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AULA 1 DIREITOS SOCIAIS E POLITICASs PUBLICAS Prof? Juliana Bertholdi TEMA 1 — BREVE INTRODUCAO AO TEMA Nesta disciplina, vamos investigar a interacao entre os direitos sociais e as politicas ptiblicas, relacionando como a constante evolue&o dos direitos sociais pautou a construgo de politicas publicas. Como se sabe, os direitos sociais tem por objetivo e esséncia a tutela da igualdade e da liberdade, buscando garantir aos cidados condigdes dignas de vivéneia, disponibilizando materiais e meios para que se efetive a fruicao plena das liberdades individuais. Como nao poderia ser diferente, o principal desafio a realizagao dos direitos sociais é justamente a garantia de sua eficacia ¢ efetividade, em especial no que concerne a implementago de seu principal meio de realizagao: as politicas pliblicas, responsaveis por fixar de maneira planejada as diretrizes e atitudes da aco do Poder Publico perante nossa sociedade. Assim, neste primeiro momento, analisaremos como nasceram e como evoluem os direitos sociais, no panorama internacional, estudando sua natureza 0s conceitos que os permeiam, introduzindo suas caracteristicas, formas de positivagdo e regimes juridicos. Ainda, estudaremos brevemente sua evolug&o no contexto brasileiro, no qual, com o advento do constitucionalismo modemo, intensificou-se a preocupacao com a normatizagao da relagdo entre o Estado e os individuos que © integram, protegendo-os em um primeiro momento, consubstanciados na defesa das liberdades individuais, e, em um segundo momento, direcionados aos interesses coletivos, preocupados com a consolidag&o de um propésito de diminuigo das desigualdades. TEMA 2 — HISTORICO DOS DIREITOS SOCIAIS NO MUNDO Os coneeitos embrionérios de direitos sociais remontam ao capitalismo industrial, momento histérico em que se preconizavam as relagdes econémico- sociais em sua forma liberal mais pura, com o mercado produzindo, ao menos em tese, os insumos basicos para autorregulagao. Imperavam, assim, a propriedade privada e a autonomia da vontade como referéncias das relagbes estabelecidas, que eram, evidentemente, bastante diferentes em medida de poder. Nesse momento, cabe a explanac&io de Nunes Junior (201 O chamado liberalismo onginal implicava, portanto, uma fuga do diretto direito de propriedade era evocado para alicergar 0 dominio do capitalista em relaco aos chamados moios de produco. Tal instituto era, por Sua vez, integrado pela autonomia da vontade, que conferia a todos a liberdade para contratar e, uma vez celebrado 0 pacto, o dever de submissao a avenca realizada Este, com eteito, o modelo balizador de relacdes comerciais, trabalhistas, de consumo ete. Concebia-se a economia capitalista como uma ordem natural, cujos Impulsos espontaneos engendravam automaticaments as relacées nela inseridas. Nesse sentido, bem ensina Vital Moreira (1994) que a “revolugao burguesa, ao extinguir os direitos e privilégios feudais, ao estoirar a arquitetura corporativa medieval e a estrutura protecionista do mercantilismo, pretende substituir a ordem juridica, artificial, da economia por uma ordem natural, automatica, ajuridica” Inevitavel perceber, portanto, que naquela época as relacbes econdmicas carregassem forte anacronismo, visto que a garantia de liberdade absoluta nas relagdes — especialmente as empregaticias — gerassem, como contrapartida, a submiss&o dos economicamente vulneraveis aos detentores do poder econémico — evidenciando a incapacidade estatal para garantir uma convivéncia livre & harmoniosa. Assim, “o liberalismo classico acabou por revelar uma realidade tiranica e cruel em relac&o a classe operaria que se formava nos centros industriais da Europa de entao” (Nunes Junior, 2017). E nesse contexto que surgem os primeiros descontentamentos, como bem ensina Fabio Konder Comparato (1999): Na Franca, o descontentamento do operariado urbano com os excessos capiteistas do reinado de Luis