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OS (DES)CAMINHOS DA ALFABETIZACA\ EDA LEITURA! ), DO LETRAMENTO Filomena Elaine Assolini Leda Verdiani Tfouni? RESUMO: Considerando que o vocdbulo letramento tem sido diferente e freqiientemente utilizado por profissionais da educagao, buscamos investigar, com base nos postulados te6rico-metodol6gicos da anélise do discurso de “linha” francesa e nos trabalhos de Tfouni sobre alfabetizagdo e letramento, os diferentes cenfoques de letramento que atualmente circulam no contexto escolar, bem como as conseqiiéncias e implicagées para a prética de ensino de leitura e de escrita decorrentes desses enfoques.Realizamos entrevistas com professores e assistimos a aulas por eles ministradas com o objetivo de verificar se suas concepg6es de letramento ram levadas a efeito no ensino de leitura e de escrita. Uma das conchusdes a que chegamos é que, no contexto escolar, letramento € tomado como sinénimo de alfabetizagdo, sendo o aluno nao-alfabetizado rotulado de “letrado”, “ignorante” e “analfabeto”. Criticamos tal enfoque e apresentamos as propostas de alfabetiza¢ao Jetrada e de um trabalho que considere leitura como atribuigao de sentidos. Palavras Chave: Alfabetizagio ~ Letramento - Leitura ‘THE “OTHER” WAYS OF LITERACY, READING AND WRITING ABSTRACT: Considering the fact that the word literacy has been frequently and differently used by education professionals, we intend to investigate ~ based on the theoretical-methodological postulate of the analyzes of the French “line” speech and on the Tfouni works on literacy and alphabetization - the different focuses of literacy that circulate nowadays in schools, as well as their consequences and implications on the reading and writing practices. We interviewed teachers and attended their classes, intending to observe how they effectively used their conceptions of literacy while teaching reading and writing. One of our conclusions ‘was that literacy is used as a synonym for alphabetization, and the student that can not read or write is seen as. “illiterate” and “ignorant”. Such focuses are not acceptable so we presented a proposal of literate alphabetiza- tion and a work where one takes into consideration reading as an attribution of senses. Key words: Literacy - reading ‘Temos observado que, no sistema atual de en- sino, 0 vocdbulo letramento tem sido freqiientemente utilizado por professores de educagao infantil, ensi- no fundamental, pedagogos, orientadores educacio- nais coordenadores pedagégicos, bem como por psicdlogos, psicopedagogos e foncaudislogos, para ficarmos no Ambito de profissionais que, de uma for- ‘ma ou de outra, tém suas atengdes voltadas para os anos iniciais de educagdo formal Antigo reebido para publica em abril de 2000; aceto em agosto de 20001 + Endereg para conespondénca: Leda Verliani Tun, Departamento de Peicologiae Bdueago, Faculdade de Flosofa, Citcias e Letras de Riteirto Preto, USP Avenida Bandeiantes, 3900, Cep 14040901, Ri- ‘wed Prete, So Paulo, fone (16) 6023714, fax (16) 6023730, e-mail, ‘founi@ffelr.uspbr Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, dezembro/99. Assim, 6 comum ouvirmos frases como: “Os alunos desta classe sao iletrados, precisam ser alfa- betizados com urgéncia”; “A coordenadora peda- g6gica disse que o mais importante é que a crianga seja letrada, ndo precisa saber tabuada, mas tem que saber ler corretamente”; “O letramento é a salva- do da lavoura, porque se 0 aluno for letrado ele saberd interpretar um texto; vai escrever muito, vai entender Matematica, Ciéncias, tudo, etc.." Discursos como os acima apresentados, a observagio de que muitos cursos e palestras envol- vendo o tema (letramento) t@m sido constantemente ministrados, bem como o fato de muitos autores de livros didéticos de portugués discorrerem sobre 0 assunto nos manuais de orientagdo ao professor e, 25 ainda, a abordagem sobre letramento, apresentada nos Pardmetros Curriculares Nacionais -PC.N(s), ou seja, “(...) como produto da participagaio em préticas soci- ais que usam a escrita como sistema simbélico € tecnologia” (1997, p.23) - motivou-nos a investigar como 0 termo letramento tem sido tratado pela e na instituigdo escolar, assim como as conseqiiéncias € implicagdes para uma prética pedagdgica de ensino de leitura e escrita decorrentes desse tratamento, nas, séries iniciais do ensino fundamental. Para alcangar