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ANAIS P&D DESIGN 94 ISSN 0104-4249 ESTUDOS pot DESIGN R CNPq ANAIS DO P&D DESIGN 94 ESTUDOS EM DESIGN ANO II VOL II ESTUDOS EM DESIGN v.2-, n.2 (nov)-, 1994- | Rio de Janeiro : Associagdo de Ensino de Design do Brasil, | revista de periodicidade semestral 1. Design. 2. Desenho Industrial | | CDD - 745.2 bo bhi i Este ensaio tem como objetivo contribuir para uma reflexao sobre a possiilidade de se constitu uma teoria do design. Na primeira parte do texto é apresentado un estudo sobre relacionamento entre teoriae praxis na hist6ria da configuragio de objetos de uso e sobre as disciplinas que atualmente {fundamentam o ensino do design. Na segunda ‘parte sdo consideradas caracterstcas gerais das ciéncias cldssicas e do design, como inrodugéo a uma andlise da interacdo entre ambos. A terceira parte, inalmente, tem como tema central os objetivo, métodos e conteido cde uma possivel toria do design erespectivas conclusées: Estudos em Design, v2,n2. nov. 1994 - Anais P&D Design 9¢ Sobre a Possibilidade de uma Teoria do Design Gustavo Amarante Bomfim 1. Relacionamento entre Teoria e Praxis na Histria da Configuracdo de Objetos de Uso. ‘Ao longo da historia a configuracao de objetos de uso teve trés fases caracteristicas, definidas de acordo com os principios te6ricos que fundamentam a praxis e os meios utilizados para produgo dos objetos. Em um primeiro momento a maestria dos artesdos, a tradi¢o das corporagées de oficio e a arte dominaram a producao artesanal de objetos tinicos. Posteriormente,com o desenvolvimento das manufaturas e a produgiio de pequenas séries de produtos, foram criadas as primeiras academias de arte “schools of design” - onde se qualificava pessoal para a criagdo de formas, segundo princfpios técnicos e normas de sucessivos estilos artisticos. Finalmente, com a industrializagao da producdo, a arte foi substitufda pela ciéncia como fundamento no processo de configuracao. A substituigao da arte pela cineia na era industrial pode ser exemplarmente observada através de uma comparacdo entre o ensino na Bauhaus e na “Hochschule fuer Gestaltung”, em Ulm, Na Bauhaus artistas e mestres como J. Iten, L. Moholy-Nagy, J. Albers, W. Kandinsky, P. Klee desenvolveram “teorias” da W-1s forma e da cor que deveriam substituir 0 sentimento artistico no processo criativo. A HEG, vinte anos depois, abandonou a tradigao da Bauhaus ¢ introduziu disciplinas como ergonomia, psicologia, teoria do planejamento, teoria da informacao, etc. e, de modo geral, hé consenso de que somente a partir desse ‘momento teria surgido o design, um novo procedimento para a configuracao de objetos de uso, qualitativamente superior a outras préticas intuitivas que ainda predominam nos meios de producio. Esta breve andlise permite concluir que o design se diferencia de outros processos de configuragdo justamente pela fundamentago l6gica que pretende, ou seja, o design é essencialmente uma praxis, mas, ao contrério da arte e do artesanato, uma praxis que procura seguir principios de diversas ciéncias na determinacao da figura dos objetos. Com 0 intuito de tornar cada vez mais légico, explicitoe sistematico 0 processo de configuragao através do design, os curriculos dos cursos na érea agregaram, nas tltimas trés décadas, conhecimentos de diferentesteorias ou ciéncias, que podem ser classificados em seis grandes grupos: 1. Conhecimentos gerais sobre filosofia, politica, historia, comunicacao, legislago, ecologia, etc. Este grupo de disciplinas fornece conceitos genéricos sobre o contexto material e social onde a atividade do designer é exercida, suas implicagoes ideolégicas, econdmicas, ecolégicas, etc. 2. IV-16 Conhecimentosrelacionados atecnologiasde fabricagdo e materiais, planejamentoe administragao da produgio, marketing, etc. Estes conhecimentos devem fundamentaro processo criativo no que se refere as possibilidades e limitagdes do aparelho produtivo responsével pela fabricagao e distribuigao de bens. 3. Conhecimentos que abordam o processo de utilizagao, tais como ergonomia, psicologia, sociologia, antropologia, etc., ou seja, disciplinas que estudam a interface bio-fisiolégica, psicolégicae sociolégicaentre produto e usuario. 4. Conhecimentos sobre planejamento e criago da forma, a exemplo da metodologia, teoria da forma, teoria da cor, etc. Estas disciplinas se referem a atividade executiva do designer, isto &, a0 projeto. 5. Conhecimentos sobre meios bidimensionaise tridimensionais de representagdo, ou seja, conhecimentos sobre linguagense comunicagao das atividades desenvolvidas no projeto. 6. Conhecimentos instrumentaisdeduzidosda fisica, matemética, quimica, etc., que funcionam como ferramentas auxiliares &s demais disciplinas. Este rol de conhecimentos revela a abrangéncia da formagao do designer, bem como as. dificuldades que surgem quando se trata de conciliar conceitos dispares no processo de ensino e aprendizado, pois se os curriculos dos cursos de design incorporam um néimero cada vez maior de conhecimentos como foi recentemente 0 caso da ecologiae da informatica - estes permanecem, na maioria das Esuidos em Design, v.2,n.2, nov. 1994 - Anais P&D Design 94 vezes, dissociados e fragmentados, ou seja, no chegam a constituir um todo homogeneo imediatamente aplicavel & praxis projetual. Este fato pode ser atribuido, em parte, as deficiéncias das estruturas curriculares, principalmente quanto a sua administragao no cotidiano, em