You are on page 1of 22
André Martins Homero Santiago e Luis César Oliva (organizadores) As ilusdes do eu Spinoza e Nietzsche CIVILIZACAOBRASILEIRA — | Rio de Janeiro { 2011 Digitalizado com CamScanner jet? Metafisica e subjetividade Oswaldo Giacoia Junior* ‘camp ; inas (Unica "fessor da Universidade Estadual de C2" el Digitalizado com CamScanner , i cysou corpo e alma’ — assim fala a cri wy SO} as criangas?”™ Cone 4 crianga, E bor que nao s dever;, falar com Ssas palavras, Zaratu ¢ deveriqg desprezadores do corpo. Conceber a prépria Stra apostrofa os , . identidade ; gubstancial de alma e corpo seria uma ingenuidade. uma b: om unio . z 4 = 2 rincadej, criangas- E, como tal, no hd razao para que lhe seja atribuida demu * asia- dagravidade: afinal, que mal ha em se falar como criancas, deveria proibir alguém de fazé-lo? Tanto mais quanto a pada - umirresistivel poder de sedugao exercido por um habito ancestral m™ Nietzsche ridiculariza, desse modo, a impostada gravidade do come tismo filos6fico de todos os tempos: “Dito seriamente, ha bons motivos de esperanca de que todo dogmatizar em filosofia — nao importa os modos de definitiva e derradeira instancia que tenha tomado — possa ter sido, no entanto, apenas uma nobre brincadeira e coisa de principiantes, etalvez esteja muito proximo o tempo em que se compreendera 0 que propriamente ja tera sido suficiente para fornecer a pedra fundamental para tais sublimes e incondicionais construgées filosoficas.”* : Oinconcussum fundamentum para a constr ucao do ae moderno foi assegurado, como se sabe, por Descartes. we “honk substancial da res cogitans e da res extensa, com * Se ica certeza tade simples do “eu penso”, Descartes consolidou a PF indo a diivida indubirs ‘sica da subjetividade, suprim alidade ndubit4vel da moderna metafisica “do colacada a tot ‘ttica radical — sob cuja suspeicae houvera . mouares cogitans em loconhecimento possivel. Ao fazé-lo» ee nO oderno, a8 —— rentinenon, resgatando, para ° ee ne seabelecientos . emolégicas que tornaram possive" cias (mathests univ “buras, de um sistema universal das Ce 425 Digitalizado com CamScanner AS ILUSOES DO EU: SPINOZA E WlET2scup Para Descartes, a subjetividade é constituida pela unig substancias de natureza distinta, a alma (intelecto, razio, fade be mente) e o corpo (substancia material). Mantendo em Ven set, pectiva, vale retomar a questo, sublinhada por Nietzsche. es preficio de Além do bem e do mal: 0 que, propriamente, pn? construcao dos alicerces de todos os majestaticos edificios fons Parag tien) Alguma superstigo popular proveniente de tempos imemorig a superstigio da alma que, como supersticio do sujeito e do s (m9 hoje também nao cessou de provocar disparates), algum iow im vras,talvez, uma sedugdo de parte da gramética, ou uma onal versalizagao de fatos muito estreitos, muito pessoais, muito haan, demasiado humanos.? Nietzsche ridiculariza a afetada gravidade metafisica cartesiange denuncia, além disso, a grosseria intelectual que acompanha as traves- suras infantis e os disparates do dogmatismo. Este, além de ingénuoe superficial, é também filosoficamente imaturo, simplista, redutor. Esse segundo aspecto do distanciamento critico também se manifesta de modo inequivoco nos textos de Nietzsche: Sejamos mais cuidadosos que Descartes, que se manteve preso darn dilha das palavras. Cogito é decididamente apenas uma palavra, mas significa algo miltiplo: algo ¢ milltiplo e nés, grossiraments ode escapar, na boa-fé de que seja uno. Naquele célebre Cogito 1) pensa-se; 2) eu creio que sou eu que pensa; 3) mesmo admitin o segundo ponto permanecesse implicado, como artigo defés pe” © primeiro “pensa-se” contém ainda uma cren¢a, 2 saber * : seja uma atividade para a qual um sujeito, no ay ha ser pensado — além disso, o ergo sum nada significa! gramAticas j4 so aqui instituidas “coisas” e suas “at sot ovat afastamos da certeza imediata. sco” edigamo Deixemos, pois, de lado aquele problematico “isso i? como fato, sem intromissao de