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A CRITICA POS-MODERNA/ POS-ESTRUTURALISTA NOS ESTUDOS DE RI 5.- A CRITICA POS-MODERNA/ POS-ESTRUTURALISTA NOS ESTUDOS DE RI O principal objetivo dos criticos pés-modernos/pés- estruturalistas é demonstrar como as teorias dominantes tornaram-se ‘umdiscurso depoder estatal reproduzido por redesde poder/sabera fim de disciplinarizar 0 que seria ou nao conhecimento legitimo ~ ¢, portanto, temas e problemas legitimos - em RI. Seu grande desafio reside em reconduzir a ética ao centro da pratica politica, propondo repensar as anilises de relacdes intemacionais ede politicaexternade forma altemativa. Em especial, eles procuram fugir dos postulados racionalistas, positivistas e materialistas reproduzidos pelas teorias dominantes, queconcebem politica externacomo reagao, por parte de Estados com identidades pré-determinadas e interesses estaveis, as forcas fisicasqueatuamemobjetosmateriais, partindodoexterior. Decerta forma, oscriticos rejeitama nocao deque oimperativo da busca pela sobrevivéncia do Estado em um mundo fisico independentee hostil deva orientaras opcdes politicas. Paracles, esse tipo de entendimento, ainda preso a “camisa-de-forca vestfaliana’, toma como dados conceitos ¢ categorias que pés-modemos/ pos- estruturalistas .querem problematizar. Assim, as anélises tradicionais sobre relagdes internacionais, sejam elas produzidas no marco neorrealista ou neoliberal, estariam mais preocupadas em formular lidade modelos explicativos, generalizar postulados e gerar previ doque,efetivamente, promoveraéticadaliberdade. Dito de outra forma, asandlises tradicionaisaindabuscamo tal “ponto arquimediano” para ancorar andlises € recomendagies de 68 ROBE EIR policy, 0 que as torna deficientes, incompletas, insatisfatorias ¢ fadadas a reproduzir desigualdades. Adotando a classificacao de Lynn-Doty (1998), sao andlises orientadas por perguntasdo tipo” por qué?” devido asuapreocupacioemcompreendera motivagaodeum comportamento especifico para que seja possivel prever sua recorréncia no futuro, Sua motivacdo de fundo limita-se, portanto, a “calcular a probabilidade de determinado resultado ou comportamento politico” (LITTLE, 1991:4) A rejeicao de tal abordagem tradi partir dacritica que fazema um conceito-chave para a dreadeRI: 0 de nal se torna mais clara a “interesse nacional”. Presas a uma nogio pré-determinada, fixa, estavel e monolitica do que seria “interesse nacional”, as anélises tradicionaisde politica externa naoconseguem conceber os processos sociais de construgio do Estado, dos interesses, do. sistema internacional edapropriarealidade, Por taisrazdes, elasreproduzem, emsuaesséncia, olegado deHans Morgenthau, que definiainteresse nacionalemtermosdepoder. Para oemigréconsiderado umpatriarca dos realistas,anogaode interesse nacional deveria ser seguida como’“o principal indicador” para que o tomador de decisées pudesse “achar seu caminho através da paisagem da politica internacional” (MORGENTHAU, 1978: 5). Seu contetido, afirma Morgenthau, deveria ser inferido da anarquia, do carater de autoajuda do sistema internacional. Assim, presos no “dilema da seguranca” (HERZ, 1951), os Estados deveriam deduzir racionalmente sets interessesnacionais, cujos objetivos deveriam ser sempre orientados para “proteger sua identidade fisica, politica e 69 cultural contra a intromissao de outras nagdes” (MORGENTHAU, 1951972). No entanto, para os criticos em geral, a proposicao de Morgenthau era por demais vaga. Como bem aponta Sonderman. (1987:60), oconceitoé’ muita coisa”. Postular que os Estados buscam sua sobrevivéncia em, muitoextenso, muito geral, muitovagoeinelui ‘um ambiente hostil e que deveriam, portanto, identificar e perseguir seus interesses nacionais, ndo oferece muito em termos das escolhas especific expressao “identificar € perseguir os interesses nacionais” acaba virando uma caixa vazia e despida de qualquer “contetido substantivo” observaRosenberg(1990:291) Defato, a logica da existéncia de um interesse nacional pass que confrontam 0s formuladores de politica externa. A vel de identificacao racional eobjetivase baseia nasuposicao, vistocomo incorreta pelos criticos pés-modemos/ pés-estruturalistas, de que a realidade seja um dominio independente e acessivel a observadores; de que haveria algo chamado “interesse nacional” que pode ser identificadoe perseguidoporpoliticasadequadas. Conformesustenta Jutta Weldes, osinteresses, assim como realidade,atores e poder, nao seriam autoevidentes: “objetos e eventos ndo se apresentam sem problemas ao observador", todos seriam “produto de interpretacao, desubjetividade” (WELDES,1996:279). Para os criticos pés-moderos/pés-estruturalistas,arecusa das anilises tradicionais em problematizar conceitos, categorias realidades indicam justamente aquilo que Luttwak (1994) havia identificado como“o preconceito iluminista” inerente ao realismo e 70 SE SRST stlas revisdes posteriores. Tal preconceito teria feito que uma geracao de académicos de RI privilegiassem andlises do tipo “por qué?” devido & premissa estratégico-racionalista presente nos discursos realistas eneorrealistas quedominavamadreadeRI. Mesmo concordando, em parte, com a proposta construtivista de Wendt (1992, 1999) para o “dilema agente/estrutura”, especificamente com sua concepgio de coconstituicao entre identidades e interesses, os criticos entendiam que seria necessario rejeitar a nogao do imperativo de sobrevivéncia do Estado devido a existéncia de uma suposta estrutura andrquica do sistema internacional. escrever que “anarquia ¢ 0 que os estados fazem dela” (WENDT, 1992; 395), ele defende que a estrutura andrquica que os neorrealistas eos neoliberaisdizem determinar ocomportamentodos, Estados seria uma construgao social”, Rejeita-se, assim, conceber politica externa com base na existéncia a priori de uma“realidade 14 fora”, cuja estrutura seria predeterminada como andrquica, com Estadosacabadoseeternos, dotadosdeidentidadeseinteressesfixose imutaveis, A possibilidade para aco nao se encontra na realidade (a estrutura), nemnos Estados (os agentes), mas na interpretacao e nos significadosquelhessaoatribuidos. Com efeito, conforme define Weldes (1996: 280), a nocd de interesse nacional seria uma“construcdo social convertidaem objeto de significado com base em significados criados intersubjetiva culturalmente por meio dos quais se compreende © mundo e, em especial, o sistema internacional ea posigdo que os Estados ocupam nele”. Ela argumenta ainda que “o interesse nacional emerge das mn (Gotan representacées através das quais diplomatas e servidores ptiblicos compreendemomundo", Comoissoacontece? Recorrendoa umuniversodeelementosculturaise linguisticos disposi¢éo no mundo, criam-se representacdes que constroem objetos (ex.:Estados, interesses, formuladoresde politica, instituicoes, atores ndo-estatais, movimentos sociais etc.) ¢ atribuem-Ihes uma identidade (@ «: agressivo, cooperative, hostil, pacifico, nao- ameacador, revisionista etc.) que pareca accitavel ¢ razoavel. Ