdo das emendas constitucionais. Em contrapo- % 5,11, Meielles Teixeira, Curso de direito consttucional, p. 105-106 Curso de direito consttucional, p. 19. Blementos de direito constitucional, p- 2. Curso de dreito consttucional, p 4. Curso de direito consttucional positivo,p. 42-43, Direito consttucional, p. 31 Curso de direto constitucional, p12 (Curso de direto constitucional, . 12. CUIDADO: em outro sentido, Rau! Machado Horta consi- era a Constiruigto brasileira de 1988 plistica, na medida em que permite o preenchimento das egras constitucionas pelo legislador infraconstitucional. Assim, o conceito de Constituigao pléstica into Fereiza (em seu entender, aquelasflexiveis —critério quanto a alterailidade) nao 0 mesmo para Raul Machado Horta, Para este sltimo, "a Constituigao plésticaestari em condigdes de acompanhar, aravés do legislador ordinéo, as scilagGes da opinido pablica e da vontade do ‘corpo eleitaral. A norma constitucional nfo se distancia da realidade social e politica. A Const twigio normativa nfo conflitaré com a Constituigdo real. A coineidéncia entre a norma ea realida- de asseguraré a durago da Constituigdo no tempo” (Direto constitucional, 4.66. p. 211). VAUD AITHEOR YU) WOU = 104 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza siglo, apenas para aclarar mais a situagdo lembrada, a votugao das leis ordindrias € complementares di-se em um gnico turno de votago (art. 65), com quorum de maioria simples (art. 47) e aboluta (art. 69), respectivamente para lei ordinaria e complementar. Outra caracteristica definidora da tigidez da CF/S8 esté prevista nos incisos I, Ie III do art. 60, que estabelecem iniciativa restrita: a) de 1/3, no m{nimo, dos membros da Camara dos Deputados ou do Senado Federal; b) do Presidente da Repiblica; e c) de mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federagio, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus mem- bros, enquanto a iniciativa das leis complementares e ordinarias é geral, de acordo com o art. 61. Flexiveis sio aquelas Constituigdes que nao possuem um proceso legistativo de alteragéo mais dificultoso do que o processo legislativo de alterago das normas in- fraconstitucionais. Vale dizer, a dificuldade em alterar a Constituigao é a mesma encontrada para alterar uma lei que nao é constitucional, Nese sentido, do ponto de vista formal, devemos observar que, em se tratando de Constituigio flexivel, nio existe hierarquia entre Constituigdo e lei infraconstitu- ional, ou seja, uma lei infraconstitucional posterior altera texto constitucional se assim expressamente o declarar, quando for com ele ineompatfvel, ou quando regular inteiramente a matéria de que tratava a Constituigo, Semiflexiveis ou semirrigidas’ so aquelas Constituigées tanto rfgidas como flexiveis, ou seja, algumas matérias exigem um processo de alteragéio mais dificulto- 80 do que o exigido para alteragdo das leis infraconstitucionais, enquanto outras no Fequerem tal formalidade, O exemplo sempre lembrado € o da Constituigao Imperial de 1824, que, em seu art. 178, dizia: “E s6 Constitucional o que diz respeito aos limi- tes, ¢ atribuigdes respectivas dos Poderes Politicos, e os Direitos Politicos, e indivi- duais dos Cidadios. Tudo, 0 que néo € Constitucional, pode ser alterado, sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordindrias”. As fixas, segundo Kildare Gongalves Carvalho, “.. so aquelas que somente podem ser alteradas por um poder de competéncia igual aquele que as criou, isto é, 0 oder constituinte origindrio. Sio conhecidas como constituigées sileneiosas, por- que néo estabelecem, expressamente, o procedimento para sua reforma. Tém valor apenas hist6rico, sendo exemplos destas Constituigdes o Estatuto do Reino da Sarde nha, de 1848, ¢ a Carta Espanhola de 1876". Para Bulos, as Constituigdes transitoriamente flexiveis “.. sio as suscetiveis de reforma, com base no mesmo rito das leis comuns, mas apenas por determinado periodo; ultrapassado este, 0 documento constitucional passa a set rigido. Nessa hi- Pétese, o bindmio rigidez/flexibilidade no coexiste simultaneamente. Apresenta- de modo alternado..”. Como exemplo, o autor lembra a Constituigo de Baden de 1947 © a Carta iriandesa de 1937 durante os primeiros trés anos de vigéncia.“! “ Desenvoiveremes melhor este tema quando tratarmos das emendas constituciouais, no item 9.14.1 ” Direito consttucional, 14 ed p. 274-275 © Curso de direito constitucional, 2. ed. p. 45. isto: Conceito, Constitucionalizagao Simbolica, ClesificacBes 105 mmutaveis seriam aquelas Constituigées inalteravcis, verdadeitas reliquias his- 4'e que se pretendem eternas, sendo também denominadas permanentes, “graniticas ou intocavels. Finalmente, segundo Alexandre de Mores, a brasileira de 1988 seria exemplo ‘Constituigdo super-rigida, jé que, além de possuir um processo legisltivo dife- veigdo para a alteragao de suas normas (rgida), excepeionalmente, algumas maté- fas apresentam-se como imutivels (lfusulas pétreas, art. 60, § 4°). ‘piEsta dkima classificaglo, contudo, no parece ser a posicHo adotada pelo STF. que tem admitido a alteragao de matérias contidas no art. 60, § 4°, desde que a teforma nfo tenda a abolir os preceitos ali resguardados € dentro de uma ideia de razoabilidade e ponderagao. Foi 0 caso da reforma da previdéncia que admitiu a taxagao dos inativos, mitigando, assim, os direiios © garantias individuais (as situa- «es jé consolidadas das pessoas aposentadas que passaram a ser taxadas)." 2.4.7. Quanto a sistematica (critério sistematico) \Valendo-se do critério sistemético, Pinto Ferreira divide as Constituigdes em reduzidas (ou unitérias) ¢ variadas.