nosso objetivo, ou seja, verifi- car os enfoques de letramento que atualmente citcu- Jam na escola e as praticas pedagégicas que se efeti- vam a partir desses enfoques, valemo-nos dos pos- tulados te6ricos e metodolégicos da andlise do dis- curso de “linha” francesa e dos trabalhos de Tfouni (1994, 1995, 1996) sobre letramento e alfabetizagao. Cumpre ressaltar, por fim, que este trabalho no se restringe a denunciar os usos (e abusos) do vocébulo letramento, mas se preocupa também em. apresentar propostas tedricas que possam contribuir com os educadores de maneira geral, no sentido de levé-los a refletir sobre sua pritica pedagégica. Apresentaremos, a seguir, uma breve discus- sdo te6rica sobre esses referenciais, que nos ajuda- Go a refletir sobre as questdes relativas ao letramento. Essa teoria critica da linguagem — a anélise do discurso de “linha” francesa , que prope fazer conflufrem conhecimentos lingifsticos, s6cio-hist6- ricos e ideol6gicos, busca tratar da determinagao his- t6tica dos processos de significagao, contrapondo-se a andlise do contesido, praticada pelas ciéncias hu- ‘manas, que concebe o texto em sua transparéncia e, portanto, considera relevantes questdes como: “o que © autor quis dizer?”; “qual a mensagem do texto?” Tendo em vista que esse referencial te6rico- metodol6gico procura compreender o modo como um objeto simb6lico produz sentidos, nao a partir de um gesto automético de decodificagdo, mas como um procedimento que desvenda a historicidade na lin- guagem em seus mecanismos imaginérios, vale res- saltar que o fragmentario, 0 disperso, o incompleto e a opacidade também so de dominio da reflexdo discursiva, Dentre os conceitos basicos da andlise do discurso de “linha” francesa interessam, particular- mente, para este estudo, os de formacdes ideoldgi- 26 cas, formagaes discursivas, sentido e protagonistas do discurso. No que diz respeito as formacdes ideolégicas, podemos afirmar, com base em Haroche, Henry ¢ Pécheux (1971), que “(..) elas constituem um con- junto complexo de atividades e representagdes, que no so nem individuais, nem universais, mas se re- portam mais ou menos diretamente as posigdes de classe, em conflito umas com as outras” (p. 102). Dessas formagaes ideoldgicas fazem parte, enquan- to componentes, uma ou mais formagGes discursivas interligadas. As formagdes discursivas, pot sua ver, sio concebidas por Pécheux (1990) como aquilo que, “(..) numa formagdo ideolégica dada, isto é, a partir de uma posigao dada numa conjuntura dada, deter- minada pelo estado de luta de classes, determina 0 que pode e deve ser dito”. (p. 160), Dentro desse contexto, gostarfamos de desta- car que, na perspectiva discursiva, os sentidos nao nascem “do nada”, eles sao, isto sim, sécio-histori- camente construfdos. Decorte daf 0 porque de Pécheux (op. cit) afirmar que 0 sentido de uma pala- vra, expresso, proposigao, ndo existe em si mesmo (isto é, em sua relagdo transparente, coma literalidade do significante), mas € determinado pelas formagdes ideol6gicas, colocadas em jogo no processo sécio- hist6rico em que as palavras, expressdes e proposi- ges sto produzidas (isto 6, reproduzidas). Buscan- do sintetizar sua explicitagao, 0 autor coloca que “(..) as palavras, as proposigdes, mudam de sentido segundo posigdes sustentadas por aqueles que as empregam, 0 que significa que eles tomam seu sentido em referéncia a estas posigGes, isto é, em re- feréncia as formacdes ideoldgicas nas quais essas posigGes se inscrevem (...".(id. ibidem, p. 160). Diante disso destacamos que uma das princi- pais contribuigdes de Pécheux (1990) estd no fato de ver nos protagonistas do discurso nao a presenga fi- sica de “organismos humanos individuais”, “..) mas a representagio de “lugares” determinados na es- ‘rutura de uma forma social (..)” (id. ibidem, p. 178). Dessa forma, no interior de uma instituigo esco- lar ha o “lugar” do diretor, do professor, do aluno, cada um marcado por propriedades diferencias. Considerando os conceitos acima destacados, acreditamos que nio podemos deixar de nos Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, dezembro/99. posicionar criticamente em relagdo aos diversos enfoques sobre Jetramento que, atualmente, circulam na instituigdo escolar, uma vez que estes, como vere- ‘mos mais adiante, além de serem tomados como ver- dades inquestionaveis, acarretam situagdes de ensi- no-aprendizagem