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Ai " PORUMA CONCEPCAG DE LINGUAGEM PARAO ENSINO DE LINGUAS Abstract Key words: jumenlaion Theory. Leguists. This paper departs rom fe ideathet nguises canbsngimgatant subi iohe teaching ofbohthe moter andfoign tongues. Toco his|eb, he lear ought to be competent in several areas of knowedga, amid which those related wth theories ct lnguage. Wa understand inate concopi i anquaceaays las underall padagoqeal pocedure.Currtenton hres to produce bel presentation of theoretical proposal that can suppl subsides to leaching WelaketheArgarenation Theryinanquage, created atthe Schoiof High ‘Stele in Pa'sby Osvald Duet andJeer-Claude Anscombe, arc which mast ecenly counts upon the eoibuton of Mason Care, Toeaplani tis essential o analyse rom which prnciles departs, which concepts constitu it and owritseesanguace, Este trabalho parte do pressuposto de que 2 Lingiistica pode trazer substdios importantes para o ensino tanto de lingua matemna quanto de linguas estrangeiras. Para ensinar, 0 professor deve ser competente em virias 4reas do conhe- cimento, dentre as quais a que diz respeito a teorias sobre linguagem, Entende-se que um conceito de linguagem subjaz sempre a todo procedimento pedagégico. Pretende-se fazer agui uma répida apresentaco de uma proposta ‘erica que pode fomecer subsidios parao ensino. Toma-se a Teoria da Argumentacio na Lingua, criada na Escola de Altos Estudos de Paris, por Oswald Ducrote Jean-Claude Anscombre e que conta mais recentemente com 2 contribuigdo de Marion Carel. Para explicé-la, é essencial que se analise de que prineipios ela parte, que conceitos a constituem, e como por ela ¢ vista a linguagem 1, AS RAIZES DA TEORIA DA ARGU- MENTACAO NA LINGUA ‘A Teoria da Argumentagdo na Lingua tem suas raizes no pensamento estruturalista saussu- iano, o que quer dizer que seus fundamentos esto nas chamadas teorias estruturalistas. Torna- se necessario, entiio, antes de mais nada, retomar com clareza alguns conceitos bisicos dessa vertente teOrica tais como signo, lingua e fala, relagées paradigmiticas e sintagmticas e valor. Na perspectiva estraturalista, a linguagem € definida como tendo um lado social e outro individual, articulados. O social da linguagem correspond A lingua (langue), definida como um onjunto de convengGes lingiisticas adotadas por uma comunidade para comunicar-se. A Tingua, explica Saussure, é “um tesouro depo- sitado pela prética da fala em todos os individuos pertencentes 4 mesma comunidade, um sistema gramatical que existe virtualmente em cada cérebro” (2000, p. 21). E “exterior ao individuo, que, por si sé, nfo pode nem crid-ia nem modificé-la” (2000, p. 22). E “um principio de classificagaio” (2000, p. 17), o que significa que a lingua pode ser sistematizada. A fala (parole), por sua vez, é sempre individual. E a realizagio. das regras de lingua na produgao de lingwagem. “B a soma do que as pessoas dizem” (SAUS- SURE, p. 27) sob a forma de manifestagSes mo- ‘mentineas. Lingua e fala se telacionam estreitamente porque, por um lado, sem a lingua nio existe a fala, por outro, a fala € necesséria para que a lingua seja constitufda. A fala vem sempre antes a lingua, Finalmente, &a fala que faz evoluir a lingua. Diante de todos esses fatos, deve-se concluir que lingua e ftla so insepariveis. A lingua & entendida por Saussure como sistema de signos. O signo é constituido por dois elementos: o significante, imagem acistica, ¢ 0 significado, © conccito. Um conceito essencial na proposta saussuriana € 0 de relaco. Tudo, na lingua, conforme esta dito no Curso de Lingilistica Geral, se fundamenta em relagBes. Os signos se combinam entre si. Umm signo s6 tem valor pela ‘oposiego aos signos que, no discurso, vém antes ou depois dele, ou a ambos. Essas so as chamadas relagdes sintagmdticas, que se estabelecem in praesentia, ou seja, as relagdes centre termos presentes no diseurso. Mas ha uma segunda forma de relagGes: aquelas, de diversas naturezas, que se produzem fora do diseurso, pois os signos tém algumas coisas em comum e por elas so associados na meméria dos falantes. Essas so as relacdes paradigmaticas relagies in absentia. A nogdo de valor é estabelecida a partir das relagdes, tanto paradigmiticas quanto sintagméticas, isto ¢, hé ac mesmo tempo ne linguagem um valor in absentia e um valor in praesentia, No valor in absentia, ou seja, na Revista do GELNE ‘An08 Nos. 182 208 115 evista do GELNE, An05, Nos. 1@2 2008 116 relago entre palavras que no estio presentes no discurso, mas que podem se associar por estarem na meméria dos falantes, hd um velor fonolégico e um valor seméntico. Mas o valor in absentia € s6 parte do valor seméntico. E necessario que esse valor entre em conjungio com 0 valor sintagmitico, in praesentia, que & valor que decorre das relacdes entre as palavras presentes no discurso, Levar em conta as duas ordens do valor (in praesentia ¢ in absentia) & requisio fundamental do pensamento saussuriano sobre o sentido. A ripida revisio desses conceitos estrutu- ralistas afirmados por Ferdinand de Saussure para co estudo da linguagem é suficiente para que se compreenda onde se enraiza a Teoria da Argu- mentagZo na Lingua, objeto de estudo deste trabalho. 