* Reduzidas seriam aquelas que se materializariam em um 6 c6digo basico © sistematico, como as brasileiras (ver critica a seguir) Variadas seriam aquelas que se distribuiriam em varios textos e documentos cesparsos, sendo formadas de varias leis constitucionais, destacando-se a belga de 1830 ea francesa de 1875. Nesse mesmo sentido, Bonavides distingue as Constituigdes codificadas das legais. Codificadas (que correspondem as reduzidas de Pinto Ferreira) seriam “... quelas que se acham contidas inteiramente num s6 texto, com os seus principios e disposigoes sistematicamente ordenados e articulados em ttulos, capitulos e segdes, formando em geral um tinico corpo de lei Por sua vez, as legais (também denominadas Constituigdes escritas néio for- ‘mais, ¢ que equivalem as variadas de Pinto Ferreira) seriam aquelas “... escritas que se apresentam esparsas ou fragmentadas em varios textos. Hoja vista a titulodlustra- tivo, a Constituigto francesa de 1875. Compreendia ela Leis Constitucionaisyelabo- radas em ocasides distintas de atividade legislativa, como as leis de estabelecimento dos poderes piblicos, de organizagao do Senado e de relagdes entre os poderes, * Compabierva Celso Bast," je em dine toma por absurd que um ert Constciona se pretend perpen, quando se abe qu é etna eel ide ema sociedad em comin Imutago.” (Curso de diets conatclonl, 3 Dirt constitaconal,23.ed. p10. © Tax ds intivos —"prinepio da sldaredade” (ADI 310S/DPe ADI3.128/DF, Re. org Min. len Gracie. Rel pseudo Min. Cer Peluso, 1808 2008) Pino Feria, Caso de det consttuciona, 13 106 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza ‘Tomadas em conjunto passaram a ser designadas como a Constituigtio da Terceira Repiblica’® A brasileira de 1988, em um primeiro momento, como aponta Pinto Ferreira, seria reduzida, codificada ou unitdria, ae ‘Contudo, especialmente diante da ideia de “bloco de constitucionalidade”, que serd estudada no item 6.7.1.3, parece caminharmos (de maneira muito timida, ainda) Para um critério que se aproxima de Constituigfio esparsa (legal ou esctita nao for- ‘mal — escrita e que se apresenta fragmentada em varios textos) especialmente dian- te da regra contida no art. 5°, § 3°, que admite a constitucionalizacdo dos tratados ou convencdes internacionais de direitos humanos que forem incorporados com 0 quo- rum e procedimento das emendas constitucionais. Conforme vimos, destacamos o Deereto Legislative n, 186/2008 que aprova 0 texto da Convencao sobre os Direitos das Pessoas com Deficiéncia e de seu Proto- colo Facultativo, assinados em Nova York, em 30 de margo de 2007, promulgados: pelo Deereto n, 6.949, de 25.08.2009, tendo sido, assim, incorporados ao ordena- ‘mento juridico brasileiro com o status de norma constitucional. Ainda, existem varios artigos de emendas constitucionais que nio foram intro- duzidos no “corpo” da Constituig&o e, permanecendo como artigo auténomo das: emendas, sem diivida, tém natureza constitucional ¢, portanto, eventual lei que contrarie artigo de emenda constitucional poderé ser deckirada iri¢onstitucional, ser- vindo a emenda como paradigma de confronto, Outro exemplo interessante 6 a EC n, 91/2016, que, sem introduzir qualquer artigo, seja no corpo ou mesmo no ADCT, alterou regra sobre perda do mandato eletivo por infidelidade partidaria, estabelecendo a possibilidade, excepcional e em perfodo determinado, de desfiliago, sem prejuizo do mandato (cf. item 18.5). Cabe alertar, contudo, que apesar dessa percepsio, de modo geral, as provas de concursos vém definindo a brasileira de 1988 como reduzida. 2.4.8. Quanto a dogmatica No tocante A dogmitica, Pinto Ferreira, valendo-se do critério ideolégico e lembrando as ligdes de Paulino Jacques, identifica tanto a Constituigao ortodoka como a eclética, uit Ortodoxa é aquela formada por uma s6 ideologia, por exemplo, a sovistica de 1977, hoje extinta, ¢ as diversas Constituigées da China marxista. Eelética seria aquela formada por ideologias conciliatérias, como a brasileira de 1988 ou a da india de 1949, Nessa linha, alguns autores aproximam a eclética da compromissbria. De fato, parece possivel dizer que a brasileira de 1988 € compromisséria, assim como a portuguesa de 1976 © Paulo Bonavides, Curso de direto constitucional, 21. ed, p. 88. | | pon consult: Cone, Const nalizacao Simbdlice, Cassficagbes. 107 ‘Nas palavras de Canotitho, “numa sociedade plural e complexa, a Const ‘um produto do ‘pacto’ entre forgus poiticas¢ social. ‘Através de ‘barganha’ € A sargumentagio’ de ‘convergenci ¢ “diferengas’, de cooperagio na deliberaclo imvveaso de desacordos persstentes, foi possivel chegar, no procedimento ttuinte, a um compromisso consttuciona! Ov © preferirmos, a varios ‘compro~ sniseos constitucionais’. O earécter ‘compromiss6rio da Constituicio de 1976 repre- tenta uma orga e nfo uma debilidade. Mesmo ‘quando se tratava de ‘conflitos profun- Sir (deep conflcd), howe a possibilidade de se chepar 8 ‘bases normativas razodveis. ‘peta rferir o compromisso entre o principio liberal ¢ © principio socialista, 0 com- promisso entre uma visio personalista-individual dos direitos, liberdades e garantias Drona perspectiva dialtico-social dos direitos econdmicos soa culturais, 0 com- spare arelegitimidade clitoral’ « Legitimidade revolucionéri, 0 compuonise ie prinepio da unidade do Estado e o principio da ‘autonomia regional c local, 0 mpromisso entre democracia representativa ¢ democracis pparticipativa’.