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BRASIL Eliane Z. Schermann Anorexia: quem come nao esta sé Sobre o qual a psicandlise tem muito a dizer. ica em programas stenciais, pelo menos nos paises mais desenvolvidos, Atualmente, Se, por um lado, vemos as mulheres ganharem direitos inimagindveis na época de Freud, esta mesma Sociedade globalizada que as promove, as massacra apontando Para um Ideal de Eu, encarnado pelas i maravilhosas top-models anoréxicas, transformar cm causa de desejo aquilo que o analisante coloca no stimento agalmitico ¢ que mascara o real. Esse objeto agalmatico, cujo esplendor 0 sujeito tifica no Outro — processo le, até mesmo, @ pulsao, é dever do analista, trazé-la de volia. a €rratica e selvagem, mas como causa da divisio agarrou pelo sintoma na borda da janela aberta 242 - COLETANEA para © real. Neste caso clinico a seguir, 0 suicidio aparece come suici tentativa de barrar, em ato, 0 circuito onde o sujeito ainda figuras= com como objeto da devastacao materna. o sin que Por que a anoréxica insiste em scu g0z0 se come nada’ 7 O sintoma anoréxico, mais do que todo sintoma, contém um gaze que denuncia um apetite de inéreia ¢ morte. Mas a demanda de anali anoréxica é muda, pois sua mae a esmagou pela engorda com empanturrando-a. De boca cheia, nao se fala. O que dizer entao de Exib andlise de uma jovem anoréxica que faz existir a Outra mulher ne Nun mae, da qual ser o falo, ainda que um tanto magro, a colocava frente corti ao enigma da feminilidade sob a forma de uma questo: com que nade corpo poderia recobrir o nada, velando-o? de u mud Quando Alegria chegou ao consultério com sews dezesscte anos e Im e 58cm de altura, pesava 28 kg, dando a ver um corpo descarnado ¢ indiferente. Nas primeiras entrevistas, ela vai erra revelando, aos poucos, sua falta de animo, que a levaria a fazer duas rem tentativas de suicidio. Na primeira, sentara-se na beirada da janele mais ~como se nao se desse conta de que queria “cair fora”. A cla antes men nada faltava. Era uma das primeiras alunas de um colégio muito sexu exigente, primeira bailarina e pianista de grande talento musical sust Preenchida em tantos aspectos, o que lhe faltaria? Sua resposta era a se ut Tecusa do alimento, que repercutia sobre a nadificacaéo de seu ser falh dizia nao se reconhecer em nada. Alegria nos indagava em que condicécs a vitéria de morte sobre a vida a conduzia as suas tentativas de suicidio, em lugar de cristalizar seu sintoma neurético como uma questao. Na segunda tentativa, ingere muitos comprimidos ¢ me tclefona. Neste momento, que antes havia sido uma passagem ao ato, revela-se como umacting- out endercegado a analista. Na impossibilidade de fazer de seu sintoma uma pergunta, Alegria faz de seu ato enigma. Seria “o amago do ser” que visava Alegria nos seus atos suicidas? Esse mais além do sujcito apdia. 2 NO gozo, constituindo, assim, o objeto de reencontro— nada. Embora podendo faze ser recoberto pela identificacao, essa menina-mulher nao encontrava um significante onde se apoiar. Ao objeto que cai fora da cena no ato Lacan, J.