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Luciano Oliveira DO NUNCA MAIS AO ETERNO RETORNO Uma reflex4o sobre a tortura editora brasiliense nak aeih © by Liao Os, 184 Detain do ungyion Poe {(Chonsea Brasileira do Livre, sr, ey | Bmbarathanda os dade SUMARIO Encarando os fatos Ninguém pode atirar a primeira Petia Insurgir-se A tortura que (quase) nto ousa dizer seu nome... A tortura como fendmeno.. De volta a0 eterno retome .. indicagdes para leiturs Para Thérése e Jilia, Isabel ¢ Marieta, @ “Olivelrinne’, in memoria ENCARANDO OS FATOS Na manha do die 27 de agosto de 1993, no Recife ~ cidade onde, em 1964, 9 lider comunista Gregorio Be- zerra fot omarrado ¢ artastado pelas ruas, enquanto era espancado a coronkedas por um oficial do Exéreito - foi jnaugurado o primeiro momumento para homenagest as vitimas da repressio militar nos anos 6 e 70 no Brasil guilhotina, Isso foi na manhé de uma sexta-feira. Menos de 48 horas depois, na madrugada do domingo, no Rio de Janeiro, ocorteu a chacina de Vigario Geral. Némero de mortos: 21 pessoas. Aiguns meses antes, jé havia ocorsi- do a chacina da Candelérie, Némero de mortos: sete ado- escentes. E menos de um ano antes, wo massacre do. Ca- peseceeieseonoeumrmeetonemnrs Luciano Olivelra Do munca mais ao eterno retorno randirs, os mortos atingiram a eifra impressicnante de TLL Ne total, € 56 considerando esses trés acontecimen- tos, a verdade que o aparato de repressfo incrustado no Estado brasileizo — de forma oficial no caso do Carmdi- zu, de forma clandestina nos owiros dois ~ foi responsé- Brasil: munca mais (Arguidiovese de S40 Paulo, 1985, pp. 291-3), E quase a metade do németo total de calculado em cerca de 330... fa contabilidade que me perguntel se, em vez de nos vanglosiarmos com um vi- bbrante nunca mats, nio seria 9 caso de fa forraula célebre pertence a0 fi- Nietzsche, que di uma montanha suiga, no verdo de 1881, teve de sepente essa intuiggo. Ela lembranca por razdes peramente de ro dle suas possiveis combinagSes; mas, de ontro Lado, sendo 9 tempo elem, tudo 0 que acontecen est condenado 2 acomieeer ‘outra vez. Nietzsche estava falando sério. Tanto que che- ‘you # pensar em investigar os fundamentos matemélicos Ge sun intuigio, projeto que terminow abandonande. va de eterno retorno traz consigo tert se tudo esti fadado a se fim dos tempos, qual o sei Depois veremios uma das soluctes possivels que pressa, remeter tal repetigo 8 permanéncia dos mesmos elemen- tos contra o pano de fando do tempo, Como jd sabemos Repiblicas que temos tido, Ao moda de produgiio escra- vagista, vigente durante quase quatro sécvlos, sucedeu um capitalismo sem preocopagées sociais e uma demo- ctacia de pouros cidadios. A pobreza, x miséria e a sub- rmissao das massas asseguraram ac lade de uma estrafura que permaneceu subterrnea, minando as pers~ fas de mudanga das varias ruptiras de aparéncis verificadas nos ilsimos cam anos. ‘Nada exemplifica melhor essa permanéucia do que @ continuidade existente entre os “castigos fisicos” que Rei Ge ‘ Do nunca mais ao eterno retorno n qualquer capitio-do-mato aplicava antigamente aos negros fujBes e as torturas (As vezes chamadas eufemisticamente ce “maus-tratos”) que qualquer comissério de poifeia apli- ca ainda hoje, sem maiores conseqiéncias, 2 qualquer lax Gro pé-de-chinelo. Qu seja: parece que estamos perma nentemente condenados a exorcizar a forlusa 6 as execu- ‘nas numa radiosa sexta-feira de manba, para de nove na calada da noite do dia seguin- vivem & famosa “queda do muro”. No ano de 1992, s6 no Rio de Janeiro, foram assassinados 424 criancas e adoles- centes (Veja, 28.7, nuimero que ulirapassa com folga os 325 “subversivi executados durante todo 0 regime onde a ROTA (Rondas ‘Tobias Aguiar) executa bandidos ov simples suspett ticamente as eseanearas, caicula-se que a Policie Mi como um todo, desde sua eriagio em abril de 1970 — guando houve a fusio da Policia Civil com a Fores Pibii- ca ~ até junho de 1992, foi responsével pela morte de mais de 4'mil pessoas! miimero pareve inacreditivel, mas a fonte & fide- digna: trata-se do jornatista Caco as vitimas fatais. A afirmagio de que as m rem de tiros trocados entre as duas partes reve! se uma fantasia com base na constatagao de que nao hd registro, de confrontos com uma despro- cada um dos lados: 97 civis mortes para cada policial morto (Barcellos, 199, p, 259). Além disso, os estudiosos da guerza cons- tata quo a troca de tiros entte dois grupos armados sempze resulta num mimero de feridos bem superior ao e vitimas faiais. Na “guerra” da PM de Sio Paulo con- ia 0 banditismo, os nimeros dos tiroteios apresentam a assustadora marca de 265 mortos para cada ferido! (idem, p. 119) Além disso, a descuipa oficial segundo a qual os moztos seriam bandidos perigosos, autores de La- trocinios © estuptas, por exemplo, revela-se uma mitolo- jentida pelos nimeros: “os estupradotes © assal: ac matam nfo chegam a representa: 1 por cento simples suspeit pre: serena pobre: réncia preios © pardos etc. [sso para nao falar dos que so cotidianamente presos ¢ “simplesmente” tortuados aas nossas sinisteas repattigdes de roubos ¢ furios. Esses $20, literalmente falando, incalculéveis. £ 0 caso de perguntar: que pais € este? ‘A melhor resposta talvez no esteja em Marx, nem no deputado Franc , mas no Capitio Segura. Trata-se de um personagem do eseritor inglés Graham Greene, que no romance Nosso homem em Havana, pas- sado em Cuba no tempo ce Fulgencio B "penn sonnsoragnaemneenoenemanenmngoness _piereeenemenreae ere nore 2 Luciano Do munca mais ao eterno retorne figura embiemética, Oficial encatregadlo de um dos bra- ‘cos da onipresente Seguranga Nacional, o Capitiio Segu- 12, dotado de uma inegével vocagao pare a filosofia da histéria, havia construido, como tantos outros antes tum esquema dicotémico pelo qual s¢ punha a refl bre © mundo. Para cle, a humanidade esti uas grandes classes: 2 dos “Ioriurdveis” e a dos “nao- forturiveis”. Numa passagem do romance, ele ex; essa suta filosofia “E quais sfo os que pertencem?”, pergunta 0 tado siidito de Sua Majestade britinics. A resp: oficial cubano € de uma franqueza desconcert pobres de meu proprio pais... e de qi americano, Os pobres da Europa Central e do Oriente. Claro que, nos paises dos senhores, onde rein 0 bem estar, 0§ senhores nfo tém pores... de modo que sio in- torturdveis", H aproveita 0 ensejo para enriquecer sua teo- ria com uma varigvel geopolitica de fazer inveja 2 Stalin: “Unna das razbies pelas quais 0 Ocidente odeia os grandes Estados comunistas & que estes no reconhecem distingses de classes. As vezos torturam pessoas que néo deviam, O mesino, claro, fez Hitler © escanelaiizon 0 rmundo” , evidentemente, condenar o Cepitao Segura ; mas temos Ge como método de inguisigio e de intimidaglo, tanto quan- to as execugdes sumérias de bandidos ou de meros sus- peitos das favelas ou da periferia, sempre fe cotrentes na nossa sociedade, Numa persps 22 duragio”, tais priticas — para retomar a varidvel tem- po ~ fazem parte da nossa hist6ria de scmpre. Mas, isto, evitemos os complexos de inferioridade indteis ¢ justos. O nosso caso, na verdade, no é o primeira nem 0 nico na histéria da humanidade, Nio 6 de hoje — nem mesmo dos ditimes quinhen- tos anos ~ que as sociedades reservam aos que clas con- sideram pessoas desclassificadas um destin mais cruel que aguele reservado aos seus cidadies de bem, na hora biblicos é assim. Quem ‘guém menos que o apésiolo Pau! ssio de tortura para que se dadao romano?”. 0 cent ca-se da cidadania de Pauio ¢ suspende a orden. E, com- pleta 0 evangelista, “o tribuno atemorizou-se, quando dor de policia que, no Brasil, sabe {que tudo pade contra qualquer favelado, mas que & prati- camente impotente quando se trata de zeprimir os exces- sos de qualquer cidad3o bem-nascido. Talvez nfo seja exagerado dizer, dentro da mesma linha de racicefaio, 4 Luciano Oliveira Do nunca mais ao eterno retorno 1s com 0 qual 08 cidadaos jgios inerentes 20 seu Status, seja um antecedente longinquo da pergunta ma- andra com que, entre nés, as pessoas bein situadas na escala social tentam esquivar-se de prestar contas & lei: “Vocé sabe com quem esté falando?” ‘Também jé foi assim na Europe civilizada a que se sefere 0 Capitdo Segura. Na Franga, até que a Revolugao de 1789 igualasse todo munde na hora de prestar contss ao carrasco, aos nobres era reservado 0 métode indolor a decapitagi, enquanio para as pessoas de baixa extra- fo sobravam geralmente a forca, a fogueira e o terrivel suplicio da roda, no qual o carrasco, depois de amarrar a vititoa na horizontal com 0 rosto virade para 0 céu, bra- {G08 € pornas bem abertos fazendo um grande “xis”, que- brava-lhe as articufagées des membros com uma barra de ferro, depois aplicava-the alguns goipes violentos no Era chamado suplicio da roda porque, finda