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Resgatar o passado, partes boas € ruins, come um todo, para dele e ensinamentos e valorizar a vida, é urn esforco que merece ser bem. compreendido. Ar Esta obra foi revisada pelo préprio autor que nao 6 nenhum especialista na lingua portuguesa. Dentro de seus modestos conhecimentos tratou ele de proceder a uma verdadeira garimpagem em busca de erros ortograéficos e concordancias distaantes, eventualmente cometidos. Isso, no entantp, nao assegura aos leitores a inexisténcia de alguma incorregao. O autor alerta também -para’ os significados de algumas palavras que podergo néo coincidir exatamente com os mesmos empregados atualmente. O cuidado em fazer tal alerta é que como surgem a cada dia palavras noyas a tendéncia é que algumas mais antigas sofram variagdo no seu entendimento. Reprodu¢do parcial ou folal proibida, através de qualquer oxo de divulgagdao, sob qualquer pretexto, sem autorizagdo thi ss AS Rina eee St eS ee episédios vividos tdo Prefacio ia o presente livro da histéria de uma familia cujos acontecimentos marcaram profundamente suas vidas. Tamanhos sentimentos tem causado que a cada encontro que se evidencia, quer de maneira formal ou informal, verifica~se uma verdadeira volta ao passado, sem que ninguém saiba dizer por quem e por onde comegou. Vive se ai o constrangimento da transformacdo de um momento de confraternizagdo em um quadro verdadeiramente oposto. Quem sabe, com a publicagdo desta obra tal pesadelo venha a ter fim. Pelo que tem ocorrido configura-se que tal histéria merecesse de fato a elaboragcap de um documentdrio escrito, o que estou fazendo agora. Por outro lado, tem sido inimeras as vezes que esse ou aquele membro familiar tem demonstrado interesse na transformacdo dessa histéria em um livro. Portanto, a disposicggo em escrevé-lo, atende aos anscios de praticamente todos embora, reconhegamos, com um substancial atraso publicitario. Imaginem sé, caros leitores, descrever, , por um unico integrante, Batcrmnyis se muitas partes ficargo de fora: outras relatadas sob a dtica e visdo tinica do editor e, por isso mesmo, provavelmente sem os requintes realmente vividos em alguns momentos, os quais dariam um glamour todo especial aos fatos. Quem sabe, o(s) insatisfeito(s) se anime(m) no posterior enriquecimento desta obra a fim de complott-ia ou melhor ilustra-la. Quanto ao seu titulo, tenho em mente que muito provavelmente haja algo semelhante, em livro ou novela, mas 4 voz da criatividade néo coube escolher outro; ndo por imitagdo, mas pelo que a histéria a que me refiro ira espelhar. O Autor. SUMARIO. A calga curta, de uniforme dominical A tala aprendends a dividir atacando os agressores Sriga ao lado da Igreja Casa da pedra Colaboracao para compra do filtro escolar Compra de um par de sapatos Degustando uma bala doce Desmanchando um caderno escolar Furto do taldo de cheques Tda ao campo de futebol Tmplorando por uma gilete Tmplorando um pao a mais Tm) a0 moinho Jogando bolas de gude © circo Objetos furtados em uma festa Passagem inesperada de um avido Presenca de um forasteiro pretensioso Primeira freqiéncia ao grupo escolar Proximidades das férias, nos Maristas Retirando um par de sapatos do lixo Roubo do café Trabalhando numa pedreira Viagem para passagem do Natal na roca Visita de Papai noel Vivendo em um Internato Vida Nossa 1 ossos pais empreenderam juntos Nin viagem, em meados dos anos 40, embarcando eles na locomotiva do tempo, alegres e felizes, com juras de amor elemo e prometendo fidelidade miitua nas alegrias e nas dores. Jd, em maio de 1946, nossa mde carregava no colo um lindo bebé, © mascote da familia. Imaginem que festa! Também pudera! Além de novidade, significava a realizagao de um grande sonho pelo casal. Arcanjo mostrara-se um garoto risonho e sauddvel, prometia uma postura futura de muita inteligéncia, comando e realizacoes, Na etapa seguinie as coisas ndo catminhavam muito bem € ndo lhes era permitido fazer uso total de sua privacidade. Assim, refugiadas em casa alheia, aonde as intrigas se tornaram parte do cotidiano e metidos numa vivéncia meio zangada, tiveram que acolher mais um garojo, que por sinal nao teve receptividade tao festiva quanto ao primeiro. Durante a criagao Gervasio mostrou- se uma crianca meio problematica. Nosso pai e nossa mde puseram-se entdo a repensar suas vidas e reestruturar sua jornada, para que Id adiante desfrutassem de uma vida melhor. Mudaram-se para outra localidade, onde estabeleceram um comércio, no qual ele desenvolveria os seus conhecimentos praticos, e ela pudesse tomar conta do lar. As coisas no comego estavam ainda dificeis, porém, havia Vida Nossa 2 perspectiva de methora. Foi quando surgiu em nosso meio a Zenaide, menina que ao longo do tempo mostrou-se manhosa e arredia. A viagem transcorria tranqitila e as coisas ja estavam melhorando econémica e financeiramente quando o casal acolhe mais uma menina, a Adenir. Em seguida, vem um novo guri integrar a familia, um menino parrudo e__travesso Prometendo a maior festa. O pequerrucho Sabino mostrava-se sadio e cheio de vida. Trouxe muitas alegrias ao convivio familiar. Tudo se passava em condigées satisfqtérias quando a familia é Surpreendida com o falecimento de Adenir. Vida Nossa a vila em que mordvamos tinha cendrio de grande progresso ¢ desenvolvimento, pois a regido era coberta por suntuosas matas e a extracdo e transporte da madeira, em imensas carretas, e a grande produgdo de café, escoada no lombo de burros e mulas (as tropas) davam ao lugar uma dinamica digna de registros histéricos. Este ultimo merecia destaque, pois o burro sinaleiro, a frente dos demais, anunciava a ocupag@io € travessia de toda a tropa pelo povoado, deixando em seu rastro, na rua principal, uma enorme quantidade de dejetos. Outros fatores moldavam o aspecto estruturpl do lugarejo naquela época: a presenga constanfe de mussiondrios — cujas_ _ceriménias religipsas, pareciam, aos nossos olhos, tipicas de primeira evangelizacde. Sem falar no aparecimentp de circos com espetdculos de todo tipo desde os engracados i que prometia ajeitar a vida de muita gente, numa terra rica em extragdo de madeira e vasta colheita de café? Vida Nossa S$ Fei precisamenie nesse clima de progresso que as pedras comecaram @ rolar em nosso caminho e pelo wisfo machucaram bastante, deixando ‘seqielas por toda a vida, em todos nés. Nosso pai Vida Nossa = Nossa mde, sem nenhuma experiéncia na vida casarase muifo nova), nem qualquer grau de imstrugao (maguela época os filhos nado eram Grecionados aos estudos, havia também pouquissimas escolas ¢ todas muito distantes), tendo em sua compantia pelo menos 4 (quatro) filhos (o falecimento de Adenir nado sabemos precisar), teve que assumir ndo sé 0 comando da familia mas também a vida dos negécios (comercial e rural). Nao bastasse isso as atividades eram inferrompias vez ou outra para visitas periddicas @o esposo distante. Talvez ele préprio tenha sido 0 maior culpado por ter contraido tal doenca, pois afrmagie espontdnea do _ex-conterrfaineo Dowanges Romanha, na década de 60, na época fiscal de tributes estaduais, jd falecido, apontava messe sentido feuidava muito dos afazeres e dava Toda a vez que e estado de satide de nosso pai purava chegava um telegrama pedindo parq que nessa mute fosse visitd-lo urgentemente. Era o Sdisamo de que tanto necessitava. No tiftimo telegrama, porém, nossa mde cansada dos Geslocamentos constantes para atender aos seus Pedidos ¢ ocupada com as muiltiplas tarefas que Gesenveimia, ficou muito nervosa e confusa. Por fim, decid: que nde o faria naquele momento — emtregou tudo mas mdos de Deus. Contava ela @s, come das outras vezes, o quadro clinico tego em seguida o proprietdrio da pensdo em que Gedvumes, na Av. Santos Dumont, (em Beto Sertremme)} Sr. Pedro Leal, que se tornara Vida Nossa amigo da familia e prestava alguns favores ao paciente € a nossa mde, telegrafou comunicando @ sensivel agravamento do seu estado de satide. Com @ assombrosa noticia nossa mde e o Gervasio para Id se deslocaram rapidamente. Quando chegaram, a cama do hospital que ele ecupave estava vazia. Foi dificil aceitar a verdade de que