2, AS RAIZES ESTRUTURALISTAS DA TEORIA DA ARGUMENTACAO Inicialmente fica claro por que a teoria argumentativa exclui do estudo da linguagem qualquer referéncia 20 mundo, Lembra-se que, segundo Saussure, a Ingua ndo é uma nomen- clatura, isto é, 2 lingua nfo é uma lista de palavras que remeter a coisas do mundo. Oswald Ducrot, 0 criador da Teoria da Argumentagio na Lingua, recusa-se a considerar, para a des- crigdo semantica de uma lingua, a realidade, o mundo de que fala a linguagem, Em artigo de 1999, ele afirma sua posigdo estruturalista, segundo a qual a realidade s6 pode ser acessivel por meio de representagdes que o falante dé dessa realidade. Quando se fala, representa-se pela Jimguagem o objeto da fala. Alinguagem & vista como uma forma de apreender as coisas do mundo de que se fala. Nao se considera, na pers- pectiva estruturalista, o exterior lingilfstico; a0 contririo, pensa-se a atividade de linguagem em si mesma, criando sentido a partir de si mesma. O embasamento estruturalista da Teoria da Argumentagio na Lingua encontra-se também na definigto de valor semintico, de sentido. E 0 que & 0 sentido para a Teoria da Argumentagio na Lingua? A resposta esté na noglo estruturalista de relacdo, Ducrot estuda as possibilidades de combinagio de um signo com outros signos, observando, por exempio, o que pode preceder ou seguir esse signo na linearidade do discurso. Seu objeto de estudo é o chamado encadeamento argumentativo, no eixo sintagmético. Entende- se por encadeamento, numa primeira fase da Teoria da Argumentagdo na Lingua, as conti- ruagdes que certas expressOes, na primeira fase da TAL, permitem, ou no. Assim, o ingtista francés mantém-se fiel aos principios estruturalistas. Entretanto, amplia o escopo da proposta estruturalista, Ele o faz do seguinte modo: pela perspectiva estruturalista, .alingua ndo é uma nomenclatura, ndo ha corres- pondéncia entre uma palavra e uma coisa. A lingua nio descreve o mundo, ela o reeria. Entfo, ‘0 mundo é recriado pelo usuério da lingua, 0 Jocutor, em sua relagao com seu interlocutor. Ao interagir com seu interlocutor, exprimindo sua visio de mundo, entende-se que o locutor argumenta. A ampliac%o da teoria estruturalista proposta pela Teoria da Argumentagiona Lingua encontra-se na introdueao da figura do locutor e 10 principio sobre o qual a tzoria se assenta: 0 de que a funeo primeira da linguagem ¢ a de argumentar. Com isso quer-se dizer que ¢ a partir dessa hipétese que so construids os conceitos que constituem a teoria. A Teoria da Argumentagio na Lingua postula que o sentido é argumentative. Com isso, ela se opde & concepedo tradicional de sentido Essa proposta tradicional de sentido se encontra nos trabalhos de varios lingilistas, dentre eles 0 do alemio Karl Buhler. Esse lingitista entende que, para se compreender a fungdo da linguagem, é necessirio distinguir ts tipos de indicages: objetivas, subjetivas e intersubjetivas. As indi- cages objetivas consistem em uma represen tao da realidade; as subjetivas indicam a posigao que o locutor assume frente a realidade; as intersubjetivas dizem respeito as relagdes do Jocutor com seu interlocutor. Tome-se 0 seguinte exemplo: (1) Pedro é inteligente, De acordo coma teoria do sentido conce- bida por Buhler, o aspecto objetivo é aquele que descreve Pedro como sendo inteligente, O as- ecto subjetivo indica a admiracio éo locutor pela inteligéncia de Pedro. O intersubjetivo per- mite que o locutor pega a seu interlocutor que tenha confianga em Pedro porque ele ¢ inteli- gente, ou a0 contririo, que descontie dele, por- que ele pode usar sua inteligéncia para ages pouco recomendéveis Segundo Ducrot, que se ope a essa con- cepeao tradicional de sentido, a linguagem nio tem uma parte objetiva, nfo desoreve diretamen- tea realidade. Ao contririo, caso se acredite que a linguagem a desoreve, se é obrigado a admitir que ela o faz por meio dos aspectos subjetivo & intersubjetivo, Assim, o modo como a linguagem descreve essa realidade consiste em mostré-la do ponto de vista do locutor (aspecto subjetivo) e de fazer dela o tema de um debate entre locutor e interlocutor (aspecto intersubjetivo) Para que se entenda melhor, aplique-se a proposta de Duerot ao exemplo (1) (1) Pedro éinteligente. Verifica-se que a descrigdo que ¢ feita de Pedro esté muito relacionada & admiraco subje- tiva que Pedro desperta no locutore est relacio- nada também ao aspecto intersubjetivo, Entende- sepelo aspecto intersubjetivo,nesse exemplo, que © locutor pede a seu interlocutor que se porte de determinado modo em relacio a Pedro. Segundo a Teoria da Argumentagio na Lingua, a descrigio se faz através da expressio de uma atitude ¢ através de um chamado do Jocutor ao interlocutor. Além disso, unificam-se os aspectos subjetivo e intersubjetivo, que se reduzem a um s6 conceito: 0 de valor argu- mentativo do discurso. Valor argumentativo & definido como a orientacdo que uma palavra di a0 discurso. Nesse momento da Teoria, explica- se essa orientaedo do seguinte modo: o emprego de uma palavra torna possivel ou impossivel uma certa continuago do discurso ¢ o valor argu- ‘mentativo de umma palavra ¢ o conjunto das possi- bilidades ow impossibilidades de continuagio, quer dizer, de encadeamento que seu emprego determina. A palavra