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Peter eo TESTEMUNHA Oe eather HISTORIA E IMAGEM Introdugao O TESTEMUNHO DAS IMAGENS Ein Bild sagt mehr als 1000 Worte. [Uma imagem vale mais do que mil palaveas.] Kurt TUCHOLSKY LnO.genn COT WA Este livro esta primordialmente interessado no uso de imagens como evidéncia historica. E. escrito tanto para encorajar 0 uso de tal evidéncia, quan- to para advertir usudrios em potencial a respeito de possiveis perigos. Nos ulti- mos tempos, os historiadores tém ampliado consideravelmente seus interesses- para incluir nao apenas eventos politicos, tendéncias econdmicas e estruturas sociais, mas também a historia das mentalidades, a historia da vida cotidiana, a historia da cultura material, a historia do corpo, etc. Nao teria sido possivel desenvolver pesquisa nesses campos relativamente novos se eles tivessem se li- mitado a fontes tradicionais, tais como documéntos oficiais produzidos pelas administragées e preservados em seus arquivos. ‘ Sabi >| Por essa razio; langa-se mao, cada vez mais, de uma gama mais abran- whe / gente de evidéncias, na qual as imagens tém o seu lugar ao lado de textos lite- ririos e testemunhos orais. Tomemos a historia do corpo, por exemplo. Imagens constituem um guia para mudangas de idéias sobre doenga e satide € sdo ainda mais importantes como evidéncia de padroes de beleza em mutacao, ou da historia da preocupagdo com a aparéncia tanto de homens quanto de mulheres. Por outro lado, a histéria da cultura material, discutida no Capitulo > tornar-se-ia virtualmente impossivel sem’ 0 testemunho de imagens, que -também oferecem uma contribuicdo importante para a historia das mentali- dades, como os Capitulos 6 e 7 tentarao demonstrar. . u VIYILallZauy | pinturas das cavernas de Altamira ¢ Lascaux, a0 passo que a historia do Egito Antigo seria_imensuravelmente mais pobre, sem o testemunho das pinturas hos tmulos, Em ambos os casos, as imagens oferecem virtualmente a tnica evidencia de prticassociais tais como a caca. Alguns estudiosos trabalhando 4.5) ‘em periodos posteriores também levaram imagens a sério. Por exemplo, his- toriadores de atitudes politcas,“opinido publica” ou propaganda j estao uti lizando ha tempos a evidéncia de imagens. Em outro exemplo, um renomado \sH ‘medievalista, David Douglas, declarou ha quase meio século que as Tapegarias dde Bayeux constituiam “uma fonte priméria para a historia da Inglaterra” que) * merece ser estudada junto com as narracoes Anglo-Saxon Chronicle (Cronica ‘Anglo-Saxa) e de William de Poitiers (© emprego de imagens por alguns poucos historiadores remonta ‘muito mais tempo. Como destacado por Francis Haskell (1928-2000) em His-/ tory and its images (A historia e suas imagens), as pinturas nas catacumbas r0- manas foram estudadas no século 17 como evidéncia para a historia dos) ‘comesos do Cristianismo (e no século 19, como evidéncia para a historia so- yutor ja havia h cial)" As Tapegarias de Bayeux (ilustragio 78) ja eram levadas a sério como. ‘ou suscitar fonte historica por estudiosos no inicio deste século 18. Na metade deste sé- i culo, uma série de pinturas de portos maritimos franceses, realizada por Jo= Sseph Vernet (a ser discutida aqui no Capitulo 5), fi elogiada por um critico ‘que declarou que, se mais pintores seguissem o exemplo de Vernet, os traba-_) thos seriam de utilidade para a posteridade porque “nas pinturas seria possi- - vel ler a historia das prticas, das artes e das nag6es"* (Os historiadores culturais Jacob Burckhardt (1818-1897) Johan Hui- zinga (1872-1945), eles proprios artistas amadores,escrevendo respectivamen= te sobre o Renascimento eo “outono” da Idade Média, basearam suas descri- «bes €interpretagdes da cultura da Ilia e da Holanda em quadros de artistas {ais como Raphael e van Eyck, bem como em textos de época. Burckhardt, que fescreveu sobre arte italiana antes dese dedicar cultura geral do Renasciment ddescreveu imagens e monumentos como “testemunhas de etapas passadas do “desenvolvimento