Felipe de Origans, instalado no trono desde 1830, fol singularmente reforcado pelo agravamento da fome no campo, em consequéncia da desastrosa colheta de 1545-47. A revolta popular de Paris, irrompida em 23 de fevereiro de 1848, visou claramente no s6 & dorrubada do rei, mas 8 reinstauracBo da repiblica, nos moldes do espirto revolucionavio de 1782-93. Instalado um governo provisori, do quai partcipava o operario Albert-fato attamente simbdlco, que nao se viu em nenhum momento da grande revolugao do final do século XVII — docidiu-se convocar de imediato uma assembleia constituinte Assim, fica evidente que, conforme a visdo de Nunes Junior (2017), 0 nascimento dos direitos sociais esta atrelado, de um lado, a0 capitalismo industrial embriondrio, que, organizado cam base em uma economia de mercado liberta de amarras Juridicas, produzw relacdes trabalhistas tranicas, marcadas por um intenso processo de violacao a dignidade do operariado, e, de outro, pelos movimentos do rasisténcia @ de afimacao de direitos, que se contrapuseram ao quadro de opressao configurado. Cee ee Esse é 0 contexto que estimula o cendrio intemacional, destacando-se, nesta oportunidade, a Constituic&o de 1848 na Franca, a Constitui¢do de 1917 no Mexico e a Constituiggio de Weimar, datada de 1919 na Alemanha, tomando como base para nossa explicacdo a excelente pesquisa académica realizada por Nunes Junior (2017). 2.1 Constituicao Francesa de 1848 Pelas razdes |4 delineadas, a Constituigdo Francesa de 1848 foi o primeiro documento histérico positivado em que os direitos sociais receberam efetivo destaque: editada no auge dos confltos entre capitalistas e operérios, trouxe a previsdo expressa de direitos sociais. Como coloca Fabio Konder Comparato (1999), malgrado a falta de firmeza das férmulas empregadas, néo se pode deixar de assinalar que a instituicao dos deveres sociais do Estado para com a classe trabalhadora © os necessitados em geral, estabelecida esse mesmo art. 13, aponta para a criacao do que villa a ser Estado do Bem-Estar Social, no século XX 2.2 Carta Mexicana de 1917 No século XX, a Constituigo mexicana inaugurou 0 chamado modelo do bem-estar social, ‘refletindo esse idedrio de bem-estar social, promovendo a constitucionalizag4o dos direitos de prote¢o do trabalho” (Nunes Junior, 2017). Airton Pereira Pinto (2006) pondera que a “andlise dos direitos constitucionais dos trabalhadores grafados na Carta Politica de 1988, quando retornaremos a esta ideia, demonstrando que os direitos humanos dos trabalhadores ainda se assemelham nas duas Constituigdes, apesar de passado © tempo de quase um século”. 2.3 Constituicaéo de Weimar A Constituigo de Weimar de 1919 igualmente marcou a evolugo dos direitos sociais, servindo de inspirac&o para diversas constituicbes posteriores. © documento foi 0 instituidor da epublica na Alemanha, no campo dos direitos sociais €, embora nao tenha pormenorizado a discriminagao de direitos trabalhistas como sua antecessora mexicana, teve a fortuna de veicular um rol muito mais amplo de direitos sociais: * educago, prescrevendo 0 direito ao ensino basico por meio de escolas pubblicas, bem como determinando que escolas privadas sé poderiam funcionar mediante autorizac&o do Poder Publico: * direito & satde e a previdencia, prescrevendo, em seu art. 161, a criagdo de um sistema nacional de seguro predisposto exatamente ao cumprimento de tais fins; + previsdo da func&o social da propriedade, prescrevendo, na parte final de seu art. 153, que “a propriedade obriga. Seu uso ha de constituir ao mesmo tempo um servigo para o bem geral’. E perceptivel que a Constituic&o de Weimar, adotando um claro perfil social democratico, apresentou um carater autenticamente transformador. Por isso sua grande influéncia em diversas constituigdes contemporaneas. Hé de se agregar, finalmente, que essa preocupago humanistica com os direitos sociais ainda apresentou um forte sentido universalista, uma vez que