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Resumo
Abstract
The objective of this study is to understand the urban representations on public
space as constructed by the Rio De Janeiro’ former Mayor, Cesar Maia. Based on a
discursive analysis, we will discuss how he creates a image of the city through the
opposition between order and urban chaos; and a atribution of universal statute to
middle classes urban values. We will argue that this analysis contributes toward making
evident certain understandings of the city and its interdependences with public policies
and urban conflicts
Keywords: public space, representations, urban policy, Rio de Janeiro, Cesar
Maia.
1. Introdução
A literatura sobre sobre os projetos de espaço público nos faz deparar que as
visões dos agentes políticos são consideradas na maioria das vezes como estrategias de
marketing político ou como manipulações disorsidas para ganhar legitimidade, que
escondem o interesse ‘real’ de beneficiar os grandes capitalistas. Por exemplo Carlos
Sartori, no seu análise do programa Rio – Cidade, adverte que as categorias de espaço
público, ordem urbana e cidadania, como apresentadas pelo prefeito Cesar Maia, na
verdade correspondem à estrategia de city marketing e empreendedorismo urbano
(SARTOR, 2001, p. 75)
Se bem não parece boa idéia ser ingênuos e desconhecer os interesses, também
achamos que desestimar os sentidos e interpretações dos agentes urbanos significa
simplificar o trabalho científico. Mais do que um problema de natureza política com o
qual podemos ou não concordar, o que está em debate é o conceito de realidade e da
representação sobre a cidade que permeia a construção de conhecimento. Na visão de
Sartor e dos autores mencionados encontramos que existe uma idéia dicotômica da
‘realidade’ e da ‘ideologia’, produto da herença da lógica dialéctica marxista. Assim,
nessa perspectiva, a intencionalidade, os valores e crenças são produto de uma
consciência alienada e falsa. Enquanto a realidade é uma essencia que está além do
sentido atribuido a ela pelos agentes a suas ações, dado que está determinada, na última
instância, pelas condições materiais e os interesses econômicos dos poderes dominantes
de uma sociedade
Acreditamos que as relações entre a ‘realidade’ e ‘representação’ são muito
mais complexas do que é reconhecido pelo marxismo e as teorias críticas. Mais do que
espelhos da realidade urbana, as representações seriam então construções sociais,
modelos a partir dos quais os agentes agem, interpretam e interagem com outros. Essa
perspectiva de análise é proposta por autores como Rob Shields (1996) e James Duncan
(1996), para os quais as representações sobre a cidade, tanto as produzidas pelos
acadêmicos, como pelos planejadores e demais agentes urbanos, não são simplesmente
fições, mas metáforas que sintetizam a complexidade da cidade. Assim, de acordo com
Shields:
Urban representations characterize not only academic theories but also the
understandings fo cities used in politics, planning and business investment.
Representations are not simple fictions. If they are exposed as poetics, they are
poetry written with people’s interactions, social events and economic exchanges.
The measure of success of a study of urban representations will lie in its fecundity
to integrate theory with everyday practice and to generate new understandings and
to transcend old dead-ends, such as the dualistm erected between urban
representations and the ‘real city’. Raher than discard the urban because of its
spatial hybridity; rather than disapprove of representations because of their
treacherous selective vision of the city, we need to construct multi-dimensional
analysis which, rather than imposing monological coherence and closure, allow
parallel and conflicting representations to coexist in analysis (SHIELDS, 1996, p.