ele havia partido e sepultado sem @ presenca € 0 conforto de qualquer pessoa da familia. Lad estavam apenas objetos de uso a a para um garoto de @penas 7 anos e de resignacdo ra uma mulher indefesa e atribulada. istnlacs Patol descrever tal episédio, a ponto de lagrimas bretarem dos olhos do redator. Tiveram eles que Vida Nossa 7, esde que nosso pai se ausentara para tratamento fora do domicilio, nos sentiamos num barco G deriva, pois, a qualidade de vida se _ deteriorara profundamente. Agora com seu falecimento nuvens negras cobriam os céus, o _horizonte tomara-se encoberto, e a viagem prometia ser mais imprevisivel. Possivelmente teriamos que percorrer regiées penumbrosas na infancia; e na adolescéncia tudo iria depender dos rumos que nossa mGe daria G sua vida. O menor de todos (Sabino) contava com apenas 3 anos de idade, o mais velho (Arcanjo) com 9. Gervdsio e Zenaide com 7 e 6, respectivamente. Na visGo da Doutora Gudrun Burkhard, médica antroposéfica (doutrina que alguns consideram Filosofia de Vida e outros encaram como Religido ou Seita), segundo reportagem de Geraldo Hasse, de Florianépolis (Gazeta Mercantil, edicao de final de semana 15,16 e 17/02/2002), a vida é dividia em seténios. O primeiro (0/7 anos) é o periodo em que para a criangca *... 0 brincar é extremamente imitagao dos adultos". Portanto, comprometidas peers aes Sree 0 eetscoctn coe 6rfaos mais novos. Brincar tornou-se para eles algo proibido, Vile Hommn £ a época de formagao de conceltos, costumes « hdbitos, Aos 9 anon, ocorre o acordar do eu. Neste seténio, definese © temperamento’. Indagamos: Como seria a troca de experiéncia dos Orfaos, que se encontravam nessa faixa etdria, com o mundo exterior, nesse novo contexto? Que fantasia, que habitos haveriam de herdar? Pelo que se constata dos ensinamentos doutrindrios acima a crianga vai sendo moldada aos poucos para o adulto em que ela ira se transformar no futuro, Essa moldagem, que nao é precisamente uma escolha pessoal do que se queira ser, como ser humano, € que € importante. Ja pesa bastante a carga genética herdada, uns com maior sorte, outros nem tanto. Dat ser de suma importdncia 0 capricho com 0 segundo elemento de composigdo nessa formacdo e que envolve a educacde, o ambiente, enfim, o ar atmosférico que a crianca ird respirar onde quer que esteja, como ingrediente de aprendizado ¢ qualidade de vida, cujos reflexos poderdo ajudé-lo ou prejudicd-lo futuramente. Conhecemos, por exemplo, 0 caso de uma menina que caminhava de maos dadas com o pai, em plena rua de uma cidade, quando o mesmo foi mortalmente atingido por um disparo de arma de fogo por um individuo que propositadamente queria por fim @ sua vida. Qual foi a imagem do mundo absorvida Por aquela crianca naquele momento derradeiro em que viu ‘Vida Nossa Portanto, G@ nossa educacdo comprometida neste aspecto. estava sendo Todos nds, que nos tornamos 6rfaos, tinhamos muito a reclamar do tratamento que recebiamos da nossa mde. A comunicacdo entre ela e néds, mesmo antes da partida final de nosso pai, era extremamente ruim. Também pudera, vinha ela de uma criagao nistica, de familia bastante numerosa, criada praticamente sem mde, casou-se cedo (e encheu-se de filhos), convivia com um marido doente, depois ausente, e achava normal dar aos filhos 0 mesmo tratamenio recebido de seus pais. Pior que isso: achava que devia ser assim. Além disso, como ja explicado anteriormente, todos os deveres e obrigacdes agora recaiam unicamente sobre ela. Ela ndo estava preparada para tanto. Devido a tudo isso muitos acontecimentos marcaram nossas vidas porquanto apenas o lado ruim da vida nos era mostrado. Eramos todos tratados com muita brutalidade. Aquela atitude de "sargentdo” daquela senhora que regia nossas vidas muito nos amedrontava. E em algumas situacgoes, ndo é demais dizer, nos aterrorizava. A narragdo de alguns desses episédios serdo feitos, nao como forma de ataque G nossa educadora m marco de avé materr mais an tudo perseguida, segundo re posteriores, por pessoas que queriam ver 0 seu fracasso € a sua desgraca. Ainda,segunda ela, nesses relatos, ndo dispunha de apoio da irmandade. Ocorreu que circulava pelo tugar um forasteiro que trabalhava como dentista pritico ¢ pretensioso a se casar com uma vitiva rica. Dissera ele a um comercidrio local que iria para Minas Gerais a procura de seu infento uma vez que sua noiva, por sinal de familia abastada, terminara o noivado, forcada pelos seus pais. oO infeliz do comercidrio sussurrou aos seus ouvidos que no precisava ir tao longe para conseguir realizar tal proeza: no comércio em frente havia alguém nessas condigdes. O alvo certamente era nossa mGe que era bem de vida, mas que para alguns e segundo os padrées da época, a consideravam rica. Ela que rogava aos Anjos e Santos um bom casamento, fazia uma novena a Sao Geraldo nesse sentido. Confiade no Santo abracou o Primeiro candidato que surgiu @ sua frente ( 0 dito cujo referido anteriormente e cujo Primeiro grande gesto foi abandonar a sua Vida Nossa atuais. E podemos adiantar, como verdo adiante esse matriménio fora um desastre. Mas, antes disso cumpre assinalar que logo apés o falecimento de nosso pai, nossa mde tratou de colocar a todos, exceto 0 cacula, eu um internato em Belo Horizonte. Nunca soubemos exatamente a razGo disso, pois antes de sua morte estavamos todos juntos. Por que agora essa separacdo? Talvez idéia do Sr. Pedro Leal? E para ld foram o Arcanjo € a Zenaide (o Gervasio, muito magrinho, foi recusado — talvez estivesse com a mesma doenca do _ pai- suspeitavam). Os educanddrios eram distintos _@ situavam-se meio distantes um do outro, de modo que os dois n@o se comunicavam com muita freqiéncia. A verdade é que para o Arcanjo, que ‘sempre demonstrou um temperamento robusto, enfrentando de cabeca erguida as adversidades, conviver com aquele mundo novo posto a4 sua frente provavelmente nao lhe causou nenhum trauma. Ao contrério, pode até ter sido uma oportunidade de um bom aprendizado que tenha somado valores em sua vida. Mas para a Zenaide NIG jacfniamarde « ne comsraioeane constrangia profundamente e causara imensa acetate de forma alguma.»Merecia, pois, ume _ bea explicagao. Dessa forma ela se punha a _ descobrir: talvez, a nossa mde assim procedera _ justamente para afastd-la do convivio familiar, uma espécie de rejeicdo. E assim, esse raciocinio _ se materializou, quando de uma nova visita nossa a eae lade Pareceu-lhe estar ai toda a Vida Nossa 12 explicagdo. Uma angistia existencial tomou conta dela agravando-se ainda mais ao tomar conhecimento de que nossa mde viera buscar somente 0 Arcanjo. O inconformismo da Zenaide combinado com a insatisfacao da diretora do Orfanato resultou rama batalha feroz. Na falta de alternativa nossa mae a trouxe de volta para casa. Mas foi uma decisdo forcada ao invés de espontanea. Dai a multiplicagdo da revolta e do inconformismo, por parte da Zenaide. Esses sentimentos cruéis por ela adquiridos a perturbaram longamente, mesmo apés se tornar uma mulher madura, mde de dois adolescentes, a ponto de derramar ldgrimas e lagrimas. Também pudera! A sua infancia ea sua adolescéncia ndo lhe reservaram momentos graciosos e belos dos quais ela pudesse relembrar saudavelmente. Pelo lado emotivo, sem diivida alguma, foi a que mais padeceu. Faltaram amor e carinho, como a todos nés, € agora a presenca indesejada do padastro, um intruso na familia, em nada the favorecia. Ao Sabino, 0 mais novo, nossa mde ensinou-o a chamar o nosso padastro de "Pai". Mas esse ensinamento, embora feito de muita boa fé, revelou-se mais tarde, maléfico. Apés entender das coisas 0 Sabino sentiu-se enganado e ainda hoje nutre verdadeira mdgoa por ter sido induzido a tal. Vida Noma tios para apanhar frutas! Nada disso! Na entrada do lugarejo se estendia uma enorme pedreira explorada por um ex-presiditrio, £ para ld que foram encaminhados 0 Arcanjo e¢ 0 Gervasio, como que mandados brutalmente para um campo de concentracdo nazista, trabalhando de sol a pique, transformando pedras em britas, enchendo latas para receber miseros trocados. Nao que precisdvamos daquele dinheiro. Era maldade mesmo. A venda era sortida. Mas depois de