parte, & falta de uma linguagem comum, que permita o transito de conhecimentos entre diferentes éreas do saber possa substituir a mera adig&o enciclopédica de informagGes por uma teoria“conciliadora” do design. O debate sobre a possibilidade da constitui de uma teoria do design ganha maior relevo na atualidade, uma vez que algumas instituig6es de ensino inauguram ou pretendem inaugurar cursos de pés-graduagao “stricto sensu” nesta especialidade, De modo geral cursos de mestrado e doutorado objetivam o estudo, a pesquisa e a aplicagao de novos conhecimentos relacionados a filosofia, as ciéncias ou as artes, ou seja, visam a produgo de saber que possa fundamentar ou criticar determinada praxis. Assim, o estudo da fisica, por exemplo, pode. contribuir para o progresso da engenharia civil, do mesmo modo como a estética pode ser itil a um critico de arte. Design, no entanto, no se relaciona imediatamente anenhuma filosofia, ciéncia ou arte em particular, ao contrério, enquanto atividade interdisciplinar, busca fundamentos nestes trés dominios. Assim, é pertinente indagar pela propria possibilidade de se criar cursos de mestrado e doutorado em design. Se mestres ¢ doutores sdo aqueles a ‘Teoria do Design quem se outorga o direito de emitir enunciados cientificos, a resposta a esta indagaco € necessariamente negativa, poisacompeténcia do design nfo é a produgao de evidéncias cientificas, mas sua utilizagdo na resolugao de problemas especificos e priticos. Isto naturalmente nao impede que designers fagam incursdes no campo da filosofia, ciéncias ou artes ,tornem-se mestres ou doutores em sociologia, pedagogia, ergonomia,etc.e, posteriormente, tomem.ocaminho inverso, ou seja, utilizem os conhecimentos adquiridos para a fundamentacdo ou critica da atividade projetual. Por outro lado, no entanto, a questo pode ter resposta afirmativa ser for admissivel a constituigdo de uma teoria especifica dodesign. 2. Teoria do Design? Uma reflexao sobre a possibilidade de se constituir uma teoria do design pode seguir muitos caminhos. Neste trabalho serao apresentadas inicialmente algumas caracteristicas gerais das ciéncias e do design, para uma andlise posterior do relacionamento entre ambos. 2.1 Ciéncia Teorias se expressam através de linguagens € quando estas so construidas através de determinadas regras recebem a denominaco de Jinguagens cientificas ou ciéncias. Umateoria cientifica pode ser formulada através de dois processos: dedutivo, quando conceitos gerais W-17 sio gradativamente diferenciados até encontrarem aplicagGes em campos especificos; ou indutivo, quando a partir de uma situagao particular e concreta formulam-se conceitos gerais. Nos dois casos, a construgdo de uma teoriacientffica depende doestabelecimentodo objeto sobre o qual se pretende formar conhecimento e do método empregado para esta tarefa. O estudo sobre 0 objeto de uma teoria ou ciéncia € assunto da ontologia. O método empregado envolve trés categorias: a Teoria do ‘Conhecimento, que se ocupa de questoes relativas ao processo de conhecimento de algo que pode ser objeto de uma ciéncia; a Légica, que fundamentao proceso de conhecimento de algo que é objeto de uma ciénciae a Teoria ‘Cientifica propriamente dita, que trata da representagdo do processo l6gico de conhecimento de algo através de um sistema cientifico. Aontologia cléssica distingue trés categorias gerais de objetos do conhecimento: 0 ser especifico (real, empfrico), o ser geral (formal, linguistico) e o ser supremo (ideal, valores). Desta categorizagao decorrem trés grandes ‘grupos de ciéncias: as ciéncias da natureza (fisica, quimica, etc.), que utilizam a légica indutiva, experimental, onde conheceré observar € 0 critério de verdade € a propria ealidade, As ciéncias formais (I6gicae ‘matemética), que se valem da dedugao demonstrativa, em que conhecer € definire 0 critério de verdade se estabelece através da auséncia de contradigao. Finalmente, as v-18 ciéncias humanas (ética, sociologia,etc.), cuja l6gica se fundamenta no aprendizado de valores, de decisbes, através do que 0 conhecimento se desenvolve a partir da compreensao intuitivae tem como critério de verdade a convicgao. ‘Ao longo da hist6ria estes trés grupos de cigncias desenvolveram concepgdes proprias,e muitas vezes antagOnicas, sobre “conhecimento cientifico”, mas, ao mesmo tempo, mantém um niémero suficiente de caracteristicas comuns que permitem considera-las como ciéncias cléssicas. Estas caracteristicas podem ser resumidas do seguinte modo: o objetivo das ciéncias cléssicas 6 apresentar um sistema de sentencas verdadeiras, objetivas ou de aceitacao consensual, Seu desenvolvimento se dé através daccrescente preciso e progressiva diferenciagdo de campos de conhecimento, que implica criago de linguagens especializadas. O desenvolvimentodasciéncias cléssicas gerou grande nimero de disciplinas relativamente autGnomas, interligadas soba forma de hierarquias e esta fragmentaco do conhecimento temdiversasconsequéncias negativas: a busca do saber, com objetivo no proprio saber (conhecimentocontemplativo),o vazio entre teoria e prética, a apresentacao de solugdes parciais (disciplinares) para problemas complexos,etc. 2.2 Design HA diversas definiges de design e uma andlise comparativa entre elas permite concluir que esta atividade objetiva a configuragao de objetos de Estudos em Design, v.2, 0.2. nov. 1994 - Anais P&D Design 94

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