245)
E nesse mesmo sentido que Duncan tenta demonstrar que até os modelos
científicos, cujos autores acreditam estar despojados da influência das ideologias, estão
construidos sobre essas mesmas representações da sociedade e do seu espaço. O autor
também salienta o problema da fragmentação e incerteza que subjace nessas
representações, não como sua fraqueza, mas como seu potencial e riqueza para a
compreensão da cidade. Para Duncan:
What do we mean when we say that we represent the city? Since a representation
cannot, of course, literally reproduce the whole of what it seeks to represent, the
interpretive process necessarily entails a selection and a movement- back and forth
from presences to absences, from an area of experience which is felt to be
understood, to one that is cognitively less secure (DUNCAN, 1996, p. 254)
Esta visão caótica da realidade constitui a base sobre a qual ele vai propor o
ordenamento da cidade, a adequação e controle dos espaços públicos. Essas ações,
segundo ele, devem ser sustentadas na transformação das práticas políticas da cidade. A
ordem, como um estado desejado é apenas possível mediante a renovação das elites
políticas populistas, muitas delas de esquerda, por novos representantes políticos que
devem se caraterizar por seu perfil técnico, sem pretensões ideológicas. Assim, quando
faz referência ao seu trabalho como prefeito e às críticas a sua posição ideológica, Maia
assinala “E eu sou um político de centro. Quer dizer, as atividades-fim da prefeitura são
de nítido caráter socialdemocrata. Como trabalho com técnicos e não com políticos,
nas atividades-meio há esse caráter de corte mais liberal. As pessoas que pensam de
forma liberal são justamente as gestoras das atividades-meio”. (MAIA & LISBOA,
2004, pp. 86-87).
Ordem e desordem são então categorias que sinalizam e delimitam as práticas
dos agentes urbanos em termos do espaço e do tempo. Um antes caótico, fundamentado
em práticas anômicas promovidas pelas elites populistas que criam espaços privatizados
e sem planejamento e controle; e um presente, que corresponde a seu periodo de
governo, onde se avança no caminho da ordem. Essa ordem entendida como espaços
urbanos limpos, seguros, abertos e regulados, para a integração dos cidadãos, tudo isso
como produto da ação de técnicos, pessoas sem filiações políticas fortes.
O uso de essas categorias de ordem e caos teria sido criticado por Carlos
Sartor, na sua análise do projeto Rio – Cidade. Para ele, essa visão dictomómica do
prefeito não permite compreender as problemáticas de desigualdade urbana. Assim, elas
teriam a função de justificar uma estrategia de reestruturação da imagem da cidade para
atrair capitais, baseado em uma visão estetizante dos problemas urbanos. Segundo ele:
Portanto, podemos propor que o conteúdo das dicotomias ordem e caos estaria
baseado nos valores das classes médias com as quais se identifica, e para as quais busca
propor seu projeto político. Seu uso expressa quais são as escolhas de Maia em termos
de modelos de cidade, de acordo com sua posição como agente na sociedade carioca.
Manifesta quais são as valores do prefeito, suas idéias estéticas, sua idéia de um espaço
desejável e dos modelos de sociedade que prefere.
Um dos aspectos que mais chamou nossa atenção nos discursos do prefeito é
como ele constróe uma análise da cidade e do espaço público apartir da universalização
do que ele considera são os valores e preferências da classe média carioca. Maia parte
da idéia universal de que a cidade moderna e seu espaço público é o ambiente dos
cidadãos livres e iguais, mas achamos que transpõe essa condição para aqueles cidadãos
que pertencem às classes médias da cidade. Dito de outro modo, os valores, práticas e
crenças das classes médias representam o interesse geral da cidadania, o sentido do
público. Tentaremos ilustrar como funciona esse processo.
Como falamos acima, para Maia a base social e as políticas dos governos
anteriores estavam orientadas a atender as demandas de setores como os habitantes das
favelas, aos quais permitiam ocupar solos urbanos sem restrição; os trabalhadores
informais e camelôs, aos quais deixavam instalar suas barracas; os transportadores e
donos de vans e transporte informal, que funcionavam sem controle; e aos moradores de
rua, que dormiam e ocupavam as ruas, praças e marquises. Os efeitos dessas políticas
eram a progressiva privatização dos espaços públicos, e pelo tanto, a exclussão da rua
dos trabalhadores, pedestres, idosos, crianças, donos de carros, donas de casa. Mas
também, implicavam um abandono da ação estatal de aquelas áreas consolidadas, como
a zona Sul, que não recebiam investimentos para atender suas necessidades. Segundo
Maia essa estrategia foi errada:
A estrategia proposta por Maia para o Rio supõe uma transformação do foco da
política pública, se orientando a fortalecer o sentido do público no espaço urbano, para
devolver as ruas para aquel a quem pertencem: o povo. Mas quem é esse povo? Para ele
corresponde a uma massa indeferenciada, que procura se mimetizar nas ruas, se proteger
no anonimato. Deste modo, as práticas que buscam a diferenciação, a exclussão e a
auto-segregação são privatizadoras da cena pública, e atentam contra a ordem
normativa. A criação de condomínios fechados pelas elites e de favelas e becos pelos
pobres representa a tentativa de gerar relações de desigualdade. Para Maia:
A idéia de movimento de massas e mesmo a idéia do povo, como a que temos no
século XX, é indissociável da oferta e da existência de espaços públicos. A
abertura de espaços urbanos para a mobilidade econômica e social das pessoas,
numa economia cuja lógica impõe esta mobilidade, desenvolve dá consistência à
noção de público.