artigos de fé. Dessa 426 Digitalizado com CamScanner METAFISICa & SUBETIVIDADE 70s iludimos, pois também a forma apenas “fatos”: in summa, Precisamy demaneira nua, 0 “acreditar” e 9 “opi do cogitat e cogitatur:* Extrair um “ser”, um “eu” do fazer-se Processual do de tal maneira que Pareca, como diz Nietzsche, que. unidade simples da consciéncia, 0 conhecimento Surpreendesse 7 me puro, € travessura e ingenuidade — ¢ fantasia onitica ee fritico de fungdes logicas e gramaticais, atuando de maneira ro Acordar desse sono dogmitico, dessa sedugao gramatical dissiy e trevas do imaginario supersticioso e arcaico — é nisso aa a a tarefa do pensamento critico, cuja missao é estar desperto, Para despertar, faz-se necessdria a refinada sensibilidadee alargamen- toda capacidade de atengao consciente, capaz de dissecar os complexos processos psicolégicos implicados no pensamento e que, na paralisia dogmatica, nao sao levados em consideracio. Quando desmembramos a proposi¢ao “eu penso”, obtemos Pensamento, > Na apreensiig da uma série de afirmagGes ousadas, cuja fundamentagio é dificil, talvez imposstvel; — por exemplo, que sou en que pensa, que, em geral, tem que haver um “algo” que pensa, que pensar é uma atividade e um = de parte de um ser, que é pensado como causa, que existe um “eu oe nalmente que j4 esta estabelecido o que deve ser designado com pensar, — que eu sei o que é pensar. Go nessa Como se percebe, 0 que esta fundamentalmente co — i Passagem 6 a identificagao da subjetividade (do “ew > i ‘A dissecagao sto “eur Penso) com a unidade simples da ae é superficial ° complexo do pensamento revela que essa identilicas? ‘ou mesmo + Osseira, que nfo temos nenhum fundamento i: ‘St Postular, a existéncia de um “eu” substancial, que Ca . "88 eficiente do pensar. ja 0 sujeitOs 427 | AS ILUSOES DO EU: SPINOZA E NIETZSCHE No que concerne a superstigio dos légicos, sempre de novo um pequeno e curto fato, esses supersticiosos — a saber: 1ndo me canso de su admitido a contra, que um pensam © sujeito “eu” & a condigéo do predicado “penso”. Isso pense que este “isso” seja justamente aquele célebre “eu”, 6, dito brandon te, apenas uma hipétese, uma afirmacio, sobretudo nenhuma “qo imediata”. Por fim, com aquele “isso pensa” jé se faz demaisrié one 2 contém uma interpretagao do processo e nao pertence ao Proprio pri a so. Infere-se aqui segundo. habito gramatical:“Pensar éumaativide, a toda atividade pertence alguém que atua, consequentemente.”* * BOStO por ando “ele fatos dizer; O efeito da anilise critica da proposicéo “eu penso, logo eu sou” consiste em destituir de legitimidade a crenga na substancia “eu” —ou seja, a unidade subjetiva da consciéncia considerada como nticleo ou como causa do pensar. Antes pelo contrario, é esse mesmo “Eu”, esse sujeito, que se revela como um efeito do pensamento, produzido no e pelo ato de pensar, uma pressuposicao l6gica inferida a partir da faculdade sintética da faculdade de julgar, resultante de fungoes logicas inerentes d estrutura gramatical da linguagem — tais como aquelas implicadas que determi- nam a forma da proposi¢ao atributiva elementar (sujeito-predicado, ou subsisténcia e ineréncia), bem como na relagdo de causa e efeito. O “eu” sufeito, cujo efeito psicolégico se apresenta na forma da cons- ciéncia de si subjetiva, é, no fundo, resultado do processo intelectual de conceber e julgar — portanto, para Nietzsche, um efeito de superficie induzido pelo incontorndvel enraizamento légico gramatical do a mento racional. Uma tal descoberta — ou antes, confissio —nioé na resultado da genealogia nietzschiana, mas sim consequéncia ined da radicalizagdo da moderna filosofia critica, uma espécie de at aos artigos de fé herdados da tradigao: men No fundo, o que faz toda a filosofia mais recente? Aberta oP se : te, ela comete um atentado ao antigo conceito dealma—@ fundamento do Cristianismo, a0 “Bu”: ela é anticristd 0! a sentido. Acreditou-se outrora incondicionalmente na gram: 428 Digitalizado com CamScanner METAFISICA & SUBJETIVIDADE py" écondi¢ao, “penso” é predicado. Procuro gigna de admiracdo se n&o se podia sair dessa nao fosse verdadeiro: “Pensar” condigio—e «py» ani tama sintese empreendida pelo Pensamento. No fundo, ae ‘como que; 2 partir do sujeito, © Sujeito nao poderia ser came doa também 0 objeto nao 0 poderia. Comeca a descortinar-seg oe aa deuma existéncia aparente do *sujcito”: um pensamers, ros dade yma vez na filosofia vedanta.’ ‘ue j4 existiu a com uma. tenacidade tede— se 9 j ‘©— Se 0 inverso talvez Deacordo com a argumentagio de Nietzsche, dhasta da critica da raz4o, levada a efeito por Kant, consiste Precisamente naconstatacao do cardter de mera aparéncia do sujeito, do “eu”. Uma tese que aproximaria 0 programa critico kantiano das Posices tedricas mais radicais do ceticismo moderno. O resultado mais icono- Sem considerar os governantes, que ainda hoje acreditam na gramética como veritas aeterna, e consequentemente em sujeito, predicado, objeto, ninguém é mais hoje tao inocente para estabelecer, a maneira de Descar- tes, 0 sujeito “eu” como condigao de “penso”; por meio do movimento cético da filosofia moderna, tornou-se-nos mais admissivel 0 inverso, isto 6 considerar 0 pensar como causa ¢ condigao tanto de “sujeito”, quanto de “objeto”, “substancia”, “matéria”: o que talvez seja apenas um tipo inverso de erro. Isso, no entanto, é certo: nés abrimos mao da “alma”.* _ Ao contrario da tradig&o herdada pela psicologia racional, a subj e ‘Widade nao é constituida pela faculdade cognitiva da “alma”, isso é i sane 5 nsciéncia. Felointelecto, tomado como sindnimo de razio, mente ou co ‘0880 “ey” lexo do que a . ee pe: is compl . » NOsso si mesmo, é infinitamente mals Co! e Unidade ap: entao, arentemente simples da autoconsciéncia. O que seria O corpo, como o Selbst (Self) tem uma natureza muit e complexa do que supusera a tradi¢ao. Ele nao é apen; sede das paixées, desejos e desgarramentos, nem mesmo a Tes extensa, de que cogitara Descartes; ao contrario do que pensara 0 platonismo e 0 Cristianismo, 0 corpo nao é a prisdo do espirito, 0 oposto da tazao, Para Nietzsche, o corpo é a grande razao: verdade Que Sciéncia, 2 que o intactos © apenas ‘© mais profunda as “a carne” eg © corpo é uma grande razio, uma multiplicidade com um tinico sen- tido, uma guerra e uma paz, um rebanho e um pastor. Instrumento do teu corpo é também tua pequena razdo, meu irmao, que tu denominas “espirito”, uma pequena ferramenta e um brinquedo de tua grande ra- 240. “Eu”, dizes tu, e estas orgulhoso dessa palavra. Mas aquilo que é maior, em que nao queres crer — teu corpo e sua grande razio — nio diz eu, porém faz eu." Aquilo que a tradicao confundia com a estrutura nuclear da subjeti- vidade — a consciéncia, raz4o, ou espirito — nada mais é que a ténue superficie de uma profundidade insondavel, daquela grande razi0, que € 0 corpo. Ao contrario da ilusdo subjetiva da consciéncia, que é um" efeito induzido pela gramatica da linguagem (um “Eu” que é merament? discursivo, portanto, que é apenas dito), 0 corpo, como unidade im duzida a partir da multiplicidade nao é apenas discurso, mas um fa (ele faz “Eu”). Este si mesmo corporal nao é 0 contrario da racionalidade, Pa verdadeira figura, mesmo que ignorada. A pequena razdo é apenas mas sua 430 Digitalizado com CamScanner , METAFISICA E SUBJETIVIDADE da “grande” azo, Cuja extensio, frontei ] s i ‘bi 7 desconhecidas para a consciéncia. Um a en Possibilidades ee ant + orem 8 efeit ir ey re dapela gencalogia nietzschiana vai consistir, pois ane versio e : 7 5 ’ Sy indi of si0 inaudita, sobre cujo pano de fundo a consciéncia pee “ aparece como uma ilha pequena e frégil num oceano : a ‘ c . infini o transitarmos de Assim falava Zaratustra para o context ea oh ety ‘i i x ; east ciéncid, especialmente para o livro V dessa obra, p e a 5 ¢ , percel 5 ‘Nietzsche nao apenas retoma, mas também aprofunda e on rzsche. ! peel expan- sev coca distuptiva da subjetividade moderna. “O problema do rerconsciéncia de si