do espiritoyhumano’, objetos “através dos quais € possvel lr, as estrturas de pensamentoerepresentao de uma determinada Sect ved |) DOUGLAS, David C GREENAWAY, GW, (Ed), Enh Minorca Documents 1042-1189, non: Eye & Spotswood, 1953. R217. |{ HARRELL Fnc nr nd is mages: New Haven: Yk UR 193. ps 1231245 HE HASKEIU dls LAGRANGE, Lon Le Wert fa Poni 18 ste, 2. Pais [, Wok. \77: B — EO ito decolecionar moc. pa dos de plumas’, e ja da Holanda foi ie Hui Shard, ferminou ‘tanto em imagens partir da biblio- ahistoriadora re- ‘o Instituto fotografias no contexto, mas também discute os principais problemas suscita- dos pela utilizacio desse tipo de evidéncia, Imagens constituiram-se no ponto de partida para dois estudos impor- tantes realizados pelo historiador que se autodenominou “Historiador do- mingueiro’ Philippe Aries (1914-1982): uma historia da infincia e uma his- toria da morte, sendo que em ambas as fontes visuais foram tratadas como “evidéncia de sensibilidade ¢ vida’, igualadas em valor & “literatura e docu- mentos de arquivos” O trabalho de Ariés sera discutido mais detalhadamente num gapitulo posterior. Seu enfoque foi seguido por alguns historiadores franceses de destaque na década de 1970, entre eles Michel Vovelle, que traba- hou sobre a Revolucio Francesa e 0 antigo regime que a precedeu, e Maurice Agulhon, que se dedica especialmente a Franca do século 19.° , Essa “virada pictérica” como a tem denominado o critico americano Wil- liam Mitchell, também é-visivel no cendrio do mundo anglofonico”’ Foi no final da década de 1960, como ele proprio confessa, que Raphael Samuel e alguns de seus contemporineos tornaram-se conscientes do valor de fotografias como evi- déncia para a hist6ria social do século 19, auxiliando-os a construir “uma hist6- tia a partir de baixo’,focalizando 0 cotidiano ¢ as experiéncias de pessoas co- ‘nuns. Entretanto, considerando o influente periédico Past and Present como re~ presentante de novas tendéncias em escrita histdrica no mundo anglofénico, € chocante a descoberta de que, entre 1952 a 1975, nenhum dos artigos la publica- dos incluia imagens. Na década de 1970, foram publicados no periédico dois ar- tigos ilustrados. Na década de 1980, por outro lado, © namero subiti para catorze, ‘As atas de uma conferéncia de historiadores americanos, realizada em 1985, e voltada para “a arte como evidéncia’, comprovam que os anos 80 sig- nificaram uma virada a respeito deste assunto. Publicado numa edigdo espe- cial do Journal of Interdisciplinary History, o simpésio atraiu tanto interesse {que em seguida foi publicado em forma de livre.” Desde ento, um dos cola- 7. LEVINE, Robert M. Images of Histoy: 19ub and Early 200 Century Latin American Photographs as Documents. Dusharn, NC: Duke UR, 1989 8. ARIES, Philippe Un Historic de anche. Pais: Sui, 1980. p. 122; cf VOVELLE, Michel (EA) Ieonographie et histire des montis. is [.n.) 197% AGULHON, Maurice Marine into Bure: Republican lnagery and Symbols in France, 1789-1880 (1979), Cambridge: ‘Cambridge UF, 1981, (Traduto ingle). 19 MITCHELL, Wiliam J, (Ed): Ar andthe Public Sphere. Chicago: University of Chicago ress 1992, Introd. 10. ROTRERG, Rober: RABB, Theosore KE) Ar and Histo: Images and ther Meanings Cambridge: Cambridge UP, 1988, ils erg ere ( 4 ye tuas, publicagées ¢ assim por diante permite a n6s, posteridade, compartilhar fume anilise das as experiéncias nao-verbais ou o conhecimento de culturas passadas (experién- Landscape and cias religiosas, por exemplo, discutidas no Capitulo 3). Trazem-nos 0 que po- demos ter conhecido, mas nao haviamos levado tio a sério antes. Em resumo, imagens nos permitem “imaginar” 0 passado de forma mais vivida. Como su- jetido pelo critico Stephen Bann, nossa posigio face a face com uma imagem, nos coloca “face a face com a historia.” O uso de imagens, em diferentes perio- | is ‘dos, como objeos de devocto ou meica de pereuassoy de irscapaitie oicamtasa «a0 ou de oferecer prazer, permite-Ihes testemunhar antigas formas de religiSo, 9, de