infeligente, por exemplo, em (1) permite que se diga (2): (2) Pedro éinteligente, logo poderd resolver esse problema mas impedird uma conti-nuagio do tipo de (3): (3) *Pedro ¢ inteligente, logo ndo poder resolver esse problema, Assim, a palavra inteligente permite um certo encadeamento, mas impede outro. O valor argumentativo & nivel fundamental da des- crigio do sentido. Observe-se que a palavra sentido indica, nessa teoria, no s6 significacdo mas também direedo, Diregio € 2 orientagdo que uma palavra dé 20 discurso, € a continuagio que cla permite dar ao discurso a partir de uma palavra, isto é, seu encadeamento. Para explicar a argumentagdo tal como ele a.vé, Ducrot (1989), mais uma vez, parte de uma concepeao tradicional, agora da concepgo tradicional de argumentagdo, para a ela se opor. Segundo essa concepedo, um argumento serve para justificar uma concluséio em seqiléncias do ‘ipo 4 logo C. O enunciado-argumento A indica um fato F, o qual é uma representagio da realidade. O locutor deve admitir que esse fato F se verdadeiro, implica a validade da conclusdo C. Nessa concepedo, contesta Ducrot, a lingua nio tem papel essencial. Sem diivida ela fornece econeetivos como logo, jd que, portanto, ete. Alm disso, a lingua designa o fato F e realiza a frase que constitui o argumento A, por exemplo. Entretanto, o movimento argumentativo pro- priamente dito, que conduz 4 concluséo C, na concepgio tradicional dé argumentagao, ¢ explicado por princfpios légicos, psicolégicas, sociolégicos, tais comé processos de inferéncia, razes sociais, culturais, etc. Logg, o movimento argumentativo é explicado de modo indepen- dente da lingua. A razo que leva a Teoria da Argumen- tagdo na Lingua a reousar essa proposta tradi- cional é que muitas linguas tém duplas de frases que indicam 0 mesmo fato, no entanto, um emunciado de uma frase e um enunciado de outra frase no apontam para a mesma argumentagdo. E 0 caso de (4) ¢ (5): (4) Pedro estudou pouco (5) Pedro estudou um pouco Nos dois enunciados trata-se do mesmo fato, isto é, a pouca dedicago de Pedro 20 estu- do, mas as intengdes argumentativas sdo diferen- tes, jé que os dois enunciados ndo servem para justificar a mesma conelusdo, Assim, a partir de (4) Pedro estudou pouco pode-se concluir: Vai ser reprovado. J& de (5) Pedro estudou um pouco infere-se: Provavelmenie vai ser apro- vado. ‘Um segundo exemplo, dado por Ducrot (1988), de que a argumentacdo esti na lingua, rio nos fatos, & 0 seguinte: (© Pedro quase terminou seu trabalho (7) Pedro nao terminou totalmente seu trabatho © fato indicado em (6) e em (7) £0 mesmo: 0 de que o trabalho nfo esta pronto, Entretanto, as conclusdes possiveis. De: (© Pediro quase terminou seu trabalho tira-se @ conclusto de que Pedro pode descansar um pouco, tem mérito etc. Mas ndo se pode tirar as mesmas conclusées de (7) Pedro nfo terminou totalmente seu trabalho Revista do GELNE Ano Nos. 162 2003 117 Revista do GELNE N08 Nos. 122 003 118 que indicaria uma conclusio como, por exemplo: do avancou muito em seu trabalho, etc. Ent20, 0 poder argumentativo de um enunciado no é determinado sé pelo fato que expressa mas também por sua forma lingtistica (DUCROT, 1988, p. 79). Chega-se & constatagdo de que a argumentagio esté na lingua, nas frases. As préprias frases so argumentativas, logo, a argumentagdo € intrinseca a lingua. Em sintese, fica demonstrada a hipétese de base da Teoria da Argumentacio na Lingua ade que o sentido dos enuinciados estira lingua, nfo nos fatos. Esse sentido é argumentativo; a fungdo mais importante da linguagem é a de argumentar. Entende-se que, embora se ancore em princfpios estruturalistas, a teoria que aqui esta sendo estudada observa como signos ¢ segmen- tos de enunciados se articulam ent si, no eixo sintagmatico, apontando para a relagdo que se esiabelece entre locutor e interlocutor. Partindo dos mesmos prinefpios propostos por Saussure para o estudo da linguagem, Duerot amplia esse estudo, mostrando que a linguagem é argumen- tativa e como tal, antes de mais nada, um debate entre indiviuos. Dando continuidade & explicagio de como a Teoria da Argumentagfo na Lingua se funda ‘menta nos principios estruturalistas para oestudo da linguagem, os conceitos saussurianos de lingua e fala sao tetornados por Ducrot por meio dos termos frase e enunciado, Frase retoma a nogdo saussuriana de lingua (langue) ¢ & definida como sendo uma estrutura abstrata, uma entidade tedrica, uma construcio do linglsta para explicar o enunciado. E algo que nio se'vé, nem se ouve, O termo enunciado, que remete & fala (parole) de Saussure, designa a realizagio da frase; é realidade empirica que pode ser observada quando se fala ou se esereve, Uma sucesso de enunciados é um diseurso. Cada enunciado € a realizagao de uma frase. O enunciado € constituido de dois segmentos $1 $2, em que SI 56 adquire sentido a partir de $2. Tomando-se como exemplo: (8) Esta fazendo calor, vamos passear verifica-se que S1 (Esti fazendo calor) 6 é compreensivel se & conhecido segmento $2 (vamos passeat), Aqui calor é entendido como algo que toma o passeio agradivel, Em outro cemunciado: (9) Esti fazendo calor, nfo vamos passear calor é visto como desagradivel. Entfo, nio se trata do mesmo calor nos dois casos. O