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Revista de Economia Politica, vol. 12, n? 2 (46), abrit.junho/1992 Muitos Métodos é€ 0 Método: A Respeito do Pluralismo ANA MARIA BIANCHI* Ha 100 anos, a ciéncia econémica vivia um momento particularmente conturbado de sua histéria, marcado pelo conflito aberto entre duas correntes de pensamento antagé: nicas, Esse conflito expunha profundas divergéncias meto- doldgicas que se vinham configurando durante o ultimo quar- tel do século XIX. Incomodado pela viruléncia das criticas disparadas de lado a lado, John Neville Keynes escreveu um ensaio — infelizmente ainda nao traduzido no Brasil — que, em nome do desenvolvimento da economia, propunha uma conciliagdo ¢ procurava estancar a querela sobre método an- ~ tes que esta prejudicasse o bom nome da cigncia. No momento em que se vive um novo periodo conturba- do da historia da ciéncia econdmica, parece interessante foca- var 0 episédio que converge para a tese do “‘pluralismo”’, defendida por Bruce J. Caldwell em seu Beyond Positivism, de 1982. O livro de Caidwell encerra uma proposta concilia- t6ria para as persistentes discordancias que, quase um sécu- lo.apés o artigo de Neville Keynes, ainda assolam a economia. E interessante notar que as controvérsias sobre método, embora relegadas a um segundo plano pelo chamado modelo hard science da histéria do pensa- mento econdmico, vém a tona de tempos em tempos com nova roupagem e pa- recem voltar sempre as mesmas questées.' Vale a pena fazer aqui uma breve re- * Da Faculdade de Economia ¢ Administragio da Universidade de S40 Paulo. " Alguns episédios mais conhecidos, alm do focalizado neste artiga, si0: 1) O embate entre Ricardo Malthus; 2) a Methodenstret entre austriacose alemdes; 3) controvérsia de Cambridge, sobrea medida do capital; 4) o debate sobre teoria da firma, que dividiu adeptos da concorréncia perfeita e imperfeita, 135 constituigao do episédio testemunhado e arbitrado por Neville Keynes, antes de focalizar a proposta de Caldwell, com a qual guarda dbvia semelhanga. J. NEVILLE KEYNES E A FALACIA DO METODO EXCLUSIVO Para que a polémica sobre método nao levasse de roldao tudo aquilo que se conquistara no campo da ciéncia econémica, Neville Keynes adota uma atitu- de de contemporizagao entre duas correntes de pensamento: o—ere—c—ver— 1. De um lado, coloca a economia classica inglesa, na tradicéo Smith- Ricardo-Mill-Senior-Cairnes-Bagehot, qué encontraria em 1890, nos Principles de Marshall, um tratado antoldgico. O método preconizado pelos ingleses definia- s€ COMO positivo, abstrato € dedutivo, ou seja, a construgao tedrica assentava-se em princi Considerados auto-evidéntes, que supostamente mostra- fama real Dentre estes, o da racionalidade eco inica sobressaia-se, Em torno de tais principios, a teoria articulava-se de forma lgica, permitindo a deducdo de leis passiveis de aplicacdo & realidade empirica. ‘A comparacao com 6s fatos era encarada como um momento posterior do tra- Balho cientifico, complementar a0 raciocinio dedutivo. Do outro lado, colocava-se & escola historica alema, critica e contestaté- ria em relagao ao dominio inglés, a que N. Keynes se refere 8s vezes como “es- Sete nova"™ Sous adepios propunham um método fortemente asentado no 12- ciocinio indutivo, bastante influenciado péla historia € com um enfoque inier- Aisciplinar. Outra Caracteristica marcante desta escola era 0 compromisso com iuma ciéncia ética, pois reconhecia-se e advogava-se a impossibilidade de separar © qué do que deve ser, a neutralidade axiologica em suma. Assim, 0 ideal de desenvolvimento econémico era aberlamente colocado como tarefa primordial Ga cconomig, Finatmente, a escola historica contrasta com a escola inglesa clas- sica pela énfase dada ao Estado na condugaio dos negécios da economia, — Na verdade, a polémica entre