ioe corretamente: do tomar consciéncia de si) s6 6s quando c« i nés qi -omegamos a conceber em que medida po- se apresenta a deriamos passat sem ela: € € nesse comego do conceber que nos coloca afsiologia € @ zoologia...”"" De quase todos os processos fisiolégicos fundamentais da vida vege- tativa, e mesmo sensitiva, em geral, esta ausente a qualidade psiquica da consciéncia. “Poderiamos, com efeito, pensar, sentir, querer, recor darnos, poderfamos igualmente agir em todo sentido da palavra: € a des- prito disso, nao seria preciso que tudo isso nos ‘entrasse na consciéncia” (como se diz, em imagem).””” Poderiamos cumprir todas as nossas assim chamadas fungGes psiquicas superiores, tais como: querer, pensar, sentir, ecurso 4 funga0 da consciéncia. A recordar, agir, sem necessidade do r propria expressdo “entrasse na consciéncia”, € uma expressio destacad por Nietzsche e que indica, com muita clareza, 0 cardter antropomor- fico das nossas expressdes usuais. Entrar 02 consciéncia, supoe pensar Aconsciéncia como uma dimensao esP' nent vo aneoe™ vacial. A vida inteira seria possivel sem que €spelho: como, de fato, ainda agora, dessa vida se desenrola sem esse espelhame vida de pensamento, sentimentos yontade, por ™# Possa soar a um filésofo mais velbo-" nto — & 9 ares poder! F element emu cone" dariam Nao St = noe ‘omente nossas fungoes vitals jancia — °° Sem Penhar o seu papel sem a conse 431 AS ILUSOES DO EU: SPINOZA E NIETZSCHE todos os fisidlogos — seno que, mais ainda, nossas fungées Psiquicas “superiores”, como pensamento, sentimento, vontade, afetividade, po- dem ter seu curso independentemente da consciéncia — por mais que isso soe ofensivo e ultrajante aos ouvidos de um velho filésofo, sobretudo se pensarmos que, de acordo com uma venerdvel tradicao filoséfica, 0 “eu”, ou a unidade da consciéncia “deve necessariamente acompanhar todas as nossas representagdes”. Afirmar que pode haver representacao, mais que isso, intuir um uni- verso de pensamentos e sentimentos, volices, movimentos e atividades sem consciéncia — mormente se considerarmos a entao corrente iden- tificagdo entre subjetividade e unidade da consciéncia —, é uma asser- do ofensiva para um fildsofo zeloso da tradigao. Donde se legitima a seguinte indagacao: Para que em geral consciéncia, se no principal ela é supérflua? — Ora, parece-me, se queremos dar ouvidos 4 minha resposta a essa questo 4 suposicao, talvez extravagante, que o refinamento e forga da cons- ciéncia esto sempre em proporgao com a aptiddo de comunicagio de um ser humano (ou animal), e a aptidao de comunicagao, por sua ve7, em proporcao com a necessidade de comunicagao." Como os conceitos — as nogdes comuns que estao na base da atividade racional —, os fendmenos conscientes se estruturam em funcao da necessidade de comunica¢ao, de modo que neles se expres- sa apenas o comunicdvel, que é produto da igualagéo do desigual, da supressao das diferengas, da abstragao formada a partir do que © comum a muitos. Dito de outra maneira, consciéncia é, desse ponto de vista, necessariamente, falsificacao do estritamente individual, pore™ indispensdvel para a vida em sociedade. Fazer dela o centro da subje- tividade significa perder de vista qualquer possibilidade de acesso 20 si mesmo. Esse proceso se torna patente pela andlise da estrutura proposi¢do atributiva. 432 Digitalizado com CamScanner METAFISICA & SUBJETIVIDADE Qjuizo éa crenga: “isso é assim e assim”, Nojus oe + No juiz aadmissao de ter se deparado com um caso is © Se encontra, Portanto, comparacao, com 0 auxilio da memoria, © jus "UPSe, Portanto, co que parece existir. Pelo contrario, ele acredita obs serv ele opera sobo Pressuposto de que existam, em geral, he Como se chama, pois, aquela fungdo, que tem an eee idénticos, operar anteriormente, que equipara e assemelha casos aes antiga e se chama aquela segunda [fungio},! no fundamento da a etc..? “Aquilo que provoca sensagdes iguais 6 igual: eomo earn porém, 0 que ord sensagGes iguais, que as “toma” pan ch ae poderia haver jufzos, se primeiramente niio fosse exercida uma espécie de igualacao entre as sensacSes: a memoria s6 é possivel com um per- manente sublinhar do jé vivenciado, habitual — Antes que haja juizo, tem de ter sido feito 0 processo de assimilagao: portanto, também aqui preexiste uma atividade intelectual, que nao ingressa na consciéncia, como no caso dor, em consequéncia de um ferimento, Partir do corpo ¢ utiliza-lo como fio condutor — o corpo é um fenémeno muito mais rico, que permite observagdes mais inequivocas. A crenga no corpo é melhor estabelecida do que a crenga no espitito."* O corpo constitui, pois, o fenémeno mais complexo, a ser tomado como ponto de partida para a compreensao de processos mais simples, por exemplo, a consciéncia e sua faculdade de julgar. O corpo ee Pois, ser tomado como fio condutor, que podera guiat 0 ae atéuma outra concep¢ao de subjetividade, muito mais rel nas eee Profunda do que a nogdo tradicional de unidade sintética eae A unidade do sujeito, ou o conceito de “Eu” pode ee €Processos inconscientes, de modo algum privados de ae Pelo contrétio, um novo conceito de sujeito, 44° se ap Sande razdo do corpo. Ponto de partida: do corpo ¢ da A correta representacao da especie dade, nd Bovernantes & testa de uma comuns Vitais"; do mesmo modo, da dependéncs 433 | Digitalizado com CamScanner AS ILUSOES DO EU: SPINOZA E NIETZSCHE 208 governados eas condigées de hierarquia e diviséo do ty Possibilidade simulténea das singuilaridades e do todo, De igual m, as unidades viventes surgem e morrem Permanentemente, ass a0 “sujeito” nao pode ser atribuida eternidades também m, © comandar se expressa o combate, e a vida pe determinar fronteiras de poder...!” *abalho, comg anita, im como, Obedeg, er fence um cambiang Ao tomar 0 corpo como fio condutor e Ponto de partida Para um; nova concep¢ao da unidade subjetiva, Nietzsche est4 convicto de Poder ir muito além daqueles resultados obtidos pelo criticismo kantianoe Pela radicalizagao do ceticismo filos6fico; analogamente, acredita também que a dissolugo da concepgao de subjetividade (ou de “alma”) definida a partir da unidade da consciéncia nao tem que desembocar n mente num materialismo grosseiro. Pelo contrdrio: lecessaria- dito entre nés, nao € necessério, em absoluto, sequer desembaracar-se da “alma”, renunciando, com isso, a uma das mais antigas e venerdveis hipéteses: como costuma ocorrer com a inabilidade dos naturalistas, que mal tocam a “alma” e também a perdem. Porém o caminho esté aberto para novas concepgées e refinamentos da hipétese da alma; e conceitos como “alma mortal” e “alma como pluralidade de sujeitos”, alma como estrutura social de impulsos e afetos querem doravante ter direitos de cidadania na ciéncia."® O corpo é inequivocamente unidade, nao, porém, unidade simples, mas unidade de organizacao. As relagdes complexas de alianga e opo- sigdo entre células, tecidos, érgios e sistemas fornecem uma espécie de base anal6gica para a representacao de um outro modo de subjetivacdo, cujo modelo pode ser divisado por analogia com as unidades viventes que, no organismo, permanentemente surgem e morrem; isso mostra o sujeito como alma mortal, como pluralidade a que nao pertence oan da eternidade. Ha, portanto, um ganho epistemolégico CO em primeiro lugar, nao é necessdrio renunciar ao conceito de oe segundo lugar, o conhecimento fisiolégico que temos do corpo sue a fungGes organicas constitui um territério muito mais firme do 4 434 x METAFISICA & SUBJETIVIDADE ine fim, a complexidade do corpo tido, um rebanho e um pastor ais rica € sofisticada, provida de um Poder de aj mi paiores do que a reconhecida fugacidade e fragitidace da consciénci vam-no a infalibilidade de nossos instintos, Aq ae rs uilo de que Carec é portanto, de alargar as fronteiras da consciénej e eos is 1a, agucar nossa capa- cidade de discernimento e atengao, tornarmo-nos capazes de penetras cada vez mais nessa grande azo, ou nessa inteligéncia viva de nosso