parte, © carrasco dobrava 0s bracos e per- de modo que os calcanhares 2, © amarrava 0 sinistro “em- ‘brutho” numa roda, também na horizontal, que ficava ex- posta a0 piblico. Esse método, ainda que com grande economia de etalhes, é mostrado num filme de capa-e- espada de Philippe de Brocea, Cartouche, no qual Jean- Paul Belmondo interpreta com charme ¢ graga o persona~ io, um célebre salteador francés que terminou seus dias dessa forma ingl6ria em 1721, quando contava apenas 24 anos. feeeenmenene Esse tipo de justiga sangui Revolugio Francesa, animada pelo espiti época. O Cédigo Penal cevolucionério de 1791, c setenta anos apés 0 suplicio de Cartouche, estabeiecia Jogo no seu artigo segunda: “A pena de morte consistird na simpies privagio da vida, sem que possa jamais ser jnfligida qualquer tostura aos candenados”. Bo artigo seguinte, ao esclarecer 0 novo método de execucéo, cli- minava as diferengas enire nobreza e povo, estendendo 0 que antes era privilégio daguela ao conjuato dos cida- dios: “Todo condenado & morte tert a cabeca cortada”. Daf a invengio da guilhotina, pela qual passaram, de craticamente, cidadios comuns © bem-nascidos, culti- nando com a execugio do rei Litis XVI ¢ da raha Ma- ria Antonieta, sua desditosa esposs, Inaugurava-sc, por assim dizer, a sociedacle medema, a qual, do ponto de vis- ta que nos interesse, caracicriza-se pela igualdade de to- dos perante a lei, © a prOpria lei, por seu turno, pela ado- gio de métodos de repressao que excluem a crucldade tipica do ancien régime. Sociedades como a brasileira jo, pré-modecnas, na medida em que con- Hiauam professanéo uma filosofia da historia peé-ihumi- nista: a do Capito Segura, Do nunca mats ao eterno retorno wv EMBARALHANDO OS DADOS. E aqui que se insinua aa nossa reflexio um compli- cador a mais: melhor seria, para nosso préprio conforto ideol6gico, que aos depardssemos apenas com a simples op civil de “torturaveis”, Infelizs . Bm paises como 0 Br blica — ¢ que alids inclui os préprios “torturaveis” — convive pacificamente com a idéia de que a polieia pode prendec € bater em delingientes, malandros, suspeitos ete., provenientes das classes populares. Iss politicamente desconfortivel que seja admis da nossa cultura, integra 0 nos’ que os militantes de esquerda tivessem descoberto a questio da tortura a partir de sua propria experiéncia nos porGes do regime, a miisica poptlar ja registrava maus- {ratos contra fayelados com @ coisa mais naturel do | ! mundo. Em 1964 — ano emblemético -, no c6lebre show Opinido, uma‘ das misicas de Z6 Kéti, incorporsndo a fala de um desses cidadaos, dizia: Que eu ndo muito de opiniao Dagui do morro Eu nao saio, nao. © que mais chama 2 atengie no verso “podem me ido € 0 seu realismo, 6 sua naturalidadc, com a num episédio mnos, pasando loja de oupas, notei uma grande confu- de grave tivesse acontecido no sen informade de que usa ladréo tiahs sii lo no banheiro. “A espera da policia?”, perguntei. “Nao”, respondeu o balconista. E explicou: “O ladrio reoruta do Bxército, € 2 policia néo pode bater”. E isso ito sem nenhem espanto, como se fosse absolutamente natural que o ladrio, pelo sexx delito, fosse passivel da pena de espancamento. 86 que, por ser recrata do Exér- tinha direito a um regime especial ‘A miisica de Zé Keti é de antes do ALS, © 0 meu iados, da liberdade de imprensa etc. E como so, indopen- dontemente desses acontecimentos ¢ indiferente a sua 1B Lxciano O1 grandeza, © pais real continuasse giredo na érbi sempre. Ou seja: 0 formidével aparato de repressie do a partir de 1964 e consolidate em dezembro de 1968, com @ seu cortejo de prisdes arbitrarias © clandestinas, Ge tortoradas e desaparecidos, nao foi uma iavencao ex ‘Antes dele tado isso j& exist jo. O pat-de-arare, tado pela repressio, daqueles anos de chumbo 2 ponte de se tornado simbolo do movimento ~ ¢ de monumento m de muito longe. De forma izado pelos seniares de escra- vos par os, como se pode ver em gravuras de Debret. 0 escravo era colocado numa posigao semelhan- te A de um remador inclinado pars a frente, ¢ tina os pulsos amurzados aos tornozelos. Em seguida, passava-se um pau através da cavidade formada pelo arqueamento dos cotovelos e joelhos: 0 escrava nfo podia mais se me- xer. A policia brasileira, bern antes de 1964, aperfeigoou ‘esse castigo, transformando-o num instrumente de tortu- za: uma vez imobilizeda a vitima, ela era suspensa € 0 pan apoindo pelas extremidades em duas mesas. Nessa s até que, como se diz, “desse 0 servigo" 0 que de novo ocorte a pa tudo @ partir do AIS, & que a tortura passa @ segmentos sociai i des: estudantes, politicos, advogados, jornalistas, intelec~ tuais etc. E bem verdade que, antes, verificou-se uma es- pécie de prelidio do que depois iria ocorter em larga es- Do munca mais ao eterno retarne cala, Foi durante a ditadura de Vargas, época em que a torture no Brasil atingie um novo estigio, Dessa vez, jé nfo se stave do um “sargento Getiilio” qualquer que brataliza um pobre camponés num grotfic perdido do pais imenso, nem de um comissério de bairro quo aplica 2 palmatdria um ladrio, Até essa época, a boa sociedade sinda estava ao sbrigo desse tipo de arbittariedade, e os governantes, muito longe, nem sequer ouviam os gritos nas cadeias, Durante o regime de Var- tora se poe a servigo de um desi ste ao governe, A “poli- lo Milller, © seus peritos, m inge também pessoas bem si- tuadas a escala social. Subitamente, as camadas médias da sociedade brasileisa, ainds que de maneira bastante noritéria em relagio aos opositores de origem ope caem momentaneamente na categoria dos torturéveis. © regi querda © & insurzeigao promovida pela Alianga Naci ra em 1935, que ficou conhecida como “Intentona Comu- nista”, Uma vez dominada a insure, seguiunse wm te, pela primeira vez cla repressio, aligs, que continica muito além éesse epis6- dio. Trés anos mais tarde, foi a vez da direita: de 1938, militantes da Acio Integralista Br que havia apoiado Vargas por ocasifo da “Intentone”, mas que se sentin traida quando o ditador, em 1937, fe- 20 Luciano Oliveira chou todos os partidos politicos ~ lanearam uma agio ar- mada contra 0 paldcio do Catete, sede do govern. A tontativa de golpe foi repidamente dominada, ¢ foi a vez de os mifitentes da AIB conheceren, eles também, os métodos da policia politica de Filinto Miller. Esses fatos esto relatados mum livre hoje esquecide do jomalista Davici Nasser, muito apcopriadamente chamado Falta al- guém em Nuremberg. Esse “alguém”, j4 se adivinha, re- fere-se ao proprio Fifinto Miller, o qual, alias, passou de uma ditadura a outra sem maiores problemas: quando motren, em 1970, num acidente agreo no aeroporto de Only, na Franga, era o lider do governo no Senado. Nessa casio, 05 militantes de esquerda, num exerefeio de hu- se vingaram simbolicamente do falecido fa- lar 0 bosto de que 0 aviao teria caido por nio ter suportado © peso de sua consciéncia Com o fim do regime de Vargas, tortura p 1a, os torturadores se voltam para a clientela de sempre. ‘Mas em 1964, ¢ sobretudo a partir de 1968, a classe mé- ixada ao nivel daque- las pessoas em quem os esbirros do Capitéo Segura po- dem par a mao. Como vimos, durante o regime de Vargas inha acontecido, mas de forma minoritéria, uma vez que a grande maioria dos perseguidos era de militan- tes de esquerda provenientes dus classes populares: op Gantes universitérios ou detentores de om diploma de ni Do munca mais ao eterno retorno vel superior, Essa informagio ¢ confirmada por dados procisos: segundo levaniamento do projeto Brasil nunca mais sobre a ocupacko dos condenados pela justiga mi tar, 2491 pessoas, mum total de 4476 — isto é, quase 56% | = inseriam-se naquele perfil (Arquidiocese de Sio Pau- , 1988, p. 21), Foi essa geragio do esquerdistas torturadas que deseobriv & questi dos direitos humanos no Bi transformou mama nova palavra de ordem. & Lei de Anistia, votada em agosto de 1979, possibi dos exiledos € a liertagao dos p Nesse mesmo ano, um dos maiaces Gil, a comovente “Nao chores mai da poesia o sen geral de a ‘um novo eomegsr Amigos pres Pra nunca Tais recardagbes Retratas do mal ens si Methor é deixar pra fi Os tempos eram de transbordante ofimaismo, retra- tado no animade reftio finat em gue 0 compos umigos sumindo assim classe dos “torturdveis continuidade entre 0 combate pelos €poce do regime militar © 0 combate que se seguiu con- Luciano Oliveira Do nunca mais ao eterno retorno tra a repressio ordindria jé nos anos 80. Essa cor dade aparece claramente quando se 18, por exempl antor mais famoso da literatura memoriali guertilha perdida que protiferou no p: descobriu o iefeino do exempl ue fie ceposiglo a vio no contexte desse tomada de conseiéncia que as comissies de Justiga e Paz, surgidas nos anos 70, se mul- siplicwm; que aparecem organiz’ como 2 Comissio uum dos