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Bodenlos Uma Autobiografia Filoséfica Vilém Flusser Revisdio técnica Gustavo Bernardo COLECAO COMUNICAGOES Diregdo: Norval Baitello Jr. 1. Lingua e Realidade, de Vilém Flusset 2. A Fieg&o Cética, de Gustavo Bernardo 3. Mimese na Cultura, de Giinter Gebauer e Christoph Wilf 4, A Histéria do Diabo, de Vilém Flusser 5, Arqueologia da Midia, de Siegfried Zielinski Asair A Ecologia da Comunicagdo, de Vicente Romano Par e Impar, de V. V. Ivanov Antropologia da Imagem, de Hans Belling Conhega a proposta da colegio COMUNICAGOES no site www.annablume.com.br Bodenlos | Uma Autobiografia Filosofica | Centro de Documentasio e Informagio Polis Instituto de Estudos, Formagio e Assessoria em Politicas Sociais F668 Flusser, Vlém| Bodentos: uma autobiografia filoséfica, / Vilém Flusser. Revislo Técnica: Gustavo Bernardo ~- Sio Paulo: Annablume, 2007. (Colegio Comunicagdes). 246 p.; 14 x21 em, ISBN 978-85-7419-688-6 1. Biografia de Vilém Flusser 2. Flusser, Vilém (1920-1991) 3. Filosofia. 4. Comunicagdo Social. I. Titulo. I. Série. I Bemardo, Gustavo. IV. BaitelloJinier, Norval cou 929 DD 920 BODENLOS ~ UMA AUTOBIOGRAFIA FILOSOFICA Coordenagao editorial Joaquim Antonio Pereira Produgdo Luiz Rosalvo Costa ~ preparagio e paginagio Capa cartes Clémen CONSELHO EDITORIAL, Eduardo Pesucls Caaizal ‘Norval Baitello Junior Maria Oda Leite daSilva Dias Celia Maria Marinbo de Azevedo ‘Gustavo Bernardo Krause aria de Lourdes Sekeft lia de Almeida Sales edzo Jacobi 1" edigdo: margo de 2007 (© Vilém Flosser ANNABLUME editors .comuricag50 ‘Rus Padre Carvalho, 275. inbeicos (5427-100 . Sto Paulo. SP . Brasil ‘Tel, e Fax. (011) 3812-6764 ~ Televendas 3031-9727 ‘wunwannablume.com bt Sumario Prefacio A Gente de Flusser (por Gustavo Bemardo), 9 Monélogo, 17 . Atestado de falta de fundamento, 19 Praga entre as guerras, 23 A invasio nazista, 29 A Inglaterra sitiada, 35 A guerra em So Paulo, 39 . 0 jogo do suicidio e do Oriente, 45 . A natureza brasileira, 55 . A lingua brasileira, 67 ea AUEEne Didlogo, 87 9. Discurso e didlogo, 89 10. Alex Bloch, 93 11. Milton Vargas, 99 12. Vicente Ferreira da Silva, 107 13, Samson Flexor, 119 14. Joao Guimaries Rosa, 129 15. Haroldo de Campos, 143 16. Dora Ferreira da Silva, 151 17. José Bueno, 163 18. Romy Fink, 169 19. Miguel Reale, 177 20. Mira Schendel, 185 21. O terrago, 193 Discurso, 199 22. Introdugao, 201 | 23. Teoria da comunicagio, 205 24, Filosofia da ciéncia, 211 . Reflexées, 219 525. Habitar a casa na apatridade, 221 26. Até a terceira e quarta geragdo, 237 27. Meu caminho de Praga, 243. A Gente de Flusser por Gustavo Bernardo 0 fildsofo judeu Vilém Flusser nasce em 1920 em Praga, na antiga Tchecoeslovéquia. A invastio nazista forga-o a fugir, em 1939, junto com a namorada, Edith Barth, primeiro para a Inglaterra, depois para o Brasil, onde chega no ano seguinte. Seu pai, sua mde ¢ sua irma so assassinados nos campos de concentragdo. No Rio de Janeiro, casa-se com Edith, Em So Paulo, trabalha na pequena industria do gogro ¢ no comércio. Vilém e Edith tém trés filhos: Miguel, Dinah e Victor. Na década de 50, Flusser naturaliza-se brasileiro. Perto de 1960, passa a se dedicar também a filosofia. Sem diploma, apenas com a cara, a coragem e 6 saber acumulado de ‘maneira autodidata, leciona na FAAP, no ITA e na USP, ao mesmo tempo que esoreve regularmente para os jomnais O Estado de Sao Paulo e Folha de Sao Paulo. Publica, primeiro em portugués € depois em vérias linguas, mais de trinta livros, além de centenas de artigos em revistas e jomnais de todo mundo, Na verdade ele ‘mesmo escreve e reescreve varios de seus livros e artigos em quatro linguas, e geralmente nessa orden: alem&o, portugués, inglés e francés. Nao escreve em tcheco. | ‘Em 1973 muda-se para Robion, na Franca, quando passa a publicar na Alemanha ¢ a ser reconhecido como filésofo dos novos media. Sua filosofia da fotografia, publicada no Brasil como Filosofia da caixa preta, & editada primeiro em alemio ¢ depois ‘em portugués ~ encontra-se traduzida em inais de 15 linguas. Em 1991, volta a Praga, pela primeita vez desde a guerra, para proferir conferéncia no Instituto Goethe. A conferéneia 0 10 Vilem Flusser emociona tanto que, sem perceber, troca de lingua e passa a falar ‘em portugués. I! Edith quem o avisa que a platéia esta um pouco aténita. A conferéncia é um sucesso. No dia seguinte, passeando com a mulher nas cercanias da cidade natal, morre num acidente de carro. F enterrado no cemitério judaico de Praga. A sua pedra tumular contém uma inscrigiio em trés idiomas: hebraico, tcheco € portugues. Em 1992, Bollmann Verlag publica em alemio, post ‘mortem, sua autobiografia filos6fica, intitulada: Bodenlos. O titulo, que pode ser traduzido como “sem chao” ou “sem fundamento”, assume sua condigdo de eterno migrante, de sujeito desenraizado: tanto de patrias quanto de quaisquer sistemas. Ao escolher escrever uma “autobiografia filosdfica” e nfo uma autobiografia simples, ele se restringe a nao contar ¢ comentar o que dissemos nos parégrafos anteriores. Pouco fala, por exemplo, de Edith, sua principal interlocutora e a que melhor o criticava, que continua se dedicando, com 86 anos no momento em que escrevo, a traduzir, para 0 alemfo, os textos de Flusser que ele mesmo nao retraduziu para essa lingua. Flusser preserva sua relagio afetiva mais visceral para melhor falar dos didlogos filoséficos que manteve. Como se vera, ele dedica onze capitulos a onze personalidades que o marcaram e que, ele supde, também teria marcado. Destas onze pessoas, sete so brasileiros natos ¢ quatro sio imigrantes que, como ele, vieram para 0 Brasil. Logo, todos 08 didlogos que elegeu para homenagear e desenvolver, ele os viveu no Brasil. ‘A publicagiio desse livro na Alemanha logo apés @ sua morte sugere que ele o vinha escrevendo teria sido surpreendido pelo acidente, ou o teria terminado pouco antes. No entanto, a leitura dessa versio, feita a partir de uma cépia datilografada em portugués pelo proprio Flusser, tirada dos seus arquivos, indica gue ele jaa havia escrito por volta do meio dos anos 70, ou seja, pouco depois de emigrar do Brasil de volta para a Europa. A circunstancia de ele ter destacado, em capitulos proprios, apenas pessoas com que dialogou ainda no Brasil, reforga essa conclusio: © livro foi pensado e redigido, em sua maior parte, logo depois Bodenlos ~ Uma Autobiografia Filoséfica uw que ele voltou para a Europa, Entretanto, alguma variagdo de estilo ¢ estrutura nos capftulos, como o leitor pode observar, indica que nao foram escritos todos ao mesmo tempo. Cumpre observar que no se encontrou a versio brasileira do ltimo ¢ do antepeniiltimo capitulos, que foram entio traduzidos do alemio, especialmente para esta edigo, por Raquel ‘Abi-Sdmara. O esclarecimento é importante: nos demais capitulos, bem como em toda a sua obra, a comparacdo entre as versdes em linguas diferentes escritas pelo proprio Flasser, principalmente entre o portugués ¢ 0 alemao, mostra que ele nao agia como um tradutor “normal”, preocupado em respeitar o original. O fildsofo tcheco-brasileiro deliberadamente deixava a lingua-destino alterar seu pensamento na lingua-fonte, na mesma medida em que se alteravam a semantica e a sintaxe. A tradutora dos dois capitulos referidos obviamente ndo péde nem devia fazer 0 mesmo. O melhor estudo a respeito do riquissimo movimento de auto- tradugtio de Flusser encontra-se no ensaio, igualmente excepcional, do suigo Rainer Guldin, publicado por Wilhelm Fink Verlag em 2005 e intitulado Philosophieren zwischen den Sprachen: Vilém Flussers Werk. Para investigar a formagio e o desenvolvimento do seu pensamento, Vilém passa, na segdo a que chama “Monélogo”: & explicagdo de “Bodenlos”, isto é, da falta de fundamento que, paradoxalmente, 0 fundou; A bela descrigio da Praga dos seus primeiros anos, judeu de familia de intelectuais destinado a ser ele também um intelectual; ao trauma, paradoxalmente fundador, da invasio dos nazistas em Praga; ao relato da fuga para a Inglaterra; ao comentério da chegada espantada ao Brasil (onde soube, no cais do Rio de Janeiro, da morte do pai) e de como a guerra continuava repercutindo em So Paulo, onde passou a viver; a destrinchar a relagdo lidica e dramética que passou a ter, a mesmo tempo, cdm a filosofia oriental e a idéia do suicidio; a relatar 0 seu contato com a natureza brasileira, to diferente da natureza européia; a estudar 0 seu contato com a lingua brasileira, ‘Go intenso que o fez adoté-la como segunda lingua materna, suplantando o proprio tcheco. el 2 Vilém Flusser Para qualificar essa primeira parte, eu usaria um adjetivo que talvez Vilém nio gostasse muito: emocionante, Emociona como se léssemos um romance, como se encontréssemos um personagem intenso ¢, a0 mesmo tempo, como se vivencidssemos a historia tragica do século XX por dentro, a0 acompanhar as peripécias e as perdas do filésofo praguense e da propria Praga, centro filoséfico da Europa destruido pela barbarie nazista. Emociona, ainda, acompanhar como o Brasil recebeu, nem sempre muito bem, esse fildsofo, ligando os fios da nossa historia & hist6ria do mundo e do século. Para fazer 0 contraponto a primeira segio, Flusser chama “Didlogo” & parte seguinte, introduzindo-a por uma distingao entre “iscurso” ¢ “didlogo” e concluindo-a por um belo comentério sobre o “Terrago”: como se fosse uma Agora paulistara, 0 terraco era o lugar da casa onde semanalmente os amigos ¢ os amigos da filha, Dinah, se encontravam para discutir filosofia. No meio do volume, Flusser comenta os didlogos radicais que teve com os amigos: como ele era perturbado por eles e, naturalmente, como ele os perturbava. Nos capitulos, Vilém Flusser fala de: Alex Bloch, também imigrante tcheco; Milton Vargas, engenheiro e professor de filosofia da ciéncia que o introduziu na Universidade e no Instituto Brasileizo de Filosofia; Vicente Ferreira da Silva, a quem reconhece como 0 melhor € talvez 0 tinico filésofo brasileiro, embora dele divirja profundamente; Samson Flexor, artista plastico romeno, que fez 0 seu retrato; Jodo Guimaraes Rosa, escritor igualmente poliglota e cuja obra considera a demonstragao in fieri (em estado de vir a ser) de suas proprias teses filoséficas; Haroldo de Campos, poeta concretista, que j realizava a passagem, na sua poesia, para a pés-histéria das imagens técnicas; Dora Ferreira da Silva, poeta, tradutora e mulher de Vicente, cuja espiritualidade intensa 0 confrontava sobremaneira; José Bueno, aristocraia da tradicional e decadente burguesia paulista, um dos homens mais elegantes de espirito que conheceu; Romy Fink, juden ortodoxo inglés de miltiplos talentos e que punha em crise sua auséncia de f&; Miguel Reale, filésofo rigoroso, normalmente Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica 13 identificado a direita do especiro politico, do qual discnrda tio radicalmente quanto o respeita; finalmente, Mira Schendel, artista plastica suiga, que transformava letras e pdlavras em imagens € assim realizava o jogo de cédigos que tanto o fascinava. A terveira seco, “Discurso”, é relativamente inusitada para nés, acostumados que estamos ao desprestigio dos lugares do professor e do mestre. Flusser a dedica as aulas, cursos e palestras que ministrava na Universidade, principalmente sobre teoria da comunicagao e filosofia da ciéncia. Discute 9 fundamento das suas teorias ¢ a relagio estimulante e conflituosd que estabelecia com seus alunos, inclusive questionando o seu préprio carisma. As salas em que atuava ficavam sempre lotadas, com dezenas de ouvintes e curiosos de outros cursos. £ um professor tio heterodoxo quanto 0 escritor, ndo seguindo os protocolos académicos nem numa situago nem na outfa, © que incomodava sobremaneira os colegas. De cultura vastissima, meméria espantosa e orat6ria brilhante, provocava ¢ espantava os alunos, mostrando-hes um mundo onde a diivida reinava. Mas Vilém nao se dedica a se elogigr, mas sim a mostrar como gosta de ensinar, como precisa ensinar, ¢ como, ao final, se sente fracassado. Vé a juventude esmagada pela ditadura violenta e mediocrizante de um lado, por uma esquerda oportunista e igualmente mediocrizante, do outro. Essa sensagio de fracasso ajuda a explicar sua decisdo de, novamente, emigrar, agora do Brasil de volta a Europa. Fica para o leitor, com alguma amargura mas muita intensidade, 0 elogio|do ser professor, que Flusser toma estrito sindnimo do ser pensador. ‘A quarta parte, “Reflexes”, comega estabelecendo a relacdo estreita entre patria e habito e termina revisitando, depois de cingjienta anos de auséncia, a sua vetdadeira patria natal, concentrada toda na cidade de Praga. O capitulo final do livro fecha-o de maneira muito bonita, mas adquire dramaticidade adicional por conta da circunstancia: Vilém Flusser morre, em Praga, naquele acidente, pouco depois de ter voltado para “casa”, e, portanto, pouco depois de ter esctito esse texto. Sua autobiografia, da forma como foi escrita ¢ na situagdo em que “ Vilém Flusser foi, toma-o um personagem de romance, daqueles que nos afeta de maneira mais intensa e real do que qualquer relato da realidade suposta, ‘A opgio do autor por uma autobiogratia filoséfica obriga- oa investigar a formagdo e o desenvolvimento do seu proprio pensamento, que esta ligado, de maneira mais estreita do que 0 usual, a seu estilo de escrever e as suas escolhas em cada lingua em que se expressou. Nos anos 60, muitos o elogiaram pelo seu