essas duas correntes de pensamento reacendia um velho objeto de disputa: a pendéncia entre deduco e induc&o como fonte ‘econhecimento cientifico, entre o chamado método @ priori e o método a pos- feriori, A questéo complicava-se, no seio de uma das mais conceituadas univer- sidades britanicas, pelo fato de os alemaes terem conquistado adesées entre os proprios ingleses. Richard Jones e Cliffe Leslie, na Grd-Bretanha, e os institu- cionalistas norte-americanos, de seu lado, mostravam-se particularmente entu- siasmados pelas posigdes da escola histérica alema (Katouzian, 1980). O que parece incomodar de perto Neville Keynes so os estragos que o em- bate aberto € radicalizado de idéias poderia ocasionar entre estudantes de eco- nomia confundidos pelos animos exaltados com que seus mestres vociferavam suas divergéncias, Em termos kuhnianos, parecia faltar ento uma condigdo plena de vigéncia de uma ciéncia normal, no sentido de um paradigma amplamente compartilhado pela comunidade de economistas. O ensaio de Keynes ¢, em poucas palavras, uma condena¢ao Aquilo que de- noma de "facia do-método exclusiva”. Desde o prefaco, ele evela a preo- 136 cupagdo de evitar o tom partidario e representar com imparcialidade os lados em contend, O autor exorta os economistas a respeitarem a diversidade e desi irem da busca de um método infalivel, pois 0 método correto para a economia, adverte, no pode ser representado por uma tinica frase. ‘Aquele que viria a ser conhecido como “‘pai de Keynes”” pede de inicio aos ‘economistas que moderem a impaciéncia com que a discussio metodolégica ¢ freqiientemente encarada, pois “‘pertence ao dominio da filosofia ou da légica da Economia Politica”* e, como tal, “‘ndo avanga diretamente nosso conheci- mento dos fendmenos econémicos propriamente ditos’? (N. Keynes, 1917: 3). A influéncia de Stuart Mill, em particular de conceitos como o da pluralidade de causas dos fénémenos écondmicos, expressos em seu Sistema de Logica, é bastante visivel ao longo do texto. ‘Ao deplorar o nivel de conflito entre as duas escolas, cujo dogmatismo es- treito “complicou desnecessariamente todo o problema” (ibidem: 8), 0 autor lo- caliza o pomo de discérdia na postura metodoldgica de cada uma delas. Tendo elegido distintas maneiras de aproximagio dos problemas, os dois grupos desen- Folvem teorias cujo enfoque é substancialmente diferente, A preocupagao conciliatéria de N. Keynes revela-se a cada momento. A des: peito desses diferentes enfoques, destaca, nfo conviria uma atitude de radicali- zago, que exagera a oposicdo entre as partes. “‘Se a pura indugdo é inadequa- da, a pura dedugdo € igualmente inadequada. O erro de colocar esses métodos ‘em oposi¢ao miitua, como se o emprego de qualquer um deles excluisse 0 em- prego do outro, ¢ infelizmente muito comum’” (ibidem: 172). Defende o autor que apenas uma ‘‘combinago ndo preconceituosa de ambos”” permite o desen- volvimento da cigncia. © ponto de vista ganha forca adicional a partir de exemplos da histéria da cigncia econémica, desde seus precursores. Quando se compara o procedimento efetivo que os melhores economistas do passado adotam, diz N. Keynes, as dife~ rengas metodoldgicas se diluem e perdem visibilidade, O primeiro ¢ principal exemplo escolhido para ilustrar esse ponto de vista € justamente o de Adam Smith, Como bom economista, ele consegue conciliar os dois métodos. Ao investigar GTendmeno da riqueza, Smith partiu de consideragdes gerais a priori para mon- tar uma teoria abstrata. Mas jamais se descuidou da tarefa de observar os fatos histéricos. Depois de alinhavar exemplos, N. Keynes sente-se capacitado a generalizar a respeito dos economistas classicos. De resto, diz ele em defesa de seus conter- Faneos, nenhum economista constréi sua teoria no ar, sem qualquer respaldo da observacaio empirica. Nos classicos, 