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A Financeirizagao da Riqueza: A Macroestrutura Financeira e a Nova Dinamica dos Capitalismos Centrais(!) José Carlos de Souza Braga Introdugao Faremos uma andlisc das transformag®es financeiras e da dinamica econémica do capitalismo desenvolvido, abordando-se, com este propésito, trés questées estratégicas da (re)definigao, gestao, ¢ realizagio da riqueza capitalista, que marcam as quatro Uiltimas décadas do século xx. A primeira questio € a da instabilidade e transformagées contemporaneas do capitalismo norte-americano. Esta andlise deve partir do evento de 1966, denominado “Credit Crunch”, reconhecido por varios autores como uma inflexio na economia dos Estados Unidos do pés-guerra. Correspondeu a uma situag%o creditfcia critica e & expresso priméria da instabilidadc ligada & dinamica financeira. Este processo esteve ligado & cmergéncia do déficit piblico ¢ da inflagdo —e, portanto, ao manejo contradi- t6rio das politicas monetéria e fiscal — bem como & internacionalizagdo dos bancos no surgimento do Euromercado. ‘As mudangas relevantes nas finangas mundiais, nesse perfodo, foram impulsiona- das desde a crise da poténcia dominante, os Estados Unidos, a partir dos 60, nos dltimos anos, tém alcangado a Europa, 0 Japao e, em menor medida, os pafses asidticos em desenvolvimento. Advirta-se que a mencionada crise do capitalismo norte-americano refere-se as transformagdes estruturais das tiltimas trés décadas, vinculadas, portanto, a uma tempo- ralidade que se desdobra num longo prazo ¢ no qual se manifestam momentos conjun- turais criticos. Nessas conjunturas tém surgido os scguintes elementos, combinados diferentemente no tempo cronolégico: déficit pablico, fragilidade da mocda, inflagao, descquilfbrios de balango de pagamentos, faléncias de corporagdes ¢ mesmo de subsis- temas financeiros. {() Este trabalho € um dos resultados de minha pesquisa de p6s-doutoramento no Departamento de Economia da Universidade da California, Berkeley, Estados Unidos (1988-9). Para a presente versio, contci com a valiosa contribuigao da professora e amiga Maria da Conceigdo Tavares, o que resultou em maior precisio e claboragao de passagens fundamentais da argumentacio. As discussdes com colegas do Instituto de Economia da Unicamp, do Instituto de Economia do Setor Piblico (ese) da Fundap foram de grande valia. Todos ficam eximidos de posstveis Iimperfeigéwes ainda presentes no texto. Agradeco. ainda. a Joi Manuel Cardoso de Mello pelo estimulo para esta publicagio. ECONOMIA E SOCIEDADE - 25 José Carlos de Souza Braga E importante compreender que, mais que nunca, no capitalismo contempordneo as finangas ditam o ritmo da economia — “finance sets the pace of the economy”, disse Minsky (1975) —e, neste sentido, hé uma domindncia financeira na dindmica econdmica. Entio, neste contexto, compreenda-se que as mudangas nas finangas t¢m constituf- do uma din&mica internacionalizada, calcada numa verdadeira macroestrutura financei- 1a, de Ambito transnacional, originada nos Estados Unidos ¢ transposta também, em termos nacionais, para alguns paises importantes da Europa e da Asia. Registre-se que adomindncia financeira é a forma mais aparente e problemitica da dindmica econdmica do capitalismo contempordneo. Ela nio descarta que a dindmica siga, em boa medida, condicionada, em tiltima insténcia, pelo célculo capitalista acerca do progresso técnico ¢ alimentada pela concorréncia internacional interfirmas industriais, apoiadas ou nfo pelas politicas de ajuste e reestruturagao dos pafses dominantes”). A dominancia financeita — a financeirizagdo — 6 expresso geral das formas contemporineas de definir, gerir e realizar riqueca no capitalismo. Por dominancia financeira apreende-se, inclusive conceitualmente, o fato de que todas as corporagdes ipicamente industriais, como as do complexo metalmecénico ¢ cletroele- trOnico — tém em suas aplicages financeiras, de lucros retidos ou de caixa, um elemento central do processo de acumulagao global de riqueza. Assim, seus departa- mentos financeiros vém adquirindo maior importancia