estudar meses a fio mereciamos desfrutar de um bom convivio e nado de uma condenagéo. Provavelmente, a nossa presenca em casa era perturbadora. Mas nGo precisava tanto. E pior ainda era agientar o comentdrio dos que nos conheciam: "Meus filhos, vocés nao precisam dissol Sentiamos nessas palavras o reconhecimento publico de que estavamos de fato cumprindo uma pena, cujo crime inexistiu. Ao Sabino, que sé deve ter escapado dessa devido a sua tenra idade, cabia 0 encargo de levar aos prisioneiros as -” marmitas do almogo. O medo, portanto, ralhava nossas vidas. Certa feita o Arcanjo titubeou e degustou uma bala doce, enquanto tomava conta da venda. Semelhante a Vida Nossa revelou-seé réu confesso, porém, ficou resolvido o seu problema de consciéncia. O que se vé nesse gesto de uma crianca? inteira falta de afeto maternal. Ao invés de nossa mde transmitir amor, seguran¢a, réspeito, o que se via era o nutrimento de sentimentos hostis. Pode isso acrescer valores nos tragos da personalidade de alguém? Mas esse modo de criar os filhos nado era um desacerto somente seu. A maioria dos antigos tinha uma visdo distorcida de como encarar a existéncia dos filhos. A Zenaide, por exemplo, cita, de vez em quando, um trecho de uma conversa de um tio nosso, em que ele afirmava, enquanto ela, calada, se ressentia: "hoje em dia nao vale a pena ter fithos; eles crescem e todos querem estudarr. A escravidao nao havia acabado em 1889, com a Lei Aurea? Coneluimos, portanto, que os filhos deviam engrossar os bracos na lavoura. Essa era @ meta principal: "filhos objetos”. com a qual pudesse nos agcoitar. Estévamos Vida Noman, pronta para ser usada nos momentos em que, segundo ela, merecéssemos, Como esquecer dela ( @ tata) > Podiamos, entao, sentir, a todo instante, de forma nitida a dureza dos sentimentos de nossa mae, No lanche matutino de todos os dias, 86 nos era permitido ingerir um pao de sal francés cacla um. Em vao todos os eos EM nossas solicitacoes para que nos permitisse comprar uns pae a mais. Nao é a toa que ds vezes lembramos © brincamos com o Arcanjo que nado se dava por satisfeito, "At que café gostoso! exclamava ele. Mas sablamos que se tratava de um disfarce no qual indicava que sua mao direita estava estendida as costas fazendo uma solicitagao no sentido de receber umas migalhas daqueles que ainda estavam tomando o café da manha. Em muitas ocasides sentiamos peninha dele e o atendiamos. Mas éramos incisivos em afirmar: "Sé desta vez. Nao pega mais”. As proibigdes continuavam muito severas. Além disso todas as ameagas de uma tremenda surra eram rigorosamente cumpridas. Mesmo assim, num dia de festa, ocasido em que as ruas estavam tomadas por visitantes, e nossa mde cercada de amigas, 0 Gervdsio se atreveu a pedir permissao para ir até o campo de futebol onde as vida Nossa = local. "Talvez, quem sabe, a ameaca nao se concretizaria’, imaginava ele. Qual nada! Ela adentrou no campo, silenciosamente, com uma passoura de meiga escondida em seus bragos, e quando os coleginhas o alertaram de sua perigosa presenga, ja era tarde. O Gervasio foi retirado ds bruscas daquele campo e levado para casa aonde chegou com as pernas todas avermelhadas. Nunca mais se atreveu a fazer um pedido de natureza semelhante e sequer tracar rumos por vias forgadas. Nao bastasse isso, certa feita, 08:00 horas da manhd, de um domingo ensolarado, em frente G casa do vizinho (defronte a nossa), a garotada disputava bolas de gude . Eis que repentinamente chega D. Maricota, toda brava, e furiosamente i a:" Quais sGo bolas que pertencem ao Gervasio?” "Aquelas trés,” responderam em coro. Apanhou-as com punhos cerrados, sem pedir licenca, e agarrando 0 Gervdsio pelo brago, gritou: "Venha, veja aonde vou guardélas* - e as lancou impiedosamente no fundo da fossa situada numa das extremidades do nosso quintal, seguida da proibicdo de ndo mais tornar a por os pés na rua. Lé, entendeu o pobre diabo do garoto, ‘estado _sepultadas para sempre. Adquirir novas seriam " destiné-las 0 mesmo fim. £ methor nao se atrever® E —— vida Nossa Sera que aquela senhora nado podia imaginar que estava moldando de maneira perversa o temperamento daquele garoto? E que estava causando a ele um dilaceramento tremendo em sua formacgdo, através de desajustes psicolégicos e sociais, que por certo iriam interferir seriamente na sua vida adulta, dificultando a maneira de o mesmo encarar o relacionamento com as pessoas e persistir em busca de suas conquistas? Oxald, estivesse presente naquele momento uma pessoa esclarecida e desse um baita puxdo de orelha em nossa mde. Nao, prezados leitores, ndo queriam agir assim com seus filhos. Estimule-os desde cedo a se envolverem com bons amigos, a realizar pequenas conquistas. Estamos num mundo globalizado. O isolamento e o individualismo tornam-se imensamente prejudiciais na busca de nobres ideais. Mas infelizmente, naquela época todos nossos educadores davam énfase ao individualismo. O mundo em que vivemos hoje tem _uma dinamica que prioriza sobremaneira o coletivismo. Espetdculo estremecedor. Isso mesmo, _ formavamos fila para apanhar. Na cozinha _ enquanto o A jo levava uma tremenda surra com archa de lenha (cheia de ferpas), retirada — ~— vida Nossa 18 temendo e aguardando punicado semelhante. Se corréssemos apanhariamos em dobro. Nossa mde assim como era mdo de vaca nos afetos também o era em relacgdo ao dinheiro. Apesar de ser considerada uma forte comerciante no lugar, sua fama de durona percorria os arredores. "Tedos estdo intimados a trazerem uma colabora¢ao para compra do filtro para a sala de aula", clamava a professora a cada dia que aparecia para ensinar sua disciplina. O Gervasio ja estava cansado de tanta cobranca, enquanto a Zenaide pouco se importava. De uma coisa tinhamos absoluta certeza: dinheiro da nossa mae para colaborar na compra do filtro jamais ocorreria. Podia rezar a tudo quanto é santo, que esse milagre era irrealizdvel. Um dia, a professora aborrecida por nao conseguir completar logo a quantia, esbravejou: "Quem nao trouxer dinheiro também nao ira beber agua do filtro”. Alivio __momentadneo para o Gervdasio que logo suspirou: "Tudo bem, entao esta resolvido o meu problema. Nao = 7 vide Nose complexo de inferioridade. Era, sem dtivida, uma yuel afronta aos principios éticos e morais. Quando o Gervdsio estudava em Vila Velha, no Internato dos: Maristas, estava €m crescimento e sua calga (curta) de uniforme, usada sempre aos domingos para tr a missa, estava a cada dia mais apertada. Suspirava ele pela chegada das férias quando entdo formularia um pedido 4 nossa mae na obtengdo de outra de melhor tamanho. As insisténcias foram intimeras e bastantes freqientes, durante o periodo de férias, mas nossa mde estava Sempre pronta para as negativas, Ndo era uma questdo de dinheiro e sim de atengdo e capricho, entendia 0 menor. Havin a quem recorrer? Nao! Qual a Solugao? Retornar para o colégio com aquela muda de roupa. Sufoco _e adrenalina em pensar como seria a manha do _ préximo domingo! O dormitério era enorme. O contingente de alunos também. O Irmdo (Marista) que percorreria o dormitério entenderia o drama> E 0 Gervdsio tentava inutilmente vestir-se com aquela pega de roupa. Foi naquele esforco ; q 20 vide oe pranco, " Mae, 0 eaderno esté no final, é preciso lear quire’, argumentava o Gervdsio.” Mae, @ professora me anise que % caderno nao val dar para a prima aula" - insistia 0 necessitado aluno. Ante todan aa fegativas o miserdvel garoto teve uma idéia) "Vou sentarme aqui do lado de fora do baicao, debrugarme sobre a maquina de costura que esta & venda, vou comegar a desmanchar as primeiras Hahas, © ela, que sempre passa por aqui ird constatar minha necesaidade e dar-me-4 um caderno novo, um daqueles empithades do lado de dentro da loja’. “Isso meamo, meu filho, Assim 4 que se faz? aciantow ela ao presenciar 0 que estava sendo feito. Néo havia alternativa a nfo ser desmanché-lo por leto se quisesse volar G@ sala de aula e aquele tipo de preocupacao. a mde nos negava as minimas coisas, tendo Vide Nossa confidenciado a um colega de escola que acabou revelando o segredo, Resultado: foi um escandalo danado no lugarejo.Parecia que um