dominio da lingua portuguesa, mas é preciso reconhecer que ele no tenta escrever como um nativo. Orgulhoso da sua condigao de eterno imigrante, variante contemporanea do “judeu errante”, Flusser escancara essa condic¢ao na sintaxe da sua escrita, Coerente com a critica que faz de Guimaries Rosa ~ 0 carater revolucionério do escritor mineiro se mostraria na sintaxe € nao na semintica, portanto, nfo nos neologismos to incensados pelos criticos -, Vilém evita o jargéo ou a invengdo vocabular, esmerando-se antes em subverter a sintaxe para dizer melhor a sua diferenga. Por isso, no comego, o leitor decerto estranha a sua frase, de maneira semethante a como estranha a frase do amigo Rosa. Mas, assim como no caso do escritor, se 0 leitor insistir um pouco fe vencer as primeiras paginas é logo contemplado com pensamento e beleza em doses iguais e complementares. Como a frase do fildsofo, mais do que expressar o seu pensamento, jé é © proprio pensamento, os editores precisam resistir a uma revistio que a desfigure. Entre varios exemplos, 0 mais incdmodo e, em decorréncia, 0 mais significativo, é 0 seu uso da expresso “a gente” no lugar da primeira pessoa do singular, “eu”, ou do plural de modéstia, “nds”. Esse “a gente” equivale ao “man” alemao e ao “on” francés, ‘mas néo € exatamente a mesma coisa, No caso alemio, a expressio consagrou a impessoalidade do das Man heideggeriano; no caso brasileiro, trata-se de uma das expresses mais coloquiais e menos formais da lingua, com efeito simulténeo e paradoxal de pessoalizagio e de impessoalizagao. Flusser aproveita esse duplo efeito ¢ incorpora a expresso ao cere mesmo do seu discurso Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica (5 ensaistico. Essa incorporago provoca um estranhamento poético ~ {que desautomatiza a leitura, obrigando 0 leitor e um novo foco. No entanto, essa é apenas uma conseqiiéncia benéfica secundaria |" do recurso. ‘Com “a gente” no lugar do “eu” ou do “nds”, 0 filésofo diz “eu” ¢ diz, a0 mesmo tempo, “nds”, ou melhor, diz “toda gente”. Assim ele questiona de dentro, na forma, o “eu solar”, jsto é, 0 “eu” centro do sistema e do universo, Em decorréncia, questiona igualmente todo o cogito cartesiano que informa € modela o pensamento ocidental e a sua expresso. Seu texto muito pessoal, tanto na forma quanto no conteiido, preocupa-se justamente em se despersonalizar, para assim apontar melhor na directo de uma transcendéncia, nfo mistica, mas existencial. Todavia, ao fazé-lo dessa maneira, que mistura o mais coloquial a0 mais formal possivel, ele torna o seu texto perturbadoramente nico, ou seja, adquire uma nova pessoalidade ~ melhor seria dizer, uma nova e elegante persona. 0 pensador-poeta realiza, no texto filos6fico, os versos do poeta-pensador: “O poeta é um fingidor, / finge tio ‘completamente / que chega a fingir que € dor / a dor que deveras sente, /) E os que Iéem 0 que escreve / na dor lida sentem bem, / nto as duas que ele teve, / mas s6 a que eles no tém”. Faz sentido, entdo, a designagdo de “ficc3o filoséfica” que Abraham Moles atribuiu ao pensamento de Flusser: trata-se de um pensamento que tanto investiga quanto inventa, ou: que inventa para melhor investigar, que investiga para melhor inventar. No processo, © filésofo e escritor reinventa quer a si mesmo, quer ao leitor. 0 livro precioso que esse leitor tem em mios é, portanto, & autobiografia filoséfica de um pensador-poeta chamado Vilém Flusser, seu sobrenome mesmo sugerindo o fluir de um rio (Fluss, em alemio) de idéias & Ja Guimaries Rosa: idéias que nfo param, que no param, qué nio param, nas suas longas beiras: “rio abaixo, rio a fora, rio a dentro — 0 rio”. Mondlogo 1 Atestado de falta de fundamento © termo “absurdo” significa originalmente ‘sem fundamen- to”, no sentido de “sem raizes”. Como € sem fundamento uma planta posta em vaso. Flores na mesa do jantar so exemplos de vida absurda. Se quisermos intuit tais flores, podemos sentir a sua tendéncia de brotar raizes e fazé-las penetrar nao importa que solo. ‘A tendéncia das flores sem raiz € 0 clima da falta de fundamento O presente livro atestaré tal clima. termo “absurdo” significa na maioria das vezes “sem faundamento” no sentido de “sem significado”. Como é sem fundamento o sistema planetario, se perguntarmes para que gira em torno do Sol no abismo do vazio. Mercurio e Vénus so exemplos de um funcionamento absurdo. A tentagio é forte de comparar tal sistema aos aparelhos administrativos em fun¢ao dos _quais passamos grande parte das nossas vidas. A movimentacdo ‘sem significado, tendo 0 nada por horizonte, é o clima da falta de fundamento. O presente livro atestard tal clima. termo “absurdo” significa também “sem fundamento” no sentido de “sem base razodvel”. Como é sem fundamento a sentenga que afirma que “duas vezes dois so quatro as sete horas, em Sao Paulo”. £ exemplo de um pensar absurdo. Provoca a sensagao de estarmos os dois boiando sobre abismo no qual os conceitos de “verdadeiro” e “falso” nao se aplicam. A sentenga ndo tem fundamento, porque seria absurdo dizer-se que é verdadeira ou que é falsa. E ambas as coisas e é nenhuma delas. ‘A sensago de estar-se boiando é o clima da falta de fundamento. O presente livro atestard tal clima. (Os exemplos tirados da boténica, astronomia e ldgica pretendem introduzir o leitor no clima do presente livro. Clima {que todos conhecem de experiéncia propria, embora possam tentar suprimi-lo. E 0 clima da religiosidade. Nele surgiram todas as 20 Vilém Flusser religides, porque sto métodos de proporcionar fundamento. Mas 6 também clima no qual todas as religides periclitam. Porque nele 6s fundamentos proporcionados pelas religides sio corroidos pelo Acido do absurdo. Todos os nossos problemas so, em ultima andlise, religiosos. Se nos encontramos sem fundamento, ‘buscamos solugdo religiosa sem poder encontré-la. E se sentimos fundamento debaixo dos pés (gragas a uma religigo ou a um substituto qualquer de religido, ou simplesmente gracas a forca encobridora do cotidiano), perdemos 0 verdadeiro clima da religiosidade (mas, possivelmente, tal formulagdo é, ela propria, resultado da falta de fundamento). Todos conhecemos tal clima de experiéncia propria, mas indiretamente. Por exemplo, através do surrealismo, da filosofia existencial e do teatro do absurdo. Ha épocas nas quais o clima predomina nas manifestagdes da cultura. Por exemplo, no final da Antigijidade, no final da Idade Média, e atualmente, Sao épocas, de ruptura. Mas ha isto: tais manifestagSes culturais da falta de fundamento a um tempo revelam e encobrem a verdade. Quando a falta de fundamento se torna tema pitblico, deixa de ser ela mesma, E ela a experiéncia da solidio, derrete, quando discutida publicamente, ‘A experiéncia da falta de fundamento nfo pode ser precipitada em literatura, filosofia e arte sem ser falsificada. Pode ser apenas circunscrita em tais formas, para ser parcialmente captada. Mas é possivel atesti-la, de maneira direta, autobiograficamente: na esperanga de que tal atestado sirva de espelho para outros. A prépria vida pode tornar-se laboratério para outros. E este (¢ nfo, assim espero, vaidade ou vontade de auto-afirmacao) 0 motivo do presente livro. Todos conhecemos o clima da falta de fundamento de experiéncia propria, e, se o negarmos, & que conseguimos reprimi- lo (vitéria duvidosa). Mas ha os que se encontram na falta de fundamento, por assim dizer, objetivamente, seja porque foram arrancados da realidade por forgas externas, seja porque abandonaram espontaneamente uma situacdo aparentemente real, mas por eles diagnosticada como fantasmagoria. Os que cairam, Bodenlos ~ Uma Autobiografia Filoséfica 24 portanto, na falta de fundamento ou a escollieram. Sao os tais que podem servir de laboratério para os oytros. Existem mais intensamente, se “existir” for interpretado como “viver por fora". O presente livro ser atesiado de uma tal existéncia intensa. 2 Praga entre as guerras ‘A cidade imperial, com seu castelo gotico ¢ seu subirbio barroco no lado pequeno da Moldavia, e seus telhados géticos © seus subiirbios industriais no lado grande, tem personalidade ‘marcada como poucas cidades. Induz ela a repensar a diferenga ertre “civilizagao” e “cultura”. Cultura é produto da agricultura. E ela um “colher” (colere) das coisas arrancadas da natureza. Civilizacdo € produto da vida urbana” ela a tentativa de informar significativamente a vida do “cidadao” (civis). E formagao, nao cotheita. Poucas cidades tém tal poder formative. A maioria & ceitro dos seus arredores camponeses. Foco de cultiire. Poucas cidades deram o salto para se tornarem bergos de civilizacdo, € Praga é uma delas. Tal salto pode ser explicado sociologicamente, ‘mas tal explicagio pode ser dispensada. O caréter civilizatério resplandece imediatamente na forma de beleza: beleza independente do tamanho e da situagio paisagistica da cidade. Paris tem tal beleza em sua majestosa grandeza, Florenga a tem em sua moderagio, ¢ a Atenas classica a teve, embora ti aldeic. Quem visita tai é nelas nasceu, ¢ viveu, deve aceit civis Pragensis. Praga impée sobre seus cidadaos marca indelével. E possivel se-tentar recusé-la (como Rilke), aceité-la como destino” (como Kafka), ou transformé-la em tarefa (como Neruda), mas para aqueles que Vivem fora dos seus muros todos os seus cidadios continuam para sempre praguenses. O caracteristico de Prage é que sua maréa supera todas as diferengas nacionais, sociais e religiosas. Se tcheco, alemio ou judeu, catélico, protestante ou marxista, burgués ou proletério: pouco importa, Antes de mais nada se € praguense. Praga é clima existercial, e todos os nivelamentos, com suas miltiplas tensdes, ocorzem em tal clima 24 Vilém Flusser ‘Mas as tenses sto multiplas e violentas. $6 elas explicam a riqueza incrivel da civilizagdo praguense. Entre as guerras Praga foi centro de cultura tcheca nova (inspirada por Masaryk), da vida cultural judaica européia, e de uma tendéncia da cultura alema que fez florescer a tradigio da monarquia dos Habsburgos. As trés culturas se fertilizavam mutuamente por lutas ¢ colaboragées, e isto provocou tremenda riqueza de idéias, Basta pensar no Circulo de Praga, em Kafka, em Rilke, no teatro experimental de Capek, na fenomenologia, em Einstein na Universidade, na psicandlise com suas varias escolas. Crescer- se em tal ambiente, sentir-se tal tensdo no seu intimo, participar dela ativamente desde a puberdade, era coisa dbvia para um filho de intelectuais judeus, e revelou-se situagao privilegiada apenas muito mais tarde. O aspecto lingiistico ilumina o privilégio: era 6bvio ter-se duas linguas maternas. Passava-se espontaneamente do teheco para 0 alemio, e participava-se naturalmente do ocidente ¢ do oriente europeu. As diferencas fundamentais entre 0 eslavo € 0 | germanico (por exemplo a fungio especifica do verbo tcheco ¢ a capacidade aglutinante do substantivo aleméo, remanescente do grego) néo eram vivenciadas pelo espirito em evolugéo enquan- to diferengas, mas enquanto complementos. Espontaneamente /pensava-se em categorias de dois mundos irreconcilidveis para { outros: Espontaneamente: porque pensava-se 4 maneira \ Braguense (diga-se de passagem: Kafka e Rilke so incompreen- siveis para quem ndo ouve as suas conotagdes tchecas, ¢ 0 mes- mo vale, mutatis mutandis, para Capek e Bezrué). privilégio se mostra, negativamente, no problema da auto- identificagdo: se era tcheco, alemao ou judeu? Obviamente: éramos praguenses ¢ isto era a base. Mas sobre tal base, as trés alternativas se propuseram como escolhas. Ou eram de alguma forma impostas? E tinha-se 0 direito de colocar o judaismo na mesma linha das duas outras alternativas? Era claro: ndo se era alem&o como o é um camponés saxénico, nem tcheco como o & um camponés moravo. Tampouco se era judeu como o era um. habitante de cidadezinha polonesa ou de Frankfurt, Era-se judeu Bodenlos ~ Uma Autobiografia Filoséfica assimilado, Mas assimilado a que?, ja que Praga nio era coisa a qual era fecessério assimilar-se. Praga estave no niicleo da gente. Passava-se a desprézat toda identificagao nacional como arcaismo, Era-se internacionalista nato, ja que 0 ridfculo de toda diferenciago nacional mosirav<-sé itimamente vivenciavel. Nao se tratava de internacionalismo socialista, g qual visava superar revolucionariamente a nacionalidade. A nationalidade ja estava superada pelo-fato de a gente ser praguense, Mas tal atitude aol pode ser mantida. O nazismo isurpava na Alemanha 0 direito dé falar em nome dos alemies, e muitos praguenses cediam a tal demagogia. Em reagdo surgia em Praga um nacionalismo tcheco pouco mais nobre. Devia a gente negar a suia componente alemé ou nao significava isto admitir que o nazismo representava a Alemanha? Devia-se optar pelo nacionalismo tcheco, ou isto significava admitir 0 nazismo negativamente? Mas néo era possivel ignorar-se 0 fato de que um tipo baixo de nacionalismo alemio se preparava para matar a gente.