estratégica que os de Pesquisa & Desenvolvimento (p&p), ao ponto de assumirem o perfil de bancos-nao-bancos, internos as empresas), A segunda questo tratada neste artigo refere-se A natureza da concorréncia e A estrutura das corporagSes do capitalismo atual, na qual essa dominancia financeira & muito importante. Ressalte-se que esta nfo € considerada aqui como dominincia do sctor financeiro, mesmo porque este corte, setor financeiro versus setor produtivo, ou capital bancério versus capital industrial, € hoje, no minimo, bastante questiondvel. Questiondvel pela existéncia da macroestrutura financeita — sobretudo em nivel internacional —e, em alguns casos nacionais, dada a conglomeragao reinante em alguns paises Iideres, como Japio ¢ Alemanha, ainda que permanega valido, aquele corte, nos demais paises da Organizacéo para a Cooperacéo ¢ Desenvolvimento Econémico (ocve), inclusive nos Estados Unidos, submetidos, contudo, a tensdes oriundas desta wendéncia geral™. Ainda nesta segunda questo, verifica-se que aestrutura das corporacdes capitalis- tas contempordineas transforma-se velozmente, comparando-se Estados Unidos, Japtioe (2) Ver courmsH0 (1991) sobre a dindmica do progresso técnico; e TAVARES (1990) sobre as politicas macroeconémicas de ajuste e reestruturagio. (3) Como ilustragdo deste fato, considere-se 0 comportamento financeiro das grandes corporagées japonesas desde a década de 60. Revela-se uma elevagio estruural da capitalizagio financeira mesmo nas empresas do Japio, pats notadamente voltado para o produtivismo. Assim, a elagio entre lucros nio operacionais ¢ lucros operacionais tem ce aguintec valores minimor # méximor nae tir imar AScadas: 1960 70 22.9% 6 37,54, 1970 80 34.0% 6 62,55; 1980-8 —41,1% c 60.4% (Ver Tabela 1 do Anexo Estatistico, pagina 49). (4) A reforma bancéria, em curso nos Estados Unidos. seré importante momento decisério sobre a legalidade de firmas industriais possuirem bancos € sobre o término da separacao enlze bancos comerciais ¢ bancos de investimentos, Estas sio as quesides centrais da referida reforma, além da divisto regional existente entre as instituigdes. 26 - ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Financeirizagio da Riqueza Alemanha, ressaltando-se a velocidade das mudangas na segunda metade da década de 80. Portanto, so mudangas que esto se processando ¢ sobre as quais nao h4, ainda, reflexdes convincentes, de cunho analitico e te6rico, mesmo nas universidades da Europa, Estados Unidos e Japao. A terceira questo refere-se & emergéncia de uma macroestrutura financeira— de dimens6es publica e privada, nacional ¢ internacional —, ¢ ao que se considera como 0 “paradoxo da financeirizag@o” desta dinamica contempordnea e que corresponde a mudangas nas formas de movimento do sistema. Isto 6, as crises e reestruturagdes obedecem a processos distintos em relagio a outros momentos hist6ricos. Analisa-se por que as teorias existentes sobre dinamica econémica sucumbem em face da inovagio Teinante neste novo tempo légico-hist6rico do capitalismo mundial, que tem sido designado com certa impropriedade de “globalizagao"®). 1. Fim da Prosperidade da Economia Americana e Capitalizacao Financeira 1.1, Fundamentos financeiro-monetarios e transformagées recentes Foi nos Estados Unidos, na década de 60, que nasceram os determinantes da instabilidade estrutural que tem atingido as cconomias nacionais ¢ internacional nas tiltimas décadas. A cconomia norte-americana, como é sabido, era, & época, a mais poderosa do ponto de vista da escala de acumulagao de capital, da complexidade dos mecanismos financeiros, da poténcia de sua indtistria, do papel do Estado e do seu poder internacional. Considerando que parte destes poderes permanece vigente, sua trajet6ria tem condicionado as transformagées mundiais tanto no centro como na perife~ ria do capitalismo. ‘Antes desta andlise, vejamos quais as caracteristicas financeiras e monetérias dos capitalismos exitosos no século xx, as quais se encontram no Amago das reestruturagbes em curso. Estes paises combinaram crescimento e estabilidade monetaria ao terem suas