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Nesse momento de democratizagio das viagens & de amplo acesso as novas tecnologias, a midia nos em contato quase cotidiano com as mais as, Simultanea, ou ainda técnica, a traduco const diagdo, nfio apenas entre as entre as cultur Muito além do cliché traduttore, traditore, quais sto smos postos em aedo quando se trata de ima lingua? fi preciso que a tradugao se apague para que a obra pareca ter sido concebida Ifngua de chegada, ou se devem preservar as pi ‘cularidades da lingua de origem? Esta obra apresenta a historia, as teorias e as ope- agdes linguisticas e literdrias dessa atividade tio especifica: a traduciio, NA PONTA DA LINGUA a. Berna Carlos Alberto Fenaco Lo] Lingua maveraa — lesramento, Chaves Higounet iste — epitrmaegiae discplina, Robert Martin 7. Inardngdo as estas catvaras, Attaed Mate 5A pragmdien, Prangose Armengad 8. Histiriaconcsn da semsstia, Anse Hénanit Ise Took TL, Lingutsticacomputacional — teria 8 price Gabriel de Avila Other Séego de Moura Menuzzi nautica histirica — Uma ined ao estudo da histria das Ainguas, Caos herto Reco 18, Litarcom palavras — cveso eeuerénla, Irandé Antunes ne Marie Lik Neveu vedo discuss — bist eptcas, ra (Catherine Kerbnat Oresshion 17, Aspaltcas tagsuces, LasJenaCalvet Eatnéna de Lourdes Savell, Maria Marta Furienetto creer Georges Picard agi, C 22, Tradigio oral & tradigta escrita, 23, Tradugdo- hisuria, rriase méalos Mic 24, Gramdtion de bond Michaél Oustinoff TRADUCAO Histéria, teorias e métodos ‘Marcos Marcionilo T ora ‘Thulin acon Shreses Unies dance, 203 ‘Sredtion cle 2009, novembre iSonvare. 2130576792, iho URASLERA Clon namo aes: Anca Custédo htpartamatulbiogspetcomy2011/01 uaducoes ives: SUMARIO Introducéo.. Caviruto I: Diversidade das linguas, universalidade da tradugac 1. Babel ea diversidade das linguas 2. Linguas e visoes do munde 3. A tradugto, operagao fundamental da Linguagem « “TRADUGKO - HIsTOnIa, TEORIAS E METODOS Caniruxo V: Tradugio ¢ interpretagao 1, Do escrito ao oral 2. Traduca e restitwici 3.A tradugdio “automatica’ Caviruvo VI: Os signos da tradugdo 4 1. De une sistema de signos a outro 4 2, Tradlucao e globatizacao.. uy 3, Semistica da tradugao 4, A traduciio a servigo das Iinguas Conelusio . Bibliografia. indice onoméstico.. INTRODUGAO esse momento da democratizagio das viagens e do acesso &s novas tecnologias, que nos fay entrar em contato com as mais diversas linguas, a tradugiio no apenas se amplia, como se nnovas formas que necem desconhecidos, especialmente porque se acha que a tradugdo est reservada exclusivamente aos es- tas, Mas, na realidade, seu campo € muito mais antes dese transformar em um assunto para tra- intérpretes, ela constitui, e a ‘TeaDugho - wistdnia, TEoRIAs € MéraD05, uum aleance bem mais geral do que costumamos pensar, ‘porque ela estd presente no préprio seio de toda lingua, por meio da reformulacéo. Toda e qualquer comunica- Gio pressupde o exercicio de uma faculdade como essa, utilize-se uma s6 lingua ou utilizem-se varias, “O que é traduzis?” é uma pergunta impossivel de responder sem levar em conta a dimensio hist6- rica, Distinguiremos trés grandes eixos: 0 da proble- mitica do espirito e da letra, distinedio que podemos fazer remontar A tradugdo dos textos gregos pelos ro- manos ou dos textos biblicos, primeiramente para 0 Jatim (a Vulgata de sao Jeronimo), depois para as lin- guas vernaculares (a Biblia de Lutero para o alemao, a Authorized Version para o ingles etc.). Nesse primeiro periodo, que vai até o Renascimento, o que se busca é certa fidelidade ao original, mas, nos séculos XVII XVIII, opere-se um movimento de péndulo na diregao ‘posta: partindo do principio de que uma tradugio s6 podia ser bela se fosse infiel, os tradutores passaram a dar as costas & letra do original como bem thes aprou- vyesse. Atualmente, essas transformagies ndo so mais aceitas (elas seriam consideradas como adaptagées), 0 que exige demonstrar uma literalidade muito maior. A istéria da traducdo ¢ indissocivel dos eseritos sobre a traducio. A maioria desses escritos € resultado da critica textual, o que é evidente no caso dos textos 08 ou iterdrios. E nesse quadro da criti tendida em sentido amplo, que devemos reposici as teorias contemporneas