-Faseritos- A direcao do tratamento ¢ 0s principios de sew poder, Rio de Janciro, 1998, puls Jorge Zahar tor, p67. Anorexia; quem come niio esté 6-283 suicida, a manobra da transferéncia contrapoe © sujeito implicado como questéo no sintoma. Ali onde foi o ato, o verbo deve advir. Se 6 sintoma traz uma satisfacao no gozo, este deve passar a um dizer que deixe ccoar 0 componente sutil que decanta 0 objeto na pulsao. Embora Alegria tivesse enderecado seu telefonema 4 analista como uma explicita demanda, exibia-s¢ ainda nas entrevistas com uma fala cuja enunciagdo nao parecia ser sua, mas um engodo. Fxibia-se como a encarnacao da Beleza em sua magreza descarnada. Numa sesso, a analista intervém dizendo: “Quanta mentira!”, cortando esse discurso falsificado. A jovem explicita: “Bu nao penso nada disso. Nao sci porque minto, mas minto.” A interpretagao vinda de um lugar inesperado — @ — produz uma retificacéio subjetiva, uma mudanga da posigio do sujcito ne discurso histérico. O acting-out poe em cena a pulsio sob uma forma erratica. Alegria estava ali, onde, como sujeito, repetia sem rememorar. Agora comecava a efetuar a instauragao da verdade, nado mais nua c crua como no acting-out, mas uma verdade desveladora da mentira de um Outro materno que prometia a possibilidade da relacao sexual. Retorna-Ihe agora, como questo, a verdade do sintoma, antes sustentado na mentira inscrita na fantasia (vigia-se uma crianga, come- se uma crianga com os olhos); fantasia que é resposta a “impossivel” falha do Outro, Um dia revela um jogo que representava para as pessoas de casa: escondia-se num armario, deixando todos enlouquecidos em sua busca, para depois surpreendé-los com sua sbita aparigao. “Como um poltergeist, um fantasma que vigia ¢ suga”. Suga 0 qué? O nada, 0 vazio — forma muda de apelo ao ponto de inscminagao de uma ordem simbélica, revelado no jogo do Fort-Da. Alegria relata que esconde a comida. Nao consegue comer A mesa com ninguém. Sua vontade de comer existe; no entanto, é anulada para dar lugar recusa do objeto da necessidade, para, assim, introduzir, através da privagao real, um furo pelo qual pudesse fazer eclodir um desejo. Nao ha alimento algum que satisfaca a pulsao oral. A pulsao € o que resta da demanda quando jé ndo ha mais nada a 244 - COLETANEA demandar. E pulséo na medida em que a demanda se reduz aum corte. A pulsdo deixa um resto que nao se satisfaz nunca, mas que impulsiona pelas beiradas, pois nao hé nada além das bordas, que se satisfazem em si mesmas. Traz da escola uma folha de papel com uns pontos que, se fixados num olhar, revelavam uma imagem de Cristo que dizia . “Na minha casa, ninguém esta no seu lugar. Sao muitas amedront: mulheres, minha mac, cu ¢ mais duas irmas. Todas tomam conta uma das outras, vigiando-se mutuamente, Meu Pai sempre pede opiniio de minha mae para decidir qualquer coisa. Ela é que é a dona da casa. Quando ele tem raiva, nos ameaca com abandono, dizendo: ‘nO posso morar sob 0 mesmo teto com vulgaridades’”. O: que seria uma vulgaridade? Um nome de mulher? Esperar em vao do pai um signo de Amor, deixava-Ihe como tnica opeao permanecer no ser , uma vez que ficava impedido 0 acesso ao Jer. Alegria estava presa na posicao de rebotalho a hora do Outro. No mais além da vertente homem ~¢ af colocamos a mae falica -, evidenciava, pela amenorréia deeorrente da anorexia, sua captura por um gozo assexuado, desatado de um véu. Assim, emprestava-se ao sacrificio, aprisionada A fantasia da mae filica. Do teal que resistia a passar pelo corpo, tentava, a0 enquadrar pelo olhar a imagem de Cristo, reconstruir um possivel nome de seu 8070, nao mortificado pelo significante, Desde Freud sabemos da indiferenciacao entre o corpo da mae e da filha, nao aparecendo de imediato o emblema do trago delimitador de separacio corporal entre as duas, Como ser falante — parl'étre -, a mulher esta inserida, tanto quanto o homem, no gozo CO, Mas SCM acesso a uM traco distintivo que a diferencic como mulher. Onde, entao, ira a mulher encontrar algo, se o pai falha? A que sintoma ird se agarrar se nao ha uma insignia que a diferencie como mulher? Uma