® 2.4.9. Quanto a: ‘correspondéncia com a realidade (critério ontolégico- |—esséncia) Karl Loewenstein distinguiu as Constituigées normativas, nominalistas (nominativas ou nominais) ¢ semAnticas, Trata-se do critério ontolégico, que tbusea identificar a correspondéncia entre a realidade politica do Estado ¢ 0 texto constitucional. Segundo Pinto Ferreira, “as Constituigdes normativas silo aquelas em que 0 processo de poder esté de tal forma “disciplinado que as relagbes politicas ¢ os agentes Go poder subordinam-se as determinagbes do seu ‘contetido ¢ do seu controle proce- dimental. As Constituicdes nominalistas contém disposigoes de limitagao e controle dde dominagao politica, sem ressondncia na sistemética de proceso real de poder, ‘com insuficiente concretizagao constitucional. Enfim, as Constituigdes seménticas so simples reflexos da realidade politica, servindo como mero instrumento dos do- nos do poder e das elites politicas, sem limitagio do sew ‘conteddo”.” sso quer dizer que da nermativa & semantica percebemos uma gradagdo de demoeracia ¢ Estado Democrittico de Direito para autoritarismo. f Enquanto nas Constituigdes normativas a pretendida limitagao ao poder se implementa na prética, havendo, assim, correspondéncia com a realidade, nas nomi ararecs pusea.se essa coneretizaga0, porém, sem sucesso, nao se consegufilg wna Verdadeira normatizago do processo real do poder. Nas sernénticas, por stift Vez, nom sequer se tem essa pretensio, buscando-se conferir legitimidade meramente formal aos detentores do poder, em seu préprio beneficio. 4 4,5.Gemes Canotilho, Direto constitucional e toria da Consttuicda, 7. ei~p. 218, Barrose itr: tea Femahe casa diltiea, salientand 0 equifrio ene os ineesses do capita «do estate Pa edo. aivesniclatva e, de outo, epras de itervensHo do Estado no dominio aaanrien, haved contemplagio de direitos scias dos trabalhadores e restighes ao capital or trangeio (€f Luis Roberto Barroso, Temas de direito constitucional,p. 11-12). © Pinto Ferreira, Curso de direito constitucional, 10. €4.p 13 108 ieito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza Para Guilherme Pefia de Moraes, a0 tratar do constitucionalismo pétrio, a br sileira de 1988 “pretende ser” normativa; as de 1824, 1891, 1934 e 1946 foram nominais (“.. a Constituigao € dotada de um aspecto educativo © prospectivo (.), Portanto, embora nao haja concordincia entre as normas constitucionais ¢ a realida- de polttica no presente, hé a aspiragio de que tal desiderato sej alcangado no futu- ro”). Bas de 1937, 1967 ea BC n. 1/69 foram semanticas.® Marcelo Neves, fazendo uma releitura de Loewenstein,” prefere denominar as semanticas instrumentalistas, jé que instrumentos dos detentores do poder, Em sua opiniio, o texto de 1988 seria nominalista, servindo como verdadeiro “Alibi” para os ‘governantes (no tocante & nao coneretizaciio de seus preceitos), ao passo que as ins- trumentalistas (1937, 1967 ea EC n. 1/69) aparecem como “armas” na “luta politica”. © 2.4.10. Quanto ao sistema Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a Constituigo, quanto ao sistema, pode ser classificada em prineipiolégica ou preceitual. Na principiolégica, conforme anotou Guilherme Pefia de Moraes, “.. predomi- nam os prinefpios, identificados como normas constitucionais providas de alto graw de abstragio, consagradores de valores, pelo que € necesséria a mediagdio concretiza- dora, tal como a Constituigao brasileira”. Por seu turno, na preceitual “.. prevalecem as regras, individualizadas como normas constitucionais revestidas de pouco grau de abstragio, concretizadoras de principios, pelo que € possfvel a aplicagdo coercitiva, tal como a Constituigdo ‘mexicana. 2.4.11. Quanto a fungéo Quanto & funcdo, as Constituigdes podem ser classificadas como provisérias ou definitivas, De acordo com Jorge Miranda, “chama-se de pré-Constituicdo, Constitui¢ao rovisdria ou, sob outra ética, Constituigdo revoluciondéria 20 conjunto de normas com « dupla finalidade de definigo do regime de elaboragio e aprovagio da Congli- tuigao formal e de estruturagdo do poder politico no interregno constitucional, aque se acrescenta a fungio.de eliminagao ou erradicago de resquicios do antigo regime. Contrapée-se & Constituigdo definitiva ou de duragdo indefinida para o futuro como pretende ser a Constituigdio produto final do proceso constituinte”” ° Guithecme Pefia de Moraes, Curso de direto constitucional, 2. ed, p. 69. © Marcelo Neves, A consttucionalizagdo simblica p. 101-110. Sobre a temitica da constitucionali- zagio simboica, ef tem 2.3. (Curso de direto constitucional,2. ed. p. 67, destacando Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Mua ‘edes do dreito administrativo, 2000, p. 81 % Jorge Miranda, Manual de direito constitucional, 5,04 2003, tI, p. 108. consttuigdo: Conceito, Consttucionaizagie Simbolica, Clasificagbes. 109 28 Quanto & origem de sua decretacao: heterénomas (heteroconstitu- «aes) x autdnomas (Yautoconstituices” ou “homoconstituicbes”) Quando surge um novo Estado, ou o Estado que ja existia restaura-se, ou softe radical trnsformacSo de sua estrutura, essa nova manifestaglo trela-se a uma Cons; ‘figdo material que jé vem acompanhada da Constituigao formal, ou que passa ater tama ConstituigSo formal estabelecida em momento seguinte, ‘A soberania do Estado esté sedimentada na Constitui¢ao material, ¢ & Constitui- «0 formal, normalmente, provém do préprio Estado. ‘De modo incomum, contudo, a doutrina identifica Constituigdes que foram deoretadas de fora do Estado por outro (ou outros) Bstado(s) ou por organizagoes 52.412. internacionais. Estamos diante daquilo que Miguel Galvéo Teles denomino.. heteroconstituigao.” Conforme anota Jorge Miranda, além da raridade, causam certa perplexidade, dando como exemplo: “.. algumas das Constituigées, ou das primeiras Constitui- ¢8es, dos paises da Commonwealth aprovadas por leis do Parlamento ‘britanico (Ca- nad, Nova Zelandia, Australia, Jamaica, Mauricia, etc.), a primeira Constituigao da “Albinia (obra de uma conferéncia internacional, de 1913) ou a Constituicao cipriota (procedente dos acordos de Zurique, de 1960, entre a Gra-Bretanha, a