finangas fundadas soja num sistema baseado no crédito, seja num sistema baseado no mercado de capitais. No sistema baseado no crédit6, verifica-se, em geral, uma articulagio estreita centre capital industrial e capital bancério, em interagdo com as autoridades monetérias, assim como com outras instituig6es governamentais. Tal processo implica o manejo de politicas técnico-produtivas (industriais) ¢ financeiro-monetérias, no sentido de propi- (©) 0 “Global Reach” dos grandes oligopélios wansnacionais tem sido examinado em suas virias dimensées estrtégicas — comercial, ecnoldgica, financeira —, mas essa, a meu jutzo, é uma dimensio permanente do Capitaifsmo de grande empresa. Nese ensalo, busearse a comprecusdu de una aviuvstutua coun una dinensdo nova, que vai além da ldgica da grande empresa ¢ que tem, em sua origem, os chamados “desequilibrios acroeconémicos” da poténcia dominante ¢arupturadaestabilidade do padrio monetério internacional. Ver naRver emote (1974). ECONOMIA E SOCIEDADE - 27 José Carlos de Souza Braga ciar trajet6rias de crescimento de longo prazo com estabilidade. A despeito de diferen- as, 60 padrdo comum a Japao, Alemanha, Franga e alguns pafses em desenvolvimento da Asia. No outro sistema, o mercado de capitais é 0 centro do padro de financiamento. Ele std assentado nos investidores institucionais (fundos miituos e de pensio, seguradoras © outros) e nas tradicionais operagdes bancérias (crédito ¢ financiamento de diferentes prazos). Este ¢ 0 padrao anglo-saxdo adotado pelos pafses que exerceram a hegemonia no sistema monetério internacional: a Inglaterra, até as primeiras décadas do século xx, 0s Estados Unidos, até 0 inicio da década de 70. ‘Nos tiltimos anos, no entanto, tem ocorrido uma tendéncia A reducio das fronteiras centre esses sistemas, ainda que em cada pais isto esteja acontecendo com formas ¢ ritmos diferenciados. Este movimento decorre da evolugio do processo de globalizagao da economia, particulamente do sistema financeiro, por meio de um mercado de capitais, mundialmente integrado c por uma crescente tendéncia & homogencizagao dos sistemas financeiros interpaises. Estrutura e institucionalidade das finangas Em ambos os sistemas, pode-se dizer que existe uma estrutura, formada pela interago entre investimento produtivo ¢ capitalizagao financeira, que foi constitufda, respeitadas as diferengas organizacionais de cada pais, pela articulagao entre empresas financciras ¢ no financeiras, ¢ entre os sistemas bancérios c os bancos centrais. Por outro lado, existe uma institucionalidade que facilita e induzo relacionamento das duas dimensécs fundamentais do capitalismo modemo: a financeiro-monetéria, expressa na riqueza mobilidria (ativos diversificados ¢ Iiquidos), ¢ a produtiva, expressa na acumulaco inovadora e industrializante de bases técnico-produtivas. Esta institucio- nalidade cria na economia, através das préticas empresariais (financeiras ¢ industriais) das relagées entre Estado ¢ mercado, bases para trajet6rias econdmicas de crescimento €, ao mesmo tempo, inibidoras de problemas de instabilidade estrutural, tais como os surtos inflaciondrios. E nestas condigées que se tornam realidade as finangas industria- lizantes, cujo significado discutimos na Introdugio. A riqueza mobilidria e 0 investimento inovador sistema capitalista move-se em volta do tipé moeda, crédito e patriménio, conforme j4 demonstramos. Articulados, estes elementos permitem a combinagao entre liquidez c imobilizagao de capital, que, apesar de registrarem descolamentos em virtude de instabilidades, sc constituem em fator decisivo do desenvolvimento. Entretanto, depois que a economia americana, nos anos 60, passou a conviver com incertezas financeiras que culminaram com a extingao da conversibilidade do délar em ouro e detonaram instabilidades de juros e de cambio por todo o mundo, a moeda deixou de ser plenamente estavel, mesmo nos paises desenvolvidos. Também, a combinagio 28 - ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Financeirizagio da Riqueza entre liquidez e imobilizagio de capital ficou mais dificil de ser alcangada ¢ dew origem a importantes inovagdes financeiras. Nestas condigdes, o crescimento com inflagio controlada, ocorrido, nos ultimos tempos, em pafses da ocpe, deve-se a uma boa articulagao entre inovagdes financeiras (apoiadas em ativos financeiros diversificados) e inovagdes técnico-produtivas, as quais, tém possibilitado altos niveis de riqueza liquida e a realizacao de investimentos indus- triais, nfio obstante o aumento do carter especulativo das aplicag6es financeiras. ‘As inovagées financeiras em curso caracterizam-se pelo prinefpio da securitiza- go, que implica a predominancia de titulos financeiros negocidveis, atendendo aos requisitos de mobilidade, liquidez e cobertura de risco, demandados pelos detentores de capital c investidores em geral. Tais requisitos tornaram-se imprescindiveis no contexto macrocconémico dos iiltimos tempos, marcado especialmente por instabilidades de juros e de cambio. Os novos instrumentos financeiros substituem em parte os empréstimos bancérios (bank foans) enquanto mecanismos de crédito ¢ valorizagio préprios 20 novo contexto micro e macroecondmico. Securities podem ser ages (equities), titulos a juros (bonds) ou quaisquer outros papéis financeiros que, além de negocidveis (marketables), re- presentem um direito de rendimento a ser cobrado de um emissor final ou de um intermediério financeiro, em tltima insténcia. Por securitizagdo entende-se as vezes, equivocadamente, um processo de desintermediagao banc4ria — exclusio do sistema bancério —, dado que, comas inovagdes financeiras, tomadores ¢ aplicadores contorna- riam os bancos. Esta é uma falicia, j4 que nestas mudangas os préprios bancos transformam-sc, redefinem suas concxdes com a indiistria, ¢ so importantes subscrito- res — nas operages de underwriting — ¢ distribuidores Jus Utulos securitizados. A desregulamentagio dos sistemas financeiros, relacionada iquelas inovagoes, tem sido efetuada por todos os governos do mundo capitalista desenvolvido, ainda que 08 ritmos ¢ intensidades sejam diferenciados. Estas préticas obedecem menos as pregagées doutrindrias do neoliberalismo do que & realidade da tensdo entre regulamen- tos oficiais e o pragmatismo dos grandes grupos empresariais transnacionais na busca de rentabilidade c de oportunidades de investimentos, financeiros ¢ produtivos. Assim, a0 longo destas duas décadas, 0 dia-a-dia dos “mereados de investimentos” tem suplantado ‘os controles ¢ normas de bancos centrais, bem como o exercicio de certas politicas publicas por parte de autoridades monetarias. Deste modo, em muitos casos, a chamada desregulamentago nada mais é do que uma resposta & realidade econdmica, enquanto 0s governos ganham tempo para saber 0 que devem ¢ podem fazer como “nova regulamentagio”. A saber, trata-se da definigaio de um novo tipo de relagées entre governos ¢ sistemas financeiros as escalas nacional c mundial. 1.2. A inflexio em 1966 E na década de 60, cm especial a partir dos eventos de 1966, que se revelam as origens desses clementos de instabilidade ¢ de transformagio, os quais podem ser utilizados como ponto de partida para se pensar a reestruturagdo internacional que esté ECONOMIA E SOCIEDADE - 29 José Carlos de Souza Braga em curso. E, de todo modo, uma reestruturagao instavel, ndo s6 nos Estados Unidos como também no Japao ¢ na Alemanha — nestes, especialmente a partir da segunda metade da década de 80. A partir de 1990, até mesmo o “modelo organizado” do capitalismo japonés dé sinais de instabilidade através da Bolsa de Téquio, onde ocorre uma desvalorizagao da ordem de 25%. Do ponto de vista teérico, cabe compreender que desde meadas dos anos 60 j4 se. explicitava a forma contemporanea pela qual as finangas ditam o ritmo da economia capitalista, conforme analisou Minsky. Essas importantes mudangas das relagdes financeiras que ocorreram nos Estados Unidos significaram uma transigo para a turbuléncia c a fragilidade financeira, que vao tomando conta da economia. Nacondigao de poténcia dominante, os Estados Unidos tém vivido, desde entéo, problemas de balango de pagamentos, inerentes & luta contra a perda de