...Vamos citar Marshall Berman em suas reflexões sobre a cidade moderna “as
pessoas assumem o controle da matéria elementar da cidade (a rua) e a tornam sua”
“as ruas pertencem ao povo”. (Poderíamos parafrasear Castro Alves e completar: ...
como os céus ao condor”). O caótico modernismo dos bruscos movimentos
solitários cede lugar a um ordenado modernismo do movimento de massas.
(MAIA, 1992, pp. 26-27)
Para devolver as ruas ao povo, seu hábitat natural, Maia concebe duas
estrategias. A primeira consiste em recuperar, restituir e qualificar as áreas da zona Sul,
que tinham sido abandonadas anteriormente, objetivo que corresponde ao projeto Rio-
Cidade. A segunda, abrange um conjunto de ações dirigidas a ‘integrar’ as ocupações
informais no âmbito da legalidade nas condições do que ele considera o que dever ser
um bairro. Ao falar sobre as críticas a sua gestão urbana, e ao que ele denomina a
ALMA da cidade, Maia assinala:
Mas a percepção política, por conta das próprias polêmicas geradas na mídia
espontânea, estava concentrada nos importantes programas de integração urbana e
reconstrução de espaços públicos, cunhados como Rio-Cidade e Favela-Bairro.
Ambos eram dirigidos à ALMA da cidade. Ou seja, à sensação de pertencimento a
partir de condições urbanas adequadas, à reconstrução da dimensão pública dos
espaços urbanos, degradados pela “oferta de rua” e de desordem urbana que
caracterizam o PDT, dirigidos, enfim à integração sócio-urbana” (MAIA, 2004, p.
32)
Ao se refletir como ele quer ser lembrado pela posteridade, Maia aponta novamente as
idéias de integração social dos pobres e de qualificação das áreas onde moram as classes
médias, particularmente na zona Sul e as áreas denominadas consolidadas:
...Estarei satisfeito quando verificar que a classe média está mais estabelecida em
bairros que vinham se desintegrando e que foram recuperados com intervenções
cujo objetivo consistia em amenizar um afunilamento em direção à Zona Sul e à
Barra da Tijuca. Mais ainda, com esse perfil social completo: classe média,
trabalhadores assalariados e pobres morando juntos, como acontece na Zona Sul. A
partir daí teremos atingido nossos objetivos... Quando eu presenciar serviços
sociais de entretenimento nessas regiões poderei ter essa noção. Quando vir uma
cidade ocupada em toda a sua dimensão, com qualidade de vida, poderemos
garantir que o turista vem, porque o próprio carioca se sente bem na sua cidade
outra vez... (MAIA & LISBOA, 2004, p. 37)
4. Bibliografia
BORJA, J., & MUXI, Z. (2003). El espacio público: ciudad y ciudadanía. Barcelona:
Electa.
BOYER, C. (1992). Cities for sale: Merchandising history at South Street Seaport.
In: M. Sorkin, Variations on a theme park. The new american city and the end of public
space (pp. 181-204). New York: Hill and Wang.
LOW, S., & SMITH, N. (. (2006). The politics of public space. New York: Routledge
Taylor & Francis Group.
MAIA, C., & Lisboa, L. C. (2004). Maia, César. Rio de Janeiro: Editora Rio e
Universidade Estácio de Sá.