da leitara e da escrita cansativas € desestimulantes, porque caracterizadas por técni- cas e procedimentos de ensino que transformam © aluno em receptor passivo, copista ¢ reprodutor de sentidos que nio Ihe dizem coisa alguma. Dentro disso, € oportuno assinalar as consi- deragdes de Orlandi (1987) sobre os processos arafrastico e polissémico, desenvolvidas pela auto- ra.apartir de uma concepgao de linguagem como dis- curso. No que conceme ao processo parafrastico de linguagem, podemos dizer que ele nasce da reitera- «do de sentidos ideol6gica e institucionalmente cris- talizados porque considerados legitimos e cabiveis. A paréfrase, entendida como matriz de sentido, se- gundo Orlandi (op. cit.) relaciona-se coma fixideze estabilizagdo dos sentidos. © processo polissémico, por sua vez, permite a tematizagao do descolocamento daquilo que na linguagem representa o garantido, 0 sedimentado. Falar em processo polissémico ¢ falar sobre 0 diferente, © novo, 0 multiplo, o inusitado, enfim. Apresentada a fundamentagdo te6rica que sus- tenta nossa investigagao e dando continuidade ao nosso estudo sobre 0 letramento, deter-nos-emos, a partir de agora, nos esclarecimentos referentes & ‘metodologia de andlise dos dados. Método Inicialmente, realizamos entrevistas com trin- ta professores efetivos da primeira série do ensino fundamental, com 0 objetivo de verificar como tais, professores entendiam os conceitos de alfabetizacao e letramento. Valemo-nos de entrevista do tipo semi- estruturada. A fim de verificar as conseqiiéncias e implica- «Ges desse entendimento para uma pratica pedagégi- cade ensino de leitura e escrita, estivemos, ao longo do més de setembro de 1998, em cinco diferentes salas de aula de primeira série do ensino fundamen- tal, a fim de assistir, gravar em audio e registrar por escrito as aulas de portugués (alfabetizagao), minis- Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, dezembro/99. tradas pelas cinco professoras responséveis por es- sas classes, Essas cinco salas de aula situam-se em cinco diferentes escolas. ‘Ao término do perfodo correspondente a nos- sa permanéncia nessas salas, obtivemos quatro fitas gravadas, que perfizeram um total de duzentos e qua- renta minutos Considerando a nogdo de espaco discursivo proposta por Maingueneau (1987), bem como a de recorte (Orlandi, 1987), selecionamos al- ‘gumas seqiiéncias discursivas que funcionaram como seqiténcias discursivas de referéncia (S.D.R.) (Courtine, 1981), para a andlise dos dados. E interessante ressaltar que a anélise do dis- curso de “linha” francesa entende o dado como um elemento indiciario de um modo de funcionamento discursivo. As marcas lingtfsticas que sobressaeme configuram as pistas para a andlise tragam o cami- tho que leva 0 analista ao processo discursivo, pos- sibilitando-the, assim, explicar o funcionamento discursivo. Logo, a interpretagdo dos dados nao é mecfnica, automética. ‘Cumpre apontar, por fim, que as marcas so pistas, segundo Ginsburg (1988), e, para atingi-las, € preciso teorizar, ou seja, estabelecer as possfveis relagdes entre os funcionamentos discursivos que remetem as formagSes ideolégicas referentes & instituigdo escolar. Resultados e Discussio Nos recortes abaixo, apresentamos as consi- deragdes de cinco professoras, acerca da seguinte indagagio: “ O que é ser letrado(a)?” "ara mim, ser letrado significa ter muito, . 4 to, Primeiro Recorte ‘matemética, quimica, ciéncias, literatura, arte, enfim, conhecimento vasto. Algumas criangas, prin- ‘cipalmente aquelas que vam de familia methor finan. ceitamente, chegam @ escola letradas, quer dizer, elas tém muita cultura e isso facilita a aprendizagem delas na classe”. ‘Como podemos constatar, para esta posigao 27 de sujeito, individuo letrado é individuo culto, eru- dito, que “tem muito conhecimento a respeito de tudo”, conforme ela afirma. s indfcios lingufsticos acima destacados re- metem-nos a uma concepgao “tradicional” de letramento, aquela que pode ser encontrada em dife- rentes diciondrios, isto €, “versado em letras”, “eru- dito”. E interessante salientar que, embora essa pro- fessora considere que muitas criangas ja sejam tradas” ao chegarem A escola e, que, em decorréncia disso, a aprendizagem se efetiva de forma mais rica ¢ eficaz, na “prética”, ou seja, nas situagdes de ensi- no-aprendizagem de leitura eescrita, tis fatores (co- rnhecimento anterior do aluno