|A alternativa era 0 sionisme. Maso sionsmo er duvidoso, Tefete de racionalisme Jé superado pela forma mentis praguense, Trata-se de “Feaqio" 40 anti-semitismo. Trata-se de conceder ao judaismo papel contrério ao praguense: ser ponte entre o$ povos. Trata-se de alienagao burguesa. Mas, principalmente, t Praga, coisa inconcebivel. Pragaé ersole da imaginag&o de uma vida em coletivos agratios na Palestina nao passava de fantasia. A despeito disto, o sionismo se impunha como método de opor-se & caricatura do judeu projetada pelo nazismo (caricatura ridicula, mas perigosa), me imagem de uma vida judaica digna. Sionismo, portanto, ndo domo fuga, mas como atitude de luta pela dignidade. Mas 0 engajamento no sionismo fra seservado (da visio atual & curioso admitir que o problema arabe néo representava reserva, Os arabes, como, alids, toda a Palestina concreta, esta- vam no além do horizonte da vida praguenge). As reservas eram superficialmente marxistas, mas fundamestalmente religiosas, Era-se marxista espontaneamente, € estudava-se a literatura mar- xista. Havia muitas razies para isto. Era-s¢ jovem e acreditava- 26 Vilém Flusser se que 0 marxismo podia mudar 0 mundo cientificamente na di- regio de um novo homem., Fra-se praguense e acreditava-se que o marxismo pode resultar em sintese cultural da qual Praga era desde j4 exemplo em miniatura, Era-se judeu e acreditava-se que ‘© marxismo elevava 0 messianismo judeu a um nivel universal cient:ficamente fundado. Era-se religiosamente faminto e acre- ditava-se que 0 marxismo representava sistema no qual os pro- blemas religiosos (¢ principalmente 0 problema do engajamento existencial) estavam resolvidos. Portanto: era-se marxista por razdes marxisticamente falsas. Por alienagio burguesa, € no por revolta contra a opressao capitalista. Tal marxismo era chamado na época “comunismo de aldo”, € os verdadeiros marxistas 0 desprezavam. Com efeito, tal marxismo falso nao evitou o seguinte: ndo evitou a repulsa contra o sistema soviético, especialmente contra 08 processos moscovitas. Nao evitou atitude critica perante o papel soviético na guerra da Espanha, Nao evitou desconfianga contra as teses marxistas no campo cientifico, especialmente na biologia ena psicologia. Nao evitou a sensagdo de que 0 marxismo como filosofia nao é suficientemente profundo. Mas, principalmente, nfo evitou o engajamento no sionismo, E curioso que a consciéncia de ser marxista falso estivesse sempre viva. Marxismo verdadeiro no se adequava nem a Praga, nem A propria situago nela. Nao se adequava a Praga, porque o governo era esquerdizante, as injustigas sociais eram toleraveis, eo rivel de vida, depois da superacdo da crise econdmica, era aceitivel. Nao se adequava & propria situacZo, porque enquanto filho de intelectuais ndo se era nem capitalista nem ligado as ‘massas. Era-se elite, mas no em sentido econdmico do termo. A revolugio nfo traria nem bem nem mal pessoalmente. Era-se marxista, nfo por razes politicas, mas religiosas. ( judaismo como religiio no proporeionava praticamente nada, Os poucos ritos, em tradigdo decadente, representavam um formalismo vazio. Exerciam atragio estética, mas sabia-se que 0 aspecto estético Ihes encobria o significado religioso. Os textos judeas eram inacessiveis, por conhecimento apenas fragmentirio Bodenios — Uma Autobiografia Filoséfica 27 do hebraico, e por estarem vazados em estilo impenetravel. Os judeus ortodoxos de Praga eram de origem galiciana, e mais estranhos que 0s concidadaos catélicos ¢ protestantes. No fundo, no se era judeu em sentido religioso. Mas, negativamente, 0 |judaismo como religido era importante porque vedava 0 acesso ‘20 cristianismo. Porque iluminava 0 lado dogmatico ¢ ofuscava © lado evangelista. Porque iluminava o lado para-pagio ¢ ofuscava 9 lado mistico do cristianismo. Porque encobria o parentesco proximo entre judaismo e cristianismo. Porque nao permitia uma visio plena da figura do Cristo. Mas, principalmente, porque no permitia 0 esquecimento das perseguigdes movidas aos judeus em nome do cristianismo. Racionalmente, sabia-se que tais perseguigdes nunca tém sido cristas, porque o cristianismo nao pode ser nunca anti-semita. Mas, emocionalmente, ndo se conseguia sintetizar a idéia do amor cristo com a experiéncia de sacerdotes que atigam aos pogroms. ‘Nao se pode ser nem judeu nem cristiio, e restava apenas 0 marxismo. Isto é tfpico para judeus entre as guerras, mas em Praga adquiria especificidade. Em Praga, marxismo era engajamento em prol de supernacionalismo. Era-se marxista, ¢ o problema de ser teheco ou alem&o desapareceu. Era-se marxista praguense, religido indicada para judeus praguenses, mas tecido demasiadamente fragil para abrigar contra a onda de barbarie na ‘Alemanha, Portanto, optava-se por sionismo_marxista. ‘Continuava-se a ser supranacional, e afirmava-se, no obstante, 0 judaismo em face do nazismo. Solugio inteiramente falha. Porque o sionismo negava.o.marxismo ¢ negava Praga, 0 fundamento exi stenclal da vida = a Ser praguense € forma de ser religiosa (quem leu Kafka, sabe disto). Praga é cidade profundamente religiosa. O contrério de Paris, que mal vale uma missa, Nao apenas as suas igrejas e sinagogas, 03 scus cemitérios e pontes, todo canto da velha cidade respira tremor religioso. Cidade mistica, na qual a dialética “Deus- diabo” se manifesta ndo apenas arquitetonicamente, mas em numerosos mitos e nas mentes dos habitantes: dialética entre f€ fervorosa ¢ intelecto agudo. Todos os problemas se dio dentro on Vilem Flusser dela (pense-se nas elegias de Rilke). Tal chiaroscuro, o sinsulténeo do gético, barroco e surrealista, era 0 fundamento dos praguense: a dialética e sua superagio irdnica como base de uma existéncia profundamente enraizada (pense-se no teatro de Capek). E tal atmosfera religiosa convidava insistentementé para o engajamento em filosofia, Fazer-se filosofia enquanto jovem em Praga antes da Segunda Guerra significava tentar absorver todas as tendéncias disponiveis dialeticamente, em especial as tendéncias aparentemente nao dialéticas, “fenomenologia e existencialismo”, de um lado, e “lingtiistica e neo-positivismo”, do outro, sobre o fundo marxista jé descrito. Tarefa_para_toda-uma_vida. Embriagava. Acreditava-se estar aberto ao mundo inteiro (lendo, por exemplo, Ortega), quando, sob visio posterior, a limitagao praguense se revela patente. Todo o mundo francs e anglo- saxnico passava apenas como sombra perto do-horizonte, ¢ a verdadeira informagio se limitava 4 cultuita alema & russa)A estreiteza de Praga era encoberta por sua profindidade ~~ Pois isto é sintoma do estar-se abrigado: tomar-se como centro do mundo. F claro: sabia-se que 0 centro estava, periclitando, A curto prazo pela barbirie nazista, a longo prazo pelas modificagdes profundas na vasta cena do globo. Sabia-se que, vista de tal vastidio, Praga era anacronismo. Mas existencialmente nfo se tomava conhecimento disto. Praga, isto € a realidade, e como pode desaparecer a realidade? Os nazistas que se aproximam, e os chineses que se concentram no além do horizonte, isto € que é fantasia. Diante da realidade eterna dos muros de Praga se dissolverd tal fantasia. Praga é eterna: se ela desaparecesse, desapareceria tudo, 3 A invasao nazista Pois tudo desapareceu. Nao “de golpe” (como gostavam de dizer os nazistas), mss aos pedagos. Nad com 0 aparecimento dos tanques nas ruas, e das inscrigdes goticas “ ‘em Praga se circula pela esquerda”. Mas a realidade caia aos pédagos, ¢ aos pedagos, ficou engolida pelo abismo. Veio a manchete “Finis Austriae” Prager Tagblatt. Como digerir isto? Digerir que os parentes de Viena, da cidade-irm4, eram sistematicamente assassinados? Os refugiados contavam os acontecimentos, mas estes continuavam incriveis. Nao eram adequaveis a experiéncia de Viena. Tais~ coisas aconteciem na Idade Média e na Africa Central (em terrenos no. vivencidveis), mas nao Ti 1a Kaeit siinerstras: invadiam a realidade. Nao se sabia mais distinguir entre sonho e+ dia desperto. A estrutura da realidade aa. Pesadelos de noite eran menos terrveis que noticia de dia. azctagdo da realidade passava a ser 0 problema. Tudo (familia, amigos, faculdade, filosofia, arte, planos para o futuro) devia sbr aceite como ilusdo, ¢ a realidade era o fato da morte violenta iminente: tarefa ontolégica que ameagava ultrapassar até as forgas de um jovem, Havia a tentagao de fechar-se os olhos perante Viena e esperar que tudo isto passasse. Muitos ¢airam vitimas dela. ‘Agarravam-se a Praga como a um icebérg que flutuava em correnteza quente. Mas 0 sionismo se oferecia como ponte sobre 0 abismo. Comegava-se a considerar a vida agraria na Palestina como possibilidade concreta. E verificava-se que mentalmente, fisicamente, e por educagdo nao se tinha al minima aptidio para tanto. De repente passava-se a ser existéngia inteiramemte fat, De promissor membro da elite passava-se a ker elemento marginal imitil. Surgia a esperanga de ser assassinado pelos nazistas, solugo mais facil. Mas a forga vital combatia tal tendéncia para | | 30 . ny Vilém Flusser a entrega, Estudava-se hebraico, a geografia da Palestina, os métodos da agricultura. Mas sabia-se, 20 fazer isto, que se estava traindo-a propria esséncia de seu estar-no-mundo. Depois veio Munique e a ocupagdo dos assim ditos “Sudetos”. A agonia da Repiiblica tchecoslovaca era vivenciada como se fosse epifenomenal, porque 0 que representava a morte da Repiblica perto da prépria morte iminente? Perto da conviega0 de que a propria sobrevivéncia dependia, se conseguida, do abandono de si mesmo? A incapacidade de compartilhar da ‘catéstrofe tcheca abria abismo entre a gente ¢ os amigos tchecos, {que se acrescentou ao abismo que separava a gente dos amigos alemaes. Os amigos alemaes afirmavam, honestamente, que desprezavam a barbarie nazista, mas néo podiam negar, hhonestamente, que a ocupagdo alema Ihes traria vantagens, ¢ que uma vitéria alema satisfacia inconfessadas tendéncias intimas. Os amigos tchecos estavam perdendo 2 sua liberdade e todo futuro significativo, e estavam desesperados. Mas 0 solo fundante, Praga, continuava intacto, e a sua tarefa era preparar-se para a luta érdua ¢ longa contra os nazistas. Mas a gente mesma estava perdendo © chao debaixo dos pés, e preparava-se para ser assassinada, De forma que a atitude dos amigos alemfes se apresentava como traigo, ¢ a atitude dos amigos tchecos como no profunda, Em outros termos: Praga se dividia entre trés grupos, e(@ gente,ficou restringida a componente judia. Praga ficou irreconhecivel Irreconheciveis ficaram também os amigos e parentes que se mudavam para a Praga dos “Sudetos” ocupados. Esta gente perseguida e aterrorizada, com suas mascaras sorridentes mal _ajustadas (para esconder 0 fato de que ‘dependiam da ajuda alheia), do podia ser as mesmas pessoas que amavamos, e com as quais discutfamos o futuro da humanidade. Nao era possivel falar-se com eles, porque senta-se_vergonha de desmascari-los. E simultaneamente sabia-Se que tais masearas €ram o melhor futuro que nos esperava. A esperanga de ser assassinado rapidamente pelos nazistas crescia. Unica esperanga. Em_ conseqiiéncia passava-se a viver febrilmente, Parcialmente para encobrir a derrocada da realidade, parcialmente Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica 31 7 pera eliminar os problemas religiosos que se amontoavam, percialmente para aproveitar a vida nos seus siltimos instantes, Filosofava-se como louco, lia-se em maratona, trabalhava-se intensamente na Faculdade, engajava-se sionisticamente. Nao se dormia mais, porque © sono representava o perigo do encontro consigo mesmo. Isto teria sido desespero puro, ¢ devia ser evitado Teciam-se fantasias, para evitar a visio de uma realidade mais fantistica que toda fantasia. F os alemies chegaram, acontecimento esperado mas inacreditével. A sua presenga era inacreditavel, mas mais inacreditével ainda a modificagdo que provocaram. Tinha-se imaginado que a sua presenga representasse, por si s6, o fim da realidade, Agora compreendiamos que tal crenga era produto de falta de capacidade imaginativa. A presenga brutal ¢ vulgar das fardas exéticas, com seus capacetes falsamente medievais, suas botas engraxadas e sua cobiga animalesca pelas mercadorias expostas nas vitrines funcionava apenas como catalisador de uma modificagdo radical de Praga. Repentinamentea gentese via cercada de rostos sorrateira e perigosamente sorridentes. Passava- se a ser animal acossado, cercado de feras (os ex-amigos) que ‘esperavam pela primeira oportunidade de passarem ao ataque. Era pesadelo isto, era realidade? Que queria de nés essa gente toda? Buscavam a oportunidade de despojar-nos dos nossos bens ¢ das nossas posigdes, depois de termos sido assassinados pelos nazistas. Chacais dos lobos nazistas. Que tremiam de medo de tais lobos_ rnuiig mais qué 16s proprios tremiamos, porque tinham esperangas.. Pois isto era a Praga “real”, aquela qué nos tinha abrigado por dois ‘mil anos? Este o fundamento no qual estévamos enraizados? ‘A partir da visdo atual sabe-se ‘que naquelé momento se estava encarando 0 rosto do Mal, que esté 2 espreita logo debaixo da superficie em todo lugar e sempre, e que naquele momento foi apenas provocado pela presenca nazista. Mas na época tal compreensio distanciada era impossivel. Embora a gente tentasse mobilizar todas as forcas morais ¢ filoséficas para superar 2 onda de mesquinhez, ma fé, inveja desmascarada ¢ prazer mal disfargado pelo infortiinio alheio, 0 desespero invadia 0 coragio | courage onuidse ‘ap seu ‘ojuarSurs opdeios ap “eavytdioasd as aqua v oyuHH] Was apepiliqissod [21 2p Ee aed q “yaasssod wie opry oy ouuyul ngo wn op SoIuoZLIOY BLIGE OBStA [e1 q “BUND op 0: opm) eaeyjo aque Vy /sousortey ap ox1e9 ap vavssed opt ‘udoid e 2 ‘ueaednap e anb soreqaeq so ‘saruetqey snos 9 apepso ‘8 ‘isi opny ‘aiuapuadepur os-via ‘unquou reSny ea w9ndUTE fe sreu erouanod as ogu aiuvaviog “esou!s!1i04 ovdersoq!