crime havia sido cometido.Todo dia uma surra, que parece ter durado pelo menos um més. No colégio e nas ruas o pobre do Gervdsio se sentia humilhado e no dever de explicar a todos que the perguntasse o que havia ocorrido. Enquanto o Gervdsio mostrava um comportamento conformista o Arcanjo dispunha de um temperamento mais ajustado a@ realidade. Todos os meninos do lugar formavam diversos grupos entre si e em cada briga um grupo defendia o __ outro, coisas de criangas , mas que para nés tinha representagado enorme. Nés ndo tinhamos pertencer a quaisquer deles, estavamos sés, agredidos por eles que vinham com toda e coragem sobre nés, por varias razoes: estavamos dispersos (nao por culpa ndo pertenciamos a grupo algum e sé s sair para ir @ igreja, ao Grupo Escolar e umas comprinhas para casa (tudo com um outro ea); segundo, porque nossa mde ao os, sem procurar saber se tinhamos _ razdo, fazendo-nos passar a maior enquanto eles riam de nos. Entao os em duplicidade. Era deveras uma _absurda. E isso nos fazia sentir Wwene wb vide momentos OPOTUnoe, longe doe athares de pees mae, cond C6888 = Ofessares, muna evertiaal deaforr, promaendo novos aulagues we a rae yt yan perdurasee town tapunha respeity gem dizer que 0 valenle do Arcanje se sentia com ares de quem concpuletou iin troféu Mas 0 mestno comportamento nao leve a Cerio quando @ Arcanjo, numa tarde ao final da rez, reeémechegado de UH, encarada pela meninada como forasteiro via localidade, se dispis a enfrentar na arena, a0 lado da Igreja, wm a wn oF _ yaa Bo 23 y ma pesa teatral em que a cada lapso de tempo se) yer acabava morrendo pelas maos cruel de oe assassino. Uma ora era fulano, outra ora seltrano e assim por diante. A nossa mae, temerosa quanto a_ esses _acontecimentos, subitamente levantou-se de seu assento, na ibancada, € pos-se a evadir do local (o Gsio sempre grudado a sua saia) alegando em voz que ela seria a préxima_ vitima. Naturalmente, alguém da platéia que pertencia ao espetéculo, havia tido essa md sorte. Em vao os das pessoas para que permanecesse calma. Enfrentou decididamente a multidao que ali se amontoava e afastou-se de vez das imediagdes, indo para casa. O Gervdsio sempre a ‘acompanhando e julgando nobre e sdbio 0 gesto nossa mde para fugir daquele infortinio, assimilando tudo aquilo de olhos sentindo-se tremendamente "Por que tinha que ser assim"? — vide Noss* mu : non desse fato, de ' mente teal forties, um loi rt ns efetiou ia rio ea = i eH troett Ege Fooen pce vida 25 onvidamos agora os nobres leitores a saborearem conosco algumas "_ passagens engracadas que a marca do tempo ainda ndo apagou. Sem diwida alguma a sua exposic¢ao dara um ar pitoresco & nossa leitura: Podemos citar, por exemplo, aquele episédio em que relutavamos em ir ao grupo escolar pela primeira vez. Uma mistura de medo, timidez, vergonha, saltava-nos aos olhos que culminavam numa tamanha indecisdo. A forma encontrada por nossa mde foi divina. Lembram-se, caros leitores, da tropa de burros que transportava o café da regido? Pois bem, dizia nossa mde, de forma inusitada, precisamente no momento em que a tropa ocupava a rua principal: "Todos esses burros eram criancas que n@o quiseram estudar” Foi uma noticia bombdstica. "Entao vamos nos tornar iguais @ eles, quando crescermos? Foi de arrepiar os cabelos. Comecaram a surgir os primetros passos em direcao ao colégio. Mais Ia na frente, estava a tora D. Ima com um grupo de meninos ao ser "Venha Gervasio, que eu te dou um Santinhor- ela. Ele que ja oferecera menos resisténcia, mtou-se ao grupo de alunos, lancando médo santinho. No seu pensar havia matado s coelhos de uma sé vez. E daquela singela yids Noose a 4i8 estranhos surgiram repentinam és A quase totalidade da Populacgao n q menor idéia do que se tratava. Toe moradores puseram-se prontamente nas observar tal fendmeno. O panico era geral Ss familias acreditaram ser o fim do mundo e em yisivel desespero puseram-se em oragio. O Gervasio sentiu-se angustiado, pois ° comportamento dos adultos dava um tom muito grave diquele momento. Na verdade era um aviao qjato que rasgava 0 espaco deixando para tris um rastro continuo de fumaca que se alongave indefinidamente. E, como estdvamos ha anos luz _afastados da civilizagao contemporanea, dai o . e reboligo que se formou. Mas o Gervdsio sine ere. 4 vida Noss* 27 verdade é que nado suportavamos nem ficar no colo da nossa mae ou de quem quer que Seja e ynhamos-nOs Q Correr desesperadamente para o yfinal da rua indo parar la perto da Cocheira do Gaita. A presenca de um Personagem tdo estranho, vindo ld dos céus, onde se tmaginava exustir apenas pessoas bonitas e risonhas. causava-nos tamanha decepcdo. Algumas | diividas passavam por nossa mente: "Porque Papai Noel escolhera visitar justamente 0 lugar em que mordvamos? la dar tempo para visitar todos os outros lugares da terra na noite de Natal? E por que trazia sempre as mesmas coisas que tinhamos na nossa venda?” A grande verdade é que estavamos habituados a um mundo no qual nado existia cinema, televisao, nada de modernidade, e tudo aquilo era um que tremendo. As coisas deveriam vir por s. Havia sim o radio, mas ndo em todas as s. O repérter Esso, na Venda do Chisté, era banho de cultura, do qual nés, costumévamos ici} Nisso nossa mde também estd de Por causa disso ela ndo brigava (mas @o nosso comércio, e ela, an 28 ; sabias jogadas de grandes craques brasileiros. Pe assim = que tomamos conhecimento da PY tencia de famosos jogadores como Belini, Didi, yn Nilton Santos, dentre outros. As poucas vezes em que iamos além da pedreira onde estivemos (Arcanjo e Gervasio) em regime de trabalhos forcados, era pra buscar fubd. "Seu qorreta, tem cachorro?” "Podemos entéo descer” — gritavamos afoitos. Era um senhor fino, educado e pondoso. Respondia ardorosamente como se se sentisse lisonjeado com nossas visitas. "Podem descer, ja prendi os cachorros”. E ld iamos nés morro abaixo, penetrdvamos no quintal de sua casa e nos dirigiamos até o moinho para comprar aquele preparado. Tinhamos o cuidado de nao pesar muito os sacos brancos que levdvamos, pois sempre colocdvamos dentro deles limas e laranjas, que ele, Seu Torreta, deixava arrancar qualquer tipo de pdodurragem. Ao Gervdsio, um certo empregado da venda do Cazelli, defronte d nossa, 0 chamava de “gordo”, ser ele (o Gervasio) magrinho. Ele se divertia > prakeara. Nao queria = do colégio, por pruta surra da D. Maricota. Como o pgado fora reclamar com nossa mde e ela em por dizia que iria acertar as contas com o e do menino, o Gerwisio saiu de seu jo, € Qrunciou: "Me, ainda estou aqui”. E Ppés-se @ limpar o chdo da venda. g desta vez que saira ganhando uma contra alguém. Sabia ele que tudo tinha rT na surdina. Qualquer interferéncia Disso nGo hava diivida. Era OD. windoa pessoa no mundo que prometia a —_ vide Bo" a nos faziamos presentes em varios J) ves daquele trem que partira inicialmente com seus dois personagens, confiantes numa viagem prazerosa, saberem que muitos percalcos fariam parte doquela longa caminhada. Isso porque a nossa familia agora havia crescido demais. £ que com o ‘segundo casamento de nossa mde a cada ano nascia mais um. Ter muitos filhos, naquela época, era quase uma imposic¢do da sociedade. As cobrancas religiosas eram severas e constantes. De modo que quando alguém era perguntado sobre quantos filhos teria, a resposta era taxativa: "Quanto Deus mandar’. comum na época religiosos irem ao interior jtarem meninos para estudarem para a vida A estrela dos Reis Magos conduziu desses religiosos ao lugar em que os. E os seus olhares nos identificaram, a parte, como pessoas integras e que n se ao rebanho por eles formado. ios EES | ‘vide Hosen a m nossas vidas pessoais, foram, sem diivida todas elas alicercadas _nos conhecimentos ensinamentos la adquiridos. Alcangamos a ysico que temos hoje gragas aos Irmdos Maristas Foi por assim dizer © pedestal que nos possibilitou obter muitas vitérias. € Mas, mesmo assim quando o assunto era dinheiro ainda restavam constrangimentos. Lembramos todos nés, em especial o Arcanjo, que quando se aproximava o periodo das férias escolares, nossos educadores (os Irmaos Maristas) pediam para que