fundadores -, 0 Grupo Considerande-se 0 prest fos bumanos no curso da luta 6% de esperar idént Mes 0 que acontecen foi o contrério, go em seguida, a tortura no desapare- cou, apenas voltou ao seu enderego de sempre. Em jalho sn. que no Congresso se dis- reportagem da revista Veja sobre a tortura poli mum, dava o seguinte depoimento: Existe uma pressio de propria sosiedade para que 9 policia pratique a violencia, Essa pressfo 6 mais af ‘casos de erime costes © patriménio: 2 vitime néo s© spends com 2 elicidagio do ctime e # prisio do seu autor. mas quer 2 tecuperagio dos objetos roubados (1.7.79), Sabemos que ess¢ depoimento nfo constital uma mera defesa em causa propria, mas, a0 o% sa a crenga, to difundida na nossa opiniso pablica, de | que ladrao tem que apanhar — como o sabe até um sim | ples balconista... Ainds mais cecentersente, am velho re- pérter paulista aposentado criticava os novos jor que dao osvides ao que dizem os handidos, dos seus 47 anos de experisneia como repéster polici ensinava: “Toco bandida diz que munca fez nada”. Por isso recomendava 0 uso da torters: “Quando um preso rio quer confessar um crime, tem de ser submetido a vm método corretivo, ou seja, deve apanhar” (Jornai do co disseminagio de idéias desse tipo a par quis, na década de 1986, qus (08 anos passam, mais os grupos de defesa dos dit manos se véom confrontados com 2 embaragose acusaciio do serem “defensares de bandides”. On aston que al ferocidade com que a policia combate os delingilentes ~ on supostos delingtiontes ~ provenientes das classes popalares, cobrando do Estado ads mais do que respeito &s leis formalmente em vigor, para que se 2 Luciano Oliveira Do munca mais ao eterno retorno iniciasse, paralelamente, um processo de deserédito de sua causa. O ntes que saem em defesa dos que sdo tor- turades pela policia costuriam ser intetpelados com aria vitima?”, Essa 6 uma pergunta ouvida que milo parecé exagerado dizer que es de uma verdadeira campanka. Basta, 21 mensagens gue sio pessadas para 10s con- de que tal campanhs, ainda que No decorrer de um de seus programas, cu} vai a mais de i mithio de pessoas, Jozat Tinguagem grosseira, ehege a iguatat os defensores dos dizeites humanos aos detingiientes: bd ainda esses defensores de diveitos pra esses mal icos, que tém a desfagatez, 9 petwlincia, 2 corsgem de des, de dizer que eles sf ponte, sio homens. S50 ‘Quanto ao que fazer com os préprios delingtentes, a solugio pregada 6 2 :aais expedida possivel: ‘Tinks que pegar esses presos intecuperiveis todos num paredie © queimar com tancscchamas. , acabous 0 problema, 13 € 16), Um outro apresentador, Wagner Monies ~ dublé de sta, cantor ¢ jurado de televisto na emissota de vio Santos ~, entrevista delinguentes teproduzindo no iteeeceeneomeeret esttidio os métodos ¢ o clima dos imerrogetdrios ps inclusive com sons de tapas no fundo. Nam ‘gramas, a tortura chega a ser incentivada om cl brincadeira: “Vamo lev os dois If pra saln da sessio de smura, rapazieda, ¢ tocd pra eles a suite quebra-nozes” idem, p. 15). © mais preecupante, extretento, € a boa ccolhida gue essas macasageas {@m no seio dos préprics segm cexcraplo, om 1986, no socisis mais desfavorecidos. P Recife, uma pesquisa de o na que S3,7% das pessoas entrevistadas i a eliminagéo dos marginais pela polfcia, enquanta 43,8% eram a favor icagdo de castigos corporais nos prozos. Esses, ea- tuetanto, sic percontusis agregados. Quando os desagte- gamos por rena, constatamos que quante menor esta, maior a adesfio a essas modidss. Em relago & pena de ic, por exempio, que reccbeu uma aprovagio global de mos, $8,7% 1987, pp. 40: Poter © “torluraveis” ¢ “climind portanto teoricamente os mais interessados numa pi respeitadara dos direitos humanos, os segmentos mais eis 208 discursos di 26 Luciano Oliveira Do nunca mais ao eter relorno n estdo expostos & acdo da criminalidade violenta que hoje rada, ‘Go elaca e, mm certo sentido, ideologicamente re- | om dia assota os grandes centros urbanos do pais. Este & confortante dos anos 70, foi substituida por uma relagie | tum fator quo nfo deve ser desconsiderado: © desdém po- bem mais complexa, talvez impossivel de ser definida pular contra os direitos humanos, se, de um lado, se ins- ro termo que nao ambigtidade, pois ela varia da fe da sociedade mntra 0 massacre de Vigadrio Geral 20 ‘Ou seja: apanhada ia @ a dos mar- a pepulagio tanto & capaz de protestar quando as jas sio hopestos pais de familia, quanto de aplaudir quando 0s mottos sfio bandidos. Noutras palavres, a po- pulagio, acuada pelo medo, reade-se a idéie, tao tradicio- nés, do combate 8 criminalidade por métodos jente criminosos: espancamentos, prises arbitracias, justigamento — enfim, todo o roi de horrozes que histori jguram a repressao policial no Brasil. Mui- a propria populagao toma a iniei sis barbaridades, ‘ca — hoje em dia nfo tio | Ou seja, a sealidade brasileira, pelo menos para o cide- dio comum, tornou-se mais cruel em relacie a época do um periodo em que, paradoxalmente, © tema dos direitos kumanos florescen no Bra: bandeira que acenava para melhores perspectivas. Voltemos aos anos 70 ¢ & miisica popular. ums cingio de Chico Buarque, “Acorda am se contava a bistéria de um malandra das classes tes que sonhave ter desaparecido nas mios da Era, obviamente, uma alusiio aos desaparecides pol ¢ & cangéo esposava o mito do “bom bani ‘eamente cot las vezes, perpetrando as mais t £0 que acontece na fFicava claro no verso-refrio, em que 0 compositor fazie rara assim ~ dos linchamentos. Mas, @ que € mais grave, ‘em ver de chamar a po nao se trata apenas do linchamente répido © expedito, we afinal de contas torturava, matava e Zazia de- | como forma de justiga suméria 2 fa Robespierre, “sem saparecer 0s compos, 0 autor clamava: “Chame o ladrlo/ que possa jamais ser infligida qualquer tortura aos con. chame o ladrdo...”. $6 que, vinte anos depois, a cengio, | denados”. Nao, Atvalment comega @ se de- que continua gi porque 0 Jedslio chegon eo que se vé € que ele tambs pode seqiestrar, torturar © matar, igualzinko & pol Dai o grande complicador com que se defrontar a mente os militantes dos direitos humanes oposigio Estado torturador versus sociedade ci , aparece retrospectivamente detada, | senvolver uma espécie de jurisprudéncia macabra segun- do 9 qual os tinchados devem morrer lentumente: pritaei | ro, murzos, pauladas © pedradas; finda essa pri te, arranja.se. dicool e ateia-se fogo a0 agonizante, que | more queimada, Como izada das paginas policinis, a semengs de morte € executada com seneonocanenesss npnggemnmnmeinos Luciano Oliveira Do munca mais ao eterno retorno “requintes de crueidade”. Assim accnteceu em julho de 1993 com trés rapazes da zona Norte do Rio de Janeizo, Jinckados no baitso de Olaria av serem confundidos com ladies porque sairam correndo de um Onibus onde tinham promovido uma algozarra, Bastou alguém gritar “pega drdo!”, ¢ 0 infemo desabou sobre eles. Duas horas de es- pancamento; depois, fogo. Segundo o relato nfo do escan- duloso Noticias Populares, mas da respeitivel Veja: ‘Um senior surpin com dois Tiros de éleool. Espalhiou 0 Ifquido sobre os corpos dos rspezes. Jogos um palito de festor0. Cain opagado. Um menino do uns 14 anos riseow outro fésforo. Deu certo, As Jabaredas exgueram te fo- spctes humnenas (147.93). ‘Um dos finchados, préximo do fim, chegou mesmo 9 protagonizar uma cena semelhante a um epi antigo de dois mil anos: “O rapaz gemeu. A mt fio gritou, como num esto de futebol” ida de famente, estivéssemos retomando § pessous cram queimadas Mas nto apenas ads. Em majo de 1993, num um advogado colombiano ‘ga, Rodrigo Uprimny, dou da Comissio Andina de J uma informacéo desconce! grupos de trabatho que se estabeleceram na Cold para formular propostas de reforma & Assembléia Const i ie naquele pais, al- cer-se-i a pena de morte, com métados que causem dor © sofrimento, para as pessoas que pratiquem delites consi derados hodiondes” (Lisa Nova, n? 30, 1993). Parece set © caso de ampliarmos nosso embarago anterior e indagar: que mundo € este? Ainds aqui a filosofia do Capito Se- gura nos esclarece alguma coisa. Segundo os dados do Ailas mundial das liberdades publicado na Franca em 1989, contendo informagies sobre a situacio dos direitos Jrumancs n0 mundo inteiro, a eféssiea divisio Norte-Sul se reproduz também nese dominio, na medida em que © mapa da violéncia recobre quase inteiramente o mapa da pobreza. Isto é, os “orturdveis”, em qualquer lugar do mundo, sf0 sempre os mesmos: os pobres, como diz o per- sonagem de Graham Greene. Salvo quando, em oeasibes de confronte ideoligico e por razdes politicas, as torruras © as execugées sumirias transbordam sue jurisdicho habi- twal e passam a ser aplicadas aos segmentas da classe mé- dia e mesmo da classe alta, normalmente protegidos por suas imunidades