mulher pode preferir ficar colada a uma Outra na busea desse trago ou de um nome, como forma de se questionar sobre 0 gozo Outro—um gozo vinculado a aprecnsao da inconsisténcia e incompletude do Outro. A historia, sobretudo, produz a equivalénci= entre gozo ¢ sujeito utilizando-se de sua peculiar estratégia ante © desprazer, Também evoca a identificagao ao fure, 4 hidneia da nao telagao sexual. Pde na transferéneia, como nos informa Freud =m Inibicdo, Sintoma e Angiistia, a relagao do sintoma, como modo de Anorexia: quem come néo esté sé + 245 gozo, com a pulsao. Paradoxalmente, o sintoma sempre se satisfaz, nao sé do lado significante mas, na vertente do gozo do sentido. A histérica, para fugir 4 exigéncia pulsional, usa o metodo de “csquecer” a representagdo e nao encontrar 0 objeto em questao. Recorre ao triunfo do Eu, mesmo que seja revestido por um falo - no caso um tanto magro -, para impedir o caminho pulsional. Revela uma forma de satisfazer as cxigéncias pulsionais na rendncia. Por isso, Lacan diz, em Televisdo, que 0 “homem € feliz”, j4 que a pulsdo sempre se satisfaz. “La onde Isso fala, Isso goza”, e a histérica sabe disto melhor que ninguém. Sc ha hiancia entre significante e significado em relacio a0 gozo (Introdugdo alema aos Escritos), o significante de uma possivel identificagao— vulgaridades~, que vem no lugar da falta tomada como objeto, joga do lado da estrutura com seus efeitos de sentido. Embora o sentido do sintoma - comer nada — nao seja sua verdade, podemos considerar esse aspecto como um dado de estrutura, pois o sintoma é uma maneira de gozar da verdade. Na clinica do sintoma, o mais particular de um sujeito “vai ser suportado pela fantasia. No caso clinico acima, o sintoma da anorexia vem articular, em sua precipitagéo, a abertura do caminho ao enigma sobre 0 Outro: decifra-me ou te devoro, A demanda que alcanga um bom ponto é a que obtém nao a satisfagaéo de um gozo, mas um signo da presenca do Outro. Demanda esta que teria chegado retroativamente a um limite, ao ponto de impossibilidade do Outro em responder. Alegria poderia obter desse Outro materno um signo daquilo que nao tem, ou seja, de sua impossibilidade como A barrado. Mas sua mae via e sabia de tudo, antecipando-a em todos os seus “dizeres ¢ quereres”. Receber um signo de amor teria implicado a invencao de um novo recurso sobre a incidéncia, no real, do gozo feminino. Mais além do real do objeto, do falo que falta a mae, a menina demanda 0 que espera receber do Outro, ao mesmo tempo em que quer realizar 0 seu ser. Se 0 objeto nao é nada de real, espera do Outro um objeto como significante do amor, para que possa servir- se dele, dialctiz4-lo c, assim, fabricar uma imagem que vista seu ser. Mas a satisfagéo real da necessidade, que, tal como um ideal inscrito 24 - COLETANEA entre mie ¢ filha, supria-se pelo alimento, colava também a Satisiacany ao gozo. Desprender-se dessa relagao mortal, transformands: e alimento em dom de amor, faz Alegria questionar-se sobre 0 cna da feminilidade, Fela dimensio do amor, a mulher é faltante. mas @ mae da anoréxica nada falta. Se, no amor, a mulher é privada do faim pode fazer uma fetichizacao de seu corpo para suplementar 0 defieie do sonho de completude. A fetichizagio invoca a funcdo de véu. pews ser o falo mascara a falta materna. Diante da hora da verdade die Outro, a escolha da menina poderia ter sido no sentido de encarmar = significante faltoso do desejo materno ~ em lu, igar de alcancar 0 Outee ~ ¢ furd-lo, através da consisténcia do objeto. Mas, para Alegria m= vacilagao da mediagdo falica, a anorexia Surge Como uma