sentido de calor & definido pelo segundo seymen- to (S2) - vamos passear ou ndo vamos passear — quer dizer, a partir da continuago que se dé a0 primeito segmento (SL) ‘Nos dois enunciados, $1 tem papel de argumento e S2, de conclusdo, Sempre que se tem um argumento e uma conclusdo tem-se um tinico enunciado e, em decorréncia disso, uma iiniea frase. ‘Um segundo exemplo para que se compre- cenda 0 que ¢ enunciado: (10) Pedro ¢amavel, mas um pouco timido Aqui os dois segmentos sao ligados por mas. $1 Pedro é amével) e $2 (um pouco timida) constituem um tinico enunciado. A amabilidade que se atribui a Pedro em Si, determinada pela seqiiéncia um pouco timido, de $2, éum amabil- dade que evoca a idéia de timidez. Conseqiiente- ‘mente, dois segmentos ligados por mas constituem uum inico enunciado que é a realizagio de uma {iniea frase. O termo mas, assim como portanto, Jogo etc, serve para formar frases complexas. Com as definigdes de frase e enunciado, entende-se que uma lingua é um conjunto de fiases ¢ due descrever uma lingua é descrever as fiases dessa lingua. Relacionados as nogtes de frase e enun- ciado esto os conceitos de significagdo ¢ de sentido. A significagdo & o valor semintico da frase (quer dizer, da entidade teérica, abstrata) © 0 sentido é 0 valor semantico do enunciado (quer dizer, da reatizagdo da frase). Qual & a relagdo entre significagdo e sentido? Esses dois conceitos se relacionam estreitamente, como seri explicado a seguir. A significagdo, na Teoria da Argumen- tagio na Lingua, nfio é 0 chamado “sentido literal", ela é um conjunto de instrugdes que permitem interpretar os enunciados da frase. A instruedo, contida na significagdo, diz. 0 que se tem de fazer para encontrar o sentido do enunciado. Um exemplo deve tornar mais clara a nogio de instrugdo, contida na significagio. Tome-se uma frase do tipo Xmas ¥. A insirugdo dada ao interlocutor para que ele interprete 0 sentido de um enunciado desse tipo diz: busque uma conclusdo r de modo que esta seja justficada por X, e uma conclusio ndo- 7 (isto €, a negacdo de 7), que seja justficada por ¥. Veja-se o enunciado: Pedco é inteligente (X), mas € pregui¢oso ~% A conclusdo r, derivada de Pedro é inte- ligente (X), primeiro segmento do cnunciado, poderia ser, dentre muitas outras conclusdes possiveis Pedro é bom aluno ©. conclustio ndo-r , decorrente de é pre- guigoso (Y), segundo segmento do enunciado, poderia set: Pedro no é bom aluno Assit, asignifieagdo, por meio da insiru- ef, indica o trabalho que se deve fazer para compreender o sentido do enunciado, Outro exemplo pode ser o do enunciado constituido por até mesmo ou até, 20 se falar de um objeto qualquer: (11) Um bom livro custa 50 reais, até ‘mesmo 80 ouain (12) Um bom livro custa 80 reais, até ‘mesmo 50 O primeiro desses dois enuneiados indica que 0 objeto € caro. J4 0 segundo enunciado aponta para um objeto barato. Até mesmo, em (11), significa que a segunda indicagio de prego (80) justifica melhor do que a primeira (50) a conclusfo do locutor: que o objeto € caro, O mesmo acontege em (12) no qual até mesmo indica que prego apontado ‘no segundo segmento (50) justifica 2 conclusdo a que quer chegar 0 locutor: a de que o objeto é barato. que é constitutive da significacdo de até ou de até mesmo & que essa palavra diz. que Xe ¥conduzem a mesma conclusio r mas que Y a justifica melhor. A instrugiio das estruturas Xaté mesmo Y Xaté deve ser: busque a conclusto para a qual o locutor aponta; essa conclusio deve estar mais bem Justificada por ¥ do que por X. O que se diz da desctigdo da significagao de até ou de até mesmo € que é necessirio caleular as conclusdes ima: ginadas pelo locutor, porque o que tora possivel ou imposstvel o uso de até ou até mesmo so as conelusées que 0 locutor quer fazer admitir. Analisando-se com mais vagar a proposta da Teoria da Argumentag0 na Lingua, no que diz respeito 4 relagdo entre frase e enunciado, observa-se que na propria frase hd indicagbes sobre as relagdes entre 0 locutor¢ o interlocutor, Essas indicagdes solicitam que o interlocutor procure no enunciado as conclusdes as quais 0 locutor quis chegar ao produzir seu enunciado. E desse modo que deve ser entendida a argu- mentagZo: como uma tentativa do locutor de persuadir seu interlocutor sobre alguma coisa. Ainda em relacio a essas indicagdes, deduz-se que, na Teoria da Argumentagio na Lingua, frase e enunciado sao articulados, ja que nas instrugdes contidas na significagdo da frase encontram-se referéncias ao sentido do enuncia- do, peas relagdes entre os interlocutores. Citando Duerot (1988, p. 64): a frase, e portanto a lingua, contém alusoes & dtividade da fala, contém alusdes a0 que fazemos quando falamos. O sentido compreendido desse modo é argumentativo. e 3. CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA TEORIA DA ARGUMENTACAO Os conceitos até agora apresentados ndo sfo suficientes. Outras nogGes tornam-se indis- pensiveis para definir o potencial arzumentativo de um enunciado, So as nogdes de polifonia ¢ de topos. Vai-se definir em primeiro lugar a nogio de polifonia Originaimente, o termo polifonia indica um tipo de composigo musical em que dife- rentes partituras, diferentes vozes se superpbemn. Esse termo foi empregado por Mikhail Bakhtin para caracterizar duas formas de literatura: a dogmitica, na qual se expresse uma tiniea voz, a do autor, e a polifonica, em que varios perso- nagens se apresentam por si mesmos ¢ no sio julgados pelo autor. Duerot adapta a nogiio de polifonia & andlise lingQistica dos enunciados. Para isso, procura mostrar que 0 autor de um enunciado nunca se expressa diretamente, mas pée cm cena, no mesmo enunciado, um certo _iimero de personagens. 