Grécia e a ‘Turquia) ou a Constituigio da Bésnia-Herzegovina (apés os chamados acordos de Dayton de 1995)", ou, ainda, no plano puramente potitico, “as Constituigdes surgi- das por imposigio de outros Estados: as. Constituigées das Reptiblicas Helvética e Batava do tempo da Revolugio francesa, a Constituigdo espanhola de 1808, as pri meiras Constituigdes da Libéria e das Filipinas, a Constituigao japonesa de 1946, as Constituigdes das democracias populares do leste da Europa dos anos 40 e 50, ‘primeira Constituigao da Guiné Equatorial. E por imposigao das Nagoes Unidas: as Constituigdes da Namibia de 1990 e de ‘Camboja de 1993" Interessante observar, como ensina o mestre portugues, que “... até a indepen- déncia o fundamento de validade da Constituigaio estava na ordem jurfdica donde proveio; com a independéncia transfere-se para a ‘ordem juridica local, investida de poder constituinte. Verifice-se, pois, uma verdadeira novagiio do ato constituinte ou (outro prisma) uma deslocacao da regra de reconhecimento; ¢ apenas 0 text que persista — correspondente a Constituig4o em sentido instrumental — se liga ‘Apri mnitiva fonte, no o valor vinculativo das normas”” Diante do exposto, no entanto, pode-se afirmar que as Constituigdes brasileiras nao sio heterdnomas, na medida em que elaboradas e decretadas dentro do proprio Estado que iro reger. Podemos, assim, denominé-las, nesse sentido, Constituigdes ™ Miguel Galvio Teles, Const, in Verbo, Vp. 1500, apa Jorge Miranda, Manual. tI, 5. 2008, p96. Jonge Miranda, op. cit, p. 96-97. Jorge Miranda, op. cit, p. 97. 110 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza auténomas, ou autoconstituigées, ou, por que no, homoconstitui¢des (fazendo um contraponto & terminologia proposta por Miguel Galvao Teles). = 2.4.13. Constituicdes garantia, balanco e dirigente (Manoel Goncalves Fer- reira Filho) A Constituigo garantia busca garantir a liberdade, limitando o poder: a balan £0 reflete um degrau de evolugao socialista ¢ a dirigente estabelece um projeto de Estado (ex.: portuguesa). Segundo Manoel Gongalves Ferreira Filho, “modernamente, ¢ frequente desig- nar a Constituigio de tipo cléssico de Constituicao-garantia, pois esta visa a garantir a liberdade, limitando o poder. Tal referéncia se desenvolveu pela necessidade de contrapé-la & Constisuigdo-balanco. Esta, conforme a doutrina soviética que se ins- pira em Lassalle, é a Constituigio que descreve e registra a organizagao politica es- tabelecida. Na verdade, segundo essa doutrina, a Constituiglo registraria um estigio das relagdes de poder. Por isso é que a URSS, quando alcangado novo estégio na marcha para 0 socialismo, adotaria nova Constituigao, como o fez em 1924, 1936 em 1977. Cada uma de tais Constituigdes faria 0 balanco do novo estégio. Hoje mui- to se fala em Constituigdo-dirigente. Esta seria a Constituigao que estabeleceria um plano para dirigit uma evolugao politica. Ao contrario da Constizuigdo-balanco que refletiria o presente (0 ser), a Constituigdio-programa anunciaria um ideal a ser con- cretizado. Esta Constituicdo-dirigente se caracterizaria em consequéncia de normas _programdticas (que para nfo cafrem no vazio reclamariam a chamade inconstitucio- nalidade por omissdo...). A ideia de Constituigdo-dirigente é sobremodo encarecida Por juristas de inspirago marxista, como o portugués Canotilho, que desejam prefi- urar na Constituigio a implantago progressiva de um Estado socialist, primeito, comunista, a final. Exemplo, a Constituigo portuguesa de 1976”? 2.4.14. Constituigées liberais (negativas) e sociais (dirigentes) — conteudo ideolégico das Constituigies (André Ramos Tavares) André Ramos Tavares propde outra classificagdo, levando em conta 0 coms ideol6gico das ConstituigGes, classificando-as em liberais (ou negativas) (ou dirigentes)* Para ele, “as Constituigdes liberais surgem com o triunfo da ideologia burguesa, ‘com os ideais do liberalismo”, Nesse contexto, destacamos os direitos humanos de 1. dimensiio ¢, assim, a ideia da ndo intervengdo do Estado, bem como a protegéo das liberdades piiblicas, Poderfamos falar, portanto, em Constituigdes negativas (absentefsmo esta). ® Manoe! Gongalves Ferrera Filho, Curso de direito consttucional, 34. ed. p. 14-15. ™ Curso de direito constitucional, 6. ed. p. 74 bdlica, Classificagdes. m1 jonalizacao. Constituigao: Conceito, Const Por outro lado, as Constituigdes sociais refletem um momento posterior, de ne- cessidade da atuagio estatal, consagrando a igualdade substancial, bem como os di- reitos sociais, também chamados de direitos de 2. dimensio. ‘Trata-se da percepcio de uma atuagio positiva do Estado e, por isso, André Ramos Tavares aproxima as Constituigdes sociais da ideia de dirigismo estatal suge- rida por Canotilho. Segundo 0 autor, estamos diante do Estado do Bem Comum. E completa: bastante comum, nesse tipo de Constituigdo, tragar expressamente os grandes objetivos que ho de nortear a atuagio governamental, impondo-os {ao menos a longo prazo)”. 