hegemonia do délar como moeda internacional. Esta é uma armadilha, uma determinago, constantemente presen- te na instabilidade e que impacta o Banco Central via perda de reservas, pressdes sobre as taxas de juros e de cambio, condicionalidades A politica monetéria. Em primeiro lugar, a expansio do investimento fixo que ocorre entre 1962 ¢ 1970, na economia americana, faz-se através de uma relagdo crescente entre o investimento fixo ¢ os fundos internos brutos; ou seja, na verdade, amplia-se crescentemente a participagio dos fundos externos no financiamento do investimento das corporag6es no financeiras. Os bancos norte-americanos internacionalizam-se como membros impor- tantes do mercado de “eurobonds”. Aumenta, também de forma significativa, a relagao entre divida total ¢ depésitos & vista, 0 que decorre da emergéncia de novos ativos financeiros com grande importancia. Aqucla época, j4 se observava nos Estados Unidos grande investimento em ativos geradores de juros, substituindo a posse da moeda propriamente dita, como defesa frente inflagio, Ou seja, jé existe o contexto de um mercado financeiro e monetério, acompanhado de tensGes inflaciondrias, que comega a se modificar em relagao aquele que teve vigéncia na prosperidade do pés-guerra. Alteram-se as téticas e os célculos de valorizagao das corporagées americanas. Existe um salto, por parte das corporag6es, em dire¢o ao que Minsky denomina de finangas exéticas. Observa-se também o aumento da relagdo entre os papéis de “open market", somados aos financiamentos obtidos em companhias financeiras (que nao os bancos comerciais) ¢ 0 total da divida. Isto 6, as corporagSes americanas nio financeiras comegam uma alavancagem multifancional de recursos através de operagies com papéis: com companhias financeiras, operagdes estas que nao tinham mais a ver com a tradicio- nal forma de alavancagem para o investimento, a qual teve vigéncia até meados da década de 60 ¢ esteve no centro da prosperidade. Esta “alavancagem”, agora, envolve tanto captagdes quanto aplicagées, com prazos € objetivos diferenciados. Capta-se no longo prazo, aplica-se no curto e compéem-se lucros produtivos e financeiros. (6) Ver sansey (1975 ¢ 1986). (7) Atéaqui aintermediacio financeira era respaldada.a longo prazo. pelas seguradoras e fundos de pensto. enauanto as operagdes de curto prazo cram tipicamente de exédito ¢ nde financeiras. Valia, portanto, o modelo de Gurley Shaw. Neste novo contexto, ademais, as corporagées tentam assegurar os proptios ganhos de fundador, decorrentes {das Valorizagics de suas ages, antes obtidos pelos bancos subscrtores e distribuidores.. 30 - ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Finanecirizagao da Riqueza E mais do que isso, o Banco Central americano — o Federal Reserve — comega a dar suporte para esses tipos de passivos. A inflextio da politica monetéria americana, no final da década de 70, na dirego de juros altos — perfodo Volcker — tem um papel sem diivida importante; que deve ser pensado, contudo, dentro deste conjunto de determinan- tes dinfmico-estruturais, mais “pesados”, que jé esto presentes na década de 60, além da prépria crise do balanco de pagamentos. Os bancos comerciais americanos experimentam um processo em que a chamada “Equity Protection” se deteriora. Isto 6, os valores representativos da propriedade dos bancos sfo cada vez menores em face de seus passivos. Entre 1961 ¢ 1973 a “Equity Protection” declina, para os bancos comerciais americanos, de 0,85 para 0,59 (ou seja, de 85% para 59%). Nos bancos comerciais, ao mesmo tempo, ocorre um aumento da multiplicidade de novos passivos bancérios. Cai a relagao entre depésitos & vista ¢ 0 passivo total dos bancos de 50%, em 1962, para 35%, em 1972. Os instrumentos fundamentais de financiamento na década de 60 foram os chamados Certifieados de Depécito Banc4rio negociéveis. Mais & frente, no final da década de 60, aparecem os “Commercial Papers”, que terdo uma “performance” extremamente importante na década de 70 até mesmo ao longo da década de 80. Vejamos agora como o desenvolvimento destes principais instrumentos da