conhecimento, crenca, delete, etc. Embora os textos também oferegam indi- 5 | ios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia para o poder de repre- | ee: sentacées visuais nas vidas religiosa e politica de culturas passadas.” . ____ Estelivro investigara, portanto, o uso de diferentes tipos de imagem, no sentido em que os advogados chamam de “evidencia aceitavel” para diferentes ipos de historia. A analogia legal tem um ponto a seu favor. Afirmal, nos alti- ; .) j ‘mos anos, assaltantes de banco, torcedores de futebol desordeiros ¢ policiais ‘ > Yiolentos tém sido condenados com base na evidéncia de videos. Fotografias a que se apro- ” policiais de cenas de crime si0 comumente usadas como evidencia. Por volta ‘no sentido de a de 1850, 0 Departamento Policial de Nova York havia criado uma “Galeria de ‘Marginais’, permitindo que ladrdes fossem reconhecidos.”* Na verdade, antes de 1800, registros policiais franceses ja incluiam retratos de principais suspei- {0s em scus arquives pessoais. A proposta essencial que este livro tenta defender ¢ ilustrar é a de que imagens, assim como textos ¢ testemunhos orais, constituemese numa forma a ‘importante de evidéncia histérica. Elas registram atos de testemunho ocular. Nao hi nada de novo a respeito dessa idéia, como demonstra uma famosa imagem, chamada “Retrato de Arnolfini’, de um casal na Galeria Nacional de Londres. Ha no retrato uma inscrigao (Jan van Eyck esteve aqui), como se 0 pintor tivesse sido uma testemunha do casamento. Ernst Gombrich escreveu sobre “o principio do testemunho ocular’, em outras palavras, a regra que ar- tistas em algumas culturas tém seguido, a partir dos antigos Gregos, para re 12. HASKELL, Francs sory a it Images: New Haven: Vile UB. 1983. p. 7: BANN, Stern. Face-to-face with History. New Literary History XXIX, p 235-248, 1998. 13, TAG, John, The Buren of Representation: Essays on Photographie and Histories, Amberst Tascidey of Massachusetts Presy, 1968. p. 65-102 TRACHTENBERG, Alan. Rending aaa Photograph: Images as History Mathew Bray to Walker Eyas.New York Hill and ‘Wang, 1989. p24 renal Serge me iy -poderia ter visto de ocular” foi intro. 1525), e alguns 40 gosto pelos je mecenas por “um s padroes vigentes de sa impressio de que Por exeimplo, dots escravos tman Johnson tais como esti para caracteri- é dificil traduzir Para comunicar sesbogo, Deux Femmes Assses (Di {elscutidos no Capitulo) sio mais conféveis come testemunhos doque o sto pinturas trabalhadas posteriorment tno estilo do artista. No caso de Eugene Delacroix (1798-1863), ese aspecto pode ser iustrado pelo contrate entre seu uas mulheres sentadas), ¢ sua pintura Les Femmes d'Alger (As mulheres de Argel) (1834), que parece mais tearal¢,30 con= tririo do esboso origina, faz referencia a outras imagens Acros, Esboco pata Les Femmes Aber (As paler de Argel 1832 aqua 1, Eugene Delacroix, Fsbo ‘rela com vestigis de gafte. Museu do Louwte, Pats 1», a wiry )( ¥ Jer ay ‘a VU ow 1 yr Gahipian L Weer ne *Y pode servir como evidéncia historica. M: : ie QP 16), manequins ¢ os soldados de phon Loptaanstinss | 108 imperadores chineses tém todos algum: cn i eee Rea 1 coisa a dizer aos estudantes de ) et Para complica situa, énecesiriolevar em conta modangas no tipo) ' gem disponivel em y re xp ip Re ee va 3 lugares ¢ épocas especificos, ¢ especialmente duas re- i, rece er see eae ‘urgimento da imagem impressa (gravura ; akira, entale, gravura em us-forte te ) durante os séculos 15 € 16, ‘ 60 surgimento da imagem fotogrifia (incluindo filme ¢ televsio) nos séculos \\ b ezenove € vinte. Seria necessirio um livo bastante extenso para analisar 3s _conseqiéncias desss duasrevolugdes da maneira detalhada que elas mesecem] |. 