escrevéssemos @ MNOSSOS pais para que remetessem o dinheiro necessdrio para a viagem. Todos os dias chegavam intimeras cartas. A cada distribuigao era uma tamanha ansiedade de nossa parte. Tinhamos aquele imenso desejo de sermos contemplados, como se féssemos receber um grande prémio. Qual nada! Renovavamos nossas esperancas a cada dia (pois éramos em 100 estudantes) ao mesmo tempo em que as viamos _estendidas ao chao. Sabiamos que ndo | haveriamos de receber. Sentiamos que estavamos longe de ndo nos sentirmos diminuidos perante os outros. Da mesma forma que nossa mde nos aaa ems djavam com as cartas recebidas © entregues reo" resenja de todos, recheadas com um bom 1 F irinko. Dai se concluia forcosamente que ele ain seriam recebidos com pompas nos seus lare i? into ns, provavelmente nao. Nessa ocasido, jembrava o Gervasio do caso do filtro escolar. "Néo ja como ser diferente! — pensava ele. £ oportuno ressaltar aqui o reflexo desse goontecimento: para o Arcanjo, essa falta de capricho de nossa mde, e esse constrangimento siencioso perante os colegas, atingiu profundamente sua alma. Primeira prova disso é qe quando o Sabino escrevia fazendo as mesmas vida Nossa iremendamente prejudicial para sua future adulta, na batalha que deveria empreender atingir seu desenvolvimento cultural, profi e outros. Aqueles estudos, ao que parece, ficaram de graca Existia uma anualidade a ser paga. Mas, no nosso caso, ao que tudo indica, essa obrigacdo nao foi cumprida. Pode até ter ocorrido algum pagamento parcial, mas mada de muito significativo, pois por lé passaram Arcarijo, Gervdsio e Sabino, donde se conchsi que a quantia devida devia ser significativa. Nem por isso éramos mandados embora. E por isso que diziamos que a mao de Deus permanecia estendida sobre nés. Com certeza, nosso pai, 14 nos céus, intermediava tal pedido ao Senhor. O maior reconhecedor de todo esse beneficio recebido tem sido o Arcanjo que nao se cansa de louvar os Irmaos Maristas pela educagdo gratuita que nos foi transmitida, sem a qual estariamos no ‘fundo do pogo", pois nossa mde, apesar de receber do nosso Pat wuimeras recomendacdes para que 34 vida Nossa as chorava, berrava, esbravejava, mas nado eitava que abandondssemos os livros. Foi assim que © Arcanjo se esquivou de se tornar motorista de caminhao. Deu impulso aos seus estudos e fez com que toda a familia seguisse seu exemplo, ocupando todos, atualmente, uma _ posicao satisfatéria. Advogado bem sucedido que é hoje, com formagdo também em Ciéncias Contdabeis e Administrag@o de Empresas, mestrado e doutorado na vida prdatica, prossegue ele (o Arcanjo) Com suas investidas incessantes para que os seus filhos possam mergulhar com profundidade no campo do conhecimento. Outro ingrediente que tornou possivel as conquistas que alcancamos e que 0 Areanjo, além de reconhecer, faz questao de divulgar, sempre que surge uma ocasiao propicia, é que nossa mde of soa wel, socorrer OS irmdos. atin = lo, que vivia trocando de See um destacado profissional da Eofite PASS! rém, teve o inicio de sua carreira guiado pelo arcanjo que montou 0 escritério e com os seus conhecimentos € influé€ncia angariou bons eiertes! 4 vida longa que nossa mae estd tendo (um outro exemplo), portadora que é de hepatite crénica por contaminacae do virus C, desde a década de 80, em virtude de uma transfusdao de sangue, se deve ao Arcanjo. Com sua larga experiéncia de vida e sem medir esforcos de qualquer tipo (inclusive o , @ levou ao melhor especialista no assunto em Sdo Paulo. E foram inimeras as vezes que adquiriu medicamentos importados e carissimos, maquela ocasido, para controlar a doenca. Quem de nds se dispunha a fazer isso, naquela ocasiao? Fariamos sim, tudo ao nosso aleance, mas limitado a&s condicoes havidas em 7 ambito local. Nao dispiinhamos de tanta + iéncia nem de dinheiro que possibilitasse expressar tal gesto. Aliada a essa virtude da solidariedade, cultivava @ nossa mde, em todos nés, 0 hdbito de nos despojarmos de tudo aquilo que nao nos Pertencesse. Mesmo em se tratando de um achado S$ procurar o dono e devolvé-io, jamais Possui-lo. Disso também cuidou o Arcanjo numa ifa vigilancia ao comportamento de todos nés. certa vez o Nilo eo Marcondes (do m casa, oriundos de igo alguns pertences la muito nos ea atitude des a . Po oe uma ligao de moral. ; do carro e levou-os de volta ao lugar da festa sob a inc de fazé-los eles préprios devolverem tais , Mas para amenizar as penas dos dois res ele mesmo os reconduziu (os bens) até o local devido, sob a adverténcia de que numa _préxima vez eles préprios teriam que fazer isso. ‘Nunca mais o fato se repetiu. Quer dizer, enquanto o pai estava ausente, a mde incapacitada (perdera o controle da familia), assumiu o Arcanjo 0 sagrado lenho de conduzir a todos no caminho do bem. Nao temos nés o dever reconhecer que com a morte de nosso pai, sobre seus ombros (do Arcanjo) uma carga as pesada? ) vida Nose &: omo na viuvez de nossa mae havia sido ( feita a partilha dos bens, a propriedade rural de 10 alqueires ficou pertencendo aos herdeiros. Nao fosse isso tudo teria ido de agua abaixo, tal qual ocorreu com os demais ativos deixados pelo nosso pai, em decorréncia de seu falecimento. Até o paradeiro do seguro pela sua morte, que segundo o ex-corretor Durval daria para comprar seis boas casas residenciais, ignora-se 0 seu destino. Tudo em razao do nosso padastro ter-se revelado um mal-administrador, um gastdo e um irresponsdvel, pois punha tudo fora. Despejava em suas mdos quantidade exagerada de perfume, cujo frasco era retirado das prateleiras de nossa venda sem o menor pudor, para lavar seu rosto, num gesto que nos ainda pequenos entendiamos como totalmente extravagante, pois a nés mesmos eram impostas, por nossa mde, pesadas limitacgoes. Mas pesou sobre nossas costas (filhos da 1+. familia) e - sobretudo ao Arcanjo, durante boa parte da vida, a incumbéncia de cuidar dos membros da segunda familia e inclusive, durante algum tempo, do préprio demolidor dos nossos bens (depois ele _ desapareceu sem deixar noticias), sem contar a nossa mae falida, pois todos os nossos ganhos | filhos da 1+,familia) eram revertidos para @ de todos. e 1965 ocupdvamos um imével alugado em Colatina. Ao todo éramos em e de uma pequena pensdo que -maneira informal. Entravam uns ds mazelas de nossogy padastro € as muitas necessidades existentes : tomava o dia-a-dia meio doloroso, 1 _Gervasio, vocé esta vendo aquele ho; __NGo mae, tenho vergonha. Ele nao vai dar atencdo”, retrucava 0 Gervdsio, meio desaleniado, __Agarra na perna dele. Olha, se vocé Perder esse fregués vocé vai apanhar muito" — revidava ela. Nao havia jeito, era prudente obedecer. Outras vezes era ir vender cobre no mercado. Todo indeciso, acanhado, saia o Gervdsio resmungando pelas ruas sob ameacas constantes de nossa mae. Muitas vezes coube também ao Arcanjo a incumbéncia de ir até q estacdo ferrovidria & | busca de clientes. Eramos jovens e tudo isso nos envergonhava profundamente. Qutra ocasiao foi uma tremenda insisténcia da _ mossa made para que um fregués, um conterraneo gue por 1a (na dita pensée) estava de passagem, comprasse 0 quadro do "Céu e o Inferno” (aquete do largo e outro estreito), que ao mesmo 9 intrigava e atormentava algumas mentes s. As insisténcias foram tamanhas que o nao teve escolha; para se ver livre, levou E assim estava garantido o dinheiro do arroz para o almoco. Outras o Sabino quanto o Nilo eram vender quilinhos de feijao na rua da Para que? Para que ° SSE sse satisfazer seus cap ; nos sempre fizemos em casa.O Aratijo (nosso padastro) sonhava em ficar rico e por isso mesmo yivia comprando bilhetes da loteria federal. Foi embalado nesse sonho que um dia roubou o talao de cheques do Arcanjo (do extinto Banco Comércio e Industria de Minas Gerais S.A.) e desandou a dar cheques sem fundos na praca. O Gerente, assustado, mancou chamar o correntista e pediu explicagdes. Apds ouvir todo o seu relato o fez assinar uma carta enderecada ao Banco expondo © ocorride. Quanto ao Aratijo, se refugiou nas redondezas (mais precisamente em Sao Domingos), aguardando o resultado final da extracao da loteria. Se o resultado fosse positivo, conforme