antes do inicio do pro cesso formal de escolarizagio) néo sao valorizados e reconhecidos pela professora, pois, de acordo com 0 que pudemos observar, ao longo de nossa permanén- cia em sala de aula, 0 aluno s6 estaria “autorizado” a lere a escrever apés ter cumprido todas as etapas do método de alfabetizagio de que se valia a professo- 1a, isto 6: conhecimento das Vogais, depois das con- soantes, formago de sflabas “simples”, formagao de frase, e, somente no final do ano, a produgao de “tex- tos”. E fundamental assinalar que pudemos obser- var que as criangas eram submetidas a intermindveii sessdes de treino e repeti¢do (tanto oral quanto escri ta) de palavras e frases absolutamente descontextualizadas e artificiais que, de forma algu- ‘ma, portanto, faziam sentido em seu saber discursivo, em sua memséria, enfim. Quanto a isto, vale citar Bethelheim e Zelan (1992), que afirmam: “(..) 0 ensino da leitura por meio da apresen- tagdo a uma crianga de algumas setenta palavras de- sinteressadamente simples, isto &, menos do que duas por semana e isto num momento em que seu vocabu- lério funcional é umas cinqiienta vezes mais amplo, consistindo em palavras muito complicadas e mais importantes emocionalmente é, em si mesmo, uma condescendéncia negativa. Quando, além disso, as hist6rias construfdas com este vocabulério to “las- timavelmente” pequeno esto repletas de interminé- veis repetigdes sem sentido, com as mesmas pala- vras vazias, chatas e na maioria das vezes monossildbicas, entdo tudo isso se transforma num 28 insulto para a crianga, a qual esta sendo tratada como uma pessoa estiipida”. (p.37) Nessa perspectiva, gostarfamos de lembrar que, segundo Tfouni (1996), deve-se levar em conta todos os conhecimentos anteriores do aluno, sua ba- gagem cultural, seu grau de letramento, etc. ‘Segundo Recorte “Outro dia, na reunidéo pedagdgica, nds dis- cutimos muito sobre isso ¢ chegamos & conclusao que menino letrado € 0 menino que tem bagagem ou porque os pais leram para ele ou porque a familia conversa com a crianca, ou porque a crianga vé muita televisaio, assiste filmes, os pais compram livrinhos, Jornais, elas lem gibis, etc... Qutra coisa que foi fa- lada € que os alunos de hoje sao letrados porque eles conhecem o que é tecnologia desde pequenini- nhos; qualquer crianga de trés anos hoje poe um videocassete para funcionar. Moleque de seis anos lida no computador methor do que a gente. Falar ‘que a crianca é letrada é falar que ela tem cultura e conhece tecnologia”. Podemos verificar também que, de acordo com esta posigao de sujeito, o letramento no se relacio- nna apenas com a bagagem cultural do educando, mas também com os conhecimentos referentes & tecnologia, pois, segundo 0 que ela mesma afirma, “falar é letri lar que el Jtura e conhece t ia”. AsafirmagGes contidas nesse segundo recorte remetem-nos aos estudos de Tfouni (1995) acerca da variedade de enfoques do conceito de literacy. A au- tora apresenta-nos algumas das perspectivas sob as quais 0 termo literacy tem sido focalizado na litera- tura inglesa, principalmente norte-americana. Vejamos, entdo, o que nos diz. Tfouni (op. cit.) sobre tais enfoques. Em uma primeira perspec- tiva, denominada pela autora “individualista - restritiva”, literacy & vista como estando voltada exclusivamente para a aquisigao da leitura/escrita. A segunda perspectiva, chamada “tecnoldgica”, por ‘Tfouni (op. cit), relaciona literacy, enquanto produ- to, com seus usos em contextos altamente sofistica- dos. Tem, ainda, uma visto positiva dos usos da lei- tura e da escrita, relacionando-os com 0 progresso da civilizagdo e desenvolvimento tecnolégico. Por fim, a terceira perspectiva, a “cognitivista”, enfatiza Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, dezembro/99. © aprendizado como produto de atividades mentais, , em decorréncia disso, 0 educando € visto como 0 principal responsavel pelo processo de aquisigao da escrita, Essa perspectiva esté sustentada sobre o pres- suposto de que 0 conhecimento ¢ as habilidades tém ‘origem no préprio individuo. Portanto, so valoriza- dos os processos intemos e ignoradas as origens so- ciais e culturais do letramento. Cumpre ressaltar que todas essas perspectivas so criticadas pela autora, pois, segundo ela, essas concepgdes de letramento atualmente em uso nao sao nem processuais nem histéricas, Dentre as criticas de Tfouni (op. cit.) as trés posigGes