| ap ogSesuos V “eperadsou! opoy ap opsestias pun OID [eq "sBIquIOS sup outox Wy) “ouZ9gU! Op 9 oysOU! 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Era-se holograma entre hhologramas de pessoas, cidades e paises. A historia do mundo se desenrolava como tela de televisdo, ¢ provocava o mesmo interesse sensacionalista. Pois isto € Londres? Por que nao? Londres ou Johanesburgo, pouco importa. Nomes vazios. Viver em Londres, holograma entre hologramas? Perfeitamente viavel. ‘Apenas duas condigdes devem ser preenchidas, ambas ficeis. A primeira: ganhar 0 dinheiro suficiente para nutrir 0 corpo. Facil, porque doravante nao importa o tipo do trabalho. A segunda: conservar 0 papel de observador distanciado. Facil, porque é isto a situagdo da gente. Destarte se vive muito bem na Londres dos primeiros meses de guerra. ‘Nio deixa de ser interessant{ssimo 0 que est acontecendo. Teatro sensacionalista. Pois Franco ganhou na Espanha? Era impossivel compreender-se por que, mil anos atrés, a gente se emocionava com a guerra espanhola como se fosse Iuta pela sobrevivéncia da dignidade. A vitéria de Franco nada significa, nem do ponto de vista da Hist6ria, nem, muito menos, do ponto de vista supra-histérico agora assumido. Acordo entre Hitler ¢ Stalin? Pois isto é 0 marxismo verdadeito: sacrificar milh6es por razées titicas (visando a vitéria da Revolugao) ¢ chamar de “humanismo”. Isto servia para libertar a gente de todo marxismo. Doravante era necessério viver-se sem fé, na total irreligiosidade. ‘A guerra irrompeu? Os ingleses nao conseguiam compreendé- Jo, mas para a gente era coisa das mais naturais do mundo. Nada mais era suficientemente fantastico para perturbar a gente. E Sbvio: a guerra era mais perigosa para a gente do que para os ingleses, porque no caso de ocupagio da Inglaterra @ gente seria assassinada. E a guerra era perniciosa para a familia em Praga. ‘qquowVoIpny 98-IaIA “Wag OLENA “OISOUOY B19 OFS! OPM 2 pjunfiod & of2a stenb sou somtatiou ures1Suns stodap sey Hues vizey ovtt oo1gSaIe9 oAnesaduT Q cand ogzer v seuode seu ‘oosarued)3 “eidins yey “soajed soe somo ‘Que v no ru }099 ‘e1Bojooisd v no sogiSyjor se “erBOjorq no exon y ‘oreon|9 anb o 2 ols] ‘seqaue sieurap se wgquIeL seur sors o seuade dgu roAaTue wextop 2 ‘soquaredsueN Os ‘seqaure sv sepoy, “eprtsoaut sos apod pmbresory [ei onb raqus ered prey op preqiay eqaue vjad re1adso osizaxd #39 ON "UUBUNIEH, eqoute y 20181 ZIP wand “wZojorg onb jeyuawepuny stot wopio 9 PoIsty ¥ OBI “OSTIOS- moO WUEUEEEY 2p wIRO]OWO ¥ 25-97 “oats sot! 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Paris era tio importante quanto o modelo. Num cantinho desejava-se @ morte. Paris era esperanga de morte. Biologicamente desejava-se sobreviver, e Paris era terrivel. Agora os alemies podiam chegar a qualquer instante. (Os seus avides j4 chegavam. Serio tio estipidos de gastar suas forcas na Franca, em vez. de invadir a Inglaterra indefesa? Pois que os nazistas sfo estipidos era um dado com 0 qual se podia contar, Mas seria pena se nia.invadissem a Inglaterra, Nao esgotariam assim todas as possibilidades inerentes ao jogo da guerra, E era pena também porque a gente era obrigada a continuar vivendo fisicamente. Mas era esperanga para o animal vivo. Tais dividas dificultavam sobremaneira a maestria no jogo da vida sem fundamento. Era_necessario emigrar para territérios inteiramente exdticos ¢ fantasticos, nos quais a gente era automaticamente sombra, Para tertit6tios inteiramente fora de toda realidade. Para a Tailandia ou 0 Brasil, por exemplo. E claro ¢ deve Ser confessado: a decisGo para a emigragio era parcialmente ‘motivada pelo medo da morte do outro. Mas apenas parcialmente, O verdadeiro motivo era abandonar a realidade em definitivo. 5 A guerra em Sao Paulo [A relagiio entre espago e tempo, entre geografia e hist6ri é impenetravelmente complexa. Este livro, por exemplo, qu luma viagem em dirego do passado, é busca do futuro. E verifica que tanto passado quanto futuro esto presentes, porque o ato de escrever este livro nfo € movimento dentro do espago. O tempo corre (em diregio indefinivel) dentro de um espago imével. Ea viagem a partir da Inglaterra rumo ao Brasil em 1940, tal como agora esta surgindo do fluxo da meméria, passa pelo espaco jnarticulado do Atlantico sobre o qual o tempo esté parado. Quando se desembarca nas costas brasileiras, nfo € novo espaco que se encontra, mas tempo novo, ou pelo menos diferente. Pois a gente ja tinha aprendido com Kant que tempo e espago nko passam de formas de percepsio, no sao “realidades”. Mas a experiéncia do desembarcar, de estar jogado pelas ondas do fabsurdo contra as praias do irreal, injeta dimensio existencial nas teorias kantianas. ‘© mesmo céu cobre Praga e So Paulo. Ambas as cidades estio inseridas no mesmo espago impregnado pela mesma guet~ ta, Mas em So Paulo sopra o espirito de um tempo diferente. A noticia da execugdo do pai espera o navio nas docas do Rio de Janeiro, ¢ em Praga comecam as‘primeiras deportagdes macicas. Mas ei S80 Paulo se fazem as primeiras preparagdes para a fur hhira iidustrializagdo nascida dos lucros da guerra. A agonia de Praga coincide com a puberdade em So Paulo: choque. de. dois tempos. Mas ndo passam de duas formas de percepsao, nao sto realidades, Apenas 0s que estio inseridos em um dos dois tem- ‘pos podem vivenciar o choque. Quem flutua por cima dos tem- pos, quem ndo tem fundamento, pode conceber o choque apa~ rente como percepgao intercambiavel. Sobrepondo os tempos, © desenvolvimento de Sao Paulo aparece como agonia, ¢ os acon- | i ogg op ogsta wstouttid v eavuororodord ows! q “souereased (opt ‘soroia103 “eyJou! no epIA ep OB ‘uos op oof umu saxbpeSof sepyj “oNaUrEpUTY Ws eIOUaISIX? Epo ap wurotis 9 oyst stod ‘saropeBof werq ‘serzeA saseyy 9 seiBojoopt 9p supewiea sesso tod ovoqoouo eaeis9 oulsige O “suedsop Plouglosuod wns oBU SPU ‘arta [e} ap Sosso so eARNaUDd vAENINIS qenb o argos owsiqe © ‘(souesfiuu so anb epute souant) opuozty ‘paniso onb omnbep wyudo xep as tas sologBou wiz ‘apepato0s eau ep Sprenduvx seu ‘ontouepuny ures eruinsse os owt anb ‘oureyod ‘aquan “opi enue voter stod "7fei Opiprod eyuL opu onb oes setit ‘Spepiaa 9 ‘Zre1 Was OOD ‘ou LouenOd *soREN] “OTUSUTEpUT wis “BINS Ops :eoqoosop ¥ OIDA Je J "WHloyISeIQ vIsaMiBIng ¥ tod So.eITOD sortauud so werzexy SologHaU so seur ‘eavfnsdeoue PyOSOLE W | ‘OU ap BYOSOILY ¥ 2 ‘exp ap sorogeu so “giuayy vad orpioins o ‘eiuozzI0y ou seysIZeU sowigs $0 :oned OLS to sotre sostouttd Sop JeIoURIS!X9 UHTIO.O ‘ais ‘2s-s0yeui op oTSUEStAd op OFof 0 eABHIOJOx OS! 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Cidade interiorana (embora com 0 mesmo niimero de habitantes que Praga) cidade fantasma. Colegao de ixo soprado para cé do mundo inteiro ¢ do interior do Brasil, € ‘nds mesmos faziamos parte auténtica do lixo. Apenas @ gente sabia disto e os outros nao o sabiam. Tomavam-se por “bandeirantes”. Lugar de eterna primavera que verdejava com o verde da decomposigao, e com 0 amarelo do pus, e, neste sentido, cidade do futuro. Capitalismo com a consciéneia do século XIX. Espoliagdo ufanista. Nenhum diélogo honesto com tal ambiente era possivel. A gente mesma tinha perdido toda ilusdo ¢ toda ideoiogia, ¢ encontrava-se em ambiente saturado das mais fantisticas ilusdes e das mais exdticas ideologias. Até que a gente descobriti o seguinte: Praga parecera dialética mistica, mas tinha se revelado amontoado de serpentes mesquinhas. Sdo Paulo se apresentava como amontoado de alienagio fantastica, para se revelar lugar de decéncia humana, Mas tal descoberta veio muito mais tarde, e provocou amor infeliz por So Paulo, engajamento infeliz, meta deste livre. ‘A barreira mais Sbvia entre a gente e So Paulo era a guerra. Os jornais, 0 rédio, e conseqiientemente toda conversa fiada giravam em toro da guerra. Tais conversas provocavam na gente a sensago de delirio: de que guerra estavam falando? A mentirosa vulgaridade Kitsch dos nazistas, 0 seu comportamento ridiculamente pequeno-burgués, a massificagéo mecanizada da ‘Alemanha (fenémenos que para a gente mesma caracterizavam_ 1 brutal cretinice da guerra), nfo eram percebidos pelos brasileiros. Estes viam uma espécie de poténcia mistica que varria a cena do Velho Mundo, ¢ tomavam posigio pré ou (na maioria dos casos) contra tal irrupcao das “profundidades”. Em outros termos: os brasileiros viam super-homens nietzscheanos exatamente no mesmo lugar no qual a gente via o rebanho nietzscheano. Custou até que a gente descobriu o mal-entendido. E, quando descoberto, tal mal-entendido se revelou extremamente frutifero para futuros contatos. Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica 43 Os brasileiros que tomavam posigo contra aquilo que chamavam “nazismo” (contra tal forga “profunda”) eram fexatamente aqueles pequenos burgueses, os quais, na Europa, simpatizavam com 0 nazismo. Com eles, jamais havia ponto de contato, Os que se empolgavam com 0 “nazismo profundo” eram de dois tipos: os auténticos fascistas (integralistas), isto pequenos burgueses fantasiados. E os que aceitavam 0 “nazismo” por representar tendéncia antimassificadora. Na Europa, este segundo tipo teria sido de extrema esquerda, ¢ lutadores anti- nazistas, Entre eles havia (e ha) o que é melhor na inteligéncia brasileira, ¢ estes eram os futuros amigos. E trigico que a gente jamais tenha conseguido esclarecer 0 mal-entendido aos préprios ‘amigos, e explicar parcialmente as atitudes presentes. Pois a despeito dos filmes da Ufa, da propaganda americana ¢ das varias ideologias brasileiras deformadoras da realidade da fguerra (se é que a guerra tinha realidade), varios fatos mais ou menos “objetivos” ndo obstante transpareciam. O ataque parandico nazista contra a Riissia, € a provocagio megalomaniaca nazista contra os Estados Unidos, selava a sorte da guerra € apressava seu desfecho. Por outro lado os nazistas tinhem mantido a palavra empenhada e estavam massacrando mecanica ¢ cficientemente os judeus. Isto ndo representava desafio para uma tomada de posigdo em meio de um ambiente alienado? Nio, nio obrigava a nada, O assassinio em massa jé tinha sido vivencialmente absorvido por ocasidio da fuga, € 0s relatos que estavam chegando sé provocavam interesse sensacionalista. E 0 mundo pés-guerra que comegava a esbogar-se nada significava, rnem externa, nem internamente. As frases vazias e demagégicas Ga Carta Atlantica e dos acordos de Telta nfo conseguiam disfargar que ia ser um mundo de luta entre Rissia e Estados Unidos. Pois isto nada significava externamente, porque a gente estava relegada A periferia do mundo, tanto geogrifica quanto existencialmente. E nada significava internamente, porque a gente tinha perdido toda esperanca de que uma possivel vitéria da revolugio traria um novo homem, mas contimuava segura de que uma possivel vitéria americana apenas confirmaria a tendéncia oxouud ¢ “soquyodunt ogs saroyes stog “,vaord,, @ o[-greuqns ‘ered seu (,o]-vaoud,, raed) o[os 0 reprjosuos ered eLyOsOLIy ‘eu BNUD 98 OU :O1UENOg “OJOS OP EprANp as enbiod “eyosoLy 2 as-enouod 2 o[os [vi ap as-s1eg “oB11ed wo wagd o 9 ‘ou -urequaisns ‘ojos ou treiqlA anb saitatosuoout sepeureo sedyinut apuoose amuarosuoo 93 v SeUT“(OuuSTXTEME O Opis BUN ojos [er ee ‘Wis) SyUSTSSUOS |F CUI 9 OOS [BL “vUquY as TeNb o a ‘opezreIA iso 98 yenb ou “ofos| can op as-apied :runioy ayuindas up vitosep 49s apod 9 *osiuop 9p,, 9 TWyOSO]Ly ap exoueU! epundes ¥ ‘equoo sein seu SoATySoM soneye eyuN eNeduie v aproI sveUE OMNIA, ‘erlauear visop vARZOSO[IJ 9 BLFOSO|T} ap Jossaford w39 ed o1doud © :eolBojoorsd via ¥yuas ojUeS v onb vediue ep ogSeo: vuip) ‘soquesuod seuinbpur sod epridumo sos assepnd 20x01 [ ‘saropeindwico ep opsuOAUt ep soite oun ‘eavsodso 2 ‘ooy}Qsory oBorerp ap opeurdiostp ossosZo1d wn ered jaaysuadsiput ‘ero vilouvur fe} anb Uiges 1uo8 v oqeureouey|nuls “apepisroarun ® Wd OYeIUOD BABTHO] OBU a1U98 ¥ ‘o[NEg OFS We BOE ‘and tod eavaydxo 9 “vijdsoqy ep ofyo op opezipuaade o ‘eBe1g Wa vf ‘eaeynoyrp ors] “BYJOsoTy ep wIougsse e RATOLIS|ey UxIOUEUE [eI anb enuas anbiod “2 woo opezredaue eyun o1ua® e erg wo Pf ‘epipuoide 9 vpeustia 10s apod estoueus |v] “sepepysioarun sep ‘qera8 tio “0 vyoso[y 2p sa1ossayord sop ‘seistfetoadso sop 1yOsoTS ap exlounm e J Wa8esuaM v sIzqoosep soul PIEd SOOOSOTTS $01X9} So o]USUIEPRL|AIostp sUstyeuE vosNg > ,,LoIWEPLDR,, 9 exompd Y -as-rmosoyy ep sexfoueut sax souaw ojad uraysixa stod “038 Sapo eee 9 ‘seyionpenuos aqrouraitazeds seyoso[ty axmU9 St s0 2 seo] pIALAY SeSUEYTOWOS ALIqoosep ered seu {,sai0]va,, No <,soqourrsaytos,, no ,sougIH,, JeIsMbU0D tued Ogu “sojosoyyy 9] BO!YLUIS eLJOsO]Iy wD WOU, Q]USTIQ Op a OIproms op osof O 9 ‘oquourepuny wos epi eum rerafosd ap apeluoa 8 vaegonosd opserdworuoo [v1 q ‘seBIIO; wrasso} 95 OWIOD sODUJQsO|ly seutarsis So}EA sop eudo v ‘oqOUTEpUNS ap RIpey |e ap anied & exejduroiu0s"s “SureN Wo BssaANIS9 38 OWIOD [ISeIg OL agiso a1uod Y “eyosoyyy eu eALaIto oyU 2 ‘TefouaIS|xa antoz1I04 op ugTe ou vAenUnUOD exTTISeIq epeprteas v anb opou aq “oYIaA > orayp ‘ouanbed og) ea ‘onou a o1zea ‘apuesd og) aquawaquarede s{iserg ou opny anb ap (opestfeue waq sreurel) ory osorno ojad 0 “estjned onuarqure op eintay jeaguodnsur vjed eyaqoous RABISO BUD ¥ oIOUILsTIISe J {21409 ouIOD wat ap opuEUIM ‘oyjadsar ureyzap aul ogw onb seueijent seypereq wo eaRSuEl os onb aysap fend ‘yoda ogt anb opour ag ‘aruezireqieg opSeot{sseur eum P oman sossnig WTA, be. 46 Vilém Flusser 6 que nao hé filosofar auténtico que nao tenha brotado da diivida: toda