da traducio, demas numerosas. Elas podem se ordenar em duas grand categorias: aquelas que se fundamentam na lingu’ rRooUGAO ° e aquelas que ultrapassam esse quadro, reservando-se o direito de nele se inspirarem, em caso de necessidade. As diferentes maneiras de traduzir, tanto quanto os quadros te6ricos, apresentam uma imensa diversi- dade, Daf decorre a importancia de por a descoberto os mecanismos subjacentes & tradudo, da maneira mais, jaremos a abordagem deseri- ito que prevaleceu izacio ocidental. Essa € a razao pela qual os estudos referentes & tradugzo oral sio mais raros e mais tardios que aqueles que inci- ita, Como esse desequilibrio estd atualmente resolvido, a tradugao oral é um campo ‘que ndo podemos esquecer, dada sua importancia. Por conta da diversidade de suas formas, a tradu- ico “intersemidtica” (R. Jakobson), onde nao. mais de passar de uma lingua para outra, mas 14 de signos pata outro. Essa modalidade sume uma importincia toda particular jwe as novas tecnologias, especial 10 TRADUGAO - HISTORIA, TEORIAS = MeTODOS tes altamente habilitados. E, além e acima disso, nfo podemos esquecer a importincia que ela assume na aprendizagem de iras e, mais funda- mentalmente, no conhecimento da propria Imgua, porque, como dizia Goethe, grande tradutor: “Quem ‘nao conhece Ifnguas estrangeiras nao sabe nada da sua propria” Esta é uma formula que podemos inverter: o conhecimento que cada um tenha da propria lingua contém, em poténcia, 0 conhecimento de todas as ou- tras — por intermédio da traducao. A tradugao é mais que uma simples operagao linguistica: as linguas so insepardveis da diversidade cultural, essa diversidade vital que a ONU, por meio da Unesco, pretende defender, a fim de evitar a proli- feragdo de contfitos decorrentes do choque de culturas neste século XX. 1 Apud George Kersaudy, Langues sans frontidres. verte des langues Europe, Paris: Antrement, 2001, p. 147. CAPITULO I: DIVERSIDADE DAS LiNGUAS, UNIVERSALIDADE DA TRADUGAO ‘A torre de Nimrad foi construida de palavras. George Steiner, Langage and Silence, 1966 1. Babel e a diversidade das linguas Estima-se que atualmente se falem mais de 6.000 linguas, Hé quem diga que so menos, mas isso faz nica diferenga: seu ntumero exato é tamanho que se- quimérico pretender aprender todas elas. A torre Babel constitui a figura emblemdtica dessa profa: va além de suas diversas representacoes pictd- nesmo que a torre tenha realmente existido ia (seus vestigios ainda sao visiveis no Ina- to é feito de palavras. No livro do Génesis stir cidade oi asim que passara a chamé- te foil qe lahweh confumein a inguagem de 2 TRADUGAO - HISTORIA, TEORIAS € KETOOOS Em parte alguma, encontraremos referencia & traduco, mas ler a Biblia a pressupte: raros so 0s tores capazes de ler Antigo Testamento “no texto”, isto €, em hebraico. B impossivel falar de tradhucéo deixando de levar em consideragio 0s textos biblicns, seja-se ou no cren- te, especialmente porque eles foram e continuam a ser, de Jonge, o objeto do m: io na histéria da humanidade: atwalmente, a Biblia esté ‘traduzida em 2.233 linguas. Nenhum outro texto de ‘igual importancia é enunciado em tantos idiomas. A di- versidade das Iinguas, € preciso ainda superpor a diver- sidade de versdes: mesmo que tenhamos tomado como referéncia a Biblia de Jerusalém, existem Independentemente da dimensto religiosa, a tra- dugao da Biblia faz surgirem trés dados fandamentais im a toda modalidade de tradugao. Para co- € para torné-le acessivel ao maior mtimero possivel, 0 que implica recorrer & lingua dominante da época, E por razées andlogas que o Novo Testamento ser redigido em grego e ndo na lingua do Cristo, o atamaico, Inteiramente traduzidos ou los em grego, os textos biblicos serio, por sua vez, traduzidos para o latim, que se tornara a lingua dominante da cristandade. ra fungao da traducio é, entio, de o sem ela, a comunieagdo fica compr tida ou se torna impossivel. Vemos imedia DIVERSIDADE DAS LINGUAS, URIVERSALIDADE OA TRABLCKD 13 todo 0 proveito que podemos extrair dessa faculdade: os intérpretes tinham o status de principes no Egito, em razfio da importineia primordial que eles podiam assumir em matéria de diplomacia, Fm contrapartida, podemos compreender por que a tradugéo pode se