seu art, 162 indicou expressamente a busca do reconhecimento dos direitos sociais também no patamar internacional, dispondo: ‘[o] Estado lutard pela obtenc&o de uma regulamentagao internacional das relagées juridicas de trabalho, com 0 objetivo de assegurar a toda humanidade um minimo geral de direitos sociais’. E assim aconteceu um forte desenvolvimento da internacionalizagéo dos direitos sociais, que passamos a discutir em proximo topico, TEMA 3 — HISTORICO DOS DIREITOS SOCIAIS NO DIREITO INTERNACIONAL Com o fim da Segunda Guerra Mundial, ressurgiu uma perspectiva ética nas relagdes humanas, favorecendo o contexto renovado que ensejou a Declaragéo Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada pela Resolug&o 217 A (lll) da Assembleia Geral das Nagdes Unidas, em 10 de dezembro de 1948. Pautada pelos trés principios da Revolug&o Francesa — a liberdade, a igualdade e a fratemidade —, a Declarag3o, logo no preambulo, externa suas preocupacdes em colocar o homem a salvo da necessidade, bem como promover © progresso social e melhores condi¢des de vida — ja delineando os direitos sociais dentro do espectro dos direitos humanos, além dos ideais de igualdade SP Curiosidade Mulheres na historia Sobre o recorte da igualdade, vale mencionar aqui que a incluso da igualdade de género na Carta da ONU de 1945, cujo contetido posteriormente influenciou a construgdo paritéria da DUDH, foi fruto da insisténcia de diplomatas latino-americanas lideradas pela cientista brasileira Bertha Lutz, que enfrentou significativamente a oposig&o das delegagdes norte-americana e britanica. Pesquisadoras da Universidade de Londres, que tentam "reescrever a histori do tema da igualdade de género em um dos mais importantes tratados " € dar 0 devido crédito as diplomatas do Sul, responsaveis pela inserco internacionais do século XX, destacaram recentemente a atuacdo de Bertha & frente da delegacdo. Apés a fragmentag&o do mundo gerada pela Segunda Guerra ergue-se uma pauta de principios éticos norteadores das relagées intemacionais que alga 08 direitos humanos a uma nova dimens&o: * Ao afirmar a universalidade e interdependéncia dos direitos humanos, enfatizando que “a pauta de principios nela contida se estende a toda ‘familia humana’, cujos membros, independentemente de raga, credo, origem ou classe social, so reconhecidos como dignitarios de direitos inerentes a sua condigao”, bem como que “os direitos de liberdade e os direitos sociais, econémicos @ culturais se apresentam em relagdo de miitua dependéncia” (Nunes Junior, 2017). * Ao indicar que a leso a direito humano extrapola os limites da soberania estatal, reafirma-se a universalidade. Com foco, a Declaragao de 1948 buscou um amplo reconhecimento dos direitos sociais, consolidando a nogdo de direitos sociais como direitos intrinsecos a natureza humana, apontados, portanto, como de observancia necesséria por todos os Estados do mundo. Sob essa forte influéncia, em 1966 surge o Pacto Intemacional sobre Direitos Sociais, Econémicos e Culturais, que “constitui uma espécie de desdobramento, de complementac&o, dos principios antes adotados por aquela” (Nunes Junior, 2017), reforgando a ideia de unidade e interdependéncia dos direitos de liberdade e dos direitos sociais, como indica o preambulo: Cee “Reconhecendo que, em conformidade com a Declaracao Universal dos Direitos do Homem, o Weal do ser humana livre, liberto do temor e da miséria, no pode sar realizado a menos que se criem condigdes que permitam a cada um gozar de seus direitos econdmicos, sociais culturais, assim como de seus direitos civis e politicos” © pacto explicita que os direitos sociais devem se realizar mediante a protegdo das relagdes de trabalho, da familia, da infancia e da juventude, da salide, da educagao e da cultura — direitos que posteriormente foram replicados na Constituig’io Federal Nao fosse suficiente, acena claramente para a ideia de um minimo vital, declarando em seu art. 11 