apologia filos6fica (seja ela religiosa ou de outra forma ideolégica) falsifica a filosofia. Neste sentido todo auténtico losofar 6 despreconceituoso, O segundo fator € que toda divide pressupde um solo do qual se possa duvidar, portanto que um filosofar “de dentro” & preconceituoso, mas o € negativamente. Em outros termos: tal filosofar avanga contra 0 solo do qual partiu, na tacita esperanga de néo destrui-lo mas enriquecé-lo. Na medida em que o filosofar consegue nao injetar esperanga no ato filoséfico, mas “pér esperanca entre aspas”, em tal medida se trata de auténtica filosofia. A terceira maneira de filosofar é “de cim, despreconceituosa em sentido muito mais radical do termo. De nada duvida, porque niio admite nada a ser duvidado. Carece de fundamento duvidoso (Descartes e Husser!, por exemplo, se apresentam para um tal filosofar como ingenuidades, porque tal filosofar nao se assume “coisa pensante”, nem parte de uma Lebenswelt que possa ser analisada). Nao se duvida de nada, mas as dividas dos outros so objetos de jogo. Os problemas penas mais divertidos, porque escondem melhor o carter Iidico que os caracteriza. E desta maneira que se filosofava em Sao Paulo. Os fildsofos néio passavam de pedras no tabuleiro da filosofia, repert6rio das pedras era limitado ps ago de Sao Paulo em guerra. A filosofia cot européia ndo penetrava, € a gente estava limitada a filosofia anglo-saxénica ¢ alema emigrada. Isto significava: Cassirer e os neokantianos, Dewey os pragméticos, Russell, Whitehead ¢ os logicistas, 0 Circulo de Viena transferido para a América, alguns neo-hegelianos, ¢ um curioso tipo de marxistas (a futura “nova esquerda”). Com isto a gente brincava, até que a figura gigantesca do Tractatus langou sua sombra sobre a cena. ‘A um tempo com felicidade ¢ com tremor a gente se reconhecia em Wittgenstein como um companheiro. Mas como companheiro que pertencia a uma geracdo precedente, e portanto com problemitica diferente. Era irm&o de Kafka, ¢ 0 Tractatus era ,eesta é Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica a7 complemento de O processo. De repente tornou-se dbvio qué Wittgenstein e Kafka exis compreender naquele momento, No fundo reformulavam 0 problema kani .m, imperiosamente, resposta. Para se € preciso formular o que aqueles dois diziam n0 dda relagao entre a Tazo pura e a razao pritica de maneira violenta ‘Afrmavam que a azo pura & sistema fechado, absurdo ¢ que gira fem ponto morto em torno de um eixo, sistema este em aparente expansio, mas na realidade em constante retorno sobre si mesmo. E afirmavam que a razio pritica € pura, que portanto niio pode ser a consiste de vivencias incompree inex conseqiiéneia, néo-significs Em Wittgenstein isto se articulava pela afirmativa de que o pensamento puro resulta sempre ou-em contradigig ou em tautologia, e que € preciso calar-se quando se trata de *fatos”, Em OutfOs termos: que pens silo fugas ramo ao nada. Wit r, escrever e falar sta radical: negava, igenstein eta pos {que se possa pensar qualquer coisa positiva. Em Kafka o mesmo rod: lava pela afirmativa de que pensar é pecar porque gira em ermal, roda esta que nao toca a.tealidade, a.qual, em sua / estupidez. impensivel, nos tritura. Em outros termos: toda tentativa | de orientarmo-nos na realidade (tentativa & qual estamos! condenados pela praga do pensamento) necessariamente acaba em desespero, O Deus triturador de Kierkegaard aparece em Wittgens ne Kafka como Ser-assim cadtico ¢ cretino, como mecanismo incompreensivel e impensavel, portanto absurdo. Querer crer, ou saber, ou valorar, em face de tal cretinice, ¢, por sua vez, cre iluminavam a noite do desespero paulista. A wittge como o mundo € & o mistério, mas @ que o mundo “Passei a vida combatendo a vontade de acabar com Isto exi e. Em suma, duas sentengas chamejentes A kafkiana: ia resposta, pelo simples fato de que a gente, absurdamente, airtda nao se tinha matado. Com os demais resposta sofos a gente podia brincar: o que diziam apenas era tolice. ‘Mas Wittgenstei respostas posst ‘nio admitia brincadeira. Apenas admitia duas eis: matar-se, ou matar o pensamento. A primeira teria resolvido o problema wittgensteiniano el A razio/ ( sour ‘ousay op ovexe pphuas ou ,erouays,, 9 oBt no 2 viBojoatsd 2 96 Jepranp as-op) jugio esINo anb eFodut! OU OULD Ssagsendruent o seqdeojdxa souade seur ‘sis47jn9 aveur0} OFT wiBojosisd y ‘aysisiod jepute o ‘ayueyoduu 10) eUOqOOSEP TEI, -prBojoaisd ep soporgur sop wigTe O}!NUI WE! on soporgut sod cmahaesuad ‘op as-reyioqi] ostoaid vig "waRsueae opt estoo v tuloueul vISap ‘oEN ‘OBO! ap odumno 10s v ‘steuL ‘opm ouroa ‘eaussed ¥iSojoatsd eiidoad y “zj=p .eunoe,, opsisod ‘avtio} 9 exSojooisd pp varioueysip as e1uo8 v ‘oquaureorremrone asenb ‘enb opom oq “aitemepeiedsesop urenneqep 2s stenb so wio9 9 ‘Tekjosex wreinasuoo opt SOzAH] ste} ap saz0Nne 0 onb svuroqgoid Sou svur “eura[qord ousdosd ou opt sassarayut eavooaord e}Zojooistl ap sozaly Sop eznyfey B onb e70 Bal euraqoosap y “EEN 9 UrorstiaBt sod soprpoydxe pf souazion We Op 8 seoidojooisd sogSeoy|dxa st :souliay somo wig -operodns { oqued e anb .vombisd epeptjeas,, eum ap equournsnl ‘eiBojooisd ap S01 euia|qoad op , 1eOIPE O85 o 9s owos) erfoyeredooisd pjad seproareyo sogSnios ¥ zepLAt0D uipared ewojgoud o al‘oatiojoredosisd eurayqoid op svansyorsese9 sv sepor equ opsemis v onb exrouew ac] ,go1eMr aut ope anb sod, sooty wn wrerey|nsal ‘Zan Uns 10d ‘Soarssosgo sojuaurestiad saiso ,{2[ot os-2efeduo wos volsyiwar oue sINN|suoD yaayssod NO _jb|9u 1919 las ows!xIEUE 9 OUISTUEN)S!I0 931U0 [OULLOS '$ Iinunstoo [PAIssod 9,, ;0[dwOx9 40g “SeArssasqo SUULIOS weavwo "seyadsap sayou se mrexpeaut sesuanSeid sojapesad so q -eBeig Woo vavyuog “oidur9s usu sepY “epefouufe BIOUEISIP v eyureur oqueod “etyosoyyy wioo eavoutig aU—8 v :sopep sMas $0 sig “oaou visared emtaiqord o “es | __sa1sp Ope] oxo op ‘tozp wise 10d “pain 3 Sonisiesiod Fotzdozd sop auiereIduEstp OOD :earojqoxd (epejost exaqnosep 10d epn va vtoupIsIp Ep eHTOqUOsep e ‘anb vifouvar ap ‘reBFopHyT ap sex] ered ossed op wou snueD ap ee voyosora wBasorqeiny wun — so[tepoq twiou oysaumtoaquoo “eaod9 wu ‘eyul) 9s OBL) eAFEY 2 wloysuasLAA onb jvoiper siew woq wirouvm ap ojuowepuny o oprpiod zqun ota v anb op eAosg ‘soiuouiesuod sou as-zefe8uo wos sestiag ‘somauresuad soudoad sop oyafns 108 :zeayTuats vitpod TOAIA, ‘Oilafns nos seu ‘soouresued souudoad sop oj9fq0 128 OFN ‘soqwauresuad soudgid 80 mwotjts100 ‘seoyrey ‘ommouresued ouidgd amuidiad viougisrp sIUUNSSE 0 “TOAIA Op xestiad 0 swredas “osoi uw sqeayssod 9 anb O1e[S eS-nou0} onbiog “eAYEY op 9 wiorsuaduta\ |/ ap ovdeiodns vio ef viunBiod ep opseinmoy eudord y p ered oporgut a1s]x0 stod ‘ouvrutoysuo8uim orjesap oF wisodsar eum eed oduito niaqe orpioms op apepiyiqissod e :souuia} soxmo we “oTuoureLTeIp Bizey 09 “Pyueure 0 Jaayta nowior ‘gyueE 0 Ze}UAYZU OM 49} OU ap a “ofoy os-reyeut ap epepryiqissod Vy “2H0Ur essou ep apeprttayssod B wWOD siuauaIUNIsHOD IeouLIG ap NOXIp wou noreUE os ‘wou squad v anb 9 orgy Q “Wiassassiperuod as wioquo ‘SeIlapEpIIA wossoy svisodsar se sequre anb sas aywouresasied apog ‘yjaze) 2 Jon osseous} wioquia Uudumo v are) epuTE eyUT orb ‘aquoureinosgo earmparse anbiog “waaesoo tues enbiod noveut 28 ogu aqua v anb zip rIsodsos exINO Y “oMuafow o10/go 388 ap eniafns e prio anbiod a ‘axrour ep sosop se viuse enbsog “vipzeA0d Jod now 2s ogu oqua8 v onb zip extourtid y “sesodsex senp ‘qo0ar ,,;noweul as OU ama ¥ onb sod, eunSied y “oqwaywaIquie vysodsar pp seu ‘eyeo 9s opt ceo 9 RLIQUIAU Ep EIUAISISOI ¥ Ose squasoid ou seyy ‘apepnsouoy ep od10jsa ojad eprouan sas apod ‘loUgISISOx [Pi Slog “eIeo Sazaa seumuL 0 ‘opuoose enb opry seBosUD ¥ vsnoor as PQWOUr Y“ossaxBosd o eINOYIP anb “eLgWOW ep viougysisoz ordmas vxjuooue opessed ov ous wadetA e :autinBas 0 ressaguoo ostoaid 9 azaty a1tasasd op oyuod a1soN gomauresuad o reyeur ered oporgur aisixa sepy “Oxejo OpBUIO BYU 8 ost 9 ‘usuad opt :9 IST ‘Z9AIA “91OUITAOW JeATA OpInBasuoD ‘ay01 ‘ojuaurestied o seyeUr ossmndastioD e1Ua8 v 9g “oIuaWESuad op dino 10d optoaredesap eyun opepiivar v enb o2e[o nowlo} os anb ‘yf ‘opepytvar e xeysmbuooar ap apeprtiqissod & erage epundas y “usoaredesap 98 sopiafosor os seurojqord corusureuerunsysuod Lat sessnd WTA, & 50 Vilém Flusser nfio se pode duvidar de que ela é ciéncia no sentido de apenas tratar de fendmenos, nao de “esséncias” (qualquer que seja 0 significado de tal termo). Muito mais tarde esta descoberta iria reaparecer em contextos diferentes. Da seguinte maneira: todos os problemas “essenciais” so religiosos. A psicologia nao é ‘competente para isto. Se procura tomnar-se competente, se procura absorver elementos religiosos (como em Freud cuidadosamente, ¢ em Jung descaradamente), o resultado é provavelmente ma psicologia, mas certamente péssima religiosidade. Isto explicard, mais tarde, a aversio visceral contra Jung, ¢ @ simpatia por psicologias estruturais (tipo Piaget), que se limitam & competéncia estritamente cientifica da psicologia. Nao, seguramente, da psicologia nao era de se esperar nenhuma libertaco, em nenhum sentido de tal termo. E a gente aceitava Wittgenstein quando dizia que a filosofia tem a mesma relagdo com a psicologia que tem com horticultura. ‘Se o problema da “libertagio” e da “retomada da realidade” for colocado dentro das coordenadas “superagio do pensamento”, comeca a surgir a suspeita de que a gente esté abandonando a estrutura do Ocidente. E comeca a surgir a suspeita de que a perda de fundamento é situagio mais radical do que se tinha acreditado. “Falta de fundamento” parecia ser perda dos modelos de vivéncia, do conhecimento, e dos valores de Praga. Agora parece ser perda, também, da estrutura que ordena tais modelos, portanto da estrutura do Ocidente. Da seguinte forma: 0 pressuposto ticito da tradigio ocidental & que o “Ser” (ndo importa com que interpretagio) € o real, o positivo, o abrigante, e que 0 “Nao Ser” 6 perigo aniquilador que cerca 0 “Ser” de todos os lados. Toda salvagdo, dentro de tal estrutura (seja judia, crista, marxista, ou outa), significa pér-se no seio do Ser a0 abrigo do Nao-Ser (por exemplo: em Deus, na historia, na idéia). O inferno 6 0 Nao-Ser. Pois Wittgenstein e Kafka definem 0 pensamento como “Nao- Ser”, e continuam ocidentais por isto mesmo. Se querem libertar- se do pensamento, é do infemo que se querem libertar. Mas para a gente o problema é diferente. A gente aceitava 0 pensamento como 0 “Ser” e queria abrigar-se no Nao-Ser. Eis a resposta a Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica 51 Wittgenstein: libertar-se do pensamento para suicidar-se. Resposta diabélica, dentro da tradigao do Ocidente. Mas 0 Ocidente no mais se aplicava. A gente 0 tinha abandonado. A tradigao oriental estava aberta, porque a gente superava, na falta de fundamento, tanto 0 Ocidente quanto © Oriente Uma palavra de cautela, As tendéncias da juventude americana e européia (das quais a gente Viria a saber muito mais tarde) nada tinham a ver com a decisio em prol do Oriente ora tomada. Tais tendéncias de salvar-se no Oriente tém meta inteiramente diversa da entdo almejada. E as varias expediges rumo ao Oriente que a gente conhecia na ocasiao (as de Otto, Jung, Eliade etc.) tampouco influenciavam a decisio tomada. Tratava-se de expedigdes em certo sentido igualmente suicidas, mas visavam ainda “salvagdo no Ser”, embora em Ser negativo. A gente tomava a decisio, porque acreditava que a dialética ocidental “Ser-Nao-Ser” nao existe na estrutura do Oriente. A superacao do pensamento por métodos orientais se apresentava ‘como superagao de tal dialética, de modo que “suicidio” se apresentava nfo como aniquilamento, mas como dissolugdo que nao admitia ser diagnosticada como “Nao-Ser”. Superar 0 pensamento era justamente isto: nao mais poder distinguir entre Ser e Nao-Ser. A gente aceitava Rilke quando este dizia que o nosso mal € que distinguimos bem demais, ¢ a vontade de Nao- Ser-mais adquiria um novo colorido. De maneira que o Oriente no se apresentava como pélo oposto do Ocidente, mas como estrutura aberta (para cometer anacronismo), dentro da qual o proprio Ocidente se localizava. © Ocidente era entao concebido como érgio do Oriente, mas érgio amputado. Assim, por exemplo: a ciéncia ocidental era pesquisa do Maia, sem se dar conta disto. O marxismo era cons- trugdo de Karma, sem se dar conta disto, Cristo era um avatar (como Krishna) sem que o Ocidente se desse conta disto. Mas a gente mesma nio era a tinica tendéncia para a retomada do con- tato com o Oriente. A crise da ciéncia, do marxismo e do eristia~ nismo era sintoma de tal retomada, O famoso “ocaso do Ociden- te” era volta para o Oriente. A China reaparecia gracas & catds- bu ten e vavssed o1uad © ‘ofduexe 10g ‘sounyodout syom sop soiowous wo ued y urelseiuooe ,soodeuTuN]!,, siey “(soue stop souata no stem) oduia} 01109 ap stodap :oqumas 6 epure opeiusasaise 308 oxep J “opeplleioes vu opueqiysout 2s-1eArasqo owiod ef “ofOU ap epeuIo} wie ‘suoUveNTy| MENS > oxst opm) ap 317 ap 9pEUOA RyULL “equieg wps09 e1G0s syeuout soy eaep ajuad ¥ “sI9j eu nbs] OUl0d seu ‘opSnossID 9 nypps ow109 BIA 2S OEN “2 BP OBSEATRS,, EP OD419 Ou oSeqred ap atogdso yun owoo vudoud 1s ¥ via 98 21098 y | 218% “vpo} vlouglsadxo ¥ wos noqese anb operodsguy aqusurenoqut ootig1s9 o1teye umn nusans re stog ‘opuentparoe @ opuvsuad via as anuod y “e10y ep janpatesqo uo se118 [e1 { “BABII a1U0B v ooeING assap oNUOP 2 “23 BU 9 omiouresued ou ootung in nYfins WISsY ‘ToAjssod sour “TOTP ‘erg -anuouvoueaqnunts 9j ap soBue slop sou earupaioe 2 vavsuod squad w stodog “opgatuoo fe) v vlouguodu ep was oysourested op pnaitiog ow 1819 B19 ayueyiodum Q *,opeutiafoad op Zopren wn 9 wing wo9',, :oldtuaxe sod ‘9y ap OBIE Wo EAEMLIOFsUEI] Oo oupnuos owotuestied o exeuior stodaq,',opeueajord op s0st2y2p tain 9 tony] WORT, ;o|duioxa 10d ‘ay op Of wa exeuUIOZsUEN o 9 sonbjenb omourestiad um wavuroy :euuoy ayuInSas vp vacytpou p98 v ‘oupnd1y 0 ppuLUE wo opeNtDsUOD 101 98 ap slodaq “ossaooid 0 seuade piansi0seq “sosoyuo8i0q oquourepeiseuop ogg ‘omoumpussidurg assop soanefau wou soamsod sopeajnsar so rep ogu oznyy ajunsaud ¢ ‘sixpid vu aie exed (Sosauryo Sop rey sod) sosauodet 9 ae sezoine $o BAvZzTHIN ayUOB v stOog -aquezifeuapioo opSvuusoyap op vaussed opt BUI 9 wipuy anus vongypip sjuarede y “sereiautajdutos sopoipu siop b1o979j0 ayUSIO o “BINS urs “9s-s0ATOSsIp eIEd opoIgU Lu Se ‘soonpuiferd 80 9 aypsziaiy ‘Toneyuadoyss wa oWOD 126, 1M 2 gu a1ua419 on ,apeiton,, x anbrod wisse 9 ors] ‘as-rBiadns 9 wud -o1d ts wo atvo txed PpeIuOA v vavsn esoulys Y “es-rerodns @ wud -o1d 1s op ses red apmMUOA v vas eUEIpUE Y “WeIprOUIOD seyaU sv sequie ‘opuny OU ‘sepy “(:4020s) resuod op xexiop xed ope -UoA ¥ IEE BARSIA BIINO W “(sypDUENS) EpIdEIEIIOJ OPEIUCA WO oquouesuad o s1f9dxp uusse ered “resuad atuad w zey anb apeiuos es woyosona vyosFoiqomny etn — soquspoq aaoajeyoy vavsta extoumd y -(orstyppng v) 2102120 owIRXy op v0 (eof) vuerpur v :seat seNp THeABsIA sie|UoLIO soporguI sO anb o1Agg wa Slog ‘siusureueruoysuodiyt sy ‘ortodsax e xeyey wos so}-porrerg ‘owoo @ “anb ered ‘gnb sod seyunBrod wos soy-vanerd ‘nap aiuad y aiuamea!fojoapt sionsssaoeuy zouenuEy opnuas ou ,soonesd,, werg “eiojoapr mas urearyuaysns 2s SopogMr snes so anb ajuatuvysnt w19 a1U9HQ op wzajaq ¥ seWy “eaLzardsap 0 2 ‘oh v YUN peu ajuos v Ost WON “sexBeu ures “oTO{go 9 wUAIEUE Jenb 0 ered oylafns omoo opu q “oxj20dso owioo ‘euly eLgzect ap aiopdso wun oWlod ,,o71}ds9,, 0 ureIqaouo) *,oust[eLI0IECE ont -g8u,, ureueyp seystxrem so anb o uinag -seannatd oyuourefnor “11 wieio stequatI0 , Sessopages,, $e “Se{BOTOpr OULOD sepIT ‘se{Bo[oapt oto gu ‘opseales op sealuog) owoZ “oBoiduio ap sopour ouioo seut ‘212081 ouI09 Ogu ‘sIEyUAploo sop aruszapIp ayuoweroyut om.tidsa {od sopi| 128 wrelAap steUato Sorxa} SO “apeplyead v wIGaoUOD OBL onbiod ayuauejsnf sou ‘oquauteyayied stew apeptear v wiqeou09 anbiod ogy ‘epet wa 9f Eun ogu enbsod auoweysnf sear ‘epungoad sreur 3j equ anbiod OEN, “Sexoyea eacuisuo opu onbsod squoureysnf sour ‘soroyjour soxoyea vavursue onbiod op “viqns peu onbiod ayuounsnf seu ‘soyjour eiqes anbiod ovt ‘eyuap!og, ov jaapajord w19 aquali9 O “eantunad voryur wassoy sieuoHO sogSvjnaadso sv anb ap eploueatos aidutos varise a1u98 Vy -sepepi[hueyut ows 23023 ajod sepesnoas wero} auduias (ojdauaxa sod ‘pray no ujoisurg woo sojseied 10d) sagSeinoadso sie sezljeiWapioo op BAreUD) BPO, “vavssoroyUT vounte (sopeptfeIOMT 2 seLiopaqes “seiZojousoo selaga se) ,JeIUOLIO erfosoyyy, CUP y ‘oluowesuad-ogt op ojafgo wa ojuatestied op opSeuLoystIEN, e vied oporgut ows seuade vavssozaiur a1u01I0 © ‘IMOUMDIPOTIA “@USHO OW ,.98-I0AfkS,, 2 2) -waptog 0 atuowioquaiesuoo xeuopurge osioaud wig “stoatzoidsop urea aquaEg 0 JezI[ejUDpI90 ap seaneIUaN ste, “eyosodonue v no “eyosoay v ‘fnjsuadsng woo 194 v LYM epert ost J “of-9zey Japod twos rlianb renequadoyos aonb 0 9 01s] “olwouresuod o reurwaNTo tered soporgtt so opueyaae :,apepyfeay,, B WoD owIUoD wALLIOIaZ op -Huas aisayy warHRoqul 9s aiuamsarduns awo$ v 2 “wradomns oon sassnie{ WTA zs 84 ‘Vilém Flusser “jJuminag&o” enquanto estava no escritério ditando cartas, ou passeando na Praga da Sé em busca de restaurante, Que libertagio era esta? Pelo menos tdo nojenta quanto 0 era o suicidio fisico, apenas menos evidente. E isto fechava existencialmente a experiéncia com o Oriente. Nunca mais a gente se podia libertar da vivéncia do ridiculo e do nojento quando se tratava de métodos orientais para a salvagdo pela “éxtase iluminada”. Muito mais tarde, quando a gente voltou a se interessar pelo Oriente, fazendo 0 Oriente “objeto de interesse”, a gente reinterpretou a vivéncia entlo vivida. Tratava-se de gindsticas tipicamente técnicas, portanto de fendmenos bem de acordo com 08 engenheiros e tecnocratas do Ocidente. Com efeito: transferidas para o Ocidente, as téenicas do Yoga ¢ outras passam a ser tipicamente facistizantes: tecnocriticas, eficientes, e ridiculamente kitschizadas. Na época, tal visio ainda no era possivel. Mas uma coisa se tornou clara: o Oriente no servia para a gente. Era preciso recomesar tudo, Se a gente nao se matava, devia aprender a viver de outra forma. Esta era ento a tarefa, Acabar com o jogo do suicidio e do Oriente, ¢ tentar outro, 7 A natureza brasileira (0 jogo com o suicidio e com o Oriente tinha mergulhado a gente nos espagos interiores. A ndusea que tal jogo tinha por resultado projetava agora a gente em diregao ao espago externo. Este processo de didstole violenta, que se seguia a uma sistole contorcida, j4 na época na qual se dava nos provocava interesse distanciado. A gente agia e, simultaneamente, se observava fagindo. O passo para tris de Heidegger (0 qual mais tarde ocuparia durante muitos anos 0 centro do interesse), j4 na época (¢ muito antes da leitura sistematica dos escritos de Heidegger), era o clima no qual a gente vivia. A gente se transcendia a si prépria constantemente, e via-se a si propria, constantemente ¢ mesmo em momentos 0s mais corriqueiros, “inserida no seu contexto”. Tal visio distanciada problematizava a insergio, e era, na €poca, diagnosticada como falta de fundamento. O fato: a gente no era estritamente problema para si mesma. O problema era a insergo da gente no contexto. Nao no sentido da pergunta: “como posso inserir-me no contexto?”, mas no sentido de: “onde estou, quando ‘me vejo a mim proprio inserido no contexto?”. Nao era, pois, estritamente, o problema de orientar-se no mundo, para poder engajar-se novamente nele, Era o problema de sintetizar a contradigao “engajamento-distanciamento”. Era tal contradigao, e nilo propriamente a contradigio entre a gente ¢ o mundo, que se apresentava como desafio. “Aqui é preciso confessar um fato curioso, Aqui e agora (isto é, na Franga de 1973), 0 “Id” e 0 “entio” que esto ressurgindo da meméria (isto é, Séo Paulo de 1945) aparecem como objetos de contemplagio distanciada. © “eu” do aqui ¢ do agora esti pois distanciado do “eu” de Sao Paulo em 1945, ¢ vé tal “eu” em contradigdo distanciada com um terceiro “eu”, inserido no contexto paulista do pés-guerra. De maneira que aqui ¢ agora a opuniias asarodiy episoquos v aiuowipeiuaunedxo wavaond equiog B ooti9ai Pista ap onod oc] “aiuo# ep essasoqut o eavztjEsUe0 anb vquiog vjod opeseas| oarBojorto ewoyqosd 0 e19 SPIN | “dleysie oueyd,, ody op [Pauit sioatoo ejad sopaqoouo ureanstoata as Seu [807 OBSSNISIP UP onusa o teaednoo ogu (xeuszfonue-xeun[o 9 ‘ootfoeg-oonuyLY ‘s1xpid-e12001) soorig sorsadse sg saise onb repusaidios ‘eindasuoo opu ojue8 ly “JaARiwersnsuy xeW{foHUE wIO ‘PyeseTEN ap v ‘upunias v sepy ‘PIuouIvoNe wAEItia|sns 2s Je} OWOD 2 “KETO tee “euNIysoITH] ap v “equiog extouLid @ :03st steUr vLAeY g “(eIaeS ardwias a1u08 v onb vsioo ‘oulamouayida ee omsizeu 0 onb noaosd) onto op esindxo opis vyuy wBe2g onb noaoid orweod ‘oauyjord 0 vied oonuepy op opriajsuen as eyul vHIoysty e onb noaord 9 ‘orsip wigyy ‘Stxpid a HOD) axiua erteze] opSIpENEOD eUIN nonsom ergisty @ anb ezloueut aq] euvooUe opsenstUTUpe ead sour ‘sejstiuoto soudgsd sojad ou 9 ‘eyurwioyy eu ogu ‘opdey ou Supesn opis ueyU sequiog se SEF “UIEIpioUIOD seiUI sv sequIE 2 ‘ouusizeu 0 exuoo ‘sixpad wu ‘9 “Ieajonu esinbsad wp joud wo “erz0m ‘vu ‘sopefeSua weaeise anbiod ‘srxpad 9 vizoas ante ogStpenw09 uepuas ogt seystuei9 ste) :9 ojsy “eUMEUIa|Y 9 eifeIT EP sopexB iar snopnf sod wilaj opis tN equiog v :ayS9 vID O91I9 oyadse 0 e90d9 ey ‘owoureyeipaut pavdnooaid anb o913g[o1u0 vw2|qord oF 208ny erpoo eaeitensy xen yen anb oong PUIaIGoxd O “~TyESEIEN, 9 BuLLYsoAIT] ep sequiog sejod :operodsout ayouTEAIayu! 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A bomba provava, pois, experimentalmente, um ‘materialismo dialético radical: a matéria esté em contradi¢ao consigo mesma. E de um ponto de vista pritico a bomba provava experimentalmente que a humanidade tinha alcangado um progresso tecnoldgico que permitia 0 suicidio coletivo, suicidio este que podia tomar tanto a forma de duelo quanto a forma de haraquiri. A gente acreditava, um tanto ingenuamente, que tal aspecto teérico e pritico da bomba ia ser doravante o pano de fundo contra o qual os futuros acontecimentos individuais coletivos se iam desenrolar. Acreditava, em outros termos, que @ ilusoriedade do mundo material e a precariedade da historia passariam a ser a base da consciéncia do futuro. A gente subestimava, ridiculamente, a capacidade humana para desconversar ¢ fazer esquecer 0 Nada ¢ a Morte. Em conseqiiéncia a gente olhava os acontecimentos em torno como outras tantas loucuras: a reconstrugao da Europa, guerra fria entre Russia e Estados Unidos, as convulsées asisticas, 1 pseudo-libertagao africana. Como ento: todo mundo fazia como se a bomba nao existisse? Como se a historia pudesse retomar seu ritmo idioticamente interrompido por Hitler? Ou tratava-se de um “pér entre aspas” coletivo da bomba? De modo que todo engajamento politico nfo passava de um fazer de conta? E que dizer do progresso cientifico que continuava? Sabia que se dirigia rumo a morte e suspendia tal conhecimento? Ou seré que 0 “puro” interesse teérico era seu motivo? Saber sempre melhor que tudo & nada? Por outro lado a gente nio podia assumir que em meio de tantos loucos a gente mesma era 0 tinico que tinha escapado & Joucura, Isto também teria sido loucura. E a prova disto estava no Brasil, na circunsténcia imediata. Tudo que estava acontecendo no Brasil se apresentava a gente como um fazer-de-conta deliberado. As pessoas que cercavam a gente suspendiam nao apenas 0 saber da bomba, mas também o saber do poder decisério que exerciam os Estados Unidos sobre 0 Brasil. Faziam de conta que estavam “construindo Bodenlos ~ Uma Autobiografia Floséfica cy 4", 59 ) um futuro”. As discussdes nao apenas politicas, sociais ¢ econémicas, mas também filoséficas e culturais, estavam, para a gente, banhadas nesse clima de recusa deliberada de assumir-se. Tudo isto tinha 0 ar de uma conspiracdo coletiva: fagamos todos) de conta. E a gente.nio podia participar de tal conspiracio / honestamente-(embora a gente jé tivesse sentido a primeira yontade de participar do jogo do “como se”, porque a gente comecava a descobrir 0 calor humano emanado pelos brasileiros). Muito mais tarde a gente veio a compreender a finalidade de tal “esconde-esconde”. Ninguém pode se assumir objeto de manipulagdo alheia. Aonde no existe auténtica liberdade de decisio, uma liberdade de decisdo fantdstica precisa ser conjurada, para que exista a possibilidade de assumir-se sujeito pelo menos na fantasia. E tal fantasia, pode, com o decorrer do tempo, estruturar-se de tal maneita que substitua a “realidade” insuportével e encoberta. Tal fantasia pode, com 0 tempo, adquirir muitas caracteristicas de “realidade”, especialmente se a fantasia se basear em coisas concretas como fabricas ¢ pinturas, ¢ a “realidade” continuar encoberta ¢ impenetriivel. ‘A compreensio do jogo brasileiro do “esconde-esconde” veio muito mais tarde, e levou ao engajamento nas coisas brasileiras. Porque af a gente compreendia nao apenas que 0 jogo era vitalmente necessdrio, mas também que era a um tempo deliberado e inconsciente. A gente passava a participar de tal jogo de corpo e alma. E muito mais tarde ainda veio a compreensio penosa de que o papel da gente dentro do jogo era revelé-lo a0s> parceiros, e quetal-revelagdo era perigosa para a continuagao do) jogo.'A contradigdo entre a convicgao de que fal jogo era / vitalmente necessirio, ¢ a convicgdo de que o papel da gente era reveld-lo levava para a decisdo de desengajar-se. Mas tudo isto veio muito mais tarde. Na época ora sob pesquisa 0 jogo do “esconde-esconde” repelia a gente porque a gente o interpretava como fundamental desonestidade. Por isto a gente se fechava a cultura brasileira, e procurava abrir-se & natureza brasileira. ‘A distancia que o escrever do presente livro oferece lana uma luz curiosa sobre a decisio entio tomada. Os 28 anos que a ojuoutefeSuo sorzajsod 0 vied ayuauiayI0j emqiUoS ayuad eu ‘eavooaoid extayise1g ezemnspu v onb oxpg 0 anb zessajuoo osioazd 49 ‘opeyfnsa: [ei ap Sesneo Se resi[eue eIUo} op soyuy ~eUBUINSAP ogplisea wssap [euoipow squoterTOy 2 [eUoLOEA] PSNdOI WO “earfgjoyed osenb opSeniorye wa noynser eZIMYLU [ey WOD O1EIIOI 0 109 ofod “Osseaeys [UI01 tho Noy|Asex ois] “wILa|ESEIQ ezaIIEL oo oyequod wo zeaiua ap & wa Baul Y “(ovwjaxi09 seuede tos oxst) rorzer op opSejndod ¥ woo oreyu0D Wie TesIUD ep B HIE OFT sour v sep “Jopuoa 9 sexdw09 9p orxaraid Av vavssed a1ua8 VY ojisezq Blougys|xa v stenb so anua sojod stop puodsuEN opdezjerouaysIxa ¥ eUOI ristuoueur opSezroubrsty 2 “opreqony wisu09 outjaasny“sesodo sogsuatitp were vorugzewesuery 2 wiljseig anb 0 “wirDjiseiq ougisixo Bp ovsuaIp BA EP olUaUIEWEYD oO anb 2 jan sagsuaunp st soqaored & BaRSatloD GiU98 v “LAI! 