resposte contra © goz0 mortifero. Alegria pede Passagem pelo objcto - nade — ao se deparar com a impossfvel fusdo universal do Um da condigie feminina. E, como se a anorexia nao the bastasse, cla se sacrificass um absoluto mortal. Mais além de todo eco do alimento, de todie necessidade de alimento, hi algo que se instala no sujeito & que nlieg apaziguara jamais, E 0 buraco, 0 furo daquilo que se cortou do Gute Isso serd mais importante para 0 destino da pulsao oral do que saber se comcu muito ou nao. Se s6 nas bordas a pulsdo tem sue Permanéncia, o corpo se veste pela imagem tecida pelos significantes, introduzindo-se, assim, na economia do g0z0, para nao se redeme somente ao corpo mortificado e nadificado, Na imagem narcisica, Alegria mal sc Teconhecsa Magérrima ¢ cxilada de seu prdprio corpo, exibia um gozo a flor ae pele: “preciso sempre ir dormir na cama de minha mie, vé-la 2 sendo sou tomada por uma angistia terrivel”, As Palavras dessa jovem evocavam 0 despertar da falta fundamental que, detras do espeliia insistia, empurrando-a ao Pior — ultima palavra do gozo, o qual aimee a aprisionava ao Qutro materno. Ao sonho de uma relacao sexanil impossivel entre mac e filha, essa mMenina-moca respondia cncarnandie orcal do interdito, que retroativamente a apresentava como semblamme possivel do nada, mas que, por outro lado, a localizava no Outs gozo. Electra, sendo filha amada por Clitemnestra, foi aquela que “inexplicavelmente”, sua mac um dia deixou air. Anorexia: quem come nao estd sé - 247 “Minha mae tem um grilo muito forte com peitos. Diz que sair com blusa colada é vulgar. Ela nao me amamentou ¢ quer que cu use soutiens, mesmo em casa ou para dormir. Peito eu nio tenho”. Fabricar um ser com o nada ¢ a questdo feminina cuja solucao nao estaria em tamponar 0 furo, mas sim em metaboliza-lo através dos semblantes. Ao ser 0 esqualido falo, essa menina-moga ensaiava reduzir o ter do Outro a um semblante. Se Alegria, com sua anorexia, dava consisténcia ao furo, por outro lado, atacava a completude do Outro — mae falica. Uma mulher busca a vertente homem a titulo de significagao, via sintoma. Sob este aspecto, podemos enfocar o sintoma como fazendo barreira 4 devastagao, da qual nos fala Lacan ao abordar ‘0 que resta de intocavel na ligacao da menina com a mae. O retorno a esse ponto s6 pode conduzir a uma catastrofe. Se a histérica se interessa pelo sintoma do Outro, sendo isso o que a cle tem para oferecer por sua identificagao, ¢ coma significante de um desejo insatisfeito que o articulara no discurso. -Alegria se utiliza, entao, do corte de cabelos tio curtos “como os de um menino”, sob a forma de bancar 0 homem, apés mostrar-se incémoda com o brilho agalmatico de sua magreza que até entéo exibia. Ela vai, passo a passo, reconstruindo uma imagem — ainda que viril -, onde a beleza agora desponta para recobrir a castracao, da qual scu corpo era, antes, a imagem. ‘Um dia, Alegria comenta sobre os trapos c vestidos que escolhia pelo pior aspecto para cobrir. 0 corpo. Que corpo poderia atrair um homem? Se o narcisismo responde a uma divisio e a uma dependéncia do Outro, a m4scara que dai se constitui crige uma imagem do cu, comum aos dois sexos. A jovem que, antes, exibia o corte dos cabelos ao jeito homem, comeca a sc angustiar, quando na rua perguntam-lhe se € homem ou mulher. A pergunta histériea Ihe retorna pela voz do Outro, estabelecendo uma ruptura na sua posi¢do de objeto. Alegria, vestida em seu corpo pela imagem fetichizada viril, tenta agora, como menina-mulher, rcinventar 0 real do sintoma. fazendo-se ao-menos-uma, num verdadeiro empuxo ao