que “os Estados-Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nivel de vida adequado para si préprio e para sua familia inclusive a alimentagao, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condigbes de vida” Assim, como bem ensina Nunes Junior (2017) © Pacto de 1966 acaba por possibiitar uma espécie de lapidacao conceitual dos direitos sociais, acenando com a ideia de que os direitos sociais dizem respeito a protec&o material do ser humano, mas, segundo uma perspectiva mais ampla, que se inicia com a interfaréncia estatal nas relagdes de trabalho, passa por uma atuacéo na prestacao de serviges pUblcos - como educagao © sade - © caminha até a ressignificacao de antigos direitos de liberdade, como a propriedade, emprestando-lhes uma dimensao social. TEMA 4 — DIREITOS SOCIAIS E SUA EVOLUCAO HISTORICA NA ORDEM JURIDICA BRASILEIRA Muito embora nosso sistema juridico nacional tenha recebido os influxos dos movimentes internacionais, ele trilhou caminho bastante particular em relagao a08 direitos sociais. Destacamos a evolugdo constitucional, igualmente delineada pela leitura de Nunes Junior (2017): + Embora a primeira Constituigao Brasileira, datada de 1824 e outorgada pelo imperador, n&o tivesse propriamente o recorte de uma Constituigaio que reconhecesse e declarasse direitos sociais, sem adotar essa nomenciatura, ha de se reconhecer uma abertura nesse sentido. E 0 que nitidamente se extrai da leitura dos incisos XXI, XXII e XXIII, de seu art. 179, que, sucessivamente, garantem os “socorros puiblicos”, a instrugao primaria universal ¢ gratuita € a existéncia de colégios e universidades. Assim, nao obstante a parciménia de tais disposigdes, havia relativa e Cee significante abertura para a ideia de direitos sociais para a época em que foi elaborada « Infelizmente tal abertura acabou por n&o influenciar a primeira Constituig&o republicana, datada de 1891, que ignorou qualquer pretensdo social, limitando-se a disposigdes relacionadas a organizagdo do Estado e ao reconhecimento dos direitos de liberdade. © Reforma de 1926: integrou o direito do trabalho @ Constituicéo. Tal modificag&o, embora significativa, n&o teve o poder de mudar acentuadamente, mesmo no plano hipotético, a natureza da ordem juridica estabelecida, = Coma Constituigdo de 1934, produto do movimento de 1930 — que levou Vargas ao poder — e do movimento constitucionalista ocorrido dois anos depois, foram “fincadas as pedras fundamentais do assim chamado Estado Social de Direito’. Assim, refletindo nos movimentos intemacionais da época, que buscavam incorporar aos paises capitalistas as premissas de um Estado Social, nossa Carta de 1934, de efémera vigéncia, foi, dentre as Constituigdes brasileiras até ent&o, a que efetivamente se preocupou com a identificagao de um Estado fortemente marcado pela presenca institucional dos direitos sociais ‘Sua revogagao foi determinada pela superveniéncia da Constituigdo de 1937, que pés fim ao curto perfodo de institucionalidade democratica entéo vivenciada * A Constituico de 1937 ficou conhecida como “A Polaca’ em virtude das influéncias do pensamento autoritério que tomavam conta da Europa naquele momento, sobretudo da Constituig&o da Polénia. Tornaram-se evidentes as imposigées relacionadas as liberdades publicas, como a possibilidade de lei prescrever “com o fim de garantir a paz, a ordem € @ seguranga publica, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematégrafo, da radiodifusdo, facultando @ autoridade competente proibir a circulagdo, a difusdo ou a representacdo” A Constituigo outorgada em 1937 sucumbiu junto ao regime ditatorial — 0 Estado Novo — ao qual se integrara. * A Constituig&o de 1946 veio como demonstragéo de uma espécie de repiidio ao espirito autoritario que imbuia sua predecessora. Influenciada pelos “ventos de renovagao democratica que varriam o pais, com o antincio do fim do Estado Novo, recuperou as liberdades formais, colocando-as 4 margem de