You are on page 1of 3
ARQUITETURA VERNACULAR E PRODUCAO DA HABITACAO POPULAR Frangoise Dominique Valéry, Protessora No quado de um amplo debate sobre a ‘roduefo do espace habitedo no Breil Con temportneo, tema do presents Congrssso Nacional reunindo arquitetas e profssionais dedicados & solucionsr a probemtion hab ‘tacional, no ha dvida de que a arquiteturo jenquento produgso cultural soja um tome to relevante quanto o tema do papal doar {uitete na sociedado bratieira de hoje, Dentro dessa abordagem gel, de arqui- tetra como produgdo cultural, queremot brivilegiar uma finha da abordapem espec tf 3, que dic respeits 8 arquitetura vernacular Sabamos que, “dontro da estrutura departe rmontalizada @ setorizode que caracteriza at Instituigdes e a concepego oficial da araul- ‘ature, @ srauitetura néo 6 vieta como culty ‘técnica, mas perce: bide como marginal 8 cada uma. dersor ‘roae'(1). Portanto, retomer 0 problema a ‘arquitetura vernacular nos leva & busca de luma expressgo multo rea de nossa relida: se, “realidade que refiets hoja a eree pro- funda de nossos valores euttuais (2) Retlotindo sobre 0 conério de vida de ‘nosso povo, Rotadamonte © pove do interior {do Nordesta bratilir, © 0 povo das peri Fias urbanas, constatamos que um verdad ‘0 abismo continue separando as concep os AarquiterOnicas ¢ urbeniatiess da nostos pax Iwjadores a redlidade, Toit de miséria © etomprege, de barracts e viele enlame dos, de baltros desprovidos de infraestutura © equipamentos que etandam ab populagses a0 ver mais bees ce nossas cidade, verdade que muito se tom felto para sontar integrar os populagdes mais carentes, dentro de programas oficia, contralizando (06 wsforcas sobre infroestruzura béslea (gua luz) 9 equipamentos de base lade note: sdament). Por outra parte, vérios progremas do govern tom sido sirigidos as clatses po- pulres, no intuito de resolver a problema Fhabitacional desta gente, No lo Grande do Norte, para citar um exemple, o¢ programas habitacionais destinados és populagoes de bbaixa renda, tem atencito carca de 35.000 familias, sem portanto ter resolvide © pro- blama habitaciona pois 86% da producto hebtacional tem se concentrada am Natal capital do Estado, e tem fevorecido os que ‘8 enquodrom nos pré-oquisitos do Sitar Financeiro da Habitaego (SFH), a saber, ot ‘que ganhen entre 3-6 6 salérie minimos. No quadro dos programas habitacionsis no convencionsis, tipo PROMORAR, PROF LURB, 0 projatos eresoer, poucos tem sido of etcoihidos. Frante 20 fracatto da polities habitecional destinada 3s populates ce bal a ronda, novas concepees tem sido adota= ‘as inspiradat_ nos moldes tradicionsie oe construgdo da habitagd0: entre elas, 0 sste- ‘ma da ajuda matua ou mutirdo, racionalizs: do em termos de politica habitcional no quadr do Projeto Jako de Borro (3), Ess ovat concep nada mals so, porém, que 8 reutlizagdo de formas ‘radieionais oe Cconstrugio de moradias, usuais no quadro ‘da chameda arquitetura vernacular. Mas are utillzagf0 dosses medos ‘odicionals se faz de uma maneira totalmante desvineulad do ‘quadro comunitéria# social do qual é orlun do; 08 planejadores sb recorrem hoje nesses ‘modos. por taxélos de “solugdes populares” ® "participative quando sso meros mece rismos de barateamento da consrugd®, alla: 40s & folios mecanismas de parieipanto co- munitiria, Portamto, pargce-not muito importante voltarmes ao astude da arquitewura vernseu- lar, um emplo campo de saberes o conheci ‘mantos, que podem ser