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UNIVERSIDADE DE COIMBRA FACULDADE DE LETRAS FATIMA, TERRA DE MILAGRE (ENSAIO DE GEOGRAFIA RELIGIOSA) Por ARISTIDES DE AMORIM GIRAO Professor de Universidade de Coinbro Som o colaharncio de lic Maria Licia dos Anjos Santos, FL. C. It. Maria de Fatima de Almeida Alves, S. T. J. P. Frederico José Peirone, I. M.C. ir, sanTuAmo Ds FATEH COIMBRA 1958 CAPITULO V A Cova da Iria depois de 1948* Sé em 1948 foi aprovado, pelo Ministério das Obras Publicas, um antepleno de arranjo urbanistico para Fatima (abrangendo os niicleos da Cova da Iria, Lomba de Egua e Moita Redonda). Verdadeiramente é a partir deste ano que a Cova da Iria sofre uma transformagao tao rapida e tao acentuada que qual- quer pessoa, que tiver estado apenas alguns anos sem a visi- tar, tem a impressio—ao voltar—de que muito tempo decorreu ja. Esse diploma define uma zona de protecgao do Santuério, dentro da qual a Camara Municipal de Vila Nova de Ourém nao podera conceder licengas para construcdo ou reconstru- go, sem prévia aprovacéo dos respectivos projectos pela Direcgdo-Geral dos Servigos de Urbanizagao. Declara a utilidade ptiblica das expropriagdes necessArias para as instalagdes e vias de comunicagao de interesse geral compreendidas naquela zona; permite a prestagdo de assis- téncia técnica gratuita dos Servicos do Ministério das Obras Publicas para o estudo e realizado dos trabalhos que com- petem A Fabrica do Santuério; e finalmente determina que a Junta Auténoma das Estradas leve a efeito a construgdo dos parques que se reconhecam mais urgentes para facultar boas condigées de circulagdo e estacionamento as viaturas que acorrem & Cova da Iria nos dias de maior afluéncia. Nao me foi possivel obter dados que permitissem mos- trar a cadéncia na vinda de peregrinos, pelo menos nos meses 1 Pela Lic.s Marta Lucia SANTOS. 44 de maior significado (Maio e Outubro). Quando muito, os jornais referem os nimeros mais provaveis, e nem sempre de acordo uns com os outros. SO a partir de 1948 (talvez porque sé nesta altura comeca a desvanecer-se 0 desequilibrio econémico provocado pela tiltima guerra e, como consequéncia, a haver mais facilidades em transitar de pais para pais), se nota um ritmo sempre cres- cente na vinda de peregrinagdes estrangeiras. Foi em Outu- bro desse ano que, pela primeira vez, visitou o Santuario uma peregrinagdo americana. Em Maio tinham ali estado as pri- meiras peregrinagdes provenientes da Itélia. Diz-se em relatétios referentes a0 movimento do San- tudrio que, om 1949, mais de vinte peregrinagdes, vindas de varios paises da Europa e da América, estiveram na Cova da Iria, entre elas uma peregrinagao irlandesa, composta por 450 pessoas, e uma outra belgo-holandesa, de que faziam parte para cima de 300 componentes. 1950, 0 Ano Santo, faz passar pelo local des Aparig6es mais de um milhéo de peregrinos, dos quais uns dez mil estrangeiros, quatro Cardeais, dois Niincios Apostélicos, prin- cipes, diplomatas e sacerdotes. Uma multidao imensa, com- posta de todas as classes sociais do pais, juntou o seu entu- siasmo ao destes peregrinos, provenientes das mais diversas partes do mundo, desde as terras frias do Alasca 4s da China, de tao estranhas concepg0es religiosas. Marcaram presenga romeiros de mais de vinte e cinco nagées. Valera a pena citar a origem de alguns dos devotos: cabe o primeiro lugar a América do Norte (a peregrinagao de New York, presidida pelo cardeal Spellman, compunha-se de mais de 500 pessoas); houve também peregrinagdes do Canada, Peru, Panama, Reptiblica de S, Salvador, Nicaragua, Colom- bia, México, Argentina, Venezuela, Uruguai, Cuba, Filipi- nas, China, India, Australia, Itdlia, Franga, Irlanda, Ingla- terra, Espanha, Libéria, etc. Bastard dizer que, na contagem de transito durante a pere- grinagdo a Fatima nos dias 12 e 13 de Maio de 1950, se regis- taram 5or caminhetas de carga, 1.343 veiculos de transporte colectivo de passageiros, 9.526 automédveis ligeiros e side- -cars, 2.524 motocicletas simples e bicicletas, além de 756 veiculos de trac¢do animal. O encerramento do Ano Santo, em