2.4.15. Raul Machado Horta (Constituicbes expansivas) Rau! Machado Horta” inscreve a brasileira de 1988 no grupo das Constituigies espansivas, Para o ilustre autor, “a expansividade da Constituigio de 1988, em fun- fo dos temas novos e da ampliagao conferida a temas permanentes, como no caso dos Direitos e Garantias Fundamentais, pode ser aferida em trés planos distintos:” contetido anatBmico e estrutural da Constituigdo; comparagao constitucional inter- na e comparagéo constitucional externa: i conteiido anatOmico ¢ estrutural da Constituigio: destacam-se a estrutura- G0 do texto e sua divisio em titulos, capitulos, segdes, subsegdes, artigos da parte permanente € do ADCT; Pace eee eta eee errs) ‘a Preambulo Titulo | — Dos 1 Titulo Ill — Da Organizagio do Estado — arts. 18.2 43 | Titulo Iv — Da Organizacao dos Poderes — arts. 44 a 135 Til ¥= ba Defe do Enda des etter Dempocrtical— are 1360148 | sTitulo VI— Da Tributagdo e do Orgamento — arts. 145 a 169) Vil — Da Ordem Econdmica e Financeira — arts. 170 2 192 fitulo Vill — Da Ordem Social — arts. 193 a 232 "Titulo i —DasDispesgbes Consttuionas Gea — art. 233 250 WAGE are 1a 10 112 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza teragses. Segundo 0 autor, referida comparagdo interna “.. registra 2 dilatagdo da matéria consttucional e a evolugo das Constituigtes brasileiras no tempo" @ comparacio constitucional externa: relaciona a Constituigéo brasileira com as Constituigdes estrangeiras mais extensas, Dentro dessa ideia, bastante interessante a proposta defendida por Luiz Sales do Nascimento, de uma teoria cienifica do direito constitucional comparado, sugerin- do que a atividade comparativa siga verdadeiro e seguro roteiro metodolégico”™ Federal brasileira de 1988 Valendo-nos de todos os critérios clasificaorios ameriormente expostos ¢ a esquematizados, podemos dizer que a Constituigio brasileira de 1988 singu- Por ser: promulgada, escrita, analitica, formal (cf. nova perspectiva clas- Sificatria decorrente do art. 5°, § 32, itroduzido pela EC n. 45/2004, sugerida no iter 2.4.4), dogmétiea, rigida, reduzida, eclétiea, pretende ser normativa, prin. cipiol6gica, definitiva (ou de duragio indefinida para o futuro) auténoma (eater, constituisdo ou “homoconstitui¢io”), garantia, dirigente, social c expansiva 1 auanto dorigem: outcrgada, promulgada, cesarsta (bonapartisa) ou pactuada (dualista); 1B quanto d forma: eserita (instrumental) ou costumeira (consuetudindria, nio 1B quanto @ extensdo: sintética (concisa, breve, suméra, sucinta,bésica) ou anali- tica (ampla, extensa, larga, prolixa, longa, desenvolvida, volumosa, inehaday B quanto ao conteido: formal ou material (endéncia para um critério misto —EC n. 45/2004), B quanto ao modo de elaboragdo: dogmética (sisteméties) ou histérica; quanto d alterabilidade: righda, flexivel, semirrigida (semiflexivel, frxa Gi sqicios®, wansitoriamente flexivel, imutével (permanente, granitica,intocsvel, “super-rigida’’ B quanto d sistemdtica (Pinto Ferreira): reduzida (unitérta) ou variad: ck Br tanto d dogmética (Paulino Jacques): ortodoxa ou eclétien(destaque argo cardter compromissério do texto de 1988); B quanto d correspondéncia com a realidade (ertério ontoldgico — esséncia — Karl Loewenstein): normativa (pretende ser), nomivalista ou seméntica; IB quanto ao sistema: principiolégica ou preceitual; Bante dfurcdo: pré-Consttuio, Consttuigao provisctia, ou Constituigao revo- Iuclondria, e Constituicio definitva, ou de duragio indefinida para o futuro; ™ Lata Sales do Nascimento, Diretoconstictonalcomparade: pressupostostericos ¢ Drineipios _gerais, passim, onstituicdo: Conceito, Constitucianalizacaa Simbélica, Classificacbes. 113 gw quanto @ origem de sua decreragdo: heterGnoma (“heteroconstituigo”) ow auténoma (“autoconstitui¢ao” ou “homoconstituigao”); ff Manoel Goncalves Ferreira Filho: garantia, balango e dirigente; André Ramos Tavares (contetido ideoldgico das Constituigdes): liberais (ne- ‘gativas) e sociais (dirigentes); 1B Raul Machado Horta: expansiva. 2.5. ELEMENTOS DAS CONSTITUICOES [Nao obstante encontremos na Constituigao um todo organico e sistematizado, as, normas constitucionais esto agrupadas em titulos, capitulos € segdes, com contetido, origem e finalidade diversos. Esses dispositivos, trazendo valores distintos, caracterizam a natureza polifa- eétiea da Constituiga0, fazendo com que a doutrina agrupe as diversas normas de acordo com a sua finalidade, surgindo, entio, o que se denominou elementos da Constituigao. ‘A doutrina diverge em relagdo aos elementos da Constituigao” No entanto, pa- rece ser mais completa a identificagao do Professor José Afonso da Silva, de cineo categorias de elementos, assim definidas” i elementos orginicos: normas que regulam a estruturi do Estado ¢ do Poder. Exemplos: a) Titulo III (Da Organizacao do Estado); 6) Titulo IV (Da Organiza- fo dos Poderes e do Sistema de Govern); c) Capitulos Ile III do Titulo V (Das Forgas Armadas e da Seguranca Péblica); d) Titulo VI (Da ‘Tributagdo e do Or- gamento); HW elementos limitativos: manifestam-se nas normas que compdem o elenco dos direitos e garantias fundamentais (direitos individuais e suas garantias, di- teitos de nacionalidade e direitos politicos e democraticos), limitando a atuacao dos poderes estatais. Exemplo: Titulo I (Dos Direitos e Garantias Fundamen- tais), excetuando 0 Capitulo II do referido Titulo II (Dos Direitos Sociais), estes silkimos definidos como elementos socioideolégicos; W elementos socioideolégicos: revelam o compromisso da Constituig&o entre 0 Estado individualista e o Estado social, intervencionista. Exemplos: aji@apitulo IT do Titulo 11 (Dos Direitos Sociais); 6) Titulo VII (Da Ordem Econéimica e Financeira); ¢) Titulo VIII (Da Orciem Social); W elementos de estabilizagso constitucional: consubstanciados nas normas Constitucionais destinadas a assegurar a solugdo de conflitos constitucionais, a defesa da Constituigdo, do Estado e das instituigdes democriticas. Constituem ” LH. Meitells Teixeira, por exemplo, visumbrava quatro categoras de elementos, a saber: orgni- ¢os, imitativas, programitico-ideoligieas c formals ou de wplicabilidade (Curso de dieito consttucional, p. 183-184), "Curso de diveito constitucional positive, p. 44-45. 