finan- ceirizagdo, ocorrida nos Estados Unidos, acaba por contaminar o mercado em geral, a gestdio monetéria do Federal Reserve e as prprias finangas publicas. Na década de 70, o principal instrumento de expanso da economia norte- americana, do ponto de vista financeiro, vai ser 0 “commercial paper”. No momento em que, por medida de politica econémuca, ocorre com 0 “commercial paper” © mesmo que ocorreu com o certificado de depésito, na década de 60 — ou seja, uma corrida contra os papéis —, o Federal Reserve entra, abrindo o que se denomina de “Discount Window”, para refinanciar os sindicatos de bancos ¢ barrar essa corrida contra o “commercial paper”. Esse financiamento dos sindicatos de bancos € feito, por sua vez, para que 0s bancos refinanciem as companhias que emitiram os “commercial papers”. O “commer- cial paper”, como se sabe, é um tftulo emitido por uma companhia ou corporagio nao financeira, que ser comprado no mercado por um aplicador direto. Na hora da corrida contra o “commercial paper”, que afetaria as corporacdes industriais emissoras dos titulos, o Federal Reserve solicita aos scus bancos que refinanciem essas posigbes, dado que as companhias nao podiam ter acesso estatutirio & “Discount Window” para refinanciar suas posigdes. Injetam, assim, fundos adicionais no sistema bancéio, via operagio de “open market”. O que significa isso? O Banco Central institucionaliza um apoio as corporagées emissoras de “commercial papers”, via linha de crédito no sistema bancério: diante disso, Minsky, no livro de 1986, verifica que o “commercial paper” torna-se um passivo secreto dos bancos comerciais, porque estes esto sendo usados, na verdade, para, cm tiltima instancia, bancar as corporagées, que tinham que ser finan- ciadas, num “boom”, via o mencionado titulo. Acontece que esses passivos adicionais que 0s bancos detém, ao cumprirem aquela fungio, articuladamente com o Federal Reserve, no aparecem nos balangos. Este procedimento, que é parte das inovagdes ECONOMIA E SOCIEDADE - 31 José Carlos de Souza Braga financeiras, muito analisadas ao longo das décadas de 70 ¢ 80, tem origem na mene nada inflexdo da economia norte-americana. Desse modo, o Federal Reserve, junto com 0s grandes bancos americanos, sustenta ¢ impede, de nove; a verificago de grandes traumas financeiros ¢ permite, desse modo, que o sistema continue operando, ainda que, cvidentemente, com todas as instabilidades que ali estavam presentes. "As relagées entre Estado ¢ mercado acentuam-se na medida em que © déficit piblico comega a ter um papel extremamente importante ne dus Wiz. respeite ace umentos do lucro bruto das corporagées americanas, liquido de impostos. Tanto que fesse lucro das corporagées esteve em tomo de US$ 60 bilhdes entre 1968 ¢ 1970, saltando para US$ 69 bilh6es em 1971, ¢ atingindo US§ 77 bilhGes em 1972. Minsky (1986, p. 93) comenta que “paradoxalmente as recessGes so boas para oS luctos bratos, Iiquidos de impostos, numa economia com big government”. Impéc-se, entretanto, uma qualificagao deste “big government”. O déficit publico, 0 longo da rise norte-americana, terd um componente financeiro importante ¢ assim ago deve ser visto unicamente como um acréscimo autOnomo de gasto/renda, tal qual no “tmodelo keynesiano” simplificado. Ao contrétio, aguele déficit, em boa medida, atrela- se 2 valorizagdo patrimonial, ao aumento da riqueza financeiro-privada, © forga ainda mais a securitizagio privada na macroestrutura financeira, De fato, pelas operages ficiais com titulos da divida pablica, alimentam-se os “portfolios” com ativos financei- tos garantidos pelo Banco Central, financeirizando-se em maior grav 0 mercado geral. ‘Em sintese, o movimento de financeirizagdo da economia norte-americana, des- 4c 08 anos 60, de um lado, aumenta a vulnerabilidade das corporagées quanto a forma de financiamento e, de outro, tanto o modo de gestio do sistema bancério quanto a nultiplicidade do sistema financeira comecam a registrar, igualmente, um 82 piaidy de fragilidade. Ao mesmo tempo, dentro deste quadro, o Banco Central torna-se coadjuvante das formas pelas quais