Outubro de 1951, faz Bega eee 45 com que volte a reunir-se ali uma multidao de perto de um milhao de pessoas, vindas também dos mais distantes pontos do globo terrestre. Como 6 de calcular, a afluéncia tio numerosa de pere- grinos levanta sérias dificuldades no que respeita a sua aco- modacao. E, na impossibilidade de arranjar instalagoes fixas para todos, foram-Ihes reservados locais préprios para acam- pamentos, equipados com as instalagées sanitdrias e abaste- cimento de agua necessdrios. Mostra-se como o problema foi resolvido por altura da grande concentragéio motivada pelo encerramento do Ano Santo, em Outubro de 1951 (Est. vit). Atendendo ao fim que ali atrai os fiéis, convinha, evi- | dentemente, reservar-lhes areas tanto quanto possivel proxi- mas do Santuario. As construgdes existentes no permitiram a localizagao nas proximidades imediatas do recinto onde se efeciuam as ceriménias religiosas. Reservaram-se, pois, dreas a norte, nascente e poente, num total aproximado de 276.000 m%, o que tornard possivel a instalagéo de um namero de peregri- i} nos da ordem dos 138.000, admitindo que cada um ocupe uma | area de 2 metros quadrados. | Foi admitida a possibilidade de ampliagdo destas dreas, por meio das que ficaram destinadas para a zona rural de pro- tecefo, se se tornar necessdrio, embora a distancia ao San- tudrio possa apresentar inconvenientes. Dentro da zona de acampamento do Santudrio foram também previstos alguns abrigos, com todas as condicdes higiénicas, e cujo mimero podera vir a ser aumentado, se 0 | funcionamento vier a exigi-lo. | | Para estas instalagOes propds-se o seguinte esquema de edificio: largura—t2 metros, com quatro filas de beliches, em dois andares. Deste esquema poderd resultar a instalagao de 64 peregrinos em 10 metros, ou seja, aproximadamente 4.185 individuos. Uma vez reslizados estes projectos, sem duvida estaré solucionado satisfatdriamente 0 alojamento dos devotos de Fatima. Entre os edificios da Cova da Iria, alguns ha que ime- diatamente se salientam dos demais pelo seu tamanho. Nao é dificil adivinhar que se trata de construgdes religiosas (Semi- narios e Conventos) que ali vieram fixar-se para se sentirem 46 mais perto daquela Senhora que escolheu a Serra de Aire para derramar as Suas béngdos sobre Portugal ¢ 0 Mundo. A Direccao-Geral dos Servigos de Urbanizagao destinou- -Ihes uma vasta zona que contorna o recinto do Santuario. A pouco e pouco, aqui tém vindo estabelecer morads as mais diversas instituig6es, sobretudo nos ultimos dez anos, ¢ nao s6 portuguesas mas até mesmo estrangeiras. Outras ordens religiosas tém ja terrenos comprados para novas construgées, e nao faltam na Cova da Iria tentativas de fundacéo de novas sociedades congéneres e simples iniciati- vas individuais de fins caritativos. Compreende-se que tao grande ntimero de conventos dé uma feicdo particular a este centro, para cuja formagao contri= buiram, em grande parte. Pelo plano de urbanizacdo foram destinadas areas resi- denciais a poente e sul do Santudrio, assim como nos lugares de Moita Redonda e Lomba de Fgua, estas com caracteristicas mais modestas e, por conseguinte, com maior concentragio de construgdes. : Como pode verificar-se (Fig. 1), a Cova da Iria tem um aumento muito sensivel durante a década de 1940-1950 (64 fogos e 507 habitantes a mais). A existéncia de tao cle- vada populacao é facilmente explicada pela dos numerosos conventos. A diferenga seria ainda mais acentuada se con- seguisse obter resultados para os seis anos ja decorridos. JA se acentuou que, nos primeiros tempos, os peregrinos s6 obtinham alojamento por favor, e sem quaisquer comodi- dades, em casas particulares. ‘Mas nao tarda que os seus proprietarios se apercebam de que, fornecendo cémodos, obtém uma dptima fonte de receita. Desde entio, pode dizer-se que poucas sio as casas que, nos dias de peregrinagao, nao alugam quartos. E assim apa recem, em breve, as primeiras casas de hdspedes. Eram, no entanto, na maior parte dos casos, destituidas de conforto e até mesmo de elementares condig6es higiénicas. Este problema nao foi esquecido pelos Servicos de Urba- nizagdo, e portanto uma vasta zona, muito préxima do San- tuario e a poente deste, ficou destinada exclusivamente a pens6es, dispondo de uma area de terreno que permite a arrumagao, a0 ar livre ou a coberto, dos carros dos seus hdspedes, para evitar estacionamentos na via publica. 