0 raciocinio indutivo desempenha um. papel importante como complementacdo do raciocinio dedutivo, ~Parte em seguida o autor A critica da escola histérica. O mero indutivismo desta coloca sérios entraves 4 construgao de um conhecimento capaz de ir além do nivel rasteiro dos fatos. A escola histérica, N. Keynes reprova a tendéncia a superestimar a relatividade das doutrinas econémicas. Empenhada em se con- trapor a alguns dos economistas mais velhos, que encaravam a economia poli ca como um sistema de doutrinas de validade universal, essa escola teria acaba- do por incidir no erro inverso. N. Keynes reprova-lhe, igualmente, a tendéncia a 137 considerar a economia como ciéncia histérica. Reage com ironia & perspectiva, As vezes sustentada por aqueles que apregoam a relatividade das doutrinas eco- nOmicas, de se postergarem as consideragdes te6ricas até que os fatos tenham sido coletados. Em suas préprias palavras: Além e acima de qualquer disputa, porém, como na mais frutifera diregdo da investigacdo no estdgio particular de desenvolvimento que a Economia Politica agora atingiu, estd envolvida na visdo ultra-historica uma idéia exa- gerada da suficiéncia da parte que o material histrico pode jamais assumir na construgo da ciéncia, e da extens&o em que, sem a ajuda da teoria expli cita, 0 historiador pode atribuir aos fendmenos suas conexdes causais. Ja se mostrou que a prépria histéria econ6mica deve ser interpretada pela teo- ria, (Ibidem: 325) tom geral do ensaio de N. Keynes é dado pela exportacdo contida no fi- nal de seu primeiro capitulo, no sentido de que nenhum método seja defendido em detrimento de todos os demais. O método apropriado & economia pode ser abstrato ou realista, dedutivo ou indutivo, matemético ou estatistico, hipotético ou histérico, diz ele. Cada um deles tem seus méritos e suas limitacdes, ¢ a habi- lidade do cientista é revelada precisamente na sabedoria com que combina os méritos € se precavé contra as limitagdes. I. A IDEIA DE PLURALISMO No inicio da década de 1960, a metodologia popperiana parecia ser a chave das respostas As perplexidades dos economistas quanto as credenciais de sua cién- cia, O entusiasmo pela mesma, que se manifestara desde o livro de Hutchison, em 1938, e transparecia nos textos clssicos de metodologia desde entdo langa- dos, cedeu lugar, no periodo recente, a uma atitude mais realista. Eventualmen- te cansados de eleger um método impréprio, valendo-lhes a pecha de ‘“falsifica- cionistas inécuos”” (Blaug, 1980), os economistas partem para uma atitude mais cautelosa em relacio a quest6es de método. Caldwell discorre sobre uma série de condigdes que tornam impraticdvel a adogao do falsificacionismo na economia: 1) ntimero excessivo de condigdes ini ciais no teste de teorias; 2) impossibilidade de algumas destas condigdes iniciais serem testadas isoladamente (estado da informagao, gostos, preferéncias); 3) au- séncia de leis gerais falsedveis; 4) impossibilidade de um ajuste perfeito entre da- dos empiricos ¢ construgdes tedricas (Caldwell, 1984: 238-242). Assim, ¢ num contexto em que as discusses metodolégicas ganham forca, sem uma definigao clara do método mais adequado a economia, que Calwell in- troduz a proposta do pluralismo. A partir da tese de superacdo do positivismo como método, o autor reflete sobre a dificuldade implicita na montagem de um algoritmo de escolha de teorias. Quais os critérios consensuais para a escolha entre teorias rivais e, mais ainda, como montar um algoritmo com os mesmos? Essa é a indagagao langada por ele, em cuja resposta desemboca a questo do pluralismo metodoldgico, posteriormente rebatizado de pluralismo critico. 