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A gente identi com luta com a natureza brasileira”, ¢ era antes de mais nada tal aspecto da cultura que empolgava a gente. E, por extensio, a gente passava a ident cultura fout cour?” com “luta contra a natureza tout court”, inclusive contra a natureza humana. Tal identificacao, a ‘io inteiramente inconsciente, foi se conscientizando progressivamente, e finalmente ficou claro que todo engajamento em cultura que a gente assumia ndo passava de engajamento contra a propria “natureza” da gente. De forma que no passava de uma espécie de suicfdio novamente. Quando este fato ficou inteiramente consciente, nfo apenas o engajamento em cultura brasileira, mas todo engajamento em no importa que cultura entrou em crise. (O contato com a natureza foi choque dialético, no sentido de encontro entre determinada situagao objetiva com determinada subjetividade. A situago objetiva (na medida na qual o {istanciamento atual permite vé-la) é a seguinte: um imenso _ planalto levemente ondulado, sem acidentes notiveis, e coberto ( de vegetacio relativamente baixa, mas esporadicamente densa, forma o niicleo da natureza brasileira. Tal planalto se inclina para | © oeste em diregio aos enormes pintanos, em busca dos quais corre a maioria dos rios que © cortam, ¢ cai para leste em diregdo | a0 oceano por dois degraus abruptos, a serra da Mantiqueira e serra do Mar: portanto da as costas ao mar e encara o centro do Continente. Duas cores predominam no planalto: 0 roxo avermelhado de uma terra que tende a levantar-se em poeira, ¢ 0 verde escuro de uma vegetagao perene. O clima & imido, continental ¢ subtropical na parte sulina do planalto, e tende a tornar-se seco, continental ¢ tropical quanto mais a gente avanca rumo ao norte. A pressfo & quase sempre alta, de forma que a sensagdo de opressio e depressdo predomina, interrompida apenas por noite’ Glaras e certas manhas Iimpidas libertadoras. A luz solar é muito forte, € mata todas as cores, salvo as mais | berrafites. A vida animal € surpreendentemente rara, com eXceGao de insetos e répteis. Quase nao hi flores, mas hé arvores floridas. O impacto que o planalto causa pode assim ser resumido: Bodenlos — Uma Autobiografia Filoséfica 63 cifica, meiga e deprimente. A natureza se apresenta ‘como ancia que conserva ainda toda a sua feminilidade, sem exercer nenhuma atragdo sexual, nem provocar desejo. Aos que procuram dominé-la, tal ancia gigantesca se revela relativamente cabecuda, ¢ cheia de manhas. Pois é a senilidade ¢ 0 arcaismo da natureza.que marcam esse encontro, para quem s¢ aproxima dela da Europa. As suas formas geologicas sio antigas ¢ gastas qual pele de elefante. No rein botinico sio as formas do carbonifero que predomiriam. O arcaismo das palmeiras e de plantas, que lembram sigiléios, ria vivéncia de um passado remoto. Hé répteis que lembram sdurios em miniatura. Marsupials € desdentados so encontrados. E como tudo isto se d4 por baixo de uma redoma de alta pressio, na qual 0 proprio céu parece ser baixo, a natureza toda é vivenciada como uma espécie-de estufa que conserva épocas geo! pagsado, cee YJ ‘A subjetividade com a qual a gente se aproximava de tal estufa pode ser esbogada da seguinte forma: a natureza é a mae exuberante e carinhosa que abriga a gente no seu colo, ¢ também a amante empolgante e provocadora que quer ser abragada € conquistada. Tal imagem da natureza est profundamente enraizada na gente, tanto na consciéncia (gragas a mitos, contos de fada ¢ literatura) quanto na vivéncia (gragas ao contato com @ natureza européia). Quando a gente dizia “natureza”, imaginava bosques de verde claro, prados floridos, rochas cobertas de neve, ¢ baias do mar que penetram as entranhas do continente em toda parte. Sabia, é claro, que ndo era tal natureza que esperava pela | “/ gente na vastidio brasileira. Mas tinha as ilusGes paradisiacas que 6 termo “trépicos” provoca em europeus. A desilusio foi terrivel.) »,¢ Quando se trata de descréver os didlogos qué marcaram 6s anos 50 e 60, ¢ que continuam, de certa forma, até o presente (embora a transferéicia gradual para a Europa Ihes tenha alterado ‘0s meios), 6 necessirio reorientar os esforgos contra a resisténcia que @ meméria oferece. Até aqui, no curso do presente livro, @ maior resisténcia encontrada foi uma espécie de pudor na admissio da decadéncia social que era uma conseqiiéncia ep omyny 0 9 aquasoad o vied saruepodut ogs sopeiejar Wares PRIWpE 10s onap oTURUOY “sIpadTeyD Te) 2 ‘dog Te anua reSoAgU yremooxd arumnos © ‘amamenorut as-renogy anBesuoo opt awed v jen ep elouapus ‘oe oudord op ogdezope 2 opSowordome v vred viougpuar ved opediojez 9 ofitiad opunfas Q ‘Sopeie[er souounsaitooe sop erouguodar B rw1eBexa op oosiz o a109 ayuaG F vIougIsIsos v opuareqtIOD 9 woyosor PyEorany Bun — soluspog 2 ‘syuawaypiszepun rod oyeias 0 preatyistey ayua® v “eIoUgIsIsOX y ‘optaped :oongyeIp 9 d00s9J0 oyst anb of 10d ( “aque wjad eprumsse pepriqesuodsar v zezranrurur ered vfas ‘ropnd ap ody oxou um sod ‘elas “enoztsesq winajno ep orxeqHO9 ou (opueytadurasop en UOD oytod one aye 2) exvquodurasep awed v anb jaded op wouguodun ‘ seziwuIu v opua} elZguIaM e anb ap oyey op ‘eumns wo “2 -meiy, BISo1enso eAOU eum oB1xa onb “eroupisisaz ap ody OAT uN, opuidims ps2 sepy “Paudnoo ajuad v onb [e{90s opsisod B SoAHE|OL sewiojqoad voyeoor syeur ogu eoWIaW v aueIp we ood asap anjred @ anb seyestoo 98 OAap ‘OIAI] aIsap s9Aa9se Op OporgU! o ‘ered seuady ‘speparoos et maford BABSTA 9103 B ‘saqTATOSUOD STAT Wo sou ojod “srEMIel ‘10J OYE :epHIU Jas soezed ysodsar 2 ‘oquowro{eSu op SoAKOUr Sop tim 10} OB [eUIBLO [190s ‘ogéisod g owroya: fe) 98 asiqeue as anb efixa apepnisatioy & eIOquUIA, ‘opearoso: eyuns Sou oyuoMHOSEU o anb [eID0S Jaded oWSoM O aquouepeurtxoade srumssvos # ‘owourefeSua je ¥ sedexS ‘eavssed aqua’ y “eSeig We opednoo of saquapuodsazioo stoatu we o1u93 ‘ep opSiesutos tu seu ‘eBvig ap sousostuturar stemyINo SOLE sod opepeloos ep opSequatioax ure seuade ogu vatypnsay emo eu ojourefeSua o ‘ostjgue op o10{go 9 vro#e anb eood9 wu stog “epeoyeoas opis eyitn an vaoad ‘eiguiaur vjsd episaxayo exfexteq vjdael 28 ¥oods ejanbep [81008 OFSepesBep v (auourEAtwotp{Us}s Zaayer 9) OAT] O1S9P sana19s9 op osmo ou sep “rednooasd sou e sarrenodut sieur oyu uroysida ‘soon semaygord wraey anbsod ua8 vu epiAjOAUosap OJINUE BABIS? BOUNU (LoTUIQUODE 9) 100s opepiea v onbrod ‘eood9 eu ajuautajustosuoo eavdnoooid na optt ulerqord Q “eIMbsvsaty [e) WO Oxteq eueUTEATEIO nexSap vavdnoo 9 ‘apeparoos eu votumguoss eInbiwzaTy ANWpE e ) ‘epesioy BIA 98 aqua & ofney Ogg Wg “eIMbresaNy ye} Wo OYE NeIBEP | um vavdnoo o1uo8 v 9 ‘einyjno op stoatt 10d epeuapio embrex01 ‘eumn apeparsos eu eiA aqued v eBeig ule :esraueW aumes 2q{ ‘8pepaic0s wp oRSenpe18 wp oRSe|MUZOJar wEquIE) seu ovsepesfap seuade opu aanoy Of Sou” SON “eunsse a1Ued v seuI ‘exvjoqax 28 ayus8 v yenb v exuo9 “PeUOTDIpEN oplosvu eyun quad y “visizeu afonseyeo ep (eLIEpUNdes eIOquI) apesnly WEA, ko 8 A lingua brasileira Nos tomar o primeiro contato ai preciso salientar, logo no inicio do relato dessa aventura que ia marcar decisivamente 0 curso da vida futura, que a atitude com a qual 2 gente se aproximava de tal cultura era atitude que visava engajamento. Isto é a gente visava aprender © compreender a cultura o mais profundamente possivel, ndo apenas a fim de absorvé-la e assimilé-la & nossa propria, mas também a fim de agir dentro dela, pois tal atitude marca a vivéncia que a cultura provoca na gente. De um modo geral, culturas provocam vivéncias de trés tipos. (A) A cultura a qual a gente pertence por nascimento, que informa a gente desde “sempre” (e “sempre” pode significar tanto o despertar da consciéncia quanto camadas inconscientes muito anteriores) e informa o ambiente dentro do qual a gente vive, tal cultura é vivenciada como um “dado”. E ela a um tempo um aspecto da determinaga0 dentro da qual a gente foi langada a0 ter nascido, e um aspecto da liberdade de que a gente dispde para rebelar-se contra a determinagéo do ambiente. De modo que tal cultura é vivenciada como a cultura tout court pela enorme maforia, e a descoberta de que se trata apenas de uma entre varias culturas existentes (de certa forma todas disponiveis) & descoberta de relativamente poucos. Com efeito, tal descoberta encerra 0 germe da dostiga da falta de, fundamentp, pore Be visio externa” da, vulture 2 Gual_a genie perience. Os verdadéiramente enquadrados em sua cultura 0 so porque nunca fizeram tal descoberta, Tal era a situaco na qual gente se encontrava em Praga, O importante para compreender tal situagdo & que ela ndo exclui informaglo a.respeito de outtas cultures. ‘Apenas as deindis culturas das quais @ gente Yem conhécimento punrogtog BBA oong[eIp ossoo01d o dnb Givja 9) omuaurepuny ap ney Bp OwsIge O ange os umUtiow seFMy WO 9 “eA iod wpsRNNsARS oiuammeareyed opuas (eA SpEpljear, rum siuousoyduis ‘ojuaurefeBue op euiojqoad o agd ogu ‘oprasosqe via 10d 9 0 ‘emyjno eaow 8 axrosqp amteadrunt o penb vjod “vong[eIp ey, “opus _ ou 10489 9p LUD, UNS OH CYjon,, B Tinyfisqns B vyUoA wIMAINO £7 eaou,, 8 ob TOD 1928} “oUaLUVAIssaROId ‘stodap @ “eUOOUa “135 srenb sv anid SBuNINO Sop se “oudoXTTs 2p onuap ‘TeZH9NuIs Feinoord adap senugoue es yenb vu ovdeniis jad wpep 9 Bor" ens y “(oxiuop ered prog ap emmypno exo v esueuItsadxo aja anb woo zay “9 0181) EIM[ND BAINO ap ExTOIWOIy v 91v BAD] O ORdeTaTUL ea ‘(emo [es ap aizust| o a}uouLadxe ofa anb woo ze} “9 01S!) zinyno eudord ep extoqoyy v 91 ead] O oRSuIBHUO Y “euesTrUNT oatsse]o op ovdenus F 9 ors] “(estyns-vAot o1UEOd ‘esariys ‘mreseuoy ‘oppnt v 5 pulOTe'e “Saxon v ‘SteMOUIEpUNY SeIHINO $912 se pj anbiod ‘vfg op oseo o io opt ye) wreaogo 9s onb semy]n senp exjua exfaquoy} eu 9s-sesIU0DU apod awed V (9) .y.f—] aquoureyioo seu “(.guewiny-radns,, aquauaatssod) viougara pasnyranz ou vavtrrxosde as aDszjaIN [enb ep ¥I89 BrOuAALA <(680F OBIS) opempfuyse soustE no syeUE Sojspour op oyun{uoD owios eperouaata 9 myn PPO} OBSENIIS [B) We slog “aUes LU noooaoid eraugiodxe [es anb vasnytr v mpquier anby[dxo zoaier 2 oOLIG oF OFSEIar Woo nossed auaS v [enb vjod ersugLedxo b voyjdxe ors] “(Joapsuodsaxnt 9 onissed [osioAIMHT itisivietonosde op apeproedeo :ousysjodotso> outa) op opeaypluats ostopeps3A (0 2180 bfos Zaayer) vanajno anb euodwy opu ep soiwautaje xednyo apod onb efuodso 195 v vssed ayuod ¥y “oitoaosd ouidoid o ered op “pinai 198 pod O8[e sTenb Sop sOdurwo owod spur ‘owwoueleSuo ap soduvs owoo ‘opipusius wiog ‘ovu ‘sepoy “uacarayo ~ 9s ogSenus [ei op sured v seysia ops anb seinyno se :ojdaiaxe or ~feo19], ‘aquOULZOLTEIUE OPHNDSIP ,OIPJaINs wos OBoL,, op o1oadse ‘win o18} 4 “.82,, oLdoxd op ouopuege aueisuod ‘opdeuor|e-o1ne rueystod 9p ossoooad un 9 onoutepuny ap wifey enOUREE MISC oradgad op equexsuoo owuouNizeAso win ¥ ajeatnbe aqzeysti09 sopuaostres) jet ‘(epipusdsues) ajtauoruasede vudgsd vp ‘ioqes 69 { vouosond eyeorgomy wun — soqupog ‘2 “piny[no epeuTULOIOp ap oRSung We ..no,, Wn 9 a1Uad e “P 0181) lemypns soyey,, W109 vdosd Is B ga a5 o1UOB e OMIOD sey “OU “Sour fs w 2opuaoste 28 2 OprUIYD ayuouioyuEsUCD 9 9s anb v1 orque a gente desliza imperceptivelmente na diregao dela, A ‘nova cultura” é vivenciada como paulatina pénetragao de uma realidade, A gente mesma nunca passou por tal vivéncia, ¢ nisto se distinguia de todos os demais imigrantes com os quais tinha contato. Nos primeiros dez anos de vida brasileira, a cultura do pais era para a gente uma entre muitas, que a gente observava a partir da distancia proporcionada pela falta de fundamento. E, subitamente, a gente tomou a decisto (Entschluss) de engajar-se nela, de forma que a vivéneia que a gente dela tinha nao se enquadra em nenhum dos tipos de vivéncia que acabam de ser esbogados. De passagem seja dito que isto explica, em parte, 0 fato curioso de que doravante a gente se sentia muito mais ligada a “brasileiros natos” que aos imigrantes. A tentativa de uma descrigdo fenomenolégica da vivéncia da cultura brasileira, depois da decisio de engajar-se nela, é facilitada pelo fato de que tal cultura se apresentava, mais nitidamente, na forma da lingua brasileira, pois a vivencia da lingua é aspecto fundamental da vivéncia da cultura. No tipo (a) de vivéncia a propria lingua 6 vivenciada como “lingua rout court”, e todas as demais linguas so concebidas como linguas- objeto de tal meta-lingua. Isto é, a lingua materna serve como instrumento para 0 estudo e a dominagdo das demais Iinguas. No tipo (b) de vivéncia, todas as linguas so vistas a partir de uma posic&o extralingiiistica (por exemplo, a partir da andlise estrutural), ¢ isto é a posic&o wittgensteiniana (por isto, seja dito de passagem, a gente sempre sentia semelhanga entre a posigao witigensteiniana ea nietzscheana). No tipo (c) de vivencia, a “nova” lingua é vivenciada como meio de comunicago com 0 lenlos ~ Uma Autobiografia Filoséfica é 71) Bodenlos ~ Uma Autobiografia Filos6fi 1) novo ambiente, e passa, imperceptivelmente, a deslocar a lingua materna e estabelecer-se em “propria lingua”. O imigrante classic no Brasil vai aprendendo portugués, a fim de poder comunicar-se com os brasileiros, e, imperceptivelmente, passa a ser dominado pelo portugués, o qual passa a estruturar os seus pensamentos, e em conseqiiéncia, a sua captagio do mundo. Mas a gente mesma vivenciava a lingua portuguesa de maneira inteiramente diversa. ‘A decisfo em prol de um engajamento na cultura brasileira cra, fandamentalmente, decisfio em prol do engajamento na Kingua brasileira, Isto significava que.a gente absorvia tal lingua ndo para usd-la nos contatos diérios com brasileiros, mas para us4-la como instrumento para articular-se. Em outros termos: 0 portugués _ brasileiro nao era vivenciado como a lingua falada no Brasil, mas como a matéria prima que a gente ia trabalhar para realizar a vida. A lingua era vivenciada como desafio e como farefa de vida./ Estabelecia-se, destarte, desde o inicio, aquela dialética caracteristica para a relagdo entre 0 sujeito que visa informar a matéria € a matéria a ser trabalhada, O aspecto epistemolégico de tal dialética € que a gente procurava penetrar até a esséncia da lingua portuguesa para poder modificé-la de dentro, simultaneamente procurava ser penetrada por tal esséncia a fim de ser modificado. O aspecto emocional de tal dialética é que a «gente se apaixonava pela lingua portuguesa e se imbuia da sua beleza, e simultaneamente passava a odiar passionalmente tal lingua, na medida em que ela resistia aos esforgos de ser modificada. O aspecto existencial de tal dialética 6 que 2 gente passava a viver em fungilo da lingua portuguesa, a qual passava ‘a ser 0 campo do engajamento da gente, e simultaneamente a gente passava a utilizar tal ingua como instrumento, isto é, como mediagdo de um engajamento em prol de uma realidade supra- lingiiistica (que era a sociedade brasileira). Resumindo tal dialética: a gente procurava ser dominada pelo portugués a fim de dominé-lo, e engajar-se nele a fim de utilizé-lo no engajamento ‘em prol da sociedade brasileira. A sintese de tal dialética, a meta do engajamento, era tornar-se escritor brasileiro | suey enb osouno q jsopiniias wares ® steapr owtod ureanitasaide as (enSuyy y seduz3 joywauesuod op sew ‘enSuy] ep o2ue; op | opSefora eisa) aypszigIN 2 (opeztreat sozan seit Op) ayueWUZTTezUT 9 d1G0U owstTeUO! 