0 sentido do enunciado deriva da confrontagdo desses diferentes perso- nagens, dessas vozes que ai aparecem. Com essa nogdo, Ducrot questiona a concepeao que predominou nos estudos da linguagem: a da unicidade do sujeito falante Segundo essa teoria, em cada enunciado hi somente uma pessoa que fala. A proposta da Teoria da Argumenta¢do na Lingua é de que, num mesmo enunciado, ha varios sujeitos com status lingiisticos diferentes que so 0 sujeito empirico, 0 locutor ¢ 0 enunciador. O sujeito empirico € 0 autor efetivo do enunciado, 0 sujeito de came e osso que tem um nome, uma identi- dade, Sua determinago no é um problema lingdistico. Ao lingiiista interessa apenas 0 ‘emunciado, € a0 lingilista semanticista importa 0 Revista do GELNE Ano5 Nos. 122 7008 119 sentido do enunciado, o que 0 enunciado diz, 0 que esti nesse enunciado, no suas condigdes cextemas. 0 Jocutor & um personagem ficticio, 0 responsivel pelo enunciado, aquele a quem se atribui a responsabilidade pela enunciagdo. A cenunciagdo é 0 ato de produgo do enunciado. O ocutor se marca pela primeira pessoa, pelo aqui cepelo agora, o lugare o momento da enunciago, 0 enunciador é a origem das vozes, dos diferentes pontas de vista que o locutor poe em cena no scu enunciado. Nao so pessoas, mas pontos de perspectiva abstratos (DUCROT, 1988, p. 20) Um exemplo de polifonia &0 da negagto. Afirma o autor da Teoria da Argumentagdo na Lingua que, na negacdo, hi pelo menos dois enunciadores: um primeiro enunciador que expressa um ponto de vista afirmativo, e um segundo enunciador que apresenta a recusa desse ppomto de vista. Um enunciado negativo é uma espécie de didlogo entre enunciadores que se opdem. Veja-se o enunciado: (13) Pedro nao veio. Encontram-se ai dois enunciadores: um que aponta para a vinda ou a possibilidade da vinda de Pedro ¢ outro para a sua ndo-vinda, Todo enunciado negativo traz com ele um enuneiador positivo, todo enunciado negativo contém nele uma afirmacio. Outro exemplo esti em certos termos que apontam para a polifonia, como & 0 caso da Jocupio adverbial ao contrério, Seja 0 exemplo: (14) Pedro ndo veio, o contririo, ficou em casa O primeiro segmento ~ Pedro no veio - apresenta dois pontos de vista: um positive segundo o qual Pedro poderia ou deveria ter vindo «outro negativo que indica que Pedro nio veio, Mas como explicar que os dois segmentos Pedro nto veio e ficou em casa estejam ligados por a0 contririo se os dois segmentos nio sio contritios, jé que 0 fato de Pedro ter ficado em casa implica que no veio? A explicagdo seria a seguinte: 0 segundo segment, introduzido por ao contrério (ao conirério, ficou em casa), se ‘op6e 20 enunciador positive do primero segen- to (Pedro ndo veio). O segmento tem dois enun- ciadores: um negativo (Pedro no veio) ¢ outro positive (Pedro veio). Explicando melhor, ao contrério ope ficou em casa a Pedro veio que €0 enunciador positivo do primeiro segmento. Assim, ao contrério mostra o enuncizdor posi- tivo contido no primeiro segmento, ‘Um segundo exemplo, apontado por Ducrot (1988), é 0 de uma possivel continuagao desse mesmo enunciado: (15) Pedro nao veio, 20 contririo ficou em casa. Que pena, isso teria me dado prazer Neste caso, isso remete ao elemento posi- tivo: vinda de Pedro, expressa pelo enunciador. Esses so alguns exemplos que mostram que 0 enunciado é polifdnico. ‘A apresentago dos pontos de vista dos diferentes enunciadores é 0 primero clemento para a apreensio do sentido de um enunciado. Mas ha um segundo, clemento: a indicago da atitude do locutor em relago aos enunciadores. Ducrot (1988) distingue pelo menos trés aituces: ‘ou 0 locutor se identifica com um enunciador, cu Ihe da sua aprovagao, ou se opve a ele. A primeira atitude, de identificagio do locutor, & a que se verifica na afirmag (16) Pedro veio objetivo, em (16), é fazer com que 0 interlocutor admita a vinda de Pedro. O locutor seidentifica com o enunciadar cujo ponto de vis- ta é 0 de que Pedro veio. Outra atitude do locutor ¢ a de concor- dancia com o enunciador, mesmo se 0 cnunciado. ndo tem por objetivo fazer admitir o ponto de vista desse enunciador. Eo que se encontra na pressuposicio. Tomando-se o enunciado clissico (17) Pedro parou de fumar tem-se 0 pressupasio de que Pedro fumava anteriormente © um posto de que atvalmente Pedro nd fuma. Pela teoria da polifonia hi ai dois enunciadores, um de que Pedro fumava antes ¢ 0 outro de que atwalmente ele ndo.furma © locutor da sua aprovacdo ao primeiro cenunciador (Pedro fumava antes) e se identifica com o segundo (Pedro atualmente nao fuma). A terceira atitude do locutor éa de oposi- Go a0 enunciador, recusando seu ponto de vista. E 0 que se verifica em um enunciado iténico como: (18) Que dia lindo! pronunciado pelo locutor ao se referir a uum dia em que o céu esté escuro ¢ chove muito 1H nesse