sociais, Assim foi ao Brasil de Médici, no Chile de Pinochet, na Argemina de Videla ete.s da mes: ma manciza que foi aa Alemanha de Hitler, na vidtica de Stslin, na Argélia francesa ete. Nesse caso, 0 “etemo retomo” seria um fendmeno universal?. ® NINGUEM PODE ATIRAR A PRIMEIRA PEDRA Uma ripida vista d’olhos sobre 0 mundo neste séeu- Jo inclina-nos a pensar que a resposta € francamente posi- tiva, Isto €, que nao hé pove, cu esicjam, imunes ao pesadelo da int Mesmo 0 fato die huver softido nto passado uma dessas ex- petiéncins, como “torturével”, née vacina povo algum fagio de tomner-se, amatha, o protagonista de anéloga, dessa vez como opressor. Veja de im: plantacéo de eolones judeus nos discurso desses colones, reivindicande 0 formas porque teriam periencido aos seus antepassados motos, ilustra a douttina do “Grande Israel”, Ie parecida com a doutrina do “Espago Vital” de Hi Se, de um lado, no se pode igualar a democracia amo hitlerista, da mesma mansica que Tense a0 tote ocean De nunca mais ao eterno retorno © | no hé comparagto possivel entre os campos de refugi os palestinos e os campos de concentracio nazistas, de ‘outro nao € menos verdade que as forges de soguranca israeienses repetem em relagdo aos palestinos, ocasional- mente, priticas semelhantes &8 que vitimaram seu povo no passado, até mesmo a tortura. Em dezembro de 1991, ‘num coléquio promovido em Manila (Fifipinas) pela Or- ganisation Mondiale Conire Ja Torture (Organizagio ia) (OMCT), uma sdvogada israc- Tense, Léa ‘Tsemel, informoa que ama comissio especial do governo, nomeada por um juiz da Corte Suprema de acho sobre as pritiess dos servicos de seguranga e concluiu que havia a permissiio de recorrer ai a i6gicas, 0 que & Sbvio, mas igualmente @ uma “pressio fisice moderada” — expressio ilizada peta pr6pria comissio (OMCT, 1992, p. 46). © que se passa na Bésnia também € sintomético, nos conhecidos como chetniks adotaram uma politica de faxina étnica que nem mesmo 0s nszistes ousaram imagi- nar: o estupre em massa de mulheres. Segiindo un tério da Comunidade Eusopéia divulgado em fevereito de 1993, cerea de 20 mil mutheres, a maioria magelmenas, foram estupradas com essa finalidade. Dessas, pelo me- nos uma em cada vinte engravidou (Veja, ince de tais hortores, 0 ansiista é rondado at 22 Luciano Oliveira Do nunca mais ao eterna retorno 3B mundo tortura todo mundo”, © abrigar-se na resignagio, melhor safde, Tanto mais que 2 formula desesperada € falaciosa, Néo & sempre, nem € todo mando, que € 0 tempo todo torturtvel. Assim, por tras da aporente insa- \de parece subsistic uma logica, ov melhor, ¥ cabo entio a tarefa de tentar desvendé-las, Para ‘omecemios por ama breve consulta & histéria, Mais ‘um acontecimento 20 qual jé fizemos re- feréucia ¢ cujo vicentenirio comemorou-se alguns anos airs; a Revolugio Francesa, Do mundo antigo 2 Idade Média, a torture é um fenémeno assidue na historia da humenidade, Cr morfeu sob tortura ~ da qual P jou um jeito de ese cla era fartamente utilizada para extrair confissdes executar criminesos. Subitamente, no séeulo XVIIL, 20 bojo do Ruminismo, ela comeca a ser quest ge a ser formalmente abolida em quase todos os paises que compunham 0 chamado mundo civilizado da 6poca ~ basicamente 2 Europa ocidental e 05 paises periféricos sob sua infivéncia cultural, Também o Brasil, na Consti- unigde do Império, de 1824, abole 25 chamadas “penas erudis", Nesses paises, dos quais o Brasil £ um caso exemplar, essa aboli¢ao foi guase sempre uma ato mera- mente de fachada, ou valida apenas para 08 benp-nasci- dos, enquanto # massa de desprivilegiades permenecea na condigto em que sempre csteve, Mas, de qualquer ‘modo, a verdade 6 que a tendéncia aboticioaista expan- diu-se apés a Declaragio Universal dos Dit Homem, di ONU, soicnemente prociamada em 1948, nuis, desumanos ou degradant ios oficiais, 6 ébvio. Aqui & necessduio introduzis um paréntese que per tutha um pouco essa aparonte marcha do Sto humano ~ como diria Coredoreet, um dos gr 10. Existom, ainda hi wniversal, po Média, Asia ¢ Aft Bmirados Arabes, © Témen do Ni polos no menos te- cujas atrocidades 16m gal. G procedimento da | ple, é concebido de forma que # moxte nao sobrevenha 34 Luciano Oliveira Da nunca mais ao eterno retorno 35 ée modo répido, ocasionuda pelo impacto de uma pedra muito grande. © artigo 119 do Cédigo Penal islarmico, atuaimente cm vigor no 118, estipula 0 seguinte: “As pe- igir a morie por lapidaggo ndo 1 grandes 9 ponto de matar 9 condenado apés ‘80 pequenas a ponio ée no - (idem, p. 61). deverio noma ou duas pedradas, nes serem consideradas pedi No Sudio, em 1983, 0 governo, para obier Zavores econémicos dos paises arabes vizinhos, implantou a Sha- zais, pois a lei islémica manda punir em piiblico (Matto- so, 1984, p. 47), No Paquistao, uma lei de 1979 disci nando © agoite determina que antes de sua aplicagao o do inicio da execugio da pena, o médico tem razdes para exer que ela pode causer a morte do condenado, 9 exeeu- gio deve ser adiada até que ele sejz deciarado apfo a suportar 0 resto do castigo” (OMCT, p. 202). Bsses “cui- éados” atestam tanto 2 crueldade quanto s, capazes, seguade a propria previsio le- go, de levar alguém & morte. ‘Na Europa da cultura tas coisas Se passa- . Os historiadores sfo de modo geral unfnimes em reiagio a esse ponto: entre fins do século XVI € 0 aparecimento dos Estados totalitérios depois da Primeira Guerra Mundial, a sortaca tinha prati- camente cessado de existir na Enzopa. Claro que essa verdade histérica deve set nuangada, Assim, por exem- plo, em ocasides insurrecionais ~ Guerra da Vendéia, Comuna de Paris eic. =, a repressio exemplar que se se uc 4 esses movimentos € geralmente acompantiada de ropresilias terrfveis contre 03 vencidos. Iste 6, as atroci- dades antiinsurrecionais, entendidas come atos muitas ‘vezes gratuitos le crueldade praticados pelos vencedores, pertencem a todos os tempos e 2 todas as latitudes. O ‘que efctivamente Gesaparecen. foram as atrocidades como procedimentos “ordindries” de susteatagao de um regime polftico ou de uma ordcm social, O exemplo mais elo~ quente do desaparecitaento da toi politicas, é fornecido pelo acontecimenta maior do aismo, & Revolugio Francesa. Esta, como se sabe, fez rolar muitas cabecas, mas nao tortura, estabelecendo ama efetiva moptura com as préticas judiciérias sangiting- rias do ancien réj Para ver isso, consideremos um s6 exemplo, Em. 1757, em Paris, trinta ¢ poucos anos artes da Revolugeo Francesa, 2 populagio da cidade acotoveiava-se ta Place de Grave para assistir ao célebre suplicio de Damiens, ‘um mare na historia dos sofrimentos fisicos que o ho- ‘mem é capaz de infligir 20 prdprio homem. Da iveis até ser esquartejade, ainda vivo, por quatzo possantes cavatos aos quais foram atados seus L i 36 Luciano Oliveira Do munca mats a0 eterno retorne un Dragos © pernas, © suplicio, com todos os seus detalhes repugnantes, esié selatado logo na abertora do livso Vigiar e punir, de Michel Foucatlt. Contrastando com isso, (amento, apesar de tudo civilizado, a day om 3793, ano de ange wuiluotinada por ter assassinado eres mais populares da Revolugie. Eos investigadores encorregados co caso de Mat yy 08 nomes dos possiveis cimplices ‘se tocou sequer num fic de cabelo da tude das duas situagdes 6 terns ainda sis surpreendente a diferenca de tatamento que utn © tiveram de suportar. Em relagio 8 repressio policial comum, assisie-si iqientes do meio popular. As longes penas para peque- nos delitos, os traballios forgedos, as deportagses para as coldnias ete. eram regra no séeulo XIX. Nesse sentido, Jean Valjean, © céiebte personagem de Os miserdveis, de Victor Huge, condenade a vida inteita a perseguigdo do odioso Inspetor Javert peio roubo de um pao, constitu; uma figura emblemética, Apesar disso, existe uma dife- renga notavel entre 0 cinico Segura de Graham Greene ¢ ‘© implacdvel Javert de Victor Hugo: 9 primeiro era um tortuador contumaz, enquante ao segunda nunca teria pasado pela cabeca recorter # fais métodos para obter século XVEI dicamente a pol comuns, # torture estove foage de tornat-se, como era € continua sendo ainda hoje em paises como o Brasil, uma puitiea mais ou menos corriqueira Isso também. no significa dizer, de forma alguma, inal de comtas, como diz o delegado ow lima quer a recuperagio dos cbjetos roubados”, verdade que parece vélida independentemente de que lado do equador o roubo se dew. No proprio eldssi- co de Victor Hugo existe uma passagem interessaate a esse respeito, Na taverna do Thénardier, certamente 0 per- eram 0 oure do pela Veja, “a ilegais. Entre um copo e outro de vinho, os dois intetloce- sores imaginom diversos estratagemas para fazet Bouls- fe abrir © bico. Em determinado instante, o mestre- do-o & tortura, se preciso fosse, € que ele “nic teria resis- tido, por exemplo, & questéo