3389) ouIO} OS! 20g “opunu-ou-das o1idord tor operidosde ojsis9 0 oo opeiepisuoa opis eyun audios Oulsgge © “anmeniaudd 2 cormguoca ‘sojdinis ‘iaxatosa ap o[apout un si “108 v eAvuLosey PULMBoLO BULIOJ v “WoBesuoML e onb steur o1npy “eB9UC vl a1lad v sosuanesd sour SOUT SON, -afoy gre opuednooasd nuNUos corwiqay oF aquoroUL ayuapuaosuRD OYdeolsiudis @ Seu sodwai ap eyez tod fumsse vounu ‘ajuauiztayut ‘quod & jenb o ‘oyesap wn earjuasaidas orst 9 ‘apeplfeioes op 9 ouisteoue ap eine ‘vam 2zuvata @ eavauhnen eoreiqoy 0 “seistuots sofad eprznpont aquaureperoqifap ,cuseztUapoUL,, ens vp oiladsep Y -esanBnyi0d senda] ou py, waned ead eprzpen jeu on yoo eased ep BLOUDISEXD ¥ 9 195, qian OP Blaugswe v EpEp “(sHPPYAaNY>NS SOP) opunur ou sogSujar sup waou o1toueorper opsia owod 2 ‘(eiuasaxd op efougisixout jenutta v 2 ‘SoqiaA ap seziez WoD soBof @ seseS sopeoyrusis ap opSPurzoy) vaou aiueurestaiy orwatrestad ap ‘eMyMUso OWOD wavytasaide os ooresgoy O “oMboyp je] IIOUOALA, volun e B10 oust ‘supeztuedio opito ooteiqoy op sosseia seu ‘anb rva1osqo “eood9 eu ‘osopins e1q “e11aqoosop BIUO|OIA nojeaar as anb oote1gay op ortauHtoayuoD axgy wun opizes eyL sosuonfesd sour cool Sou OuIsTUOIS ou oItatEfeTUe CO “sear semuzoy ap opdeo0aa & 2 ‘seune] mgquie) seu fseooqoq seamnnso op seuode oH OFUIO]e OU ovSnpouiut & wavot{du zoAsi9sa ou oqueUIefeBuUe o anb opowl aq + soieyfowies sewoye steoneurEAs seuO} op oIpguuoiUt od oFaxd omramtestiad op vingoid wo, owio9 oprznpeyy 19s apod ‘(eure vp orpguueiut sod soSes8 sop syed op emoosd wo) ,puayons [peas dap mw uayserey sap puoT svq., o8a18 owautesuad o | renewed wonZosuos outog extoueus e ‘sazwoTe seI90d 9 SOFOsoTLy | soiwer op .ouistusjay,, 0 ‘waBessed ap oup vfes ‘esyjd¥o ogwioye 0 9 08018 o anus afuurn(ge eSueujousos jes, “sousiBojoa ap ogSeaios © vied eAxprauoo 9 ‘opmofe op ayueyjauras vlougpudy Eu vIosIgoUa a eavdrogar cups 2 SHD5Go} SerINNS|D HOD Of-goonbu ap THY B OBWITE WO 13K819H :sepeuapsooo sepriyu eH 1aAaxoso ou oyusTEfesUS o ‘sod “eBesg Wy “o1@IouoD ouOUIEsUad op anepuny wINyRLNSS OWIOD osey1 o eavure aquouTvouPr[nuts Seur (EXTEN 9 O4|FY ‘YOSZIOIN Sr9]IIqog ap eUNIOS vu ‘ojduloxe rod) squad wp oMHUT stEMI OW ‘eanjnuoy 28 vje omod [ei BUOTY eNduN] e sIuoUIEPEMOXIEde PAEITE ‘1ua8 e anb opour a¢{ ‘seistzet sojad opezyqiin 20s v eYUIA OMTOD Te) oeuizye ov opSyjar Wo9 wAuAS a1uaS v anb oongise ozardsop ojed 9 ‘seoayon seanunmsa ap ogSen[iyur ayuejstoo ejed :sar03ey stop 10d opeziyeurajqoad txa opwaye ojad oprosoxe o1uswop (© sepy ‘00049) ojad opeurmop e129 anb ‘o1as9u09 stout o SoUOUE sfaayt $0 sopor wo puLoye enBul] ep wpeUBerdut eaviso o1uod & ‘eBe1g soweuopuege opuend “vsoy91 opepisz2arun wo cueressed 9s opinugnsn equn ajuad v anb sostuapese sonsowas soonod sO ‘oootjor to vpada: stodap ofo| seur ‘ogWo[e ule eM9} 10} BzaINpEU ‘y ‘eavurmopard oguroje o aitapuodsoz09 opept vu 9 “pmoye 10} eurypunsas vjooso y “o99q>1 We EpeMULIO} Opues vANUTIUOD dqarquie o Woo soreIoo sop THOM ¥ seuE “EUOTe TOF BPE pjoosa y “eyuensa-enSuy] Opts eyUM EouNL oBUIETe O BIOquID foooyay eaves elougyur exloumd # aiuemp :exejduioo eywoureanejas vonsInSurig OpSeuoy Opn eyLN sted v :oiuINdes w wo ‘opsioap [e) 1emIO) oF BAEITUOSHA as ames v yen eu oRbeTUIS Vv aassnjg weTA, uw 74 Vilém Flusser com seu jogo dialético violento com termos opostos, repelia esteticamente, embora tenha atraido intelectualmente. Agora, com Ortega, a gente tinha encontrado um mestre: ironia sem cinismo, e economia estilistica sem double-entendre. Por isto a gente estudava 0 espanhol (¢ nio para preparar-se para a emigragio, ‘como pensavam os outros). Espanhol nfo era a lingua de Buenos “Aires ou de Bogota (ou do Rio de Janeiro, conforme se acreditava em Praga), mas era a lingua de Ortega. Mas, também neste caso, Hitler chegou cedo demais para que tal estudo tivesse trazido resultados concretos. O que gente escrevia em Praga era busca coga de Ortega. ‘A fuga para a Inglaterra ndo apenas cortou as raizes existenciais com 0 alem&o, mas abriu também os horizontes enormes da lingua inglesa. Com facilidade surpreendente (resultado talvez da falta de fundamento), a gente se deixa’ penetrar por essa lingua incrivel. Essa lingua, que no nivel coloquial é de simplicidade e pobreza de sintaxe sem igual, no nivel técnico e cientifico de rigor e economia sem paralelo, no nivel filoséfico e literario de complexidade e profundidade inalcangadas por outros, e no nivel poético de beleza quase insuportavel. A lingua das Iinguas. E tudo isto encoberto pela sua melodia tio estranha aos ouvidos de um “continental”, ¢ portanto to repulsiva. Acrescente-se a tudo isto que o inglés, embora teoricamente lingua germanica como 0 alemao, é, em certo sentido, o exato contrério desta. No lugar das aglutinagSes alemas, dispde de uma tendéncia para o monossilabico, ¢ para silabas do tipo put, que so significativas apenas em contexto, o que faz que ‘© inglés se afaste inteiramente do grego para apontar regides chinesas. E claro: em tal situagao, a gente se via obrigada a suspender todo escrever, e esperar até que o inglés fosse melhor absorvido. A absorgao continuava no Brasil, jé que a gente lia quase exclusivamente livros ingleses. E dois modelos estilisticos opostos comecavam a delinear-se: Russell e Pound, ou Dewey € Melville. Surgiu o problema: devia-se escrever em alemao absorvendo o inglés, ou em inglés absorvendo o alemio com todas fas implicagdes que aderiam a tal lingua desde Praga? A busca da Bodenlos ~ Uma Autobiografia Filoséfica (asl. natureza brasileira era, no fundo, busca de chao para resolver tal problema. Em suma: a gente se encontrava na situagio “(b)” perante as linguas, isto é: estava suspensa por cima delas. E curioso, em retrospecc&o, que os primeiros anos~ brasileiros nio apresentassem o portugués como desafio. Era lingua que a gente tinha aprendido com grande facilidade (gracas ao latim, ao conhecimento mais ou menos superficial do francés, italiano ¢ espanhol, e principalmente gragas a falta de fundamento), mas que a gente utilizava como meio de comunicagio corriqueira. De modo que a gente 0 falava relativamente bem, mas néo penetrava a sua estrutura, nem a ‘esséncia fascinante que nele se escondia. Tal atitude cega perante © portugués ia dificultar mais tarde 0 engajamento nele. O portugués devia ser re-aprendido, tarefa penosa j4 que implica esquecimento do aprendido. E caracteristico para o engajamento ora assumido que a gente nunca tenha conseguido eliminar 0 “primeiro” portugués de tudo, de maneira que o amor pelo portugués continuava sempre infeliz, embora tenha resultado em certos escritos nfo de tudo despreziveis. Em outros termos: 6 alemio, ¢ até o inglés, eram sempre, ¢ até hoje, linguas nas quais | ~ a gente escrevia mais facilmente. A conseqiiéncia que a gente _ coneluia disto (e conclui até hoje) é que o portugués é a verdadeira 5 tarefa da gente, exatamente por sera mais dificil. ~~ Pe Eis, pois, a situagao na qual a gente se abria ao portugues, ° em resumo: ia ser a lingua que devia ser absorvida para set manipulada pelo alemfo invadido pelo tcheco, latim, grego ¢ hebraico, e pelo inglés, tendo Ortega por modelo. Tarefa, novamente, para toda uma vida. A vida recomegava. ‘Como matéria prima, a lingua portuguesa exige técnicas de manipulago muito diferentes das provocadas pelas linguas ale- imi e inglesa. Alids, tal descoberta, feita logo no inicio do novo engajamento, influiw-mais tarde nas longas discussdes com Gui- mares Rosa sobre a fenomenologia do portugués falado e escri- to nas criticas que a gente ia mover aos coneretistas, especialmen- te Haroldo de Campos, ¢ na apreciagao das tradugGes que Dora Ferreira da Silva fez de Rilke. A situago pode talvez ser adns eu pisa axes & sgndniod lwo sepy “weroid o 9Y2SZIOIN 9 wipLapjaoqy ap seSuatues seus ap 2 1989pr9q{ ‘oIdutoxa 10d ‘onb sastiyue se 9 ‘,sepunjoxd, seppuivo ap opSvjaaas awowtuats opod yuroye oxeWIS & se[9Aoy ‘seyaqoosep wed O1StA odurvo urasazayo ‘opuiaye ojusurRsuad op apeproifor! a apepinssqo ‘epepipunyor yoxvsuodsas 0B} “guiaje axewurs ep apepitiqnsay v2 suoout & “opeprxoydutos ¥ ‘sopiun soprisg fou a exaefSuy eu ‘euarA ap on: op 2 eBeig ap vjoosa up o1xg o ‘oued ure ‘eordxa ors] “sax0peHI9 atau ofS "0H. ODS 13uy Op soonPIETs Soprusa ‘oIst Jog “sepipuoasa ses89} se ayj-sefoaar ‘oeyod *wortuats 0 Jaaaqng ‘opeztueaio aieurertazszad asenb 9 opm ope} eu onbrod aiuotueysnt ‘separ wo opntusod 9 ssouuiat si [e1 zeuI01 B opus} Bs (Gut axequis ep ogdtazzad asenb y (¢) ‘epejndiueu opuas Tea anb zaa epor ‘e[a epo} ‘ogisonb wo eysod 9 esanSnyod ensuy B :epenuLoy wise 198|9pod 9 o1ueuoxtede 9 ep apepruop! ap epidd v 9 wnduyy ep omaunsanbuus o onus vongTeIp BsoBtiod & BBs onb opou ap :aysipIt a sguodef ‘ern ‘mug op ‘ojdutaxo sod ‘soonoxe aquatuyerored s03x03u09 op sed |B ulozey o 9 ‘enSuy] eu auomTaruersuos ureN[LUT as soustso[oa Ste] slog “oxequIs v BALOO ojuaUrefeBua 9 a ‘enBuly ep ORSEZeqQH sogmulis soquensa soifowo[e ap opsnponm e “otanbasues way "uresi00u9 © anb seiBa1 st sadutor ies 1098319 apod opu sgnfinyiod op owsiueSi0 o sep "esoBtred wore: 9 soymenss somuauia[a 9p ogSnpoxiur v “(o1ueurn|se vrougpuos uns sede) ,sousoN sowisiSojoau ap osetia e wed apeproedes ouous ap 2odstp opmye o anb yf q ‘OxeIIs ep opsemdiueu wo8txo soperoge|> unsse sousifojoau solinur anbrod “1operis o1esap 9 soyuensa soqioma[a ap opseztubua8 v “erougnbastios wg “oytauttoso19 ov as-reidepe aaap viuaisns o onb oysjanbso o anb yf ‘opepmnaytp JOTeUT WOD Bdsex9 OFUTSTE OMSTULSIO C ‘oUUSTFoJoaU oENbUS operouoata 1onbas wet 9 oprasosqe sjutepides 9 owst8oj0au ‘por :opepr[iovy Woo OpeziorZuv sas pod oyuesIs9 o1uOUIa|O lb eoyosomy wyEBoIgoIny wun — solupog opor aiueuvonerd ‘esugnbosuos wg “opesoiu! orajonbse [ei extep seu ‘orjonbso ojad opeiuaisns 9 orauurosazo © anb vf ‘apepreqil {210} asvnb woo aosa10 sajSur ousstueB10 © (2) -senduyj sexino seiner anb opnuas aisou sendinyiod 0 woo seaneorsruais sieur seSuetjetues ‘sy ossnz 0 anb joayaoud 9 -opeoijnsnf aquaureuold 9 “urugssof ‘9 1ysaoereyy 10d aqwomjeroadse ‘sossns ,s¥istUIapOUL,, Sojed soriayisaiq seistoiouoo sop assaroitt o anb cup fos wioSessed 2c ‘goarede ent] ep epIpuoase viouigsse v a ‘sepesqenb ops seiB0r se “optduioz 9 esonSnyiod axeytts ep voseo v “unuy] ep sowuewo[e 0 Woo vol BsOY SagIEUIIND 9s 2 *,e}219UOD BISe0d,, ZF O1ST ompog 98 sey “sepeaiasaid ops seifer sons se sett “epeIualOIs 9 _puiaye oxeruys e “onBuy] ep sortioutaye so woo eof uUEW seuIOY ‘8 2 «eja1atl09 v[saod,, Zu} wioysUABIOW ag “BPROOI ENUEUCD ‘pso[Bul axvyuis v ‘enSuy] wp somuaLsd]e so WoD BBO! aofor as 2 {,pyotouod viseod,, 2a} sBuywuuung “ga :awndos 0 ‘ojdwoxo aod ‘voytudts oyst Stog “wapuoase as vjau anb (afueyD OMY ‘pureyp $0 01109 , $0) ‘seoedo @ soqueyyg ‘seinp sejorpd se 2 “sgnGinyiod oo1x9] op 2[ow PugreUt v aoouedsuEN uraBins uusse nb ‘voseo up seinpeYyoes sejad “apEptlfoug opueB woo eigen as seut sropeyndienr 0 eiyesap axxyuis wns e “esoj3uy v anb wxayduto9 stew! ounu 9 “europe v onb aluaysistos stew ony “OSIOAIp eUouHe 9 sonimuod op oseo 0 sey “warqanb as sosso snas so and tues ‘Souiwzrq $0198 wo soAquIaU snes so Wear0yO anb ogWO|E 1B as-s07e3 aajssod 9 :souLze) soso ur “argon 29s orayanbsa 0 ost woo onb tros ‘selueptisardms sorjayo wo svolt sagdonditem vaonord ‘ompzyuoo ojed ‘gutoye axeyuts y “erres4od ‘asenb 9 axetts ns zoxLnsar ounut 9 soauajo vs9iSus ensuyT eon ° oujesop 0 ‘eiougnbasuos wig “aite%sisuoD syeur WIpqLIE 2 Sopuioye o onb sojduiis steur orn 9 sg[Bur o1jonbso O (I) “soquou -jurod ojuod on1a0 ge sagSerepisuoo seusya ayunred ogdeziqensta, | “ouisie810 um woBo}01d sexes op savudosos0 svoseo enb eu ‘eypuoo ouioo 9 senduusod o 2 ‘ojtourtosazo wo OWS! “810 uin vyuoysns sesfa1 op orefanbso wn sreab sou ‘sopesqovien ‘owoo ogs s9{Su! o 9 oxmaye 0 :estaueut equdos wp epeziTensia aassnld WTA, yy (%

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