muito dtels para’o arguizeto. na suo prea profisional, en {quanto planeiador © conceptor de progr: ‘ge habltacionae destinados as clatser male bres, mas tambem ateis no projeto argu: fetnico, como férmuias o séeniear to efi. clantes quanto os earas formulas © soluesee tecnolbgicss as mais modernes Uma vez coloceda om evidéncia, 2 ar- aquitetura vernacular torna-se fonte ce ieSes ensinarnentos. pois relaciona a casa com seu entorno fisico o cultural: 0 estudo do aio ambiente, do espaco habitado, das for mgs erladas rproduzides pela sociedad, de sua adequae fo aos assontomentos hum: ns podem reprecencar paradigms para o fentendimento de nossa socledace, 0 Ge5ven- dar de suas necesidades ¢ o planejar de eeu ‘uturo, de um modo mais humane. Mas, 0 que ¢ a arquitetura vernacular? E Por que quorer volta a0 astudo dee form tradlelonels de constrie @ morer? Alden de efinirmos » erquiteturs vernacular, que ‘mos no presente trabalho resaltar © impor tincia de esnudar estas formas de produgdo do espero habitado, em rogides onde erie tipo de arquitetura ainda predomina, como 610 caso do Nordeste brasileiro, Partindo-se ‘desta definiga0 © dos astudos de oso que realizamos, nestes ditimos 3 anos, nso que- remos ser lirics ou ideaisas, mas trazer 8 ‘cular quando muito se incentive recorrr 8 ‘solugde @ tdenicassofistcads alenigense, ‘eras © que tornam nota erquitetura cad ‘voz mais depender » dos preset facials © econdmicas No que siz respeito a0 estudo da arqul- tetura vemacular, poucss tom sido a8 publi- ‘cogdes tratando deste assunto, «ness bi Dlogratia rene eftudos « livros prosuzidos fem varias partes do mundo, em condigges Socials @ culturls diferenciader, Além dos elissicos, como "House Form and Culture” be Rapoport & "A dimonsso aculta” de Hal PPodemos citar livios antigo, tal "Casa Gran ‘de e Senzela” de Gilberto Freyre, cu recan- tes, tal “Habitagoesinaigones” de Silvie No- ‘dos ou "A cata ea rua" de Roberto de Mat: {a (4), ou alienigenos como 0 apsixonante ‘Consiruindo com @ povo” de Hassan Fathy (5). Porém, eads um dossos autores dt sua ofiniego de arquiteurs vernacular, sendo raras 68 teorizagdes acima do essunto, Ex: tralremos nossa detinieg0 do ostudo de Ro: oport, que vé na arquitetura vernacular a tradueZo direta das ormas fsieas de uma cultura, de suas necessidadese valores, acim ‘como dos ancoios, sonhos « pelxéoe do sou ove (6). Pols esto ambisnte, que tanto re- ‘cultura de um povo, tem sido cance. Dido © construido som a ajuda de umm protic sional arquteto. Portanto, ¢ bern mais re ficads, além de produzida om sire © sagun do modelos cultura impostos pea elite. Em termes de importincia numérica, 2 particpar mais da escolha do terreno, nem ‘do. processo Construtivo da cats, nfo participa da concap¢s0 da habits ‘280. 0 projeto, comorado promo, € fruto Se uma reflaxdo. téeniea # econdimica, de ppordmetro® a sat equeclonados, onde 0 eco- omico aparece determinante, multo. mais {ue oF valores socials @ cultural do fam lis. Chegase 20 absurdo do se conceber habita- fefo sem valor de uso (si), ease somente Sista conio. mercadorie & sor colocads no Imercado @ consumida pela fsixa de rends fque pore pegar por ela A arquitetura ests fontdo denvrtuada de seu objetivo final, que Ge abrigar 0 horner sua femfla, para tomerae objeto de especuloeso, transagso, melo de s9 conseguir luero, Neste quadro, ‘ido ha mals um psdrS0 social da habtaeso, Ima virios modelos, que revslam a hierar (ulzagin, a sogregaeso orpacia