apresentadas (in- dividualista-restritiva, tecnoldgica e cognitivista) destacamos a que diz respeito ao fato de que em to- das elas literacy 6 entendida como aquisigio da lei- tura e da escrita, sendo que as “préticas”, “habilida- des” e “conhecimentos” so sempre voltados para a codificagio/decodificagio de textos escritos. Ainda, segundo a autora, o que existe de fato, em todas es- sas concepgGes a-histéricas, é uma superposigo en- tre letramento e alfabetizagdo. De forma implicita, aparece também uma rela¢o entre letramento, escolarizagao e ensino formal. Outro fator eritico destacado por Tfouni (op. cit.) nesse contexto tem a ver com a questio de essas, perspectivas focalizarem sobretudo 0 produto “(...) quer no plano individual, como € o caso das perspec- tivas individualista e cognitivista, quer no social (perspectiva tecnol6gica)”. (p.33). Dessa forma, “(..) letradas seriam somente aquelas pessoas que sabem ler ¢ escrever, ou seja, pessoas alfabetizadas escolarizadas (visto que na nossa sociedade a alfabe- tizagdo é levada a efeito na escola)”. (p.34), Retomando nossa andlise, destacamos que as pistas lingilfsticas que se sobressaem nos recortes referentes as colocagdes da segunda posigio de su- jeito sobre a questo do que € ser letrado(a) reme- tem-nos & segunda perspectiva de literacy, a “tecnol6gica”, conforme Tfouni (op. cit.), segundo a qual, conforme j& dissemos, os usos da leitura e da escrita tém conexdo com a civilizagdo e desenvolvi- mento tecnolégico. Trata-se de uma concepgao utili- téria, que se fundamenta em um sujeito “adaptado” as regras socioecondmicas, ¢ que exclui os usos da escrita que nao sio voltados para o pragmatismo (usos, por exemplo, voltados ao prazer estético, & expresso da subjetividade, etc.). Paidéia, FFCLRP-USP, Rib. Preto, dezembro/99. Terceiro Recorte “Serletrade é ser alfabetizado, ¢ bem alfabe- tizado, 0.que permite ao aluno ter habilidades para escrever muito bem, se virar em qualquer assunto que a gente trabathe em classe” Dando continuidade & nossa discussio, e ten- do em vista as pistas lingifsticas assinaladas no ter- ceiro recorte, isto é, “ser letrado é ser alfabetizado, © que permite ter habilidades para escrever muito bern”, podemos perceber que, para essa posigo de sujeito, letramento é sinénimo de alfabetizagio, sen- do que esta se restringe ao aprendizado de habilida- des especiais, no caso, “escrever muito bem”. Considerando que nos filiamos aos estudos © A abordagem de Tfouni (1994, 1995, 1996) sobre o letramento, convém salientar que, de acordo com 0 enfoque desta autora, o letramento & um processo mais amplo que a alfabetizagdo, pois, enquanto esta se refere & aquisicdo da escrita enquanto aprendiza- gem de habilidades para leitura, escrita e as chama- das praticas de linguagem, aquele focaliza aspectos sécio-hist6ricos da aquisigdo da escrita. Vale desta- car que os estudos da autora sobre letramento inves- tigam no somente quem é alfabetizado, mas tam- bbém quem ndo é alfabetizado e, nesse sentido, desli gam-se de verificar 0 individual e centralizam-se no social. No que conceme a pritica pedagégica de ensino de leitura e de escrita, a partir de uma concep- fo de letramento como sinénimo de alfabetizagio (como a que examinamos acima, no terceiro recor- te), verificamos que esta prética se dé a partir da concretizacdo de tarefas, exercicios e atividades que também enfatizam o treino de vogais e consoantes a repetigdo de palavras. Por conta dessa concepeio equivocada de letramento (enquanto sinénimo de al- fabetizagdo), a escola vem produzindo grande quan- tidade de “leitores” até capazes de decodificar qual- quer texto, mas com enormes dificuldades para atri- buir novos sentidos ao texto, Outra questio relevante para o tema em discussio, e intrinsecamente associada A concepcao de letramento como sinénimo de alfabetizagao, tem a ver com a extrema valorizagao do “ensino” de gra- mitica, em especial de ortografia, nas séries iniciais do ensino fundamental, como podemos verificar no quarto recorte. 29 Quarto Recorte “Eu penso que aluno letrado é aquele capaz de resolver os problemas da lingua, porque 0 nosso portugués ndo é fécil, tem muitas regras, a ortogra- fia, por exemplo, é super complicada para a crianga aprender” Entretanto, conforme pudemos constatar nas observagdes de aulas que realizamos, 0 trabalho pe-

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