114 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza instrumentos de defesa do Estado ¢ buscam garantir a paz social. Exemplos: a) art, 102, I, “a” (agiio de inconstitucionalidade); b) arts. 34 a 36 (Da intervencéo nos Estados e Muniefpios); c) arts. 59, I, e 60 (Processos de emendas Consti- tuigdo); d) arts. 102 ¢ 103 Gurisdi¢ao constitucional); ¢) Titulo V (Da Defesa do Estado e das Instituigoes Democriticas, especialmente o Capitulo I, que trata do estado de defesa e do estado de sitio, j4 que os Capitulos II e II do Titulo V caracterizam-se como elementos organicos); 1 clementos formais de aplicabilidade: encontram-se nas normas que estabe- Jecem regras de aplicagéo das Constituigdes. Exemplos: a) preambulo; b) dispo- sigdes constitucionais transitérias; c) art. 5°, § 1°, quando estabelece que as nor- ‘mas definidoras dos direitos e garantias fundamentais tém aplicagao imediata. 2.6. HISTORICO DAS CONSTITUICOES BRASILEIRAS* 25.03.1824 24.02.1891" Fen. 11965" 2.6.1. Constituico de 1824 Em 1808, tendo em vista a ocupagao das terras portuguesas pelas tropas napole6- nicas, a Familia Real Portuguesa se transfere para o Brasil, passando a colonia bra- sileira a ser designada Reino Unido a Portugal e Algarves. Em seguida, em decorréncia da Revoluedo do Porto e por exigéncia dos nobres Portugueses, 0 Rei Dom Joao VI, rei de Portugal, retorna.a Lisboa em abril de 1821, Este tema passou a serinserido nos programas dos edits das provas mais receates ¢ const, inch sive, no Edital de 28.12.2007 do Concurso de admissao & Carreira de Diplomata Sem contar os meses eos dias 15.11.1889 — instalagio do Governo Provisério da Repiiblica, Conform se verd no item 2.6.4, « chamada Republica Vetha tem. seu fim com a Revolucio de 1950, ‘que fastituiu, por meio de uma Junta Militar, o Governo Provissrio, nos termos do Deereto n, 19.398, 4d 11.11.1930, levando Getto Vargas ao poder, perdurando sté a promulgaco do texto de 1934, Em razio de seu carter revolucionério, psicionamo-nos no sentide de considerar a EC n, 1/69 um ‘novo poder constituinte origindrio, Até 0 fechamento desta edigao, 1m constituigio:Concito,Consttuconalizaao simbolic,casicages. 115 gixando no Brasil D. Pedro de Alcantara, Principe Real do Reino Unido e Regente ‘peasileiro (Geu filho com a imperatriz.D. Carlota Joaquina). ‘.. Esses acontecimentos, sem divida, contribuiram para a intensificagdio dos mo- ‘vimentos pela independéncia do Brasil, e, em 9 de janeiro de 1822, desrespeitando ‘rdem da Corte portuguesa, que exigia seu retorno imediato na tentativa de efetivar ‘arecolonizacio brasileira, D. Pedro I, tendo recebido diversas assinaturas coletadas palos“liberais radicuis’, disse: “Se é para o bem de todos efelicidade geral da Nacko, estou pronto! Digam ao povo que fico” (“Dia do Fico”) ‘Apés ter declarado a Independencia do Brasil, em 7 de setembro de 1822, Dom Pedro I convoca, em 1823, uma Assembleia Geral Constituinte e Legislati- ya, com ideais marcadamente liberais, que, contudo, vem a ser dissolvida, ar- bitrariamente, tendo em vista a existéncia de divergéncias com os seus ideais € pretensbes autoritérios. ‘Em substituigao (da Assembleia Constituinte), D. Pedro I cria um Conseliio de Estado para tratar dos “negécios de maior monta” e elaborar um novo projeto em total consonancia com a sua vontade de “Majestade Imperial”. A Constituigio Politica do Império do Brasil foi outorgada em 25 de margo de 1824 e foi, dentre todas, a que durou mais tempo, tendo sofrido considerével influén- cia da francesa de 1814. Foi marcada por forte centralismo administrativo e politi- co, tendo em vista a figura do Poder Moderador, constitucionalizado, e também por unitarismo ¢ absolutismo. Algumas importantes caracteristicas do texto de 1824 podem ser destacadas: W Governo: monérquico, hereditécio, constitucional e representativo. Tratava-se de forma unitéria de Estado, com nitida centralizacao politico-administrativa, @ Territ6rio: as antigas capitanias hereditérias foram transformadas em provin- cias, que, por sua vez, poderiam ser subdivididas. As provincias eram subordinadas a0 Poder Central ¢ tinham um “Presidente”, nomeado pelo Imperador e que poderia ser removido a qualquer tempo (ad nutum) em nome do “bom servico do Estado”. 1 Dinastia imperante: a do Senhor D. Pedro I, Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil. Durante 0 Império tivemos, também, a dinastia de D. Pedro U. B Religiio Oficial do Império: Catética Apostélica Romana. Todas as outras religides eram permitidas com seu culto doméstico, ou particular, em casas para isso destinadas, no podendo, contudo, ter qualquer manifestacio externa de templo. 1 Capital do Império brasileiro: a cidade do Rio de Janeiro foi a capital do Império brasileiro de 1822 a 1889. Com o Ato Adicional n. 16, de 12.08.1834, a cida- de do Rio de Janciro foi transfor mada cm Municipio Neutro ou Municipio da Cot te, entidade territorial para a sede da Monarquia. O Municipio Neutro apresentava importante caracteristica: “o relacionamento direto com o poder central, ao invés da submnissio ao poder da Provincia do Rio de Janciro"*" "esse sentido e para aprofundar a evolugio histrica do Municipio Neuro ¢ do Distrito Federal, f, Vitor Fernandes Gonsalves, O controle de constitucionalidade das leis do Distrito Federal, p. 15-45, 116 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza Essa desvinculagao em relagdo 4 Provincia do Rio de Janeiro encontrava funda- mento no art. 1°, 2." parte, do referido Ato Adicional de 1834, que, em cumprimento Lei n, 12, de 12.10.1832 (que facultava a alteragdo de alguns artigos da Constituigiio de 1824, dentre eles o art. 72), inovando, passou a permitir a autoridade da Assem- bleia Legislativa da Provincia também na cidade do Rio de Janeiro (a capital). A cidade do Rio de Janeiro foi a sede do poder federai mesmo com a proclama- ‘go da Reptblica, nos termos do art. 10 do Decreto n, 1, de 15.L1.1889, A primeira Constituigao da Reptibtica, de 1891, como se verd, transformou