enunciado um ponto de vista absurdo, segundo o qual o dia esté lindo, © locutor no se identifica com esse ponto de vista, assim como também nio o retifica, opondo-se a cle. Essas atitudes do locutor em relaggo aos ‘enunciadores indicam a posi¢o que 0 locutor assume em seu enunciado, Os enunciadores so argumentadores ¢ a relacio do locutor com os enunciadores define a argumentagio do locutor 0 sentido argumentativo do enunciado. Para fustrar a explicagdo do sentido polif- nico, escolheu-se um enunciado mais complexo. Suponha-se que alguém prope um passeio a seu interlocutor sob a alegago de que o dia esté bonito. O locutor, que quer recusar 0 convite, pode produ o seguinte enunciado: (19) Certamente 0 dia esté bonito, mas estou cansado Como primeiro elemento do sentido, apre- sentam-se aqui quatro enunciadores: o primeiro enunciador (E1) tem como ponto de vista 0 dia bonito; 0 segundo (B2), a partir do dia bonito, faz © convite: vamos passear; o ferceiro (E3) apre- senta 0 cansago como argumento para no ir passear; ¢ 0 quarto (E4) conelui por nao fazer 0 passeio, por causa do cansaco. Em relago ao segundo elemento para a apreensdo do sentido, identificam-se as atitudes do locutor: quanto a El, a posigdo é de apro- vaco, porque ele reconhece que faz bom tempo, ‘mas recusa E2 (ir passear). Com E3, 0 locutor se identifica, pois é esse ponto de vista que ele quer fazer admitir a seu interlocutor. © locutor se identifica igualmente a E4, recusando o passe. Tendo analisado desse modo outros enun- ciados do tipo X mas Y, Ducrot (1988) chega & formulagdo da instrugio que a frase di a quem interpreta 0 sentido desse tipo de enuneiado. A primeira instrugtio corresponde @ busca de quatro enun- ciadores. E1 contém o ponto de vista de X. E2 tira uma conclusdo ra partir de X. E3 afirma o onto de vista de Y ¢ F4 conclui por no-r. A segunda tarefa de quem interpreta o enunciado & a de identificar a posigdo do Tocutor em relagdo 408 quairo entnciadores, O locutor sempre rectsa E2 € sempre se identifica com E4. Quanto a El 2 E3, 0 locutor nio os recusa; pode aprovi-los ou identificar-se com eles. Assim, a instrugio contida na significagdo da frase revela como o interpretante deve agir para chegar a0 sentido do enunciado. Conciui- se dai que o sentido nio preexiste ao enunciado; 420 contririo, o sentido se constitu no enunciado, ‘no uso que o locutor faz da linguagem. A nogio de instrugio, tal como concebida pela Teoria da Argumentagdo na Lingua, leva a que se entenda que o sentido ¢ sempre argumentativo e que essa € a funedo essencial da linguagem. ‘Voltando-se agora aos enunciados: (4) Pedro estudou pouco. Vai ser repro~ vado: (3) Pedro estudou um pouco. Vai ser aprovado verifica-se que, em decorrénefa de mesmo fato (a pouca dedicagdo de Pedro ao estudo) inferem-se conclusdes diferentes, encadeamentos diferentes, Isso demonstra que a argumentagio no esté 6 nos fatos, mas na lingua, ou seja, 0s termos pouco e um pouco so internamente argumentativos. Assim, dficilmette se poderia encadear, a partir de pouco: *Pedro estudou poueo. Vai ser aprovado, ‘Um enunciado com pouco deve conduzir ‘aura conclusio negativa, sendo o contrario com um pouco. As conclusies com pouco ¢ um pouco sto sempre opostas. Aargumentagdo nfo esté sé nos fatos, mas a propria forma lingllistica impée certas conclu- ses ¢ nio outras. Expresses como pouco ¢ um pouco, em qualquer desses contextos, condu- iro a conclusées contrérias porque cada uma delas tem um potencial argumentativo diferente. Esse potencial é definido em termos das conelu- sbes que podem ser inferidas a partir delas. Corrobora essas afirmagdes 0 exemplo mencionado por Ducrot (1988) & pagina 79. Supondo-se que um objeto custe 12 reais, pode- se dizer: (19) Isso custa mais de 10 reais (20) Isso custa menos de 15 reais. Os dois enunciados expressam 0 mesmo fato, 0 mesmo valor, um pouco superior 10, mas a concluso que se tira de cada um deles niio é a mesma. A expresséo mais de aponta para caro menos de, para barato. Mais uma vez afrma- se que a conclus2o no decorre s6 do fato, mas também da forma lingiistica, porque a argumen- ‘ago esté mateadana prépria palavra, na lingua. Entretanto, muitas expressdes, explica Ducrot (1988), no podem ser descritas em termos de conclusées. Fo que se observa em quase ¢ apenas” (21) Sto quase 8 horas indica que se passou muito tempo, (22) Sao apenas 8 horas. mostra que se passou pouco tempo. Entlo quase tem oricntacio positiva e apenas, orienta- so negativa, evista do GELNE Ano5: Nos. 1@2 2003, 121 ‘Também um enunciado como (23) Sto 8 horas autoriza a mesma conclusdo que um enunciado que contenha quase. ‘Mas essa descrigio s6 é vilida para certos casos, Ha conclusdes que derivam de (22) mas que nao derivam de (23). E 0 que se vé num contexto em que, por exemplo, depois de um acidente, uma ambuléneia leva um ferido para 0 hospital. O enfermeiro pode dizer ao motorista: (24) Depressa, estd quase morto ras no pode dizer "Depressa, esti morto Nesse contexto hi um limite: a morte. Entio, é dificil deserever quase s6 em termos de conclusio, Para explicar a argumentagio desse enunciado, é necessirio recorrer outra nog, a de tapos. Para explicar a nogio de topos, volta-se a: (4) Pedro estudou pouco. Vai ser repro- vvado (5) Pedro estudou um pouco. Vai ser aprovado. Esses dois enuneiados s6 so possiveis no contexto em que se admite que o estudo leva ao éxito, Mas em um contexto inverso, em que 0 estudo leva ao fracasso (porque cansa, porque & mal recompensado etc.), podem ser tiradas conclusdes como: (25) Pedro estudou pouco. Vai ser apro- vado (26) Pedro estudou um pouco. Vai ser reprovado. Entio, as mesmas conclusdes podem ser tiradas de pouco ¢ de um pouco, dependendo da idéia que se tem do estudo, Parece correto afirmar que ‘rabalhow pouco & trabathow um pouco, eribora autorizem a mesma conclusio, no tm o mesmo valor argumentativo, nio permitem a mesma argumentagio, porque 0 princfpio argumentativo subjacente ~0 topos ~é diferente. Comparem-se os dois enunciados seguintes: (4) Pedro estudou um pouco. Vai ser aprovado (25) Pedro estudou pouco. Vai ser apro- vado. "Topo é 0 plural de topos. Em (4), 0 topos, que permite que se chegue & conclusto Vai ser aprovado, a partir de um pouco € 0 de que o estudo leva ao éxito, ‘Yéem (25), 0 topos € 0 de que o estudo leva a0 fracasco. E esse principio que articula pouco a conclusio Vai ser aprovado, Desse modo, embora a conclusio seja 2 mesma em (4) em (25), a argumentacio nfo é a mesma, porque os topo! nfo sio os mesmos. Chega-se mesma conelusdo, mas por trajetos argumentativos diferentes, por topoi diferentes. 0 topos, como se pode observer, aticula argumento e conclusio, E 0 elemento que serve de intermediério entre esses dois segmentos do enunciado. E a garantia (termo proposto por Toulmin, 1993) da passagem do argumento para a conctuséo. topos tem tréscaracteristicas: ¢ comum, geral e gradual 0 topos & comum quando ¢ apresentado como se fosse compartilhado por uma comu- nidade de fala & qual pertencem, pelo menos, 0 locutor ¢o interlocutor. Assim em: (27) 0 dia esta lindo. Vamos & praia olocutor apresenta o fopas segundo o qual, quando o dia esté bonito, é bom ir & praia Essa conclusio deve ser admitida, porque esti baseada em um prinefpio considerado trivial, quer dizer, como crenga compartilhada por uma comunidade de fala. Diz-se também que 0 fopos & geral, porque é vilido para situacdes semethantes iquela de que se fala. Entfo, ir praia quando faz bom tempo é vélido em qualquer situago em uma determinada comunidade de fala. Ir a praia quando faz bom tempo & sempre valido nessa comunidade A terceira caracteristica do topos é a da gradualidade. O topos pde em relagio duas propriedades graduais, duas escalas P e Q. Em: (28) Pedro trabalhou um pouco (P). Vai ter éxito (Q, esto relacionadas &escala do trabalho (P) € A do &xito (Q): quanto mais se sobe na escala do trabalho, mas se sobe na escala do éxito (+P, +Q); quanto mais se desce na escala do trabalho, mais se desce na escala do éxito (-P, -Q). 0 aumento de P produz o aumento de Q, ou 20 contririo, a diminuigdo de P produz a diminuigéio de Q. Bssas duas formas so chamadas formas \6picas reciprocas, lingbisticamente diferentes, mas logicamente equivalentes. Entretanto, pode-se ter um topos em que P se opde a Q ou o impede: o trabalho leva 20 facasso. Também aqui duas formas t6picas so possiveis: quanto mais P menos Q (P,Q) ¢ quanto menos P mais Q (-P, +Q), Sto igualmente formas tépicas equivalentes e recfprocas. Trata-se de dois tipos de topoi contrtios: trabalho leva a0 éxito (topos 1) ‘0 trabalho leva ao fracasso (topos 2) com duas formas t6picas equivalentes para cada topos: +P, +Qe-P, -Q. E o que se vé no caso a seguir, em que um pai diz a seu filho: (29) Se tu fizeres teus temas, te darei um sorvete pai argumenta de A (0 menino faz seus temas) para B (0 menino terd um sorvete). A passagem de A para B ¢ garantida pelo topos: 0 esforco merece recompensa. Quanto mais esforgo for feito (os temas), maior serd a recom- pensa (0 sorvete): (+P, +Q). Do mesmo modo, a auséncia de esforgo (os temas) leva’ 4 auséncia de recompensa (0 sorvete): -P, -Q. Sdo duas formas t6picas do mesmo topos. As duas formas t6picas so equivalentes eo principio (topos) que permite uma forma tépica permite também a outra, sua reciproca, Admitindo-se uma forma ‘épica, prepara-se 0 caminho para admitir a outra, porque uma forma tépica convoca o topos que torna favoravel a aceitago da outra. HA o ropos contririo: 0 esforgo ndo mere- ce recompensa (denominado cinico por DUCROT, 1989, p. 35). Esse topos pode ser utilizado por alguém que refuta uma argumentagio por meio de um enunciado como: (30) Jogo se esforgou, no entanto nao teve recompensa Chega-se, desse modo, a duas formas ‘6picas reciproces: quanto mats esforco menos recompensa (+P, -Q} ¢ quanto menos esforco mais recompensa (P, +Q). Analisando-se mais detidamente esse tipo de enunciados, observa-se, com Ducrot (1988) que as formas t6picas utilizadas depois de um pouco comegam pela {érmula quanto mais P.. @ isso € vilido para os dois topoi. As formas t6picas que contém pouco comecam por quanto menos P.. Assim, pouco ¢ um pouco nio determinam o fopos, mas’a natureza da forma t6pica do topos convocado, ou seja, mais... ou menos... Entdo, pouco é uma palavra negativa, porque pertence & categoria da negatividade. Associando-seteoria dapolifonia&teoria dos topoi, vé-se que na negatividade hé pelo menos dois enunciadores: El, que utiliza um fopos sob a forma tépica quanto mais P... e E2 que se serve do mesmo topos sob a forma tépica quanio ‘menos P... Como afirma Ducrot (1988, p. 147): «um enunciado que pertenca & categoria da negatividade encerra uma espécie de polé- ‘mica fundada nas duas formas iépicas de um ‘mesmo topos. Em: (31) Pedro trabalhou pouco, ‘pouco & um termo negativo. HA nesse caso dois cenunciadores, El e £2, que utilizam as formas ‘épicas recfprocas do mesmo iopos: quanio mais se trabatha... (El) € quanto menos se trabalha...