da §gua™. “A questi” era o nome tGenico da tortura empre- gada pelo aparelho judiciério antes da Revolugio para ‘obter confissSes dos criminosos. A “question da gaa” ‘era uma das formas mais empregadas pata essa fim, O “questionador” (forturador) amarrava o “paciente jurado) num tamborete ©, com a ajuda de um ch boi furado et sua gosia, ol figua. Na terminologia técnica, 0 qu a questio”. A quattidade variava: quatro pintas (sx medida francesa que corcespondia a quase um Hi a “questio ordinéria” ¢ ito pitas pare a “questi ex- seaondindria”. No mesmo Cartouche hé uma se~ qiiéncin, se bem que em clima de comédia, mostrando tum ctimplice do céiebre bandido sendo submetido a essa ‘Come costurma aconteces ns fil- ma enfrenta seus algozes MOS OS 208505 locutores: tendo o mesire-escola Iamentado que j6 no se pudesse dar 2 “questi da agua” 20 sus; ‘Thénardier, sabendo que Boulatruelle era também chega- do a-um copa, propde com bom humor: *Vamos the dar a questi do vinha”, © Do munca mais ao eterno retorno 0 que isso quer dizer senio que 0 germe da nostal- gia pelos velhos tempos sobrevive nos recdnditos de qualquer sociedade? A ben dizer, tudo 0 que acontece aconteceu e pade perfeitamente voltar a acon- , Pensenios owtra voz nc caso do Carandiny — ‘oa, de modo mais geral, na indifezenca, para dizer ¢ m{- imo, com que a opiniio piblica brasileira encara 0 hor- ror das nossas prises, Pois bem: hd entrevista com Robert. Badi errand, que me dew 0 io autor do projete de Ici que © na Franea, tratando-se, portante, qualquer condescendéncia com fo clamor vingetivo tépico da opiniso piblica, Mas, como pesquisador ¢ autor de um alentado volume sobre 2 prisio aa Franca republicana, Badinter, com base om suas pesquisas, estabelecia 0 que poderfamos chamar de ‘ei de ferro das prisdes”. A propésito da sua fungio, dizia ele: Coma jé analisive Durkheim, pase que 2 sociedede jade pelo crime seia 6 preciso que © de ente seja purido, Isto é, que ele conkege um oft mento que seja expiagdo. A prisio néo € apenas privagdo dd liberdade, Ela implica um sofrimento de detemto, Para @ gue pensar. Badinter abotiu a pena de m de alguém insuspeito Ii de ferro” explicaria por quie, no Brasil, na medida 20, Luciano Oliveira Do munca mais ao eterno retorno em que 08 trabalhadotes mais desfavorecidos rando embaixo de viadutos, 2 chamada con: - fiva ache que jf € um lwxo morar na Casa de Detencio. Parodiando Machado de Assis, 0 torturadar j8 exis ocasido faz a tortura. Bssas ocasifies ~ mesmo se permanecem epis6 cas, comparadas com 0 nosso tlagelo nacional — existem. ‘Quetn af so lembra das imagens, capiadas pos grafisia emador, menie espancado noe visies do mundo inteiro em fovereiro de 1988, mosiraado suma patulha istaclense espancando dois palestinos pre- que jé éncia, um soldades, que pazece ter comporado um cabocle na’ ipanha una pedra no chi ‘omanko de um paralelepipeda e, sistem: lentamente, quase de um dos p dos Unidos, va sio americana j& para designar in! maais “enérgicos”. + jd que fal lembrar que exi expres ird degree (Jercvito grou) policiais, digaraos assim, até um sermo para isso: bava- formada a partir do verbo | haver, que. significn extenséo, cla desigr veuléncia, vaio Assim, a melhor tradugao samo também cmpregado por lata, até ages além do que a pela soa excessos: Vex por outra, a8 instincias enropéias de provegio dos dircit gam tais bavures, No curse de ume dessas investigacdes, ¢ Comité Europeu para a Prevengao da Tortura « das Penas ou Tratamerstos Epuma- os on Degradantes chegou a detectar, em delegacias d policia francesas, priticas como as semvintes no dec dos inquétitos: “golpes aplicacdos sobre a cabeca com tim jo de comida e de remédios, ien de Paris, 20.193). , 6 como se as diferen- cas entre © lado de 14 e 0 lado de c& do equaddar fassem mais de grou do que de substancia, Nam certo . Bra ver de uma diforenga radical exize po torturam sempre e policias que ntunca tortura, ‘um continuum em cujos exiremos encontrariames, de ura lado, a tortura como pritica quase cortiqueira ¢, de ou tue, a tortura como pritica episédica, Resta disettir © ‘que € 0 outro tad de quesifio, so uma diferenga de gsan (do promunciada no nos remeteria a eme difezenga de 2 Luciano Oliveira Do nunca mais ao eterno retorna natureza, na medida em que a quaso rogra, aqui, 14 6 a excegio, e vice-versa. Aiém do mais, h& também noté- veils diferencas no que diz. respeite a intensidade da tor- | tura nos dois extremos. Mesmo se tin estudo cientifico- comparativo nese dominio aptesenta dificuldades mum certo sentido inttansponiveis (por exemplo: como medir a dor’), no limite eticamente insuportivel (gor exemplo: quem e-em quem medic a dor?), a verdade que, com base num certo senso comum, pademos considerar quase como evidente que pancadas com um catélogo telefénico © bofeiéies so aches menos drésticas que pendurar al- ‘guém no pau-de-arara e aplicar-lhe choques elétricos, A esse respeito permito-me mum com uma observagie que ceria fi tum torturado pela p lire. Uma pes campo levou-me um dia a Secretaria de Seguranga Pit ca de Pernambuco (que, aliis, fica s duzentos metros do monumento Tortura Nunca Mais...), no Recife, onde, em companhiz de um grupo local de defess dos direitos hu- manos, foi presenciar uma acareacio enite um rapaz de dezessete anos ¢ seus torturadores. Q rapaz estave acom- panhado por um advogado e sua mae, Antes de entrarmos 1a sala onde estavam 0 eserivdo © os poliviais acusados, © advogado dé as witimas instrugdes a0 rapaz: “Voce deve indicar s6 os que baterarn, os outros, azo”. E a ‘mie, muther do povo certameate acostumada a muitas humithagdes, para quem s6 05 grandes sofrimentos pare~ ciam contar, compietou: “Us tapas, uns empurrées, pode Geixar pra I4, mas os que marcaram, nfo”. Em todo caso, voltando ts comparegGes entre os dois iados do equedor, uF esse senso co- ‘ouvi da mie de isa de © | maior gravidade do que se passa aqui. & que viol ‘um segundo argumento pode ser avangado a respeite da como pancadas © empurtdes parecem ser agGes menos planejadas que a utifizagio de pav-de-arusa © chogues elétricos, gue exigem a montagem de wm instrumental prévio para esse fim, Deve-se também considerer que 0s execugies sumirias de bandidos ou mevos suspeitos, comuns entre nds, so praticamente inexistentes do lado do cima do equador. Eles’ndo tém esquadrSes da morte, “policias mincizas”, “justiceizos” ete. Mas 240 sejamos tio ingenuamente ide: no tém nada disso, mas também nfo tm os tamente, garante que, sendo outras povos da civilizada Eucopa ocident i linha que feva ao outro extremo do continuum, Eles jf a alravessaram diversas vezes neste sécuic, ¢ em propor gGes téo vastas que © aparato de reptessio brasileico montado em 1968 chega a parecer uma empresa modes~ ‘a... Tocamos aqui na questio do reaparecimento dé tura por motivos politicos na Europa, de onde eta sido banida desde 2 época do Tumi E esse retorno se deu em grande estilo, no bojo dos dois movimentos ideclogicos mais espetaculares do século XX: 0 aazismo © 0 comunisino. ‘Ao que tudo indice, coube 20 comunisme a duvide- sa honra de ter sido 0 primeiso s utilizé-la. Néo por ter sido mais impiedoso do que o nazismo (um regime, 80 jo do comunismo, na sua esséncia mesma deswa- g Luciano Oliveira Do nunca mais ao eterno retorno a 5 no), mas pelo simples motivo de ter chegado primeico a0 poder, Segundo observa Alexander Solj ‘no monn- meatal Z'Archipel du Gulag (Arquipélago Gulag), desde 0s primetros anos do regime sovi meate, ex publicges como A espada vermetha © O ter- ror vermelio, “se © emprego da tortura sezia admissivel de um ponto de vista marxista”, E complomenta o ant “A julgat pelos resultados, 2 resposta foi p: 9 tendo sido a mesma em toda parte {Soljom 197, p80). O-asziamo, que i em 1933 chegou ao pos des, lovou para o apareiho de Estado toda 2 violén ampiaente exercida, fora dele, pelos sgrapos para artes pte 20 terreno inguagem cifrada, como 0 famosa * previsto em instra- es nezistas para judeus, comunistas, ciganss ete. Ape- sar de tudo, 08 i es comsegilirem recensear al- se designade pelo 0 grau”, popularmente empregado para de- dos di policia americana (cf. Mellor, 1929, p. 213). Ji no que diz respeito 2 pra Noite © névoa), as sinadc pelo almirante Keitel, comegava assi de ter longamenie refletido, ¢ Fibrer decidin que [...] s6 1 pena de mozte, on medidas que deixem a familia c a populagéo na ineertoza quanto ao destino do eulpado po- dem assegerar uma terorizngio eficaz © duravel” (cf. Rohman, 1983, p. 157). @ si 10 também produzin sua pérolas, No famoso celaiério Jide secretamerie por Khuschev no XX Congreso do P de 3056, ¢ citado um telegrama de Stalin onderegada avs Grgios de seguranga, datado de 20 de janeiro de 1939, onde se 16 0 seguinte: “O Comité Central do Partido Co- dos de isda So ra-espionegem usar