47 Grande parte da restante zona habitacional, mérmente a que fica nas proximidades do Santudrio—destinada a habi- tagdes unifamiliares ou em ordem continua—poderd even- tualmente funcionar como pensdes, admitindo-se mesmo a sua construgéo, desde que obedeca ao que estiver regular- mente estabelecido para a referida zona. Na Cova da Iria j se contam actualmente umas 15 pen- ses, algumas delas de aspecto convidativo e satisfazendo todos os requisitos modernos de higiene e mesmo de conforto. Isto para nao falar nas casas religiosas, muitas das quais se destinam de igual modo ao cuidado dos peregrinos ou aliam este aos outros fins ja citados. Muitas vezes foram os prdprios particulares quem tomou a iniciativa de transformar, modernizando-os, os seus prédios, para poderem competir com os dos vizinhos e (excluidos os dias de peregrinag&o, em que tudo se esgota) continuarem a ter a preferéncia dos seus clientes, principalmente quando — porque isso se tornou de bom tom—ali vém realizar-se certas ceriménias religiosas, sobretudo baptismos e casa- mentos. E evidente que o problema do alojamento nao pode separar-se do do abastecimento. Os peregrinos, geralmente, fazem-se acompanhar dos seus farnéis, mas pera os que vém de longe, quando as viagens s4o demoradas, essa solugdo & impossivel. Até ha bem poucos anos, contudo, os donos de pensdes nao tinham na Cova da Iria possibilidades de abas- tecer-se de géneros frescos. A unica solugdo era, pois, recor- rer aos centros menos distantes (Vila Nova de Ourém ou Leiria), mas subsistia 0 problema do meio de transporte, agora desaparecido, como ja vimos. E também a dificul- dade apontada esti em vias de ser resolvida: na Cova da Tria hé mercado aos domingos ¢ segundas-feiras. Talvez se possa dar esta explicacdo para o cultivo recente de certos campos —sobretudo para os lados da Lomba de Egua—se bem que deva ter influido principalmente o valor crescente atribufdo &s propriedades que tanto tem feito reduzir os paldios. | Quatro talhos abastecem regularmente de carne o aglo- merado populacional. Os trés ou quatro cafés existentes encontram-se monte- dos por forma a atender as exigéncias de uma populagao habi- 48 tuada a certos usos, que os locais est4o longe de compreender © mesmo desejar, apesar do contacto com os novos habitos do mundo civilizado. (ie etal inaltammansaserimie corny 1972) 1957| Fig. 2 — Fatima e Cova da Iria — Antes e depois das Aparicées 9 E comum & historia de todos os Santuérios 0 desenvolvi- mento de determinadas indistrias, mormente a hoteleira, a que ja me referi, ¢ a venda de objectos religiosos. Bem pode dizer-se que esta se desenvolve a par da evo- lugéo das peregrinagoes. Desde as primeiras apareceram vendedores ambulantes das tradicionais «lembrancas». BE, embora este processo de comerciar nao tivesse desa- parecido ainda hoje, tornou-se comum a construgao das ines- téticas barracas de madeira, com essa finalidade, ou servindo até para habitacdo dos seus proprietarios, presentemente ou, pelo menos, durante os dias em que durava a maior enchente de peregrinos, Uma vez aprovado o Plano de Urbanizagéo, um dos primeiros cuidados foi fazer desaparecer essas construgdes. A substitui-las ficou uma série de 45 lojas, dispostas em U —a Praceta de S. José —convenientemente ajardinada, O Plano de Urbanizagao determinou ainda outros locais onde a sua instalagdo sera obrigatéria, permitindo-se, além disso, o comércio eventual nas artérias de acesso A parte central do Santuario. Na Moita Redonda e Lomba de Egua foram também con- siderados pequenos centros de comércio. Apesar destas zonas determinadas exclusivamente para 0 comércio, pode dizer-se que todas as casas (particulares ou religiosas) conservam uma parte destinada A venda das tra- dicionais

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