Professional Documents
Culture Documents
vamos
rir MAIS
Quanto menos vontade tiver de rir, mais deve fazê-lo.
se lhe faltarem motivos force uma gargalhada – o organismo
não distingue o riso natural do riso falso. e porque
um sorriso genuíno irradia luz, as fotografias desta
reportagem dispensam a cor.
Texto Teresa Violante
Fotos Filipe Pombo/AFFP
http://www.gingko.pt
E se de repente um desconhecido
lhe oferecer um sorriso enquanto Luís Segadães, presidente das 7 Maravilhas
está parado no trânsito? Retribua. Ele
pode estar a responder a um apelo Com ele não há desânimo
anunciado na rádio. Foi o que acon- Há palavras que não fazem parte do cardápio linguístico de Luís Segadães,
teceu no dia 4 de Fevereiro, quando Presidente das 7 Maravilhas, responsável por eventos como a eleição das 7
as principais estações portuguesas se Maravilhas Naturais de Portugal. Desânimo é uma delas. Segadães não padece desse
associaram em torno de um desafio: mal, e é tão optimista que nem tem o padrão do copo meio vazio, copo meio cheio.
colocar o país a sorrir. Às 8:00, às Para ele está sempre meio cheio.
9:00 e às 18:00 os ouvintes foram O sorriso é o seu cartão-de-visita. “Não faço um esforço nem há o objectivo de abrir
convidados a olhar para o lado e… portas, mas a verdade é que abre. Quando as pessoas irradiam ânimo funciona tudo
rir. O Dia do Sorriso recriou uma melhor. É contagiante”. E assim tem enveredado por projectos pioneiros e de grande
iniciativa brasileira que decorreu há dimensão, que revelam o lado sorridente, e tantas vezes esquecido, de Portugal. “As
uns meses na cidade de São Paulo. nossas iniciativas têm feito o país sorrir. Ao não dedicarmos a devida atenção a esses
Mentor de projectos
Objectivo? Estimular o riso e através patrimónios, acabamos por não tirar partido do efeito positivo que trazem”.
que fizeram o país
dele melhorar o ânimo de cada um Rodeado de pessoas bem-dispostas – “é impensável ter pessoas mal-humoradas
sorrir, como o concurso
de nós. E não é cliché: rir fomenta à minha volta” – trabalha com garra e um sorriso. E não alimenta lamúrias ou 7 Maravilhas Naturais,
o bem-estar físico e mental. “Esse conversas negativas. “Quando alguém diz que lhe aconteceu uma tragédia é quase Luís Segadães não
conhecimento não é novo, mas hoje inevitável que a outra pessoa diga ‘a mim também me aconteceu’. Isso é a última alimenta lamúrias:
é cientificamente comprovado”, coisa que faço! Então é tempo de contar algo positivo”. n se alguém conta uma
história negativa,
ele responde com
uma positiva
uns dos outros”, explica o actor. -nos mais com o outro quando rimos
Raul de Orofino é conhecido, sobre- com ele, quando é bom estar com
tudo, por levar teatro às empresas, ele”, afirma Catarina Rivero.
abordagem que desenvolveu no
Brasil e trouxe para Portugal há 11 Rir… de nós
anos. “O humor está ligado à produ- “O homem que não sabe sorrir não
tividade. A peça Mário, o teu humor deve abrir uma loja”, diz um ditado
está no armário fala de dificuldades chinês. E aquele que não ri de si
em lidar com mudanças, de como o mesmo terá mais dificuldade em
o humor
humor dá entusiasmo para enfrentá- enfrentar o dia-a-dia. “Tomarmo-nos aproxima
-las. Com humor pensa-se e produz-
-se melhor”. E aos poucos cai o pre-
a sério, e aos outros, sempre e em
todas as circunstâncias, aumenta o
as pesssoas
conceito de que quem ri é insensato stresse e diminui a capacidade de e fomenta a
ou pouco profissional. “Cada vez desdramatizar as coisas diárias da auto-estima
mais há empresas a proporcionarem vida, deixando que cresçam e ga-
aos funcionários programas de bem- nhem dimensões que não deveriam
-estar. Porque sabem que tornam as ter”, considera Helena Marujo. Rir mais benevolentes com os próprios
pessoas mais criativas. Envolvemo- de si mesmo alivia a tensão e confere erros e com os dos outros”, acres-
novas perspectivas às situações. As centa.