o antigo Municipio Neutro (cidade do Rio de Janeiro, desvinculada da Provincia do Rio de Janeiro) em Distrito Federal, continuando a ser a Capital da Unio, IW Organizagiio dos “Poderes”: seguindo as ideias de Benjamin Constant, nfo se adotou a separagao tripartida de Montesquieu. Isso porque, além das fungées le- gislativa, executiva e judicidria, estabeleceu-se a funciio moderadora. Nesse sentido, © art. 10 da Constituigio do Império de 1824: “Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituigao do Império do Brasil so quatro: o Poder Legislativo, © Poder Moderador, o Poder Executivo, e 0 Poder Judicial”. W Poder Legislativo: exercido pela Assembleia Geral, com a sangao do Impe- rador, que era composta de duas Camaras — Camara de Deputados e Camara de Senadores, ou Senado. A Camara dos Deputados era eletiva ¢ temporaria; a de Se- nadores, vitalicia, sendo os seus membros nomeados pelo Imperador dentre uma lista triplice enviada pela Provincia. 41 Eleicdes para o Legislative: indiretas, WW Sufragio: censitério, ou scja, baseava-se em detcrminadas condigées econd- mico-financeiras de seuss titulares (para votar e ser votado). & Poder Executivo: a funcdo cxccutiva era exercida pelo Imperador, Chefe do Poder Executivo, por intermédio de seus Ministros de Estado, Em um primeiro momen- to, para continuar no poder, os Ministros nio dependiam da confianga do Parlamento. Contudo, a partir da abdicagio do trono por D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, na fase da Regéncia (que durou 9 anos, durante a menoridade de D. Pedro I, que conta- va com 5 anos de idade, tendo existido 4 Regéncias) e, em seguida, gracas ao espirito moderado de D, Pedro II, o segundo Imperador do Brasil, que assumiu o trono aos 15 anos de.idade, em 18 de jutho de 1841, contribuiu para a paulatina institui¢ao. Ag parlamentarismo monérquico no Brasil durante o Segundo Reinado.* ae O parlamentarismo se consolidou com a criagao do cargo de Presidente do Con- selho de Ministros pelo Decreto n. 523, de 29.07.1847, conforme o qual D. Pedro li escolhia 0 Presidente clo Conselho e este, por sua vez, escolhia os demais Ministros, que deveriam ter a confianga dos Deputados e do Imperador, sob pena de ser dissol- " Conforme anota Celso Bastos, em determinado momento da monarquia, “. floresceu uma pritica parlamentarista que aeabou por implantar no Pats um regime que o text fio da Constituigo no ‘astorizava, mas ao contrério vedave. A monarquia esteve, portant, muito ligada ao sistema parla- ‘mentar.Inspirou-se muito no regime ingles eso século XIX, som falar na prpria Inglaterra, que foi aatma mater do regime represeatativo..” (Curso de direito constitucionat, 21. ed. p. 102) | Constitucionalizagéo Simbolica, Classificagoes.. 17 Cconstituisao: Conceito. ho alguns chegam a denominé-lo um “parlamentarismo as avesses,jé que o Pre- tate Conselho, que equivaleria 20 Primeiro-Ministro da Inglaterra, era escolhi- {fo pelo Imperadore portant este subordinado, eno ao Parlamento) 'g Poder Judiciério: o denominado “Poder Judicial” era independente e compos- to de juvzes e jurades. Os juizes aplicavam a lei 0s jrados se pronunciavam sobre os feios, Aos juizes de dirito era assegurada a vitaliciedade ("os jutzes de dreito serio perpétuos, s6podendo perder 0 “lugar” por sentena) nfo se hes assegurando toda- prt» inamovibilidade. O Imperador podia suspendé-los por queixas que The eram fei- tie: Para julgar as causas em segunda e dltima instancia, nas Provincia co Império, foram eriadas as “Relagées”. Na Capital do Império foi estabelecido, como érgio de ceipula do Tudiciério, o Supremo Tribunal de Justia, composto de jules togados, provenientes das “Relagdes” das Provinciase pelo critrio da aatiguidade im Poder Moderador: sem davida, foi o“mecanismo” que serviu para assegurar aestabilidade do trono do Imperador durante o reinado no Brasil. ‘Afonso Arinos destaca que 0 criador da ideia de Poder Moderador, Benjamin Constant, sofreu forte influéncia de Clermont Tonerre Como relata, Benjamin Constant definia 0 Poder Moderador, por ele chamado de “Poder Real”, como “la clef de toute organisation politique”, frase esta consa- grada no art. 98 da Constituigdo de 1824: “o Poder Moderador é a chave de toda a organizacio Politiea, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supre- mo da Nagio e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a ‘manutengio da Independéncia, equilfbrio e harmonia dos demais Poderes Politicos’. “Muita discussdo houve sobre 0 Poder Moderador, especialmente em razio da tradugio do termo “clef”, ou seja, significando “fecho” para alguns ou “chave” para outros, este ditimo como consta do art. 98 da Constituigio de 1824. Para os liberais, a melhor tradugéo seria “fecho”, no sentido de “apoio e coor ddenacdo” em relagdo aos demais Poderes. Para os conservadores, a traducio mais adequada seria “chaye”, dando a ideia de possibilidade de “abrir qualquer porta”, tendo em vista as constantes “intervengées” e “imposig6es” do Poder Moderador sobre 08 demais Poderes.