desvario. Ela ti do bom senso materno, Se, em relacéo ao gozo feminino, o homem divide a mulher, cria uma afligdo pior que um sintoma. Alegria parecia ter um. 248 - COLETANEA certo saber disso, Neste momento da andlise, no caminho do distanciamento da anorexia, surpreende-se ao se deparar com sua sedugio aos jovens rapazes dos quais tenta escapar. Um homem pode ser para a mulher nao s6 um significante que a falicize e que a tore desejavel, mas uma devastagdo. A vertente homem poderia conduzi- laa sedugiio primeira da ligagao exclusiva com a mae, evocande aquilo que a fungao failica nao absorveu completamente, mas que, por outro lado, 6 0 inevitavel da condic4o feminina. Essa devastagao refere-se a esse gozo enlouquecide que faz da mulher uma ausente dela mesma. Sua dor de existir nao se refere totalmente ao destinatario da letra do sintoma. A espera ou sofrimento sem sujcito revcla um outro: registro para além do imaginario. Sc as mulheres tém o privilégio de uma maior intimidade com 0 real do gozo, 0 que Ihes permite levantar 0 véu da castracao, entao esto prontas a sacrificar tudo para ser 0 falo, realizando-se no nao-ter. Com o decorrer da analise, Alegria consegue estabelecer uma nova forma de lidar com @ Outro como sexual que nao fosse fazendo-se de nada, Ela adquite um certo humor. mascarando-se, 0 que sc torna nela o suficiente para se fazer desejar pelo Outro, como suplemento da néo relagio sexual. Surge, entao, a mascarada feminina como falsamente falsa. Finge que nao tem o que. na verdadc, nao tem. Acompanhar o passo desse ser de complemento ao suplemento foi a questao que se conduziu nessa diregao de cura. Em relagdo aos jovens homens, Alegria fazia-se passar de a0-menos-uma para wn a um, através de seus relatos & devancios. De arrebatado ser ferido, na sua n4o-toda-loucura. exilada das coisas que nao se ousa tocar, vem dando a ver um corpo de mulher encantador. Embora ainda a intimidem os rapazes, que nela evocam o limite no qual o olhar sc transforma em beleza, escapa daquele lugar de infelicidade devastadora: “no descaminho do nosso 2070, ha o Outro para situd-lo, mas somente na medida em que dele estamos separados”. Anorexia: quem come ndo esté sé - 249 Sintoma e ato na anorexia O significado do sintama se localiza no corpo, no qual promove as ressonancias da dissolugao entre significante c gozo. Se ha uma inscrigia no corpe como lugar de gozo, € no decorrer da andlise que a imagem desse corpo se modifica. A falicizagao nao se “completa” pela relacéo sexual, mas apenas pela extracao do g0z0, como extragao do objeto a - do oral ao olhar, no limite do imaginario. Na analise, servimo-nos do sintoma como de uma bussola que pode nos orientat ao real. A opacidade desse real se encontra recoberta pela significacio do Sujeito-suposto-Saber. Mas 0 manejo da transferéncia pode nos conduzir ao 4mago da repetic¢ao, melhor dizendo, ao encontro falteso com o real do sexo, onde um goz0 proibido se repetc. Na Terceira, Lacan define o sintoma como o que vem do real, como signo acrescentado ao impossivel do gozo que margina ¢ amarra, sendo o mais particular que cada um tem. Entao, a divergéncia cntre verdade ¢ sintoma esté dada pelo real, sendo este o limite que a verdade deixa eclodir. Se Lacan fixa o sintoma, primeiramente, no registro da interpretagao ¢ da metafora, no final de sua obra, vai enfoca-lo em seu valor de real, © sentido, entao, sai da dimensio da articulagdo significante para concernir 0 gozo, no que Lacan chamou “jouis-sens” - g0z0 do sentido. Se as pulsGes so, no corpo, o eco de que ha um dizer, para que esse eco ressoe, é necessirio