representoates do. prsle mais cseandalosas. A guesiti quo ve exiace é de saber por gue of servieos de centra-espionagem socislisias dey os cn burguesis (cf, Videl-Naquet, 1986, pp. fa Guerra Mundial, com a exten empregada durante 03 famigerados 50, No filme 4 canfissdo, de Montand (isto 6, 9 dissidente teheco Artur London} “en- mer 0 p&o que 6 diabo amassoa” para confessar que fa- zia paste de ums fantéstice compl me. E os grandes paises ocidentais, os mesmos cue moveram o julgamento de Nuremberg, cafram nos anos sxpurgos” dos anos, Gavras, vé-se Yves 6 Luciano Oliveira: Do munca mais ao eterno retorno a seguintes, um a.um, a mesma tentagdo de empregar mé- todos pelos quais condenaram os vencidas da véspera: os franceses na Argélia, 0s americanos na Indochina, os ine gloses na Islanda do Norte... ¢ assim por diante. Q caso francés € bastante insirutive, pois z “guerra suja” deles serve para ensinar que, del tortura nfo é 0 spanigio das nossas repsbi Quando, do- pois de ango de 19 rant Os primefros ea sos de tortura entze ads, fazia poucos unos que os france- htamn parado de torturar na Argélia, pois a guerra de independéncia havia ucabado somente em 1962, No caso francés houve, até mesmo, em determinado in fae cionétio de alto escslao, de... regulamentar a to autor dessa recomendagao foi wm certo Roger Wuiliaume, despachado para ¢ Argélia a fim de informar 9 govemno jeidade das dentincias do que andave aconte- ‘que prevalecen ais’ o pres siste em querer ignorns 6 que fazer os pol ko precedimento que 280 2 lengamos ma coniusto 20 | 0 funcionérin propée ire Gos pr6prios tortie Para escapar desse dilem: uma solugio baseada n0 savor adores: © procediinento de mongueia d’égua 6 o da de, desde que vilizedas com preceucto, produriniam wa comogdo muito mais psicolégiea de que Hisice, seado portan- to excludentes de qualquer erocidade excessive. O méiodo, tno caso da mangueira, toca até a aaficie apenas, eviundo-se 9 desmaio eu a inges- to; quanto a eleticigade, eratar-se-ia unicaments de desea: {9 répidas € milplas praticades sobre © compo, 8 maceisa fe pecaenas choques (ef. Videl-Naquet, 1972, pp. 32-3) Essa torture mais "psicolégiea” do que f sar de rochngada pelo governo ~ que se recuse jamente” a aprovar as recomendagoes Je Wuillaume ~, receberk 0 apoio inequivoco do general Massu, chefe das Forgas de Seguranga n2 Argélia. Massu, numa nota a seus comandados datada de 19.3.57, esereve: “A condigio sine qua non de nossa agio na Argéiia € que esses métodos it sonsciéneiss, como (idem, p. 51). Bie pessoalmente parecia tio interessatlo pelo método, que mandou aplicar em si mesino alguns chogues, para poder methor conhecer e julgar os seus efeitos. Na época correu a anedota de que © toxturador de mentirinha eacarsegade 5 chogues teria infligide ume baixa v com medo de que 0 bravo general confessasse ser ele tame ‘pém vm terrorista infiltrado nas Forces Armadas... Alguns aspectos da repressio francesa na Argélia lembrain episédios vividos no Brasil sob 0 segime mi Euciano Oliveira’ Do nunca mais ao eterna retorna ios jurados dos Maitos deles, assim, foram alcangados pela repressio. 9 cas0 de Macsice Audid, preso era 14 de junio de 1957 No dia 21 desse mesmo més, as Forgas de Sogurangs gue ele “tiahe se evadide durante uma transte ‘ee apresenta ama performance também modasta, 86 10 ficaram conhecidos transform: ivfduos” percceram, mi lortura ow sumariamente executades, segundo dados reco. Shidos pelo historiador francés Pierre Vi oficial de morlos © desaparecicos chega pressionante de 8960 pessoas. Némero o! xo do zeal, que, segendo os especi prdximo Acontecimentes como o comunisma, & nuzismo, * em xeaue O gue o bistori a de “modelo pro- mogernos como as chamadas “gue , Festime refotir as “condicSes medemas de 50 Luciano Oliveira com urgéncia, da informagdo, donde o desenvolvimento dos servigas especiais e do interrogatGria especi (p- 179). Essa explicagio, sem divida, possui uma con- siderdvel validade quando pensames em tai cada tanto pelo general Massu quanto pelo delegado brasileizo, quando explica que o que as vitimas do roa bo querem € a recuperagho dos cbjetos roubados. Det. ror do. que ninguém serem inieiramenie imaginérios p13). Da mesma forma, pode-se também objetar, a Wogica da tortura irumental aparentemente nada tem a ver com os episédios de crueldade gratuita presentes nos ia- chamentos. Haveria mais de uma I6gica nessa foucura toda? INSURGIR-SE Os exemplos que temos visto nos autorizam a pen- sir que, do ponto de vista institucionat ~ se podemos as- sim falar ~, existe uma tortura planejada, quando la apresonta os contornos de ume acto emanads, antorizada cu pelo menos seguidamente tolerada por algum centte 2 decisio, e uma tortura espontanes, quando ela irrompe 0 curso de alguma ago violenta 0 08 Hinchia- Jentos populares executados com req) niretasto, mesmo se isso em nada altera a sua gravida- de, a verdade & gue, estat te falando, & tortera espontinea € bem menos relevante, em comparagio com 2 outra. Os matores torturadores do séeulo, seguramente, ‘do so os linchadores da Baixada Fluminense nem os ‘negros de alguns subsrbios miseiiveis da Atrica do Sul que amarram um pneu em chamas no pescogo de outros negros coadenados como aleagttetes (di-se a esse supli- 52 cio © nome de “colar”}, mas os esbirros do eomunismo, do colonialismo, do fundamer América Latina, da ordem social escravocrata ¢ do an eno, © que mostra como 8 pode ser o ins- trumental de uma ideologia, A ira popular, evidentemente, no é hum policial jamais qusow colocar um figuriie corrupte no pau-de-orern pers que ele fornecesse conia seereta na Suiga, nenhum sropo de ia sobre um politice acu gine existem. Em ago quer dizer nosme dizer que explicdvel de que a ontra, a pI ojala, na medida em que os seus aloes, que geralmenie agem por impulso, parecem mais subme Os socidlogos do igados as correntes psico- logistas fazer mengio a “hipstese da frustragao-agres- 0” para explicar as sangves penais como exptessdes so- 5 de agressdo contra a origem da frastia- <0 ocasionada pelo crime. Quanto maior essa frustiacéo, mais deistiea a resposta agressiva, On soja, enquanto as pessoas comms continuarem sendo submetidas aos iz a que somos lonéerd a ser igual eats violenta ox mesmo bit- fara, como aconteceu ems Cl ina seontoccada os favelas « periferias, Nessos situagies, gersimente as ‘pessoas sio levadas de roldio pelo meio ambiente, Voltemos & roportagom da Veja e eseutemos algu- nas vozes das pessoas gue participaram do linchamento, Um desompregado de 24 anos que bateu nos linchados com um paralelepipedo parece que volta @ sis “Infeliz~ saente fiz isso”. Uma senhora de 53 anos, que enfiow um cabo ponindo de vassoura na boca de um dos martos, dé seu depoimento depois de ter ido & igreja sc confessar ‘Néo sei por que bati. Foi coisa de momento”. Essas fae Jas parecem der conta m uma agio refletida de que de comportamentos respondentes 120 sentide pavloviano do amo, Pessoas submetidas 2 um eotidiano de medo, m ¢ violéncia — uma palavra, a estimulos desumani vantes — tendem a agir desumanamente, Nessas cincuns- Jancis, € como se clas fossem inte’ ez em quando, nas superlotadas cadeias brasil ‘90806 reagem 3 superictage matando-se entre si. Hl uma "- situagdo que lembre wm experimento clissico com ratos 34 Luciano Oliveire> nunca mais ao eterno retorno 58 de laborat6rio: desde que o ntimero delés aumenta, per; maneeendo 0 hadi bem a sua agress homens ~ igual ao: shan perdi rem algo mais do que simples cies de Pavlov. Ontra 6 a situacio da tortura plancjada, Ble é pe sada, teorizada — cinda que geralmente em documentos classificedos fop secret ~, ¢ setve a umn designio pc! consciente no caso dos regimes total ras. No caso da nossa ordem socisl escravocrata, esse designio rio aparece claramente, ¢ a justificagdo da tor- tura néo neeessita de maiores elaboragdes, integrendo senso comum, Os seus “tebricos” sfio pessons como o ve- i do mesmo tamanho, aumenta tam- jade, Mas, chegados @ esse ponte, 08 fhadoves de Olaria ~ talvez j tow na Franea na époce da ina, hé uma reflexo corajosa do fildsofo Ed- ‘que merece ser retomada: cla € incapad de determiner 2 vitéria aa guer icicia, a0 suscitar mente, a torture faz false © de todas, esse aspecto da vergentes, dele Ca sensato denul 7 Nessas or ¢ ineficdcia ca torture, ¢ ainda deni-la em rome da eficécia, como o fizeram durante em ‘a capacidade especificamente humana de se” é cficaz, F verdade que esse efiedcia tem > certo tempo intelectuais ignorantes dos verdadeiros dramses fe dos verdadeitos problemas, [..] A peida da i na moral. = {6 nova na efiedcia desarmam hoje aqucles que s© queriam ‘os mois eficazes contra 9 8 que perdecem & gni- ca eficécia posstvel, que & moral. $6 do ponto de vista da oral € gse 2 tortura pode ser condeaeds de modo absott- to France Observareur, 