acreditara, retornaria vitorioso. Caso contrario, de ld tomaria rumo ignorado. O desfecho desse episddio é que ele retornou de maos vazias € 0 Arcanjo teve que saldar a divida (ou parte dela), parte em dinheiro, parte em bens da pensdo (camas etc.), dispondo inclusive de um relégio de pulso "Mondaine" que havia comprado e do qual se orgulhava em possui-lo ( satisfazendo assim a sua vaidade juvenil). A verdade é que na loteria ele nunca foi contemplado. Também se o fosse esbanjaria tudo e ficaria pobre outra vez. Ele ( 0 nosso padastro) era mesmo uma desmiolado. Certa vez apareceu em nossa misera pensdo um nosso tio, irmdo de nossa mde. Veio a cidade vender todo o café colhido em suas terras. Um héspede da pensdo (na hora do almoco) falou _brincando para esse nosso parente para que deixasse todo o café que ele venderia. Depois, iol a todos os presentes, em tom de — vida Nossa princadetra:"At eu pego esse dinheiro e desapareco”. Nao é que o desvairado do nosso padastro tomou para si essa maldita idéia e a concretizou? Yendeu todo o produto, encheu o bolso e abandonou a familia, inclusive seus prdéprios filhos, sem dar nenhuma satisfagae. Nao é que nossa mae ficou desconsolada e foi buscar refiigio na Cartomante? Nao era salutar que procurasse a delegacia de policia (a fim de tentar resgatar em tempo o dinheiro roubado)? “Ele vai voltar- profetizada a consultada. Adivinhacdo deveras verdadeira. De fato quando acabou o dinheiro ele retornou sorrateiramente: instalou-se numa pensdo da rua Santa Maria e mandou-a chamar pedindo para voltar, deixando a conta para ela pagar (com dinheiro da pensao, é claro). Mas sabe para quem sobrou? Novamente para o coitado do Arcanjo que mediante pressdo do nosso tio, vitima do roubo (se nao recebesse o dinheiro _ Gorrespondente denunciaria o fato & policia), e -desespero de nossa mde (ndo queria vé-lo preso de alguma), nado teve outra alternativa. Um io entre o Arcanjo e a vitima, para pagamento l em tantos anos, pés fim ao impasse. isso? Ja ndo bastava a vida atribulada que u jara e os encargos que passamos a ter prir com nossos ganhos também a seus cinco wS e a ele proprio? Gervdsio e Zenaide contribuiam com de seus empregos. Miseros salérios. Tudo do dentro daquela pensao & mesma em Pre 7 ye Nossa 41 : geladeira que garantia uma dgua gelada Para os . A falta desse atrativo afugentou a clientela, provocando, conseqiientemente, queda na minguada receita. entiamos que a viagem estava nos causando uma terrivel fadiga. Afinal de contas era preciso que o trem retornasse sobre os trilhos. Pelo menos deviamos agir nesse sentido. Dessa forma, pés-se 0 Areanjo, que sempre cuidava das questoes mais dificeis, a reestruturar a organizacdo familiar. E dentro do seu tragado decidiu que todos os membros da ge,familia, incluindo nossa mae, retornassem ao interior, voltando a ocupar a propriedade rural deixada por nosso pai, o que nos possibilitava _ devolver o imével alugado, onde funcionava a pensao. La poderiam cuidar da lavoura, criar animais (porcos e galinhas), etc. Os demais, pertencentes a 1°. familia, exceto nossa mae e o Sabino, que nessa época encontrava-se nos Maristas, alheio a tudo o que se passava, ficariamos na cidade. Era prudente agir assim, pois nés que permanecemos na vida urbana estavamos empregados. Nesse novo cendrio a Zenaide ficou na casa de um pessoal na rua da lama. Ganhava menos de meio saldrio-minimo e o pagamento pela sua estadia era completado pelo Arcanjo. Quanto ao Gervdasio (trabathava na Casa do Anzol), pediu reajuste que permitisse pagar mensalmente a pensdo em que _ Passou a ficar juntamente com o Arcanjo. Foi meedida a quantia justa da pensao. Era receber € entregar ali. O Arcanjo trabalhava numa buidora de Cerveja, depois numa é Ly Num final de ano, decidimos (Gervasio e Zenaide) sar o dia de Natal ld na roca, junto aos demais. Fizemos uma comunicag¢ao prévia e fomos informados de que na véspera o Aratijo iria nos esperar la no Sao Jorge do Tiradentes. E assim, animados, pois 0 trecho a percorrer, a pé, do ponto | do onibus até a nossa propriedade era por demais longinquo, compramos alguns agrados e partimos euféricos, na data mareada. Quando la chegamos e saltamos do o6nibus, por volta das 17:30 horas, qual foi nossa surpresa. Ninguém nos esperava. Tinhamos que optar entre dormir numa pensdo ou eniado passar a caminhar rapidamente para aproveitar a claridade. Como um grupo de pessoas, que também viera no Gnibus, pés-se a caminhar pela estrada na qual deveriamos inicialmente percorrer, nos dispusemos a assumir a empreitada. Julgavamos que essas pessoas fariam pelo menos metade do trajeto que tinhamos pela frente. Apressamos os passos e os seguiamos _at6nitos. Pastarias, aclives e declives sem fim se formavam diante de nosso caminho. A cachorrada nesta ou naquela moradia 4 beira da estrada Muito nos assustava. Mas contavam a nosso favor a ade e a presenca daquelas pessoas G& nossa €, embora nao nos dessem nenhuma atencdo. que o grupo ia se dispersando a medida ia uma porteira, uma entrada de fazenda, ido nos vimos estdvamos inteiramente sés e e distantes da nossa propriedade. isso, a escuridGo ia tomando conta morria aos poucos, sob nossos complacéncia divina. O medo vide Nose a4 you-se de nés em escala vertiginosa. E , que deveriamos deixar a estrada e subir por um pasto ingreme para penetrarmos numa ‘mata fechada? Nao havia como retroceder. Nao restava outra op¢do; ja estavamos meio longe do woado. A Zenaide sempre prestes a chorar, acabou, com sua atitude, dando impulso ao Gervasio que passou a se mostrar resoluto e assumir o comando daquela caminhada. Melhor se tivéssemos optado por adormecer no lugarejo onde o coletivo nos deixara. Mas, jd era tarde demais! E prosseguiamos, dominados pelo medo que nos encorajava a cada instante. Jad nos encontravamos no meio da mata, caminhando velozmente por aquela trilha sem fim. As oracées se misturavam G nossa conversa fatigada. Cada barulho que ouviamos nos deixava em sobressaitos. Sobre a floresta a lua se mostrava imponente espalhando sobre a mesma fulgurantes raios de luz. Era a nossa companheira soliddria. Quanto mais caminhavamos parecia que o chao espichava para que anddssemos ainda mais. _ Finalmente estavamos prestes a sair daquele _abrigo formado por frondosas Grvores, pois _ avistamos bem ao longe uma casa. "Ja i pinhamos de companhia ao nosso redor” — os. Ndo, ndo era uma casa portuguesa, m certeza! Sua estética e o mato ao redor, lava ser uma casa de colono batalhador. a a luz estivesse acesa, a luminosidade era e perceptivel na escuridao da noite, o imperava. Ou estavam se refazendo do diurno ou atentos ao barulho que sg aa ln at EE yas nonse ie mos. Mais alguns passos e logo em seguida josie mos na estrada que agora sim nos levaria ae destino. A medida que distanciamos da be ee e nos pusemos novamente na escuriddo medo voltava a incrementar nossos passos, a mo que movidos por aquela coragem havida @ da mata. Estavamos diante de uma longa subida e viamos [4 na frente objetos reluzentes, como que a nos esperar. A Zenaide cada vez mais se mostrava angustiante e temerosa, quase chorando, n@o querendo prosseguir. Estdvamos fortemente abracados um ao outro seguindo na tinica direg@o a que estavamos destinados. Pudemos entao decifrar, pouco a pouco, os enigmas: aqui um sapo gorddo, ali uma coruja, pedras presas ao barranco, folhas das drvores recaidas. A lua derramava sobre eles sua luz nos transmitindo imagens horrendas. Dai o quadro assustador de que fomos vitimas. Quando estavamos no topo da serra avistamos a fazenda do tio Fiori, e ai foi alivio geral. Nossos passos ganhavam celeridade progressiva, tamanha era nossa alegria. JG nos encontravamos descalcos, sujos pelo barro, mas sdo e salvos, vitoriosos. _Passamos em frente a Igreja e G casa de nosso tio @ resolvemos ndo parar, pois estavamos por mais cansados. Finalmente, chegamos em casa endendo a todos. Jd passava das 20:30 hs. que naquela época ndo se falava em 1 seguinte, em que desfrutamos de timida e ada confraternizacdo, tivemos alguns 46 vida Nossa imentos. Queriamos que os pequenos come nettassem tude de bom que haviamos levado. Essas iguarias