que 0 corpo seja a ele sensivel, nos diz Lacan. Se a transferéncia é a colocagdo em ato da realidade sexual como no Telacio sexual, a intervengdo do analista deve, como dever ético, ir no sentido de despertar 0 ponto do impossivel cujo- nome € pulsio de morte. Logo, a estratégia empregada pelo analista contrapée-se ao inconsciente. HA interpretacdes que tém valor de ato. Embora a interpretagao em Lacan acompanhe o desenvolvimento do inconsciente, cle também afirma que ela deve ir contra, pois nem tudo é inconsciente. O inconsciente € “Nao é isso”, ou “Isso nao quer dizer nada”. E através do equivoco em relacéo ao sintoma que a interpretagao do analista pode agir. Na equivocacao do SsS, 0 analista encontra a certeza do seu ato. © que quereria Alegria impressionar com a exibicao de beleza ¢ feitos maravilhosos que apenas recobriam a sua aparcnte e visivel esqualidez? 250 - COLETANEA O ato analitico é oposto a estratégia do an: interpretacao -, que situa o amor de transferéncia no SsS. demandava fazer um furo no Outro ‘consistente, encarnado na Falica, que the prometia a Telacao sexual. Trata-se do momenta. que me telefona apds a tentativa de suicidio. Sera que seu seria o de que, restaurando-lhe avida, também restaurasse essa de amor em que 0 Outro Ihe prometia a relacio sexual? Pelo am objeto torna-se ativo co sujeito é subvertido pelo discurso do @ —~+ $. Se o inconsciemte se refere ao Outro, onde se instaiie: transferéncia, o analista deve ai incluir uma falta que se inscreve indeterminagao no SsS para alcancar a dessuposigio de saber. Dems forma, faz aparecer a falha de estrutura como falha de saber. Gag do real vai contra o SsS para Constituir 0 ininterpretavel, para alcamese um mais além do inconsciente. E quando, entao, pode emergir o sar sem sujeito, no ponto onde reside o reservatério silencioso das pullsies A palavra que pode valer como ato — a interpretacie “Quanta mentira!” —vai contra a al licnagao do sujcito no significanme tem o valor de um dizer enigmatico que abre uma fresta na puis que se fechava no inconsciente no gozo do sintoma: “uma boce = beijando a si mesma” nao come nada. O sujcito dirige-se ao Oume na transferéncia S—+I(A), por um traco ao qual se identifica c onde para se ver amiivel, instala esse trago na demanda, como demands a amor. Oto, o agieren, que diz escapar a dimensio discursiea Freud opde a rememoraciio. Quando Lacan formaliza o ato analition, aborda-o como um ato do analista que, pelo faz-de-conta de objeta, alcanga a repetic¢éo do g070 do sintoma, 0 que s6 é permitido pele transferéncia ja instalada. Podemos, assim, localizar 0 artificio de transferéncia agindo sobre 9 sintoma (cujo possivel significado sere: “nao comer” para abrir uma hiancia no Qutro: “comer nada”). Pele semblante de objeto, o analista age na temporalidade da transferéncia, com seu ato retirado da angistia. Com ele, antecipa o tempo de coneluir. O analista interpée a transferéncia 0 alo, promovendo = equivocacao do Ss. 0 sintoma tem um ganho no desprazer que vai ser repetido na transferéncia, O real sempre volta, pela compulsdo, ao que corresponde A ex-sisténcia do sujeito, O sujeito reluta em perder © abandonar o traco da relacao intensa que ja teve com o Outro. Anorexia! quem come née esié 36-251 O impossivel de rememorar que a fantasia sustenta, 0 sujeito vai agir na transferéncia. A impoténeia do analista surge no momento cm que o analisante Ihe delega o lugar de Ideal do Eu (vigiar, comer com os olhos; ela comeca a faltar as sess6cs, a0 que eu interpelo, dizendo que ela reclama de servigiada mas faz-se desejar, fazendo-me procura- la ¢ vigié-la). Como esta excluido que o analista ocupe esse lugar, & justo daf que deve agir, fazendo valer 0 retorno de um gozo impossivel de suportar, mas que, no analista, evoca sua marca (a do gozo) de origem e exclusio. O que é falho, no ato, é da mesma ordem do encontro faltoso com o sexo, qué, Na transferéncia, é da ordem da ycké. Ao colocar em ato a pulsao (“comer nada” sendo substituido por “querer saber sobre 0 ‘sou homem ou mulher”), 0 analista ¢voca ¢, a0 mesmo tempo, escapa 2 verdade do inconsciente. Ele nao é nada além da marca da exclusao. Apés a intervengéo da analista, Alegria comega a s¢ interessar pelos rapazes, ainda que sc fazendo bancar 9 homem — com o corte de cabclo e quando a questionam na rua: sou homem ou mulher? No Seminario O Ato Analitico (dia 22/11/67), Lacan tecoloca a pulsio como referida 4 “babaquice do ato”, que escapa 4 verdade do inconsciente. Permite, assim, fazer da marca uma letra. Aborda-a como uma nova alienagao — a do objeto a—, diferentemente daquela enfocada no Semindrio XI como alienacao significante. Articula 0 ato como fingimento ¢, depois, com a dimensao do semblante. O ato, agora, refere-se a um certo deixar-se fazer, que & oposto ao trabalho do inconsciente como fazer. Nao comporta mensagem, mas 0 sujcito é agido € subvertido pelo significante que the eseapa (sou homem ou mulher — “vulgaridades”?). O analista nao opera nem de sua posi¢do de sujeito, nem de um lugar de saber. Mas esse ato instaura um inicio. Referc- se ao ato de fundagao, no sentido de que “no inicio, era o ato”. Dito de outra forma, instaura um inicio légico de um devir, direcionando- s¢ no sentido de “14 onde Isso era, devo advir”. O ato funda 0 comego porque escolhe, forgosamente, 0 que é rejeitado pelo pensamento (0 que é uma mulher?). Esta na vertente do que se exclui do “eu nio penso”, articulando-se com 0 que se exclui do “cu nao sou”. Entao, € da ordem de duas faltas que se recobrem: do -pe do a COLETANEA Retornando ao caso de Alegria: o ato tem partir de uma leitura, E 0 que evoca a leitura de Alegria quando “Eu minto”. O ato implicado pela analista sustentou a transf onde reinava o siléncio, diferentemente do lugar do Ideal do Ba que resta da alienacao é a falta-a-ser designada como -0. Exclu “eu nao sou”, emerge o objeto a como resto da primeira de satisfagdo, que se perdcu — tendo abandonado a anorexia, j& um namorado, cla se afasta do balé e reinstaura sua vertente arta agora enderecada as Belas Artes, produzindo desenhos e pi belissimos; do objeto oral ao olhar. Ento, 0 des-ser do Ss§, que equivale ao objcto a, esta prometido desde o inicio da andlise, causa de desejo. Bibliografia Freud S,, Manuscrito G [1895], vol. 1, Rio de Janeiro, Bdigio Standard Brasileira, 1974, > Se Freud S.,Comunicacaer Preliminar caso 2: Frau Emmy von N. [1893],ol 1], Rio deJaneiro, Bakes Standard Brasileira, 1974, p.91 Freud S., Primeiras publicacdes psicanaliticas - Sobre 0 mecanismo psiguico dos fendmenos hxc [1893], vol. ITE, Rio de Janciro, Edigio Standard Brasileira, 1974, p. 45. Freud S..Sabve a psicoterapia 1905 [1904], vol. VIT, Rio de Janeiro, Ediggo Standard. Brasiiciee, 1974, p. 274, Lacan, J.O seminario Livro 3. As psicoses, Rio de Ianciro, 1985, Jeng: ‘Zahar Editor, p.362, Lacan, J, Seminario inédlite A légica da fantasia, Lacan, I. Semingrio inédito © Ato Analitios, ‘Lacan, A Terceira- Intervencionesy Textos ?, Argentina, Ediciones Manantial, 1988, p. 82. ‘Lacan, J. Escrites- A direc do tratamento os principios de seupoder, Rio de Janeiro, 1998, Fang Zahar Editor, p.607,

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