°° Assim, na prética, parece que a tradugiio “chave” refletiu a constante interferén- cia do Poder Moderador sobre os demais Poderes c o significado de Imperador, que recebeu os Titulos de “Imperador Constitucional ¢ Defensor Perpétuo do Brasil”, tendo 0 tratamento de “Majestade Imperial” ¢ sendo a sua pessoa inviolivel e sagra- da, ndo sujeita a responsabilidade alguma (irresponsabilidade total do Estado — “the king can do no wrong” —“o rei no era”) © Imperador, que exercia o Poder Moderador, no ambito do Legislativo, no- ‘meava 0s Senadores, convoeava a Assembleia Geral extraordinariamente, sancionava © velava proposigées do Legislativo, dissolvia a Camara dos Deputados, convocando "Afonso Arinos de Melo Franco, 0 constitucionalismo de D. Pedro Ino Brasil e em Portugal, p.28 "Afonso Arinos de Melo Franco, op. cit, p. 28-29 [_— 118 Direito Constitucional Esquematizado® Pedro Lenza imeciatamente outra, que a substitufa, No ambito do Executivo, nomeava e demitia livremente os Ministros de Estado. E, Por fim, no ambito do Judiciario, suspendia (0s Magistrados, @ Tentativa frustrada de se instalar o Estado Federative durante 0 Impé- rio: a Regéncia permanente, em nome do Imperador D. Pedro Il, tendo em vista os poderes de reforma atribuidos pela Lei de 12.10.1832, nos termos do art. 1° da Lei n. 16, de 12.08.1834 (Ata, Adicionab), criow as chamadas “Assembleias Legislativas Provinciais’, com considerével autonomia. Contudo, contrariamente ao interesse de determinados segmentos, nao se conseguiu acabar com o Poder Moderador, nem com 0 absolutismo reinante, especialmente a partir do advento da Lei n. 105, de 12.05.1840, chamada “Lei de Interpretagao”, que restabeleceu, fortemente, a ideia centralizadora e a figura do Poder Moderador. @ Insurreigdes populares: durante o mpério diversos movimentos populares eclodiram, seja por causas separatistas, seja por melhores condiges sociais, desta- cando-se a) Cabanagem (no Paré, 1835); b) Farroupilha (no Rio Grande do Sul, 1835); ©) Sabinada (na Bahia, 1837); 4) Balaiada (no Maranhio, 1838); ©) Revolugdo Praieira (em Pernambuco, 1848). © Constituicdo semirrigida: nos termos do art. 178, conforme ja estudamos, no tocante a classificagfio das Constituigdes quanto a alterabilidade, algumas nor. mas, para serem alteradas, necessitavam de um procedimento mais airduo, mais sole- ne e mais dificultoso; outras, entretanto, cram alteradas por um processo legislativo ordinario, sem nenhuma formalidade. & Liberdades piiblicas: por forte influéncia das Revolugées Americana (1776) Francesa (1789), configurando a ideia de constituei malismo liberal," a Constitui- go de 1824 continha importante rol de Direitos Civis e Politicos. Sem diivida in- luenciou as declaragdes de direitos ¢ garantias das Constituigdes que se seguiram. Nao podemos, contudo, deixar de exeerar a triste Mmanutengdo da escravidao, or forga do regime que se baseava na “monocultura latifundidria e escra ee como mancha do regime até 13 de maio de 1888, data de sua aboligio, vans a assinatura da Lei Aurea pela Princesa Isabel. Muito embora no prevista a garantia do habeas corpus, cabe lembrar que o Decreton. 114, de 23.05.1821, alvaré de D. Pedro I, antes do texto, jé proibia prisées "Carmo anotou Cetso Bastos, “o liberalismo tem por ponto central colocaio homem, individualmente onsiderado, como aliceree de todo o sistema social” (Curso de dieitoconstcional, 2. e1,p.98) Neste sentido, ef, Pinto Fereira, Curso de direito consttucional, 10. ed, . 50. Destacamos, anteiormente, apenas para recordar, a Lei n, 2,040, de 28.09.1871 (“Lei do Ventre Lic ‘ee. que assegurou a condo de Ives os filhos da mlher escrava, bern como aL dos Sexage ‘nérios’, que tornow livres, partir de 1885, 05 eseravos com idade igual ou superior a 65 anos, juigs0: Conceito, Constitucionalizacao Simb6lica, Classificagoes. 9 fas. A Constituigdio de 1824, por si, tutelou a liberdade de locomogao (art. 179, e IX) c também vedou qualquer hipétese de prisio arbitréria, ci somente a partir do Cédigo Criminal de 16.12.1830 (arts. 183 a 188) que se estabelecer a garantia do habeas corpus, regra prevista, também, no Cédigo ocesso Criminal de Primeira Instdncia (Lei n, 127, de 29.11.1832, arts. 340 a © 9b vi 8216.2. Decreto n. 1, de 15.11.1889 — primeiro Governo Provisério da Republica Wk partir de 1860, comega-se a perceber um enfraquecimento da Monarquia. Em 4868, durante a Guerra do Paraguai, os militares passam a nutrir um forte sentimento de descontentamento com a Monarquia, sentimento esse que se intensificou em razio da candente “marginalizacio politica” e redugo do orcainento e efetivo militares, © Manifesto do Centro Liberal (1869) ¢ 0 Manifesto Repubticano (1870) tam. bém contribuiram para abalar 2 Monarquia, atacando a vitaliciedade dos Senadores © 0 papel do Conselho de Estado. Em 1874 tivemos fortes entraves entre a Igreja Cat6lica e a Monarquia, Nesse contexto, ‘‘desmoronando” as “colunas de apoio” ao Impécio, em 15 de novembro de 1889, a Republica € proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, afastando-se do poder D. Pedro ITe toda a dinastia de Braganga, sem ter havido mui ta movimentacdo popular. Isso porque, como visto, tratava-se mais de um golpe de Estado militar e armado do que de qualquer movimento do povo. A Repiiblica nes- cia, assim, sem legitimidade, Consequentemente, as Provincias do Brasil, reunidas pelo lago da Federacio, passam a constituir os Estados Unidos do Brasil Entre 1889 © 1891 se instala no Brasil o Governo Provisério (Dec. n. 1, de 15.111889, redigido por Rui Barbosa), presidido por Deodoro da Fonseca e que tinha a importante missao de consolidar o novo regime e promulgar a primeira Constitui- $0 da Repiblics. Nos termos do art. 10 do Decreto presidencial n. 1, de 15 de novembro de'1889, territério do Municipio Neutro fica provisoriamente sob a administragao imediata do Governo Provissrio da Repiiblica, ea cidade do Rio de Janeiro constituida, tam- +bém provisoriamente, sede do poder federal”, 2.6.3. Constituigéo de 1891 A Assembleia Constituinte foi eleita em 1890, Em 24 de fevereiro de 1891, a primeira Constituicio dis Reptiblica do Brasil (a segunds do constitucionalisino Atrio) € promulgada, sofrendo pequena reforma em 1926. Vigorou até 1930 A Constituigao de 1891 teve por Relator o Senador Rui Barbosa e sofreu forte influgncia da Constituigao norte-americana de 1787, consagrando o sistema de

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