pessoas que o fazem não se entre- Rir ajuda a superar obstáculos.
gam ao extremo do perfeccionismo “Pessoas bem-humoradas têm
e da exigência, “o que as torna mais vitalidade e entusiasmo para
mais optimistas face ao futuro, mais enfrentar dificuldades”, observa Raul
aceitantes de quem são e como são, de Orofino. Mas “olhar com humor
não é dar gargalhadas o tempo todo”,
esclarece. Ser optimista não é negli-
David Santos, professor de filosofia genciar as dificuldades, mas antes
integrá-las no quotidiano. “É neces-
Rir aos ombros de gigantes sário evitar os pensamentos ruminan-
O que é que a filosofia tem a ver com o riso? Tudo. “Não se consegue construir algo tes”, aconselha Catarina Rivero, “e o
de novo sem rir do passado”, opina David Santos, doutorado em filosofia e professor riso ajuda a desdramatizá-los”.
na Universidade da Beira Interior. “A filosofia disse muitos disparates e conseguiu Nas acções que desenvolve, Raul
progredir porque determinados autores riram de tudo o que tinha sido dito”. de Orofino ensina a “comer humor”,
David ri quer na vida quer na universidade. Por isso justifica-se abrir um parêntesis para doses de boa-disposição que podem
explicar que ele cresceu num ambiente duro. “Toda a minha família tem de fazer muito ser usadas ao longo do dia, sempre
pela vida”. Ele não foi excepção. Aproveitou sempre as férias escolares para trabalhar, que preciso. E alimentar o bom
e entrou na faculdade com um objectivo: ser o melhor. Até chegar à docência fez um humor depende apenas de si. Uma
pouco de tudo: trabalhou numa livraria, prestou apoio informático num ministério, e foto do seu filho, a recordação de
esteve numa associação de táxis, fase que recorda como um “período negro”, vítima de um momento cómico partilhado com
terror psicológico. Nunca desistiu. E não perdeu a capacidade de rir. amigos, a anedota que um colega lhe
Na sala de aula David Santos não incita à piadinha fácil nem desdenha os caminhos contou ao almoço podem ser gatilhos
do saber trilhados por nomes como Aristóteles ou Platão. Pelo contrário. Mas só com de boa-disposição. Também a dieta
humor é possível, parafraseando Isaac Newton, colocar-se aos ombros de gigantes e ver alimentar influencia a vontade de rir.
mais além, fazer diferente e progredir. É quando se pensa fora da caixa, com base em “Um bom equilíbrio dos neurotrans-
Professor de filosofia, tudo o que já foi dito e experimentado, que se arriscam novos modelos e pensamentos. missores, derivado essencialmente
David Santos incentiva Apaixonado por leccionar, David atenta nas reacções dos alunos às suas aulas. E há da comida, propicia boa saúde
o riso na sala de aula.
uma que gosta especialmente. “Quando olho para um aluno e vejo aquele sorriso muito mental, pois influencia sentimentos
E há um sorriso que
particular, espécie de milagre e revelação”. O sorriso do entendimento. n de alegria e ansiedade, memória e
gosta particularmente
de ver nos alunos: o do
entendimento, espécie
de milagre e revelação
Gargalhadas no ventre
Beatriz Quintella é uma humorista precoce: “Descobri o riso na barriga da minha
mãe”. Descendente de uma família bem-humorada – “o que faz de nós um grupo
bastante coeso” – Beatriz soube desde cedo que queria trabalhar com crianças.