reflexo da Sogregagao social fbairr0s vices e peritéricos obras) 8 oe modismos vigentes. NaO hi fas ligagt entre cata « seu mao, entre © hhabitagio e © quedro ecolégico no qual feneere, pois a chamad arquteture interns: ‘ional Banaliza modelos vigontes qusiequer {Que tejam at conaigdes bio-climaticas e ts as, A srquitewurabanalizada 6 também pro- Sasiga om moldes industrials, uniformizs monte, perdendose os espectos reglonals ‘04 nacionals proprio 8 cada cultura. € pro: Szide pare uma clase dominant, ¢ imitade pelas outres numa tntetva de se edquil Feratus”Além disso, como poucos a0 08 ‘que podem pagar para ter uma habiterso, Vnlonzese 0 empreendimento, crindo-e me ofera sempre inferior 8 demands, yo acionados mecanlsmos econdmices que integram a habitogdo no sistema sBcio-eco- hnomice capitaleta. Criamse programas des {inaos a faixes de ronda expeciicadst, ms sndo-e a8 categoias mal pobres, ex ‘inal lutdae dor beneficios do sstma e sem di- feito ume haaiteeso condigna Pols nerte breve estuco da relagdo Exps- solSociedad, vist» travis. da casa, distin: ‘rquiteture erté muito mals preocupada ‘edoquacto de moradia & familia que nel fbita, que a arquitetura moderna, hole ‘Gue sustonta este tabslho poderia sr rau: imide na soguinte questo: quale concengSo dda exea que parmels est tipo de arquitetra, fe qual su8 coertncia com a ilorofa, o modo (e viver,trabalhar, amar pensar da scie- ‘ade na qual #8 ensere? Qual 0 concreto vi- Sido por noseD pow? través da arquitetura ‘erneeular, valoriam-se conhecimentos s0- bre um modo de apropriaedo e produeéo 50 fepaga habitedo, que hoje coexiste e fre- fquentemonte so ope 20 sistema capialste ‘be produgbo da caso de da cidade (10) ‘Qual © papel do arquiteto nesta proble- mética? Num momento om que se difunder programs oficais Ge habitapo, notademen- {Te popular, utilizande métodos oriundos ds Srquitetura vernscular auto-construcdo, ‘mutirdo principaimente), nao hé dvide que (0 arquteto prciea stusizar seus conheci ‘mantoe a sso respoo, Valorizar 0 espao ‘vido, v n80 slmplesmenta a habitacdo e quanto. instrumento. de morar, resgetar 8 flexibilidede e a adaprbiidade de arquite {ura vornaculsr, levardo of erqultatos 2 #0 ‘qusstionar sobre a recon apropriardo pel lrquiteture moderne, de métodose tcnicas, Tigados & arquitetura vornoculer, mas apro- prisglo indevida. ©. multo dstoreida. om Folagio. & origi cultursl dastes saberes © Drétias populares. Em neme de uma téenica de um saber eitizado, 3 sorvico de uma Clare, © erqulteto deixou de conhecer @ ferquitetura vernacular, estigmatizando-s ‘como tradicional, atealca © desprovids de fntinamantos. Hoje tabernos que esto foi 0 ‘ceminho errado e levou a0 fraeasso de uma sande porte de politica habitacional det ada te popula;Ses de baixa renda. Basean- 1p seu trabalho sobre moros eitérios tn ose scondmicos (nimero de motror qui- Grados divididos pela feixa de renda do BI: ‘cho “muturio"), © arquteto exqueces do onstrir uma essa cule finlidade 6 abrigee ‘eres socio, Homens © mulheres, eriancas © ‘ethos. © bem ertor do homem ficou relega {do 2 dltima preocuparan de nossos concep- tores plenejadore. (Como stuar? Como roverter esta situs ‘80? Nurm primero moment, doves res {or oF ensinamentos do arqutetura vernacu lar dantro do préprio ersino da erquiteture, sia na dea co histria © teorla da arquite: {ura sia ne Sra de projato. Precisa-ce mos ‘rar a rolagSo srquitetura vernacular/arau: {mtura modemo, no quadro de um ampla Feflexda.tobre