138 ‘Antes de apresentar essa proposta, porém, convém fazer uma pequena di- gressdo sobre 0 significado de pluralismo. © termo evoca um vasto conjunto de significados, consagrados pelas melhores enciclopédias. Na filosofia, pluralis- mo contrapde-se a monismo, que atribui ao ser um tinico principio final. A dou- trina monista, na metafisica, prega que toda a realidade pode ser reduzida a um tinico principio constitutive ou a uma tinica substdncia, como o espitito (no ca- 0 do idealismo) ou a matéria (no caso do materialismo) (v. Diciondrio de Cién- cias Sociais, 1987). No campo juridico, os monistas defendem a necessidade de um poder su- premo ou autotidade superior, conferidos ao Estado, que se torna soberano tanto internamente quanto no campo das relagées internacionais. Os pluralistas, a0 contrario, sustentam que nem o Estado nem qualquer outra institui¢o possuem um tal poder absoluto, mas que 0 mesmo se reparte entre os varios grupos que integram a sociedade. “Assim, no plano das relagdes sociais em geral, pluralismo constitui uma dou- trina cujos defensores combatem a segregacdo de qualquer espécie, 0 sectarismo € as praticas discriminatérias em geral. Um outro significado interessante do termo & encontrado no campo das relagdes internacionais. Na América Latina da década de 1970, pluralismo de- signava autonomia na condugao do desenvolvimento econdmico ¢ politico de paises como 0 Chile de Allende, o México de Luiz Echevarria, o Peru etc. Al Iende seguidamente usava a expresso pluralismo em seus discursos, no sentido de reivindicar respeito & autonomia nacional na escolha de um projeto de de- senvolvimento. ‘Na politica, pluralismo tem sido sindnimo de liberdade de expressio, direi- to de discordar da opiniéio dominante, respeito & divergéncia, em suma. ‘De um modo geral, a idéia de pluralismo, parente proxima do liberalismo politico, assenta-se na concepedo da validade moral da autonomia e multiplic dade dos grupos sociais, ou seja, nos méritos de uma sociedade dindmica € di- versificada. Quando se fala em pluralismo, entende-se uma doutrina que é, por sua propria natureza, avessa ao totalitarismo ¢ 20 dogmatismo dos modelos iinicos. Ill, CALDWELL E O PLURALISMO Esta tltima dimensdo do termo pluralismo é justamente aquela realada por Caldwell, numa postura que parece bastante adequada ao particular (¢ contur- bado) momento da historia da ciéncia econémica que vivemos. Quando Cald- well apresenta o pluralismo como um “preconceito”’, logo no inicio de sua obra, quer condenar o dogmatismo e enfatizar que, assim como hé muitas tarefas a serem desenvolvidas pela teoria econémica, ha muitos métodos de avaliago ¢ critica desta teoria. As metas do estudo metodoldgico nao consistem em tracar ‘um caminho obrigatério ou encontrar o método infalivel (fullproof). Esse méto- do nao existe, ou, mesmo que exista, nunca podemos ter certeza de té-lo encon- trado. As metas de metodologia so muito mais modestas, porque, como se tra- ta de um simples instrumental, nao substitui o trabalho substantivo. 139 importante registrar que, ao ser prescritivo num sentido amplo, o método de Caldwell vem justamente atenuar o cardter prescritivo da tradigo metodolé- gica popperiana. Acrescente-se que a proposta de pluralismo surge no 4mago de um movimento que se estende além das fronteiras da economia ou de qual- quer ciéncia particular, alicergado na idéia de superagao do positivismo como método. Nao por acaso, 0 livro de Caldwell traz o titulo de Beyond Positivis ‘A vasta bibliografia (164 titulos) resenhada pelo autor no campo da meto- dologia da ciéncia em geral e no da metodologia econdmica em particular é indi- cativa do leque de alternativas em que se apéia para sugerir a adogdo do plura- lismo por parte daqueles que se dedicam ao trabalho metodolégico. Os econo- mistas, diz ele, devem escolher uma estrutura tedrica para trabalhar e ter cons- ciéncia da op¢do feita, embora n4o precisem, no inicio de cada artigo que escre- vem, ficar obcecados pela definicao de sua metodologia. ‘As vantagens do pluralismo seriam basicamente trés: 1. Promover a novidade na ciéncia — Tem-se aqui reiterado o principio de pro- liferagao de teorias. Seu objetivo explicito & conseguir espaco de respiragao para teorias novas, fundadas em visdes metodoldgicas eventualmente antag6nicas. Além disso, ampliar o niimero ¢ 0 tipo de métodos de investigacdo representa um estimulo ao trabalho interdisciplinar. 