9.7.9}, A reflexio de Morin € corajosa nfo apenas porque reconhece 2 utilidade da tortura, mas também porque re- mete ao terreno frigil da ética 2 tinica possibilidade de 05 ingurgitmos absolutamente contra ela, O problema agui 6 que, se “Deus est morto”, como dizia Nietzsche, tudo € permit mo observava um personagem de Dostoievski. Ora, é ume verdade inegavel que a culture 4o snunda mederno, gob a influéneia esmagadora d aste baixo mando seria ju ‘da peta metéfora da “morte de no acepeio mais ampla poss'- que o mundo moderao € fundamental- dade dos bomens ¢ os sio submetides 4 andlise cientifica e, dessacratizados. A conhecisa observagio marxiste ‘que “o reconhecimento dos direitos do homem pelo Estado moderno no teve maior significagio do que 0 te- conhecimento da escravidao pelo Es! ‘bem essa tendéncia, Poder-se-ia ob; 56 5; 7 Luciano Oliveliia:nunca mais ao eterno retorno com exclosividade. Nada mais equivocado, ‘Tat tendén- E exemplifica: cia, de fato, independe do prépria colorasio ideclégica Por one a, aparecende come uma episiéme geral da dos povos europens, cam sun carecieistica gimizacio, € aormei ol a6o, procuracse-é, no passade, © fue the dev origem, Se estas con ind aqusles tm que atualmenie se eacontia nossa soeiedece. & porue a estos que desexea Facamos Marx, cujo esy gio, a mori, o direilo ~ numa palavra, os valores -, & ‘a analitico mais geral sobre a rel Podesd alguém ser m 0 Denteo do esquema anal ‘a da economia politica, que geragées inteiras “su ciheimiano, jf elussiticado apropriadamente como 80- aprenderam de cor i Serfamos perfeitamen Na pro soclal ds pespria vida, os homens con: ages determinadas, necessiries © yndependeaies na medida em gue, exercitada pelo lager de produto etn ave coreron a populageo enfurecida is. A totalidade destas relagies ce favocata que sempre sa condigio, quanto permite que 2s pes! sJaptem. Héntica “normalidade” poderia ser atribuida agoites, amputagdes spedrejamentos adatados por rons paises muculinanos, t2 medida em ue tais 9 profanda, Bo lade dos suplicios na Europa ilurainis lade. 2 base sobre a qual so levania uma supetestrutaca ju . © 8 aval correspondem formas socials da cia (1974. pp. 135-6). = De outro lado, um dos fundadores da sociotos ruage tudo oposto, Durkheim, os fendmenos sociais normais dos ps tolégicos, estabelece, no cléssico As regras do método | que sugete socioldgico, © seguinte prinefpic: Be ‘et Philosophi 9 fendmena seré explicads somenic | ele coloca a seguiaie questi: Se, por exemplo, em um momento dado, a scciedade junto tende a perder de viste 05 A. noemalidade ie consideraéa, soja como um efeito mecsnicament= ne~ ccondighes, sela como uot meio qve perm toridade, est8 es 38 Luciano Oliveite nsnca mais ao eterno retorno 5 9 des evropéiae, 20 conjunto da nossa realidad, de tal forms gue nogé-ios sob pretexto de interesses interessoe sociais mis essencisis? (1924, p. 87) E dentro desse enfoque tipicameate modemo, geral- por intermédio da escravidio; no feudatismo, época de escassez de moeda ¢ de uma produtividade pouco desen- rfamos um erescimento dos castigos corporais, em que, freqiientementc, © corpo era o tinico bem disponivel; no sistema industri a, onde predomina um mercado de mio-de-obre livre, 2 punicéo Teveste sobrotudo a forma de detengio com finalidade corrotiva. Essa explicacio ¢ retomada e aprofundada por Foucault no arquiconhecido Vigiar ¢ punir, onde o autor defende o tese de que a substi senfo um subproduto da emergén sociedade, que ele chama de sua vez, seria correlata do modo de produgio ca (4977, passim). Nesse livro, Foucaiult investe sem aenhuma conces- so contra as leituras humenistas dos reformadores pe- agar 0s 2 vezes ironizado — mente dessacrelizante, que surgem explicagbes tentando nais do século XVIIE, que propugnaram a aboligao dos castigos cruéis, notadamente Beccaria, 0 mais famoso desses reformadores e um dos mais icados ~ muitas por Foucault. Estribado em uma farta Jeitura de documentos da épeca, o autor sustenta que a verdadeira finalidade da reforma era dotar a lei penal de vrea racionalidade que ela nao tinha, visando torné-la tarista de Beccaria, Interna- , por exemplo, quando se posiciona contra a pena , valendo-se, a0 Jude dos argumentos humanité- , de estatisticas gue mostra que a sua abotigao nao subir a taxa de criminalidade. Mas daf devemos con~ que todos as que luiam contra a pena capital 50 forma calculista de pensar? fa, 3 qual Foucault aferta-se de modo unilateral: ‘Essa racionalidade ‘econdmica’ é que deve mediz & pena © prescrever as técnicas ajustadas. ‘Humenidade’ 6 oso dado 2 essa economia e a seus céleu- fos minaciosos”. As aspas irénicas na palavre “humani- 60 Luciano Oliveitis nurea mais ao eterna retorno 6 dade” dio 0 tom da impiedosa critica foucaultiana, se- A Histéria é um carro alegre gundo a qual nic podemos 10s abandonar ingenuamente |. Chieio de um povo contente 2 ficgdo idealists de uma scrsibilidade que no suporta 0 | Que atropela indiferente espetieulo da tortura, uma vez que seria preciso explicar Todo aquele que a negue. idade por fatores que the sio exiernos. Essas consideragdes bibliogrificas, einda que su- a perfeitamente a inexorével que pouco esté grado para as vitie kuma valia para fondamentar interditos absolutos estr bados na ética, come & 0 caso da condenagao a tortura, uma vez que a prépria ética, ao ser submetida causa ica, perde de certa forma a aurs que s6 as coisas indiscutiveis ostentam, Da mesma forma, ainda | mens, mas um “movimento teal” igo de um modo de S88, alids, tida como marxismo a considerar os chamados feaGmenos supe- raturais, entre o8 quais a ética, com uma objetividade que dispenseva o concurso do que antige- ese chamava “sentimentalismos pequeno-hurgue- Tipico disso € a serenidade com que 2 tra arxista sempre encarou o pape! da violéacia na 1a como a “parteira da nova sociedade", Go que accita, foi glorificada. Marx, Ei ipso facto, 2 idéia de homanidade implicita na condenagéo da tortura. 14 © gue se passou com 0 con- nismo, talvez « idcologia mais integrelmente Iibertéria que # homanidade jé produziv, merece nossa atengéo. In- clusive porque, como vimos, foram os comunistas que, | uma vez no poder, reintroduziram a tortura politica na 7 Europa neste sécu 08 a misica popular. Desta vez, cubano-bra- sileira! No fim dos anos 7, uma mii Buarque © Pablo Milanés, “Cancién por fa Unidad de Latino Amé a uina estrofe que dizia sso ni quer dizer, naturaimente, que Jousiderar o marxisma como ut sistema filoséfica des- provide de toda ética. Ao contrério, ama filosofia que as- 62. 9. munea mais ao eterno retorno 6 3 pra ardentemente 2 ama sociedade onde sordo livres © iguais pode ser considereda come profunda. meate ética, Mas tal soviedade 6 apenas vistumbrada camo posstvel so julgamente dos valores esté, geralmente, submetido a um instromentalismo impiacdvel. © interesse do prcletariado, | c.86 cle, 60 que conta. Trotsky, no elissico Terrorisme et Communisme (Terrorismo ¢ comunisma), dird sem meias palavras: Para vencer, & preciso ullize: todas as armas, sem he: sltagio, sem excegfo algums, ¢ ullizé-tes de fouma impic- Goss, sem a minimis concessfo, nem 0s prineipios da der jos que no podem set, em toda mil vezes mais ainda n2 Sociedade ‘uma einica mascarada (1980, p. 9). Isso significaria dizer que os classicos Go marxis- | ‘mo seriam complacentes com a tortura? Aqui n6s nos is provave) resida nym acontecimento sobre © qual jé falamos: a Epoca em que eles eserevem, 0 séeulo XIX para Marx e Engel: de séeulo XX para Lenin ¢ Trotsky, € um perfodo em que a tortura ti- nha desaparecido do horizonte historic desses autores, ‘Quando eles teorizasa sobre a violéncis, aceitam-na ¢ até ‘a reivindicam. A tortura 6 algo sobre o qual eles nao tém = praticamente de tomar posigio, tratando-se de fate de um tema estramho & sua especulagio, Mesmo em Trotsky - ‘que com uma franqueza as vezes brutal aio hesita, em Terrorisme et Comnunisme, em justificar stos de repre- silie como a prisio de suspeitos, o fuzilamento sumécio, 8 tomada de reféms etc, ~ a questio da tortura nfo se- quer mencionada. Mas como toda regra tem excecao, curiosamente no préprio Marx b4 pelo menos uma referencia & torture somo ama prética encontrével no seu tempo, se bem que contexto de represélias antiinsurrecionais @ m0 como maétodo policial “normal”, como mais tarde veio a acon- sever. Essa referencia encontra-se em La Guerre civite en. France (A guerra civil na Franga), quando Marx re- @ as atrocidades cometidas pelas tropas de Thiers con- 6s tltimos scbreviventes da Comuna de Paris, opisé- que ele qualifies de “a indizivel infamiu de 1871". 