as instituig6es financeiras vio bancando suas posigdes), financiando-as; estas formas sio decrescentemente relacionadas com a rpeda e as reservas, ¢ crescentemente ligadas a um complexo conjunto de novos ativos Tinanceiros. Verifica-se, assim, o aumento dos volumes de certificados de dopésitos, de cords de recompra, de posigées no curodélar e de captacio de empréstimos junto ao Banco Central. Portanto, tomava-se evidente que esse movimento financeiro, ocorrendo na coo rnomia mais importante do mundo capitalista, conduzia a um processo de redugao da possibilidade de controle, por parte do Banco Central, da politica financeira c monetéria. O oxereicio da politica monetéria se tomava crescentemente complexo © dificil porque cesses novos instrumentos financeiros, pelos quais as organizagGes faziam suas posigdes, ganhavam caracteristica de curto prazo, ja naquele momento, & iam conduzindo para sina rescente instabilidade. Do ponto de vista dos bancos, isto significou passar 4 privilegiar a administragao do seu passivo, via omercado de fundos federais— “federal ‘By conespondeBaqusigho de recursos (tna) para inancar avs que Hoesen soe Negocio Sa Or i making position” — evolve opeages tives ou pasivas em iulos que podem =f rametados aum mercado Kido e com pregs rzoavelmente enstantes sob presses normal 32- ECONOMIA E SOCIEDADE ‘A Financeirizagao da Riqueza funds market"®) —, utilizavel, ademais, nfo apenas para regular a liquidez, como para financiar liquidamente 0 setor puilico, sendo a taxa de juros deste mercado a taxa fundamental para a economia americana. Este financiamento s¢ faz, inclusive, via possfveis transferéncias para o Tesouro de lucros realizados neste mercado pelo Banco Central e por outras agéncias financeiras governamentais. Esta prética havia comecado jé na segunda metade da decada de 00. 60 tongo da prosperidade do pés-guerra, ao contrdrio, os bancos basicamente administravam seus ativos, empréstimos € investimentos articuladamente & formagdo de posigdes financei ras baseadas nas “Treasury Bills”, as Letras do Tesouro american. ‘Ou seja, através do Banco Central estabelece-se uma conexso entre 0 mercado eo Estado, partes constitutivas da macroestrutura financeira, que produz instabilidade crescente, O movimento da economia norte-americana, desde ent, ‘conduziu a pertur- bagbes end6genas nas fungdes ¢ operagies convencionais do Banco Central, tanto por pressoes do ucficit péblico quanto pelos desequilibrios do balango de pagamentos. ‘assim, por exemplo, o manejo da politica monetiria (¢ de jjuros) € condicionado pelas ecessidades de financiamento vinculadas Aqueles dois problemas ¢ néo apenas pelo controle da liguidez da inflagdo. Isto é, se a taxa de juros foi (ou serd) tio alta, em alguns momentos, ndo & tanto por causa do controle da inflagdo, mas, em boa medida, pela necessidade de bancar o déficit piblico — em Pane financeirizado — e atrait Capitais externos para “equilibrar” o balango de pagamentos: Na dindmica bancéria privada ocorreu um aumento dos empréstimos acimé da base de reservas quando, finalmente, entrou em cena, em 1966, 0 “Credit Crunch”. Resvo ano, o Banco Central procurvu vontrolar a taxa de crescimento da base monetéria, ao mesmo tempo em que verificou-se uma fuga daquele titulo que havia sido um dos principais financiadores da expansio — os certificados de depésitos, Neste movimento imentam-se as taxas de juros dos “commercial papers” © dos débitos do tesouro, implantando-se, portanto, o que Minsky chama de um “panico controlado”. Esse € 0 primeiro momento, desde o pés-guerra, em que ume economia capitalista desenvolvida aproxima-se de um colapso financeiro da magnitude daquele que se verificou na virada para a década de 300), Acontece que, desta vez, o Banco Central entra substancialmente como prestamis- ta de dltima instincia — “lender of last resort” —, frente 2 possibitidads de “crash” financeiro iminente. Mas no s6 o Federal Reserve atua como emprestador de éltima instancia; também diversos bancos importantes que operavarn no mercado monetério

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