revelar, na plena acepeio do termo, como a condicao de sobrevivéneia de uma lin- ua, Se a pedra de Roseta ndo contivesse a traducao de ‘um texto redigido em hierdglifos e em demético (uma we A flecha simboliza a transferéncia linguistica constituida pela tradugao e que confirma a etimologia (“ducere”), “evar para 0 ‘trans”)]. Mesmo assim, a oposicao entre. to niio desaparecen por completo, mas a transparéncia as the attempt to produce 4 text so transparent that it does not seem to be trans- lated” (Norman Shapiro)", Qualquer intrusdo de uma estrutura da te € per- cebida como inabilidade, ou até mesmo como falta de da xe, do mesmo modo como um professor deverd, aos poucos, levar seus altinos a suprimirem as marcas de “interferéncia” da lingua materna (ir) sobre a lingua estrangeira (ic). Voltamos a topar com a pro- “TEOMIAS 0A TRADUGKO Ps blemética de Dryden, segundo a qual a clegincia das tradugées reside na conformidade com o “bor uso” no sentido em que Vaugelas o entei ‘maneita diferente?, pensard o le Contudo, seria uma inconsequéncia pretender que Chateaubriand ou Goethe, que defendem outra maneira de traduzir, tivessem um dominio insuficien- te da lingua, o que prova que a simples oposi “pré-alvo" e “prd-fonte”, por mais comoda que soja, se demonstra insuficiente. Diante disso, deixa de ser necesssirio postular que apenas uma tinica modalidade de traducio auténtica. Em um texto muito famoso de 1813, Uber die verschiedenen Methoden des Ubersetzens (“Sobre os diferentes métodos para traduzi Friedrich Sch- leiermacher distingue dois métodos: On o tradutor deixa o eseritor © mais tranguilo possi fax com que oletor vi a seu encontro, ou ele deizao leitor ‘o mais tranquilo que ele possae faz com que o esertor vi a seu encontro’, A depender da natureza do texto a ser traduzido, lutor atuard prd-fonte ou pré-alvo. O que importa mesmo é a nogdo de movimento, lucdo é uma operagao de natureza dind- a estitica, Wilhelm von Humboldt, em sua 8 qual ele teré consagrado seguinte distingao Fundamental: 56 ‘TRADUGAO - HISTORIA, TEORIAS & MéTODOS Quando nao se sente estranheza, mas oestranho, a trada- seu papel supremo; mas quando a estranheza aparece em si mesma etalvez obscure até mesmo 0 estra- sho, quando o tradutor deixa eseapar que ndo est 3 altar de seu original [sso € caminhar no sentido oposto ao das tradu- es 8 francess da époi ‘onecta- -se vont elas no estab ite, aquele que talvez consista em “recusar a estranheza do es- tranho to profundamente quanto 0 etnocentrismo do classicismo francés”*. apenas Hélderlin venceré sim um Ezra Pound’. Contu- do, os argumentos dos “pré-alvo” nao carecem de forca. Um dos mais importantes é aquele que decorre da equi- valéncia, Em Toward A Science of Translating (1964)', Eugene E, Nida distingue duas formas de equivaléncia: a equivaléncia formal, que consiste em verter mecani- camente a forma do original; a equivaléncia dindmica, que transforma o “texto fonte” de maneira a produzir o mesmo efeito na “Iingua-alvo”. Eugene B. Nida é um especialista em tradhugio btblica. Confrontado com civi- Tizagoes diversas da nossa, o argumento da equivaléncia sobre qualquer outra consi- Humboldt, Sure curactire national des langues Tangage. Trad: Denis Thoward. Paris: Le Sel, ger op. P: 248, Ia traduction comme 83-109, ward A Science of Translating. Brill, 1968, “TEonIAS DA TRADUGKO 3 deracio: como fazer entender a pargbola daboa semente € do joio a indianos do desesto, para os quais todo grao deve ser cuidadosamente enterrado e protegido ¢ nao semeado ao vento? Aferrar-se a letra faz correr 0 risco de uma distorgao radical do sentido: naquela civilizagao, semear € em si um ato aberrante. Nao se poderia, entio, segundo ele, utilizar as mesmas palavras. A “equivaléncia dinamica” é um conceito préprio de Eugene E, Nida, que sé faz sentido quando reporta- do a sua propria teoria da tradugdo, Em contrapartida, a equivaléncia de efeito é uma nogao central que vai além da divisto entre “pré-fonte” e “prd-alvo”: ela pre- cisa ser Jevada em conta em um quadro mais ‘8 comecar por suas implicagdes de ordem linguist 2, Linguistica e tradugio A contribuigdo da linguistica para a teoria da ‘tudos literdrios (influencia de Helmsley sobre Barthes, por exemplo) ou para as ciéncias hu- Strauss, por exemple) ic maneira que Roman Jakobson enfatiza: ren¢a é 0 problema cardeal da al objeto da linguistica”. 