tiveram que ser preparadas para o almoco. O Araijo, como sempre o fez, chamava os estranhos, cujo passar pela nossa propriedade era anunciado pelo ranger da _porteira, © os convidava a vir provar esses alimentos atipicos para o pessoal acostumado a uma vida simples do interior. Recrimindvamos esse seu gesto, uma vez que a quantidade existente era escassa (preocupados que estavamos com os pequenos, seus filhos, nossos irmaos). Ao que ele retrucava: "menino come o que sobra”. Ndo é de cortar 0 coracdGo? Como pode existir no mundo gente que nao cultiva um sentimento de amor aos préprios filhos? E uma insensatez inexplicavel. A situagdo estressante em que viviamos na cidade fez com que as caréncias se tornassem bem visiveis. A absoluta falta de dinheiro, de _perspectiva, o desconforto.total que se apoderou de nés, culminava numa forte Provagdo e humilhacao. Nao havia o Arcanjo errado em sua estratégia? Nunca chegamos a discutir 0 assunto. Chegou a ponto de o Arcanjo tomar um copo de Pura eachaca no bar do Caliman. Que vexame! No quarto alugado, que mau cheiro provocado pelo vomito! Punha-se o Gervasio a__limpd-lo, “pressadamente, para que o outro companheiro, que também o habitava, ndo notasse o transtorno de gal gesto, assim que chegasse. Enquanto isso, Nossa mde nos enviava um caixote com sacos 3 acompanhado de uma carta na qual E a7 ‘vida Nossa solicitava alimentos, pois estavam passando fome na roca. Quando vinham a cidade resolver um assunto qualquer ficavam hospedados na pensdo do Caliman deixando para trds a conta para nés jos. Levdvamos meses para saldar a divida. Nao nos foi permitido antes quando pequenos desfrutarmos da infancia e agora, ja na fase da adolescéncia, estavamos também impossibilitados de desfrutarmos da nossa juventude. Certa vez, 0 Gervasio se dirigiu ao Arcanjo dizendo que precisava comprar um par de sapatos porque 0 que usava tinha o fundo forrado com papelae. Em tempos chuvosos se sentia como caminhar no barro, era horrivel. A resposta foi taxativa: "Toma vergonha, rapaz! Vocé j4 deve trés __ meses de penséo e ainda quer comprar sapato? Vai _ Pegar sua pensdo! Daqui a pouco eles nem irdo aceita- lo iar Um belo dia chega o Arcanjo com um par de - Sapatos usado, anunciando euforicamente: ‘Gervasio, arrematei este Sapato para vocé pela _ metade do preco. Tome-o” Aquele sapato vermelho, 0, realmente bonito, era Pequeno apertadissimo. Nao havia muito que > Era pegar ou largar. A razdo falou mais Porém, ocorreu com a Zenaide. a de um par de sapatos. Nao tinha A mulher, dona da casa onde ficava, sompanhar 0 seu ganho. Subia o saldrio, . Assim, nado havia sobra. Foi _@ retirar do lixo um que la se —— va. Assim o fez. E como nado havia ee improvisou-os com pedagos de parbante. Quando ia para o trabalho, seu itinerGrio a obrigava a passar em frente a uma sapataria, vizinha @ loja em que trabalhava. Os rapazes se divertiam a custa dela: "Otha gente como é o sapato dela”. Era um tiro mortal em sua alma. Sensacdo de impoténcia e humilhacdo escorriam-lhe pelo corpo. Como evitar esse mal assombroso a que estava submetida uma adolescente que ao invés de receber carinho, compreensdo e ajuda de todo tipo, sofria tal agressdo? Ela prépria tratou de remediar a questao. Ao sair de casa tomava sentido oposto, caminhava em direcado @ Matriz, percorria grande trecho da Av. Getiilio Vargas até encontrar a rua que dava acesso a loja em que trabalhava, praticamente ao lado da dita Sapataria. Tudo isso para fugir das gozagdes do pessoal da loja vizinha. Nao é por demais humilhante? Como uma Mature, nessas circunstancias, pode encarar o mundo de maneira otimista? Somava-se a isso as lembrancas de que enfrentara um internato por ‘oma de uma mae que buscara tao u enteé um segundo casamento e ie tinha a0 seu lado alguém que sé Der oO u pai deixara. Era época de desfrutar de eaidade dourada, pelo menos em parte, nos ‘tracados pelo pai visiondrio. Mas a era cruel e viviamos um quadro as avessas daquilo que nosso pai 49 Vida Rosen j osso heréi, amigo, mais do que O irmdo, era mesmo o Arcanjo. Deus estava presente acompanhando seus passos, O bom nivel intelectual de que dispunha, o interesse Grduo demonstrado pela vida prfissional que abracgara, 0 grau de competéncia revelado em seu oficio, possibilitaram algumas melhoras imediatas em suas atividades, no tocante ao seu saldrio. Alugou entao uma mintiscula casa (casa para andes, por assim dizer), cOmodos pequeninos, teto baixo, situada em cima de uma pedra (pelo menos estava edificada sobre a rocha), aos fundos de um criadouro de porcos. Ali juntou os que estavam morando em pensdo. Gozdvamos agora de privacidade. Eramos, na verdade, incomodados pelo mau cheire, pois _ grande parte dos residuos organicos dos animais _ Permanecia sobre a rocha e o forte sol que cobria a Pedreira causava insustentdvel odor. As aranhas Bie Saiam do fundo da casa também nos Stavam. Quanto 4a subida ingreme e para nao dizer perigosa, era de nos encontravamos numa situacao Pois o dinheiro dos trés, antes gastos » Passou a ser revertido para os gastos € estdvamos livres de Sofrer com as es dos que também freqdentavam a Foi possivel até contratar uma empregada, Seria muito salutar a conservacao bvel e de sua vizinhanca, como eram na espécie de patrimémio histérico, para mostrar, em detalhes, aos nossos ‘Vida Nossa 50 filhos, toda a ambiéncia vivida, para que tivessem uma pequena amostra de como foi nossa adolescéncia e juventude, e tudo ds custas dos nossos préprios esforcos, dignando-nos a receber e acolher todos os demais membros da familia a cada ano que se passava. OQ Sabino ao sair dos Maristas passou também a habitar aquele casebre, nao necessitando sair a mua em desespero G procura de um emprego. A cada ano um deixava a roga e vinha se juntar aos que permaneciam na cidade. Jad se tratava dos irmaos do segundo casamento de nossa mae. O nosso padastro se vangloriava disso sempre anunciando quem seria o préximo. Nés, em nosso intime, viamos naquele homem uma pessoa sem um pingo de sensatez. Achava natural transferir obrigagées sem se preocupar em contribuir com as despesas de seus préprios filhos. Doloroso ainda era saber que tudo isso ocorria depois de ele (nosso _ -pedastro}. acabar: com tudo o que nossa mde reservara para si na partilha dos bens e até lancar _ mao, quem sabe, do dinheiro do seguro pela morte _ de nosso pai e estar novamente usufruindo a _ propriedade pertencente aos 6rfdos. Um Verdadeiro desastre na nossa vida cujo quadro tavamos reverter a qualquer custo. iS financas melhorando para o Arcanjo, em ia de sua ascensdo profissional, avam também as nossas condicées de vida, 0 €ra o seu espirito fraterno. Foi assim que para uma casa enorme. Ela pertencia a iante de Itapina, onde o Arcanjo 0 Vida Nossa. 51 procurou € firmeu com ele um contrato de aluguel. Durou pouco tempo a nossa permanéncia ali, pois o roprietdrio necessitou da casa para abrigar suas filhas que iriam estudar na cidade. Mas pelo menos nesse periodo, breve que foi, nos sentiamos importantes, como se viéssemos de situacdo resplandecente. Enquanto isso a vida no campo continuava dificil. Também pudera! Com o incentive do Governo Federal para erradicacao do café, visualizamos um futuro menos promissor. O nosso padastro ndo podia ver dinheiro. E nem sabia administrd-lo. Revelara-se um gastdo e esbanjador. Com o corte do café o que ocorreriaP? Nés que ndo viamos a cor do dinheiro a cada colheita, ficariamos também sem o dinheiro a ser dado pelo Governo como indenizagao e sem novas colheitas. Dito e feito. Assim, todos retornaram para a cidade, inclusive ele, e todos passamos a habitar um imével bem mais simples, em Maria Isménia, também alugado. Desta forma foi possivel acolher a todos e dar estudos aos menores. Em termos de conforto as coisas haviam se deteriorado. A via de acesso era nada agraddvel. Para tomarmos um banho decente, era preciso primeiro subir até a caixa onde despejavamos uma lata d'dgua. Pequenina que era, © banho tinha que ser super rapido. Caso contririo Sairiamos ensaboados ou tinhamos que repetir a Peniténcia. vide Noma 52 5 : % Arcanjo ja contava com seus 23 anos de idade, e agora com @ maioridade civil