2. Estimular a critica ndo dogmdtica — O pluralismo preocupa-se em mostrar a critica como aspecto crucial do trabalho cientifico, mesmo que se reconhega como quixotesca a busca de um aparato critico universalmente aplicavel. Ele pri- vilegia a critica interna como a mais efetiva, preferindo-a a critica externa. A primeira é considerada cabivel ¢ oportuna em todos os momentos da cigncia, posto que o dogmatismo é uma atitude anticientifica por exceléncia. Ainda que no diminua as disputas dentro da comunidade cientifica, aumenta a capacida- de de comunicacdo na mesma. Permite assim que economistas de diferentes cor- rentes conversem um com o outro, em vez de falar além um do outro. A critica interna torna-se particularmente util nos momentos de transigao, quando a inse- guranga profissional se acentua. Permite que teorias nao sejam sumariamente descartadas a primeira evidéncia negativa, obedecendo assim ao principio de te- nacidade, que resiste ao falsificacionismo ingénuo. 3. Diminuir a incomensurabilidade entre teorias e promover 0 didlogo entre di- Serentes programas de pesquisa — Ao aderir ao pluralismo, a questao da inco- ‘mensurabilidade de paradigmas colocada por Kuhn fica consideravelmente ate- nuada. Digamos que uma determinada controvérsia — a controvérsia de Cam- bridge — tenha origem num ponto cego, no entrechoque de duas vis6es de mun- do & primeira vista incompativeis. Pois bem: ha aspectos que podem ser objeto de debate e, uma vez promovido este, ambos os lados em contenda beneficiar- se-iam do mesmo, embora mantendo sua posigao propria. Entender os austrfa- cos em seus préprios termos evita que os debates se tornem meramente semanti- cos € ajuda austrfacos e néo-austriacos a fundamentarem melhor suas teorias. Em artigo de 1985, Caldwell retoma o tema, com o intuito de rebater algu- mas criticas que haviam sido enderecadas a seu trabalho anterior. Posiciona-se claramente contra 0 monismo, com sua “‘insustentavel’” posicdo de aderéncia 140 um conjunto tinico de padrées. Em poucas palavras, 0 autor ressalta 0 aspecto de critica embutido na proposta do pluralismo, por simplicidade abandonando © adjetivo ‘metodolégico” com que o havia cunhado anteriormente, O mote que exprimiria o cerne do pluralismo como principio metodoldgico seria: ‘*Bus- car a novidade e procurar permanentemente reduzi-la pela critica’’. Nesse senti- do, 0 pluralismo estaria se recusando a confiar a filosofia a tarefa de propor critérios de demarcagao para a ciéncia. (© papel do metoddlogo, diz Caldwell, ndo é 0 de guardido da ciéncia, Es- tudar metodologia nao ensina como fazer economia, A verdadeira tarefa do me- todélogo ¢ avaliar teorias luz dos préprios problemas que se dispéem a solu- cionar. Dai que a metodologia é problem-dependent, pois a escolha dos instru- ‘mentos de avaliagdo depende da natureza dos problemas focalizados pelo cientista. IV, QUESTOES E CRITICAS Exposta sinteticamente a proposta de Caldwell, que, & semelhianga de N. Keynes, exorta os economistas ao pluralismo, pelo menos duas questdes se colo- ‘cam. A primeira delas é: 0 pluralismo aplica-se a cada economista em particu- lar, ou A comunidade como um todo? Essa nao é uma pergunta facil de responder, como pode parecer a primeira vista. Dizer que © pluralismo se aplica ao conjunto implica pisar num terreno onde se espera razodvel consenso, mais ou menos como uma proposta de paz. Afinal, é um ganho, ¢ nao uma perda, o fato de uma comunidade cientifica com- plexa ser eclética e comportar diferentes correntes. Até ai, o conselho de Cald- well soa um pouco acaciano. Dizer, porém, que o pluralismo se aplica a cada economista em particular & uma prescrigdo controvertida. Caldwell diz apenas que seus insights sao tteis, a qualquer economista, mas que, como programa, 0 pluralismo se aplica ao me- toddlogo (ibidem: 251). Em que sentido seria possivel preconizar que todos os economistas adotem © pluralismo como método? Claramente, nao se trata de sugerir que se postem eternamente em cima do muro, para presenciarem o embate de idéias alheias. © muro é uma posicdo, respeitavel até, se quiserem. © importante, porém, é trei- nar 0s economistas para conviver proveitosamente com opinides divergentes. O importante é estimuld-los a enxergar a controvérsia como inerente a ciéncia, fa- tor de (¢ nao empecilho a) seu progresso. E 6 nesse sentido que se pode propug- nar que o pluralismo se aplique a cada cconomista em particular. ‘A segunda questao refere-se & possibilidade do pluralismo ser um método historicamente datado, conveniente para periodos de transigo revoluciondria, ‘em que néo ha clareza quanto 20 conjunto de teorias capazes de ocupar uma posi¢do paradigmatica. Ha indicios de que periodos de transi¢do favorecem a + Este & mais um ponto de identidade com N. Keynes, que defende a idéia de que o método ade- ‘quado 56 pode ser definido "de acordo com o especial departamento ou aspecto da ciéncia que est sob investigagdo” (ibidem: 30) 141 discusstio metodoldgica e, nesse sentido, a prudéncia recomenda o pluralismo; quanto mais ndo seja, acrescente-se, para diminuir o risco de uma opgo equi- vocada. Caldwell parece atentar para essa caracteristica, quando define o plura- ismo como uma “‘posi¢do interina’” Em periodos de transigAo, o pluralismo & uma op¢ao metodolégica conve- niente, pois é: i) suficientemente modesta para respeitar a pratica efetiva dos cientistas, a ciéncia econémica como tem sido feita pelos economistas, sem tolher seu desen- volvimento substantivo em nome de deficigncias de natureza metodolégica; ii) suficientemente ambiciosa para permitir 0 desenvolvimento de novas teo- rias, eapazes de oferecer alternativas & teoria mainstream e competir com a mes- ma em condigdes de maior igualdade; iii) suficientemente esperta para possibilitar que a disputa sucesséria ocorra sem maiores desperdicios de esforgos, nos limites do razodvel para o fortaleci- mento da ciéncia, Ultrapassado o periodo de transicao, porém, seré o pluralismo ainda reco- mendavel? Nao seria melhor deixar que os economistas se devotassem aos quebra- cabecas da ciéncia normal, sem aprofundar divergéncias? Sdo questdes que fi cam para posterior reflexdo. REFERENCIAS BLAUG, Mark (1980) The Methodology of Economics, Cambridge: CUP. CALDWELL, Bruce (1984) Beyond Positivism: Economic Methodology in the Twentieth Century (23 ed.). Londres: Allen & Unwin. (1984) “Economic Methodology in the Postpositivist Era’, Research in the His- tory of Economic Thought and Methodology, vol. 2, pp. 195-208. Diciondrio de Ciéncias Sociais (1987) 2 vols., 2? ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundagao Getitio Vargas. KATOUZIAN, Homa (1980) Ideology and Method in Economics. Nova York: New York University Press. KEYNES, John Neville (1917) The scope and Method of Political Economy. Nova York: Kelley & Millman, ABSTRACT ‘This paper focuses on the thesis of pluralism, proposed by Caldwell as an adequate me- thodology for Economics. It compares pluralism and the position advocated by Neville Key: res 100 years ago, when Economics was passing through a similarly difficult period of its history, characterized by a conflict between antagonic lines of thought. 142

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