expaco 9 sociedade, sem es figmotizar uma ov outa, mas trazendo tone os ensinamentos do" cada uma. Num fegunde “momento, precisaae retrabathor Os coneeltos de arquitaura vernacular, en Fequecendo-os, ¢ rultiplicar oF estudos de faso sabre nosss realidade sociale cultural. ‘Tale entudos redundsrdo em trabathos d graduegdo ¢ de pos-gracuseto sobre Arqui- tetura vernacular, « fortifieargo seu ensino ‘om nosis ercoles. Enfin, no quadro de seu trabalho profissional, o' arquiteto. doverd Datalhar para garantir uma otuopio mens fuboorviente, propendo uma arquitetura menor rigide @ mais receptiva as manifest: (en dos s0us usudros (11). Apesar das Fritagbes Insticucionols © econdmicas, sabe ‘roe hoje que tudo podemos fazer em ter fos tenieos © arquitabnicos, até dentro estritura rigida de um conjunto habits ional, Resgatar 2 arguiteture vemecuer 160 quer dizer multplicar © némero de eon Juntos destinacse baixa rondo, constr fos frm autoconstrugso, isto 6, eonstrugdo de fuperfavelor t£0 marginalizedse quanto at ‘uvas. Cuer dizer que 0 homer, dostinaté Flo final da habitagdo, tenna ‘deeito de ‘rcolher um lugar para morar, escolherseué izinhos, a planta de sua cosa, 9 orientagSo@ rmotersis eonetructives,enfim parvcipar da ‘conceprio do espero que serd seu Infeliz> ‘monte, hoje, ete priviligio do. cebtna s0- mente & quem pode pagar pelos servigos de tum bom ‘erqulteto. Portanto, torando-se ‘consclente do papel que pade derenvolver jumo 2 populagdes mais earentss,o arqul- teto talver tornarese 0 “erguteto de pés escalgas” que ndo £8 contonta om falar do ovo, mas trabalha com ele e nara ale, nume ‘xpatifnela do vida Insuperdvel. Londo as péginas escritas por Hassan Fathy, talvez Fults de woes se convencerso de que cont: ‘rule com 6 povo soja uma alogria... NoTas (1) © (2) Texto Preliminar para dlacussfo XII Congress. (3) Program Habitacional Jodo de Barro BNI 1986 (4) A. Rapopore “Vievende « Culture”: Edward T. Hall "A dimensfo oral G. Freyre “Casa Grande 0 Senza Novos "Habltagdes Indigenes” Mates “A casa 09 rus". (6) Hessan Fathy " (8) A. Rapoport, op cit. pla. 12 (7) Bolafti “A cam das husSer porns” {@)_Novees, op. ct (9) Maricato, €, “A produgfo capitalists ta care da ckdade no. Bravil indus. (10) Maricato, op. et (11) Revista projeto, n? 75, ‘Abi pa. 1988, BLIOGRAFIA FATHY, Hassan “Constrvindo com o poro"” Fie de Janeiro, Zar, 1981. FREVRE, Gilberto. "Cass Grande o Senza Ta fie de Jansiva, J. Olimpia 1966 “On ae case” Rio de Janeiro, Arte nova, 1979 GEERTZ, Clifford. “A Invroretapdo dot Cultures” Rio de Soneivo, Zahar, 1978 HALL, Edward T. "A dlmensto Ocurte” Flo de Janeiro, Zahar, 1979 HOLANDA, Armando. "Roreiro pore cons- ‘wuir no Norduste” Racite UEPE Fecul- dade de Arquitetura 1974 LYNCH, Kevia. "L'imoge de faci” P ‘Duned, 1971 MARICATO, Erminis (org). “A producso captained case @ de cidade mo Brasit Industral” SE0 Paul, alle Smego, 1982 MATA, Roberto de. "A cass @ 9 rua" S50 Paulo, Bresliense, 1985 MOUTINHO, Mario. “A arquizeture poputar portuguesa” Lisboa, Ed. Estampa, 1973 NOVAES, Silvia C. (orgh “HabitacdesInd- ‘gonai” So Paulo, Nobel, 1983 RAPOPORT, Amos “Viviende y cultura” Barston Gill, 1972 TAVEIRA, Eduardo 8, "Contibuigko 20 es: tudo tipolagiea de habiacko potiguae”™ ‘Natal, PRAEU Ed, Universitirie 1982 VALERY, Frangoise Dominique. "Para wna ‘ntropologia de case potiguar” Natal, Departamento de Arquiteture, 1986 ZEVI, Bruno, "Seber vere arquitetura™ Lie bo, Arcadia, 197. a

You might also like