2 porém algumas observacoes gerais podem ser iteis de qualquer manta Por exemplo,a aparénca das imagens mudou. Nos estgios incision to da gravura em madeira quanto ‘da fotografia, imagens-cmn ‘preto-e-branco a ‘cores, Refletindo um pouco, pode ser ssugerido, como \ ra sido Feta no caso da transigio das mensagens oris paras mPreacis S " sando a famosa expressio de Marshall McLa- raenrey forma mas"serena” de comunicacio do que» colori, aus mais} orig eximula um certo distancamento por parte do oberon FE vate a idéia de que imagens impressas, da mesma forms di 8 fotografias poderiam ser eaboradasetansportadas mas rapide do que as pinturay de tal forma que imagens de eventos que Shin acontecendo po- dean pat aos observadores enquanto os eventos and Steet TT na sedi, um ponto que sera desenvolvido no Captlo ‘Outro porto importante a considera, no cso de ambas as revolu- & oes € que elas possibiltaram um grande aumenis no mumero de imagens “ disponivels is pessoa to, tornou-se dificil até mesmo imag: sargugo poucat imagens estavam cm cectlaei eral durante a Kdade Mé- dis, uma ver que os manuscrtos iustrados d¥e hoje nos so familiares em gscus ou em reproduces encontTaasy SE jeralmente nas midos de partic antares deixando apenas retadulos de altar 8 frescos em igrejas visiveis para pabico em gral Qua foram 38 ‘conseqancias culturais desses doi avangost ( substituiram pinturas a ‘a imagem em preto-e-branco é, mais tarde, .s comuns, De fa 5 a inprena tae compete $0 SESE 7 ’as conseqienia sermos da paazonizaio ean fixate G8 S05 foxma permanente He Ere pve se eventos ore impressas. Wi Ivins Jr (1881-1901), wm ‘curador de impresses vem Nova York, levantou Sig a naticamehte ilys. paser impressos em nuinicagio da infor. dade da repeticao asso a respeito des- pode trati-la com consideri-la como Aholandesas de ca sgravuras em ma- ,da mesma forma PARSHALL, (1936, tn: Michael. 585.15 itinico, Londres. 4.John Whi, Esbogo da aden de Sesoton Virgin, 1585-1887, Mase B 23 2G YCUFERIREIO 4 x! \" or” a “Estude o historiador antes de comegar a estudar 08 fatos”s disse a seus lei- tores 0 autor do conhecido livro What is history?.* Da mesma forma, deve-se AS\ — aconselhar alguém que plangje utilizar o testemunho de imagens ts ac micie bf ~ estudando os diferentes propésitos dos realizadores dessas imagens. Relativa- 'S\ mente confiaveis, por exemplo, sio trabalhos que foram realizados aes (> mente como registros, documentando as ruinas de Roma antiga, ou a aparéncia SP e costumes de culturas exdticas. As imagens dos indios de Virginia pelo artista 3442" clizabetano John White (fl, 1584-1593), por exemplo (fig, 3), foram. feitas no lo- cal, como as imagens de havaianos e taitianos feitas pelos desenhistas que acom- panharam o capitio Cook e outros exploradores, precisamente a fim de registrar © que havia sido descoberto. “Artistas de guerra”, enviados a campo para retratar batalhas € a vida dos soldados em campanha (Capitulo 8), ativos desde a expedi- $40 do imperador Carlos V a-Tunisia até a intervengao americana no Vietna, se nao mais tarde, sio usualmente testemunhas mais confidveis, especialmente no que se refere a detalhes, do que seus colegas que trabalham exclusivamenite em casa. Podemos descrever os trabalhos relacionados neste pardgrafo como “arte \ documentiria”. ea { \ C Apesar disso, [2 \P“olhar inocente” no sentido de um olhar que fosse totalmente objetivo, », Acde expectativas ou preconceitos de qualquer tipo. Tant + metaforicamente, esses esbocos e pinturas registram “ caso de White, por exemplo, precisamos ter em mente, mente envolvido na, colonizacéo da Virginia e pode ter xX) boa impressao do local, omitindo cenas de nudez, s seria imprudente atribuir a esses artistas repérteres um quer outro aspecto que pudesse chocar colonizadores em t ¥ dores usando documentos desse tipo ndo podem dar-se u possibilidade da propaganda (Capitulo 4), ou a das visoes “outro” (Capitulo 7), ou esquecer a importancia das co) é tas como naturais numa determinada cultura ou num detern: tais como o quadro-batalha (Capitulo 8), A fim de apoiar essa critica do olho inocente, pode ser tit exemplos nos quais © testemunho historico de imagens se sit) parece situar-se, de forma relativamente clara e diret Ogra ey he

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