corpo, cuja compara¢ao com uma maquina, por mais Perfeita que esta possa ser, apenas empobrece e torna grosseira a dinamica incessante dos processos corporais. Nossa pequena razio, nossa consciéncia, deve penetrar cada vez mais fundo nos abismos e segredos de nosso corpo, procurar desvendar cada um dos intimeros movimentos a que tem acesso. Setoda a histéria da filosofia até entao ndo teria pasado de um grande mal-entendido sobre 0 corpo, com Nietzsche a tarefa da filosofia (e da psicologia, como 0 caminho que conduz aos problemas fundamentais) seria aventurar-se pelos labirintos da alma, tendo o corpo como fio con- dutor. “Movimento uma simbélica para o olho; ele indica que algo foi sentido, querido, pensado. O questionar direto do sujeito sobre 0 Sujeito e toda autorreflexdo do espirito tem nisso seus perigos: que 0 interpretar-se falsamente poderia ser util e importante para sua ativi- dade. Por isso, questionamos 0 corpo e recusamos 0 testemunho dos semtidos apucados.”"9 ; ui se encontra o limite de toda autorreflexdo e pretensio de trans- Paréncia a si mesma, por parte da consciéncia. B bem Pee a Mento possa fazer parte das condigdes de exercicio das! oa noose Propria Consciéncia, é bem possivel que a iluséo de Ce —— 'ndispensavel para o bom funcionamento da onsets hae wepeat a necessaria opacidade € ignorancia de dererm ~é Fai € metabélicas — sua exclusio ‘. é perfil Gueg 5 Ponsavel para a manutengao da vidas aoe Pemanéncia em estado de laténcia de sentim um sent 1a superficie da consciéncia amente possivel representacoes, 435 AS ILUSOES DO EU: SPINOZA E NIETZSCHE Pensamentos € volicdes sejam necessdrias A satide e A integridade « quica”, Por isso, devemos tomar 0 nosso corpo — que nao tem, at que somos — como um grande te: F ‘0S, mas xto a ser infinitamente j ; d : interpreta Nesse sentido, Nietzsche © equipara a uma reserva Semiédtica in fo. tavel, uma semiologia e uma simbélica para o olhe me Todo movi 7 . a 7 imer voluntario ou involuntério, deve ser cuidadosamente auscultado, con es 7 : ca a » como sintoma de que algo foi Processado, assimilado, vivido, sentido, querid pensado, ainda que nao tenha tecebido uma f H ; ; formulacao em termos de signo de comunicacio, ou seja, ainda que nao tenha afloradoa superficie da consciéncia. Daia meticulosidade da atengao prestada por Nietzsche atudo o que dizia Tespeito ao corpoe a dietética, 4 alternancia entre os estados de satide e enfermidade, as suas vertigens, ascensdes e desfaleci- mentos, ao regime de seus humores e disposicées, & influéncia de fatores como temperatura, luminosidade, Pressao atmosférica, a importéncia decisiva conferida A convalescenga. Esse exercicio permanente de interpretagao e semidtica consistia, para Nietzsche, numa maneira de acessar 0 “poderoso senhor e sabio desco- nhecido”, o si mesmo, que se encontra por detras de nossos. pensamentos e sentimentos, habitando nosso corpo, sendo nosso corpo. Em Nietzsche no se trata, pois, de desqualificagao da “alma”, ou do “espirito”, em proveito da matéria corporal; nao interessa a ele uma capitis deminutio, uma detracao da consciéncia, em proveito da physis, sob a forma da fisiologia. Trata-se, antes, de superar essa antiga oposigao Brosseira, para atingir uma sublimagAo e um enriquecimento conceitual para a “hipdtese da alma”. Afinal, na metdfora da estrutura social de impulsos, aferos € pensamentos, a consciéncia desempenha a fungao de comité diretor. De acordo com o novo conceito de unidade subjetiva — que nao pode prescindir dos processos inconscientes — a oases formacao psiquica superior, é investida de fungdes de governo ¢ fed - da “comunidade” de que esta a testa; e, como em toda eee organizada, essa classe dirigente se identifica com os bons resulta’ com o prosperar da propria comunidade. so subsisté A novidade é que a antiga oposigdo entre corpo e alma nao $! vel i ai ” conti endo poss" mais. No horizonte da “grande razdo do corpo” continua sendo p' 436 — Digitalizado com CamScanner

You might also like