(E2). © locutor se coloca de acordo com o primeiro enunciador e se identifica como segundo, ou seja, reconhece a possibilidade de ‘uma argumentagZo positiva (quanto mais P..), mas escolhe uma argumentaggo inversa, negativa (quanto menos P..). PARA FINALIZAR ara concluir esta breve exposigdo, alguns princpios da Teoria da Argumentagdo na Lingua devem ser relembrados. Para essa retomada, segue-se a sintese feita por Ducrot no final da liltima das seis Conferéncias pronunciadas na Universidade det Valle, em Cali, na Colémbia, publicadas em 1988 A teoria seméntica proposta por Duerot rTepousa sobre o pressuposto de que a linguagem é, em sua esséncia, argumentativa e que a argumentagio esti inscrita na lingua, no sistema, ‘A lingua determina as possibilidades argumen- ‘ativas realizadas no discurso por meio de expres- ses como, por exemplo, termos gramaticais do tipo pouco, um pouco, mas, quase etc. A argumentatividade inerente a esses termos leva a encadeamentos no eixo sintagmético Dois conceitos s4o fundamentais: 0 de Jrase, construto tedrico, conjunto de regras compariilhadas por uma comunidade de fala e 0 de enunciado, realizagao da frase. A frase esti associada a nocdo semintica de significagdio, constituida por instrugdes que fomecem diret ‘vas para que o interpretante chegue ao sentido doenunciado, © enunciado & uma concatenagdo argumentativa composta de dois segmentos: um argumento (A) ¢ uma conclusdo (C). O primeiro segmento, 0 argumento A, s6 pode ser entendido 2 partir do segundo, 2 conelusiio C. O sentido Revista do GELNE Ano 5 Nos. 122 2003 123 Revista do GELNE Ano5 Nos. 162 2003 124 Go argumento s6 pode ser entendido em relagdo 4 conclusio ¢ vice-versa. Entio, o sentido do enunciado nao preexiste a0 discurso, a0 contr rio, é construido no discurso. ‘Ao produzir um enunciado, 0 locutor poe fem cena enunciadores, cujos pontos de vista fo argumentativos. O lacuior toma diferentes atitudes em relagio a esses pontos de vista, criando sentido, Com essa proposta, a lingua & entendida como um diélogo permanente, um lugar de constante debate. Na passagem do argumento para a conelusio, ‘apo’ s40 convocados, articulando os dois segmentos. Os topoi sio graduais, apresentando formas tépicas equivalentes ¢ reciprocas. Assim, a utilizago de uma lingua pressupde que a coletividade que a utiliza possui topoi. A lingua impée a existéncia de topoi., Certas palavras da lingua contém fopoi. Este trabalho apresenta apenas alguns conceitos fundamentais da Teoria da Argumen- tagdo na Lingua. Nio foi seu propésito esgotar 0 tema, nem mesmo mostrar todos os momentos te6ricos vividos por seus autores. Uma busca incessante e proveitosa continua a se desenvolver hoje em uma nova etapa, a da Teoria dos Blocos Seminticos, concebida por Marion Carel e Oswald Ducrot, cxaminando enunciados com base sempre no mesmo pressuposto, o de que a lingua ¢ argumentativa e que essa € a sua finali- dade titima, ‘Um othar atento sobre essa teoria permite ‘que se descubra que a semntica lingistoa assim concebida, ao analisar 0 sentido dos enunciades se interessa pelo emprego das palavras no discurso, pelos encadeamentos que as palavras permitem, considerando-se que as palavras podem ser intrinsecamente argumentativas, Este 6 pois, um enfoque sobre o fimcionamento da linguagem, enfoque que deve possibilitar uma visio de questOes de discurso ¢ que, em decor- réncia, merece especial atengo daqueles que se interessam pelo estudo da linguagem. Tendo em vista que se trata de uma teoria seméntica, que busca compreender o sentido, ¢ mais do que isso, que tem como objetivo verificar como esse sentido se produz no enunciado, considera-se que, bem assimilada ¢ empregada com adequagdo, pode vir a ser uma proposta de definigdo da linguagem, e se tornar ponto de partida para procedimentos pedagégicos de exploragio do texto/discurso em sala de aula, AplicagGes pedagégicas da Teoria da Argumentago encontram-se nos trabalhos de Claudia Stumpf Toldo intitulado A argumen- tagéo em sala de aula através da publicidade ¢ de Silvia Costa Kurtz dos Santos sobre Produgdo escrita e argumentagao em lingua estrangeira, ambos nestes anais, REFERENCIAS DUCROT, Oswald, Poifonia y argumentacion, Cali Universidad del Valle, 1988 . Argumentacio ¢ fopoi argumentativos. In GUIMARAES, Eduardo. Historia e sentido aa linguagem. Campinas: Pontes, 1989. Os opoi na Teoria da Argumentagio aa ‘ngua, Revista Brasileira de Letras. 1, n, 1. Sio Carlos: Universidade Federal de Sio Carlos (SP), inverno de 1999, SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de lingiistiea Geral S20 Paulo: Culrx, 2000, ‘TOULMIN, Stephen, Les usages de argumentation, Paris: Presses Universitaires de France, 1993.

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