qualquer controle autoritario do Estado", denotando forte “vontade constituinte de reorganizacao dos Poderes, sobretudo no que se refere a um fortalecimento do Legislative e do Judiciario, que, no regime politico anterior, haviam se quedado enfraquecidos pela automatica expansao do poder Executivo em tempos ditatoriais” (Nunes Junior, 2017). Do ponto de vista dos direitos sociais, a Constituigéo de 1946 buscou, ainda uma vez, fortalecer a nogao de Estado Social, que se pode exemplificar com: © @ previséo de participacao dos trabalhadores nos lucros das empresas (art. 187, IV); 2 instituic&o do repouso semanal remunerado (art. 157, VI) © reconhecimento do direito de greve (art. 158) ° a ampliag&o do direito & educagao (art. 168); a aposentadoria facultativa do servidor com 36 anos de servigo (art. 191, §1°) A inserc&o formal da Justica do Trabalho no Poder Judiciario (arts. 122 e 123) Conforme bem ressalta o autor utilizado na presente construc histérica, a Constituigdo de 1946, “entusiasmando os defensores do Estado Democratico Social de Direito, acabou confinada a um dificil papel historico, o de ficar situada : ade 1937 e a de 1967” (Nunes Junior, 2017). * A Constituicéo de 1967, “caudatéria do golpe militar de 1964” (Nunes Junior, 2017), & exemplo tipico de Constituig&io outorgada, apesar do entre duas Cartas ditatoriai consentimento formal do Poder Legislative. © Como se sabe, 0 Ato Institucional n. 4 convocou o Congresso Nacional “para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967”, para “discuss&o, votagdo e promulgac&o do projeto de Constituigao apresentado pelo Presidente da Republica” — em um procedimento inelutavelmente autoritario de outorga da Constituigao. Por sua vez, tanto 0 rol de direitos individuais (art. 150), quanto o rol de direitos sociais (art. 158) nao foram modificados em suas estruturas, nao obstante a recorrente meng&o @ necessidade de lei para sua implementagdo implicasse, na pratica, dicotomia entre a ordem normativa e a realidade. co No que concerne aos direitos sociais, nao houve alteragao estrutural dos dispositives anteriormente vigentes, com a mesma nota de que muitos deles tinham sua eficdcia condicionada a uma futura eventual legislago integradora + A Constituigao de 1988, conhecida por “Constitui¢éo cidada” € ainda vigente, serd analisada em momento mais oportuno. A Carta estipulou um extenso rol de direitos fundamentais de segunda dimensdo, especialmente em seu art. 6% educacdo, satide, trabalho, moradia, lazer, seguranca, previdéncia social, protegdo 4 matemidade etc. TEMA 5 — CONCEITUACAO Assim como a delimitago conceitual das politicas publicas representa um consideravel desafio, mesmo aos mais eruditos autores, a definic&o dos direitos sociais € igualmente complexa: dispensa reducionismos e importa afastar-se da mera tradugao como direitos prestacionais. Como jé se pode facilmente perceber, os direitos sociais envolvem ampla seara de direitos de natureza prestacional, como os direitos a salide e a educagao; de natureza normativa e reguladora, como os direitos trabalhistas, dentre outras tantas possiveis caracteristicas. Assim, existem tragos comuns, que permitem harmonizagao suficiente a conceituagao, mas também diferencas que tornam tal tarefa complexa Das caracteristicas comuns a auxiliar uma conceituagao, destacam-se: * Os direitos sociais se integram aos chamados direitos fundamentais. Conforme ja afirmado, nao pesa duividas sobre o objetivo de promover a adequada qualidade de vida a todos, colocande 0 ser humano “a salvo" da necessidade, nao havendo como se pensar em exercicio de liberdades, de direitos intrinsecos ao ser humano, de preservacdo da dignidade humana, sem que um “minimo vital” esteja garantido a propria vida em sociedade. Como bem ensina Queiroz (1998) Nao 6 possivel falar-se em diceto & vida sem que haja assisténcia & salide que permita, ao menos, sua preservacao ciante de um estado de doenca. Dai o entendimento de