0 que, aa pritica, Marx teria oposto ap sou historicismo teérico uma espécie de b: treasponivel? Ao transpd-la, entrariamos 10 possivel, tanto mais que nesse mesmo eserite — contra mente a um Trotsky, por exemnpio — Marx condena clara- Luciano Olive nea mais ao eterna retorno atos, da mesma forma que a fortuts, infringiriam 0 o6di- “© que governam 0 mundo... go de honra da “guerra entse civilizados” Mas, seja como for, « verdade 6 que ¢ dific ic impossivel, enquadrar uma condenscic absciuta a tertera no esquema analitico do uma teo: marxismo, nega-se a consideragies ético-metafisicas so bre a violéneia desvinculadas das forgas sociais a que © cla estasia servindo. A historicidade das. vil marxismo, em pos despropositadas, mesmo cpio achemos iseo aberrante, 28 discusses entre of revolucionérios sovidticos citedos por Soljenitsin acerea da legitimidade ow nic da tortura do onto de vista marxista, em segnide & Revolugtio de Ow- fibre de 1917. Em abril ce 1990, essa mesma questia ainda rondava alguns personagens aparentemente saidcs das paginas de algum romance anacriaice do célebre dissidente russo, reunides num seminério para responder 2 seguinte questio: “Num contexto de insurteicic papu> lay, seria moralmente vlido torturar um general quo de témt informaches decisivas para a vitéria dy pove?”, Por incefvel que parega, 0 personsgens zea também a situacio, O seminétio, “Flica © politica: um desafio do catidians”, foi realizado nfo em Sio Peters bburgo, mas om So... Paulo! (Revista de Culmra Voxes, vol. 85, n® 3, 1991), Reaiizado no Instituto Cajamanz, 0 semindric reuniu quarenta intelectuais e militanies de es- querda para responder a essa candente porgunts. Ao final das discusses, fez-se uma votagic e 9 tesultado foi seguinte: 24 votos conisa, 8 abstengées ¢ 8 votos a Favor. 6, no que, come o | jade fundamental. Daf nfo gerem = ‘A maioria foi contra, mas, como se saho, sio as minorias As razées so as que ji se conlaoce: de um lado, 0 asgumente te6rico da impossibilidade de existirem “vato- res morais acima da Histéria”; de outro, o conkecide prinefpio de que os fins justificam os meios: se nfo se tortura, “eslard derrotada a insusteigio popular ¢ tiunfa- 14 uma reslidade que é responsavel pela morte de milha- tee de pessoas no dia-a-ia da vida da povo”, B verdade gue a tessaiva de praxe ~ também presente no discurso fo general Massu, diga-se de passagem — também apare- ce: "Nao aceitamos a tortura por principio, s6 neste mo- srento excepeional”. Um dos que votaram a favor argu- senta assim: Ev queria saber qua) ¢ a difereage real ~ que me per- doo 0 pessoa) do Torta Nunes Mais — eatze alguém dar 1g calade da vite, pata soubarThe uma arta 0 que fo feito por mute tos revalucionities ~ e to:turar inimigo, mums situagao- limite, como 2 deserita nesie exemplo. ‘A resposta 6 dads por um ex-torturado que voton ‘contra, 9 deputado José Genoino: ‘A tortura [on] & mais exttema do que botar contea a parede © dar om tro. Mufios de 26s, quando torturades, até nos gue 208 dessem vm ti pars seahar com o soisie mento, f..] A tortuza jamais poderia ser javalada & vioién- cia. A violéncie nie € contra & humanidade, mas a tor Essa linguagem, fazendo apelo a humanidade para Fundamentas uma condenagio ineondicional tortura, aproxima Geaoino mais da reflex de Edgar Morin do Luciano Otiveit que das determinagoes dos manuajs, onde a maior parte dos mifitantes de esquerda aprendeu marxismo. Seguindo a refiextio de Morin, parece vdo insurgit- se contra a tortura fazendo apelo a outzos argumentos que nfo sejam morais. A sociologia, por exemplo, a0 adotar 0 postulado de que todo fendmeno € 0 efeito de uma causa, capaz de nos explicar por que se tortura, mas parece nos deixar desprotegidos quando se trata de = dizer por que nao se deve torturar. No lado inverso, as | filosofias finalisticas, 20 afirmarem que temos por dk , xno vim poato mega quelques, nos autorizam a atcopelar — aqueles que se poem no caminho. Mas o argumeato pura- ‘mente moral, até por sua fragilidade, nos incita a explo > ri-lo mais um pouco. Ora, a0 colocé-fo contra o pano de | fundo da histéria, nos deparamos com uma fenémeno no > minimo interessante. “portamento praticamente generalizado neste sécu! A TORTURA QUE (QUASE) NAO OUSA DIZER SEU NOME jwando Marx qualifiea a feroz reptessiio que se a dettota da Comuna de Peris de “indizivel infa- ‘ie no est simplesmente se valendo dc uma figu- pois a expressio capta bem wm dos aspec tica da toriura depois do seu res- a Com efeito, a negaciio da tortura ; izibilidade”. | elas proprias autoridades que dio o sinal verde a seus ‘turadores ~ ou que, mais comodamente, nada querem | Saher do que se passa nos pordes do regime ~ 6 ura com- Mes- Jo 0s sistemes totalitdcios, que desdenharam — seje em ‘ine de una classe (0 eomanis), seja em nome de A exceglo que confirma a regra proven, no: empos, do fundamentalism pregado por Lideres 6 cana Ole nunca mts ao earn retorno que num de seus exsinamentos prec tua; “E preciso castigar os erros com a Lei de ‘Talizo: cortar a mao do ladréo, matar o ussassino em ver de aptisioné-lo, flagelar a mulher © o homem adilteres” (ef. recente, sempre, a tortura perma- . O telegrama de enderegado em 1939 aos organismos de seguranga 1". Da mesma forma, 2 Alemenha Wu publicamente sobre a tort tugs relativas a judeus, comunis- tas, ciganos otc. eram dadas em cisculares écerctas «, apareciam de forma dissimulad: erceize grau” ctc. Nesse dom lagdo € de tegra, abrangendo desde enfemismes como a “pressio fisica moderada” utilizada pela comissio de i quérito israclense, até trocadilies infames como o de ndo dizer sesso de tortura Esse mesmo “nio-dito” esté pre uagdes em gue a a Vern justamen= importantes dessa guerra, a dissimu- Wagner Montes, falando em “sessio de ternura” para | La Vraie bataille a’ gel), Massu, assumindo por escrito nto evra", interroga-se: “A questio: ‘houve de fato tortura?” 20 86 posso responder pela afirmativa, ainda que ela nae te, da qual dependia mente sacrificudos pela PLN a0 seu objetivo. [..} Eatdo, na |. se para obtigar a “vatrogat 0 servigo” crn preciso Sater um posquiahe”, os investigadores. eram lovados a aplcar nos acusidos doves fisicas cuja violknela erg goedua- Ga para se chegat 8 confisaio (197, pp. 165 € 167). Nunca se viu tal franqueza por parte dos militares ‘brasileisos que condnziram:a “guerra suja” entre 1969 ¢ mesmo se, também aqui, alguns oficiais do Exérci- escreveram, no fim dos anos 80, suas memsrias dessa : ‘Ge todas as provas renaidas ¢ pul anos, aceita a verdade hist6rica solidamente estabeleciéa ‘que a tortura foi uma pritica sistematica adotada pe- 70 Luciano Otiveitia.nunca mais ao eterno retorne 7 1 Como eles mesmos dizem, € possivel que alguns “excessos” ~ outro eufemismo freqientemente empregs- do — tenham sido cometidos. G coronel Marcio Matos Viana Pereira, no se O direito de apinar, chega 2 rec0- hecer ser possivel “que torturas tenham sido feitas”. Em seguida observa: Mas, se ocorteu, o foi por smente, coma canseqiceci {cativa individual, episo talvez, de ums doscarge de vViolenta tensio ¢, jamais, tenho ceiteza, em cumprimeato tera de Comando (1987, p. 95) om alguns instantes, chege bem, por essas. “descargas de violenta tensio”, come no trecho em que, comeatando @ assassinate de utn singento da FAB pelo guerzilheizo Theo domiro Romeira dos Santos, diz: “esse tipo de guerta nao admite vacilag6es, nem determinados escripulos”. Mas, Esse mesmo off autotes por tet sido idenificado em 1985, numa cerimé- nia oficiat, pela atriz e entio deputada federal Bete Men- des como um de seus tormradores, escreve o seu Rom pendo o siléncio, como ele mesmo diz, “em respeito ‘mim mesmo, no momento em que sou caluniado, ackinea- i | giodo geral recobre pritica da tortur Ihado, vilipendiade, chamado de monstro © comparado coun 08 assassinos nazistas que horrorizaram a huntani- dade” (1987. p. 15). 0 livro de Ustra exemplifica perfei tamente 0 nBo-dito que estamos analisando. Num capitu- Jo chamade “Guerre é guerra”, tem-se a impressio de que ele vai tudo dizer, a0 argumentar logo no primeito pardgrafo: Nossos seussdores reelamam com freqiéncia de nos ogatdrios. Alegam que presos inocentes eran = horas s0b least, se dermis, sno ioterrogados. Reclamam, também, de nossas “invasces de fares®, sem rmandades judiciais. necessério explicar, poxém, que nao se consegue combater o terrorismo amparsdo nas | mals, effcientes para um cidadio comum, Os terroristas nfo exam cidadsos commas (idem, p. 157) Pois bem: © como eran entio tratados esses cida- ‘Hos incomuns? O relato de Ustra sobre 6 que acontecia wgat6rio” 6 de uma singeleza que chege ‘Os presos, a0 serem interrogados, iam sto é, iam contando mdo a respeito de ‘eas organizagoes”... (idem, p. 73). Essa espécie do descricdo envergoahada que de um mundo moder- ies dos outros: também € encontrada na fala dos jerra suja”. Gn seja, raramente encantra-se alguém abertamente, pronunciando a palavra ‘mnesmo cont gos 08 que pi

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