Ser palhaço não é uma opção, mas uma característica. “Nasci assim”. Presidente
da Operação Nariz Vermelho, Beatriz Quintella é a Doutora da Graça que visita
crianças hospitalizadas e distribui piadas e gargalhadas pelos doentes, familiares e
profissionais de saúde. “O palhaço está no hospital para que as pessoas riam dele e
de si próprias”. Porque, considera, o riso não cura, mas ajuda. “Não é levanta-te e ri”,
diz. Por isso Beatriz prefere o trocadilho “levanta-te rim!”. Consciente de que a vida é
dura – “se quer moleza, senta no pudim” – esta brasileira a viver em Portugal há 20
o riso anos procura manter um sorriso mesmo nas adversidades. “Se consigo sorrir, consigo
desdramatiza sobreviver” é o seu mote. E não tem dúvidas: “Nasci a rir. Vou morrer a rir”. n
problemas
e desperta promovem o riso e o bem-estar físico, falta de energia para sorrir. Mediante
soluções emocional, mental e espiritual. Há
18 anos a colocar aparelhos e a
cada caso entram em acção as téc-
nicas da ortodontia e do coahing. É
inovadoras mudar o sorriso às pessoas, percebeu “alinharmo-nos com a vida”, resume
que um sorriso bonito é um desejo Cristina Baptista. Por reconhecer que
funções cognitivas”, explica Mada- de muitos, mas que não se confina à o conceito é novo e complexo, a smi-
lena Muñoz, nutricionista na Clínica imagem estética de uma boca com le coach publicará este ano um livro
R’Equilibrius, em Oeiras, e através dentes brancos e alinhados. sobre esta abordagem. Os resultados
do site www.madalenamunoz.com. “Um sorriso perfeito tecnicamente são evidentes, em especial quando
E há nutrientes que potenciam o não é necessariamente um sorriso “mexemos no sorriso externo”, reco-
humor. A saber: hidratos de carbono belo”, diferencia. A sua beleza nhece. “Construímos sorrisos desde
complexos (pão integral, arroz, massa resulta também da vibração da que a pessoa permita construí-los
e leguminosas), ácido fólico (iscas, energia vital de quem ri. Então dentro de si mesma”.
amendoins, brócolos, alfaces, espina- Cristina Baptista enveredou por áreas
fres, bacalhau), ácidos gordos ómega complementares à medicina con- Remédio ou cura?
3 (salmão, atum, sardinhas), e zinco vencional e tornou-se smile coach. A crença de que o riso dá saúde
(ostras, carne de aves e marisco). Ela defende que é preciso trabalhar existe há milhares de anos. Na
Atenção ainda às vitaminas B3 e C. as três dimensões da boca (vertical, Grécia Antiga, em Atenas, tratava-se
transversal e sagital) mas também doentes com espectáculos musicais,
Gargalhada interior uma “dimensão mais espiritual ou peças de teatro e actuação de come-
“As crianças riem 300 a 450 vezes holística”. Afinal, “a energia é o diantes. Mais tarde, no século XVI,
por dia. Um adulto ri de 15 a 30”, motor do sorriso”, sublinha. E um eu Rabelais, escritor, padre e médico,
aponta Raul de Orofino. Para o bem- desequilibrado não produz um sor- receitava o riso como tratamento para
-estar de todos é urgente rir mais. riso bonito. Uma consulta de smile aliviar o sofrimento. “A alegria, de-
Em Lisboa, na zona de Belém, há coach assenta em trabalhar as duas fendiam os sábios da época, dilatava
um lugar onde se constroem sorrisos. vertentes do riso: física e interior. Há e aquecia o organismo, enquanto a
Cristina Baptista é médica dentista, quem precise de ordenar os dentes tristeza contraía e esfriava o corpo”,
especializada em ortodontia, e mem- com recurso a aparelho, mas tenha aponta Helena Marujo.
bro da direcção da Associação Sorrir, as questões internas bem resolvidas; Experiências mais recentes compro-
que disponibiliza actividades que outros têm uma boca perfeita, mas vam os beneficios das gargalhadas.