que, ao menos no que pertine ao chamado piso vital, os direitos sociais teriam a caracterizacao de direitos fundamentais andlogos aos direitos de liberdade 10 * Ainda, os direitos sociais carregam como pressuposto a existéncia da desigualdade, o fato de um contingente de pessoas nao contarem com os recursos minimos para sua subsisténcia digna, bem como supdem que a existéncia de relages econémicas dispares frequentemente conduz a submissdo de uns aos outros. Nesse contexto, os direitos sociais surgem como uma aspiragdo ética que parte da premissa de que todos que participam da vida em sociedade devem ter direito a uma parcela dos frutes por ela produzidos. * Outro ponto indicado pelo autor como comum a todos os direitos sociais é © de ter o Estado como referéncia, quer em uma perspectiva normativa e reguladora, quer em uma perspectiva estritamente prestacional. Mazziotti (Cf. Verbete “Diritti Sociali”, publicado na Enciclopédia del diritto, v. XII, in Nunes Junior, 2017) aponta a existéncia dos direitos sociais em dois distintos planos: 0 subjetivo e © objetivo. O primeiro consistiria na prerrogativa de todo e qualquer cidadao aos beneficios da vida associada, da qual nasceria, por reflexo, direitos especificos a determinadas prestagdes estatais. O segundo consubstanciaria o conjunto de normas pelas quais o Estado leva a efeito sua funcao moderadora e equilibradora das relagbes sociais. Andreas J. Krell (2016), em uma abordagem mais sintética, conceitua direitos sociais da seguinte maneira: So 08 Direitos Fundamentais do homem-sceial dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevaléncia aos direitos coletivos antes que aos individuais. O Estado, mediante leis parlamentares, atos administrativos e a criago real de instalagdes de servicos pliblicos, deve definir, executar e implementar, conforme as circunstancias, as chamadas ‘polfticas piblicas’ (de educacao, sade asistencia, previdencia, trabalho, habitacao) que facultem 0 gozo efelivo dos direitos constitucionalmente protegidos. Em didatica definigao, André Ramos Tavares (2012) conceitua direitos sociais como aqueles “que exigem do Poder Publico uma atua¢ao positiva, uma forma atuante de Estado na implementag3o da igualdade social dos hipossuficientes. So, por esse exato motivo, conhecidos também como direitos a prestagdo, ou direitos prestacionais" Assim, como Nunes Junior (2017, p. 10), podemos conceituar direitos sociais como iL © subsistema dos direitos fundamentals que, reconhecendo a existéncia de um segmento social economicamente vulneravel, busca, quer por meio da atribuigao de direitos prestacionais, quer pela normatizagao @ regulacho das relacdes econdmicas, ou ainda pela criacéo de instrumentos assecuratérios de tals direitos, atribuir a todos os beneficios da vida em sociedade. LEITURA OBRIGATORIA CLEVE, C. M. Eficacia Dos Direitos Fundamentais Sociais. Revista de Direito Constitucional ¢ Internacional, v. 54, p. 28, jan/2006. Disponivel em: http://www. academia. edu/12141687/A_efic%C3%A 1 cia_dos_ direitos_fundamentais_sociais>. 12 REFERENCIAS COMPARATO, F. K. A afirmagao historica dos direitos humanos. Sao Paulo: Saraiva, 1999. KRELL, A. J. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Fabris, 2002 MOREIRA, V. A ordem juridica do capitalismo. Coimbra: Centelho, 1994. NUNES JUNIOR, V. S. Direitos sociais. In: CAMPILONGO, C. F.; GONZAGA, A. A; FREIRE, A. L. (coords.) Enciclopédia juridica da PUC-SP. Tomo: Direito Administrative € Constitucional. $0 Paulo: Pontificia Universidade Catélica de $40 Paulo, 2017. Disponivel em: . Acesso em: 3 dez. 2018. PEREIRA PINTO, A. Direito do trabalho, direitos humanos sociais e a 10 Federal. Sao Paulo: LTr, 2006. QUEIROZ, C. O principio da nao reversibilidade dos direitos fundamentais sociais. Coimbra: Editora Coimbra, 2006. TAVARES, A. R. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. S20 Paulo: Saraiva, 2012. 13

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