You are on page 1of 21
CANCOH ES N sy voztantt ©AS SOEs} O-“BRASIL pee Copyright © 1995 by Luiz Augusto de Moras Tati Dados Intemacionais de Catalogagio na Publicngio (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Tati, Laie (© Cancionista J Lulz Augesto de Moraes Tati ~ See Paulo: Elton ds Universidade de Szo Pao, 1996. Bibiograin ISBN: 85.-314.0248-4 1. Composigéo musical Brasil 2, Misica ~ Andliseeapre- lagdo 3. Misiea— Historia e ert 1, Titulo, 98.2129 cpp -780.15 Indices para eatlogo sistemitico: 1, Apreciagfo musics! 78015 2. Misica: Anise e sprosingio 780.15 tos reservados esp —Editoma de Universidade de Si0 Paulo Luciano Gualberto, Travessa J, 374 — Fa, da Antiga Reitosia ~ Cidade Universitsin 900 ~ So Paulo SP Brasil ex (011) 211-6988 1. DICGAO DO CANCIONISTA. GESTUALIDADE ORAL O cancionista mais parece um malabarista. Tem um contro‘e de atividade que permite equilibrar a melodia no texto € 0 texto na melodia, distraidamente, como se para isso niio despendesse qualquer esforgo. S6 habilidade, manha e improviso. Apenas malabarismo. Cantar é uma gestualidade oral, 20 mesmo tempo continua, sulada, tensa e natural, que exige um permanente equilforio entre os elementos melddicos, lingufsticos, os pardmetros musicais € a entoagéo coloquial. O can- cionista € um gesticulador sinuoso com uma pericia intuitive muitas vezes metaforizada com a figura do malandro, do apaixonado, do gozador, do oportunista, do Iirico, mas sempre um gesticulador que mancbra sua oralidade, e cativa, melodicamente, a confianga do ouvinte, No mundo dos cancionistas nao importa tanto o que & dito mas a maneira de dizer, e a maneira ¢ essencialmente melédica. sobre essa bas Bnajungio da seqiiéncia melddica com asunidades lingiifstices, pontonevral- gico de tensividade, o cancionista tem sempre um gesto oral elegante, no sentido de aparar as arestas ¢ ¢liminar os resfduos que poderiam quebrar a naturalidade da cango, Seu recurso maior é 0 proceso entoativo que estende a fala 20 canto. Ou, ‘numa orientagao mais rigorosa, que produ a fala no canto. As tenstes de cada contormo out de seu encadeamento periddico sio contig racties locais mais importantes que as tensGes harmOnicas que mergulham as canges no sistema tonal. As tensbes locais distinguem as cangGes. O arranjador cancionista 10 ocaxcionisra pe as tensGes gerais da polaridade tonal a servico das tensGes locais de emissio das unidades lingtifstico-melédicas. E quando os acordes servem para desengatare engatar os significados de cada momento. E quando a harmonia colabora para aex- pressio férica (euforia ou disforia) de cada contorno. E quando se ouve ver- dadeiramente cada acorde que Joo Gilberto produz. AS tensdes locais so produzidas diretamente pela gestualidade oral do can- cionista (compositor ou intérprete), quando se pe a manobrar, simultaneamente, a Jinearidade continua da melodia e a linearidade articulada do texto. O fluxo con- Linuo da primeira adapta-se imediatamente as vogais da linguagem verbal mas softe atrito das consoantes que interrompem sistematicamente a sonoridade. Uma forga de continuidade contrapoe-se, assim, a uma forga de segmentagdo (em fonemas, palavras, frases, natrativas, ¢ outras dimensdes intelectivas), fundando um prinef- pio geral de tensividade que a habitidade do cancionista vai administrar e dissemi nar ao longo da obra. 0 compositor, como bom malabarista, aproveita em geral a forga das duas tendéncias excitando ora a continuidade, ora a segmentacdo, Quando protonga sensivelmente a duragdo das vogais e amplia a extensiio da tessitura eds saltos intervatares, cai imediatamente 0 andamento da misica, desve- Jando com nitidez e destaque cada contorno melédico. E a tensao que se expande em continuidade, explorando as freqiiéncias agudas (aumento de vibragdes das cor- das voeais) ¢ a capacidade de sustentagao de notas (FBlego e energia de emissio). Ea tensao do perfil melédico, em si, que alinhava as vogais. Trata-se, pois, de um. leve deslocamento de tensividade em favor da freqliéncia, contribuindo para trans- formar todo o carter da cangdo e fazer com quea continuidade progressiva da melo- dia se desacelere e se esvazie dos estimulos somaticos proprios da agao humana. quando 0 cancionista nao quer a aco mas a paixdo. Quer trazer 0 ouvinte para 0 estado em que se encontra, Nesse sentido, ampliar a duragio e a freqiéncia sig- nifica imprimir na progressao melédica a modalidade do /ser. Mas o deslocamento pade ser no sentido inverso. Reduzindo a duragzo das vogais e 0 campo de utilizaedo das freqiiéncias, o cancionista produzira uma pro- spressfio melédica mais veloz e mais segmentada pelos ataques insistentes das con- soantes. Os contomos sio, entio, rapidamente iransformados em motivos e proces sados em cadeia. O centro de tensividade instala-se na ordenagio regular da articulago, na periodicidade dos acentos e na configuragio de saliéncias, muito bem idemtificadas como temas. A acelerago dessa descontinuidade melédica, cristalizada em temas reiterativos, privilegia o ritmo e sua sintonia natural com 0 corpo: de um lado, as pulsagées orginicas de fundo (batimento cardfaco, inspi- sagdo/expiragio) refletem de antemao a periodicidade, de outro, a gestualidade fisi-

You might also like