Sorrisos coloridos
Também no trabalho é preciso rir mais – o riso por livre e espontânea vontade”. Quando o trabalho
estimula a criatividade, logo, a inovação. A psicóloga motiva e dá prazer o envolvimento é maior e mais
Alice M. Isen, da Universidade de Cornell, nos Estados consistente. “A felicidade transforma as pessoas em
Unidos, fez um estudo que comprovou a correlação especialistas”, diz Nuno Pires. O gosto pelo que se faz
entre riso e criatividade. Um grupo de estudantes desperta interesse e vontade de fazer mais e melhor.
recebeu uma caixa de fósforos e outra de tachas, uma Qual é o segredo da Dyrup? Sem programas de recursos
vela e um desafio: fixar a vela no quadro de cortiça humanos que estimulem o sentimento de pertença,
de maneira a que, quando estivesse acesa, a cera Nuno Pires resume-o a um princípio básico: “Tratar
não caísse para o quadro. Os alunos que antes da as pessoas humanamente. Há um cuidado extremo de
prova visionaram uma comédia resolveram o problema garantir que as pessoas se sentem bem”. Orientada para
com maior facilidade (75%), enquanto apenas 20% o cliente, a empresa está também, e desde há muito,
dos estudantes que primeiro viram um filme de orientada para os colaboradores. Todas as semanas oito
matemática tiveram sucesso. funcionários tomam o pequeno-almoço com o presidente
E há empresas onde se trabalha com um sorriso de ibérico, momento privilegiado para troca de ideias.
orelha a orelha. A marca Dyrup, que se associou a esta Também fora da fábrica a Dyrup desperta sorrisos,
reportagem de capa dada a sua estratégia de motivação não só a quem compra as suas tintas – é sobejamente
interna, é um caso paradigmático. Com o mote “Happy conhecida a influência das cores no nosso estado de
colors, happy life”, dá cor à vida dentro e fora de espírito – como nas pessoas que ajuda através de
portas. A começar pelos colaboradores. “O maior activo acções de responsabilidade social em que participa.
é termos pessoas que gostam do que fazem”, sublinha Um bom exemplo é o apoio dado à Ajuda de Berço
Nuno Pires, director de marketing da Dyrup Iberia. Os quando se soube que a associação corria o risco de
números não deixam dúvidas: mais de 99% de taxa de fechar portas. Porque vidas coloridas são vidas mais
retenção. “Temos menos de 1% de pessoas que saem sorridentes. n
O médico norte-americano Patch sidente da Operação Nariz Vermelho. Provocada por um jornalista, um dia
Adams levou o humor para dento “Mas é mais fácil a pessoa curar-se Cristina Baptista respondeu que rir
do hospital, e o escritor, também se tiver atitude positiva e optimista”, ajudava mesmo a pagar as contas
norte-americano, Norman Cousins, remata. Raul de Orofino aprendeu, no final do mês: “Imagine que está
autor de Anatomia de uma doença, graças à terapia que fez no Brasil, a desempregado. Então, ri, liberta
contrariou o diagnóstico médico com rir das suas dores. E então percebeu endorfinas, sente-se bem e vai a uma
a visualizaçao de séries televisivas que “o humor é das coisas mais entrevista. Graças ao seu bem-estar e
cómicas. “Portador de uma doença sérias da vida porque é um meio energia contratam-no para trabalhar
degenerativa que lhe atacava a colu- para chegarmos ao nosso equilíbrio nessa empresa”. Os finais podem
na vertebral, os médicos deram-lhe e auto-realização”. E nunca deixa de não ser tão risonhos, mas viver com
poucos meses de vida. As risadas rir. Assim tem superado momentos um sorriso nos lábios é uma boa
e o bom humor que auto-medicou difíceis como a última crise econó- estratégia. Para quem sorri e para
garantiram-lhe mais 15 anos de vida mica, que lhe causou um arrombo quem o rodeia. Raul de Orofino deixa
do que o estipulado medicamente”, de 70% no rendimento. “Em três um pedido: “Quem nos criou dotou-
recorda Helena Marujo. meses resolvi tudo e voltei ao mesmo -nos deste riso. Usemo-lo”. n
Será que rir é mesmo o melhor patamar”. O segredo? Viver centra-
remédio? “Dizer que o riso cura é le- do no presente, sem se preocupar
viano”, aponta Beatriz Quintella, pre- (ocupar-se antes do tempo), e sorrir.