em maos, adquirida ha dois anos, decidiu vender a propriedade. Comprou uma casa em Maria Isménia, com amplo quintal, e com parte do dinheiro adquiriu uma grea rural de quatro alqueires. Estavamos definitivamente instalados na _ cidade, com moradia propria, onde todos, inclusive o nosso padastro, teriamos que permanecer. Nessa casa de quatro cémedos apenas (dois quartos, uma sala e cozinha) iriamos morar por um bom tempo. Mas ficava dificil convivermos num clima harmonioso. Era pouco espaco para muita gente. Um time de futebol completo. E para supri-le em todas as suas necessidades apenas nés (filhos da 1+ familia) tinhamos a tarefa de contribuir com a despesa da casa, ja que disptinhamos de emprego. Foi nessa ecasido que 0 nosso padastro, incentivado por um de seus irmaos, voltou a trabalhar de dentista pratico no interior do Estado. Aparecia de vez em _quando, alguma das vezes procurando o Areanjo para ser seu avalista. Algum tempo depois nao nos deu mais noticias, abandonando completamente mulher e filhos, situacgao que perdura até os dias de hoje. Enquanto isso nossa mde tinha um proceder incompativel com sua figura de mae. Exemplo disso € que insistia loucamente para que a Zenaide deixasse seu emprego e a ajudasse nas tarefas de casa (quer dizer, nao estava preocupada nem interessada no futuro da menina, aquela mesma que selene rane internato longinquo). Nao fosse 0 apoio do Gervasio _€ do Arcanjo (garante haje a Zenaide) teria cedido S pressdes. Tampouco ela reconhecia os favores a | ala vida Noss que faziamos em cuidar dos menores (do ge.casamento), cujo pai desaparecera. Mais adiante o Arcanjo jd casado e morando em pairro distinto e com episédios desconcertantes ocorrende em nossa familia, vendeu a casa, deu inicio Gs atividades industriais de uma fabriqueta de roupas, passando os demais a habitarem a parte superior do prédio que construira, exceto 0 Gervasio que ja se achava casado e residindo em outro bairro. AS pendengas continuavam infernizando nossas vidas. O mau clima reinante estava longe de ter um desfecho satisfatério. As necessidades e€ os conflitos ganhavam nova dimensdGo a medida que a turma crescia. Faltava ordem e lideranca por parte de quem devia de fato ocupar o comando. Continuava, pois, pesando sobre os ombros do Arcanjo, apesar de casado, o encargo de se preocupar com a vida de todos e sob todos os aspectos. Por exemplo, dispor do _dinheiro, necessario G manutencdo da casa, manter na escola os menores do segundo casamento de nossa mae, tracar diretrizes para uma boa formacao. Podemos assegurar, sem | sombra de diivida que fora o Arcanjo quem criou a _ 24. familia. mo funcionamento da fabrica de roupas tem uma _ histéria meio conturbada. Ao mesmo tempo em | Que dava sinais de novos tempos era também um de conflitos. O Arcanjo tinha, por forca de ancias, deixado seu emprego de executivo, forma que a presente atividade passou a ser com absoluta prioridade, por ele ‘Vida Nossa nl é dirigida. Por outro lado, citado a torneu-se uma empresa familiar (parte da irmandade participava da sociedade; outra nela trabalhava, sendo ou ndo sécio). Forcosamente hd que se admitir que ela tinha se tornado um cabide de emprego para a familia. Neste sentido a intengcao do entado administrador era fazer com que o pessoal citado anteriormente, sem emprego, tivesse ali garantida a sua presenca no mercado de trabalho. Observamos aqui a continuidade daquele esforco assumido por nosso irmdo mais velho sempre preocupado em prover a todos o seu sustento. Paralelamente a isso desagradava ao seu gerenciador o tipo da natureza do servigo. Ao que parece, era algo que considerava enfadonho, cheio de intimeros detalhes, sem dizer que a dedicagado teria que ser por demais continua e excessiva por parte de toda a sua familia. E em se tratando de negécio em familia havia também o | favorecimento de alguns em detrimento de outros. | - Quer- dizer, faltou profissionalismo. O Quadro i. ainda foi agravado por um certo roubo noturno de méquinas industriais caras, importadas, e 4 dura | crise comercial que varria o setor de confecgdes. Resumo: julgada invidvel a sua continuidade, houve paralisagao das atividades e _ posteriormente sua extincdao. ee Vida Nossa ane locomotiva do tempo trouxe-nos até A aqui. Poderiamos estender esta histéria indefinidamente, pois os seus efeitos, diretos e indiretos, perduram até os dias de hoje. Porém, toda histéria tem seu comeco e tera que ter um fim. Com esse raciocinio julgamos ideal a considerarmos finalizada neste ponto, jd qué os acontecimentos principais foram devidamente relatados e cuja trajet6ria_histérica Se constituiu, como viram, numa verdadeira odisséia. Dela, estamos conscientes, nos tornamos partes essenciais. A protagonista esté longe de merecer 0 nosso descaso e desatencdo. Como } viram nao teve nenhum preparo nem apoio de quem estava préximo. Hoje ela mora sozinha, | porém, desfruta de uma aposentadoria razoavel, gracas a esperteza do Sabino, e ao esforco | conjunto de Sabino e Arcanjo. Quanto ao Arcanjo nao ha como nao corod-lo pelo brilhante papel i i if i desempenhado. Uma divida de gratidao todos ‘temos para com ele. E para que nao paire nenhuma duvida quanto a principal interpretacao sobre 0 mais valioso valor questionado em tudo isso é bom que esclaregamos aos nobres leitores, que em nenhum momento priorizamos aleangar uma posicdo financeira sobrepujante, a exemplo de alguns conterraneos, como uma bandeira que | queriamos ou deveriamos conquistar a qualquer custo, como resultado de um bom direcionamento Que nossa mde, em sua viuvez, deveria observar; € sim, uma boa qualidade de vida que nos sibilitasse desfrutar de condigdes dignas a seténio da vida, para que pudéssemos = frutes para nossa formacao, ao invés s e de suas conseqiiéncias maléficas. todos os detalhes de nossa vida puderam pelatados. Logo, os nobres _leitores, wse de nos tecer criticas sem ento pleno de todas as ocorréncias A nossa insisténcia naquilo que nés mais xiwamos, encontra guarida no seguinte < q nossa passagem por esta vida terrena é Por que, entdo, n@o querermos de forma o desfrute de uma vida decente, dentro dos pardmetros da , cuja vivéncia se tornasse, para fonte de boas recordacées, que nos encarar os desafios da vida de sadia, sem sobressaltos, se havia 5s favoraveis para isso? Sabiamente, tem afirmado, e merece o nosso louvor: uma infancia é rica em varios aspectos se expandir, transbordar no tempo e se (rem cores, musica e poesia, pela magia artista’. De qualquer forma chegamos ao endo a tona a verdade objetiva. S6 nos “agradecer aos nobres leitores a paciéncia * leitura e a Deus a graca de estarmos vivos nos alcancados uma situacao financeira Fim Homenagens Péstumas i Queremos neste espa¢o, saudoso pai, dirigir-Ihe algumas palavras. Vocé partiu muito cedo deixando-nos estonteantes. Tivemos que é _ conviver com alguém estranho que veio ocupar o Seu lugar. E coube ao Arcanjo tomar a dianteira que nos possibilitou chegarmos ao ponto que hoje nos siftuamos. E Queriamos sim, desfrutar do seu convivio, a _cada momento da vida. Por certo, cresceriamos mais confiantes em nés mesmos pelo simples fato de té-lo ao nosso lado. loje, so nos resta 0 consolo de relembrarmos que _yocé fem sido uma pessoa integra, dedicada 4 familia e préspero nos seus negécios durante o __pouco tempo em que passou por esia terra. mos Um dia, pouco a pouco,nos juntarmas ao SEU Convivio novamente, mas enquanto isso nGo aconiece vamos ao seu tiimulo visité-lo no dia de Finados. E nesse momento que o sentimos is proximo de nds. Queira os Céus que no dia _ da nossa partida vocé esteja ao nosso lado dando-nos uma for¢a para fazer a travessia 1G para a outra vida, tal qual uma freira o fez com vocé num quarto de hospital. _ yé-lo e abragé-lo nos momentos cruc ui o nosso abra¢o na certeza de o aproxime cada vez mais de interceder por todos nds. seus filhos. es gt Deixamos 94 que nossas preces Deus e possa mas sé palavras nado queriamos mesmo era de nossa »..Queriamos tanto Ihe falar, satisfazem os nossos desejos, existéncia..." "..como é grande a saudade que sentimos de vocé". >

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