3 TRAUUGRO - HISTOR, TEORIAS E METaDO8 A hegemonia da linguistica é, para alguns, evi- dente: a tradugao se transforma em um campo rele- vante da linguistica geral. B dessa maneira que deve ser entendido o titulo da obra publicada em 1965 por John Catford, A Linguistic ‘Theory of Translation”, O raciocinio seguido por John Catfor do é uma questio de linguagem; Jinguagem; logo, a traducao € objeto da veio seu subtitul titulo de Buge- Toward a Science of ‘Translation (1964). al ciéncia ainda ndo existia, mo- tivo pelo qual sungiram titulos como o do russo A, Fedo- ov, Videnie v teorju perevoda (“Introduedo a teoria da traducio”), publicado em 1958", Cada autor apoia-se em uma teoria lingufstica que the é peculiar: Eugene E, Nida, na gramética gerativo-transformacional de Noam Chomsky; John Catford, nos trabalhos de J. R, Firth ¢ deM. A. K, Halliday ete. Contudo, muito rapidamente, toda essa preemin sosamente comtestada pelos préprios tradutores, espe- cialmente os tradutores de textos literérios. Edmond Cary € seu porta-vox: “A tradugao liter ica, € uma operagio litersria”, diz ele traduire? em 1958", Com efeito, A Linguistic Theory of Translation, Londes: 1985, 9.8 ‘TEORIAS DA TmADUGKO em sua Stylistique comparée du francais et de J-P, Vinay e J. Darbelnet afirmam: Lemos frequentemente, até mesmo nas experimentados, que a tradugio é uma ‘mesmo contendo wma parte da verdade, tende, eontudo, a limitar arbitrariamente a natareza de nosso objeto. De fato, a tradugdo é uma di linguista Georges Mounin opera a sintese des- ses dois pontos de vista em Les problémes théoriques ina, a tradugio subsiste como uma arte — mas como uma arte fundada em A linguistica é que surgiram as primeiras descrigdes suficientemente detalhadas das operagées s quais os tradutores procedem. A maioi parte dos as palavras, ele ndo se estende muito. Dryden nifo somo se passi do preceito de Horsecio: “Nee ‘bo curabis reddere, fidus interpres” 2 ele. io: “Nor word for word too faithfully ‘Nem Goethe nem Humboldt entrardo em Thado das traducdes que teorizam, francaivet «0 TRADUGKO - HISTORIA, TEORIAS E MErODOS No século XX, a situago muda radicalmente: 6 crescimento da linguistica fornece aos tedricos da tradugio poderosos instrumentos de andlise, Os pri- meiros manuais de traduc@o que véo além da fase do empirismo so publicados. O primeiro é Siylistique comparée du francaise de Vallemand, de Alfred Mal- blanc (1* edigao: 1944), que se apoia nos trabalhos de Charles Bailly, continuador de F. de Saussure. J-P. Vinay e J. Darbelnet se inspirardo nessa obra para fa- zer sua propria Stylistique comparéede Vanglais et du francais. O método seguido 0 indutivo: teoria s6 nao. basta, € necessério partir dos fatos. Oponto de partida sao tradugdes feitas por tradu- tores profissionais, que sto comparadas com os origi- a fim de estudar as transformagées efetuadas, De descritiva, a teoria da tradugao vai se tornando explicativa, Uma de suas aplicagSes mais evidentes é 0 campo do ensino, em nivel universi Quaisquer que sejam as linguas em presenga, nfio a para desconsiderar as contribuigdes da lingusstiea ‘em matéria de traducao" Entre as obras recentes, citemos, nos quadros teéricos mais ‘TEOnIAS OA TAADUGHO 3. Poética da tradugio Em Depois de Babel, obra fundamental sobre a tradugdo, publicada em 1975, George Steiner afirma que a tradugao (particularmente a de textos literdrios) ndo deveria ser reduzida exclusivamente a dimensio linguistica. A comparacao do subtit inglés (1975) com o de sua tradugao francesa (1978) resume a pro- hlemética subjacente: After Babel, Aspects of Langua- ge and Translation [ed. br: Depois de Babel. Ques- (Ges de linguagem e tradugao, na tradugéo de Carlos Alberto Faraco] é tradurido por Lucienne Lotringer por Aprés Babel. Une poétique du dire et dela traduc- tion. Fm epigrafe, George Steiner cita um trecho de “.. Dichterisch Wohnet der Mensch...” (1954) de Martin Heidegger (o homem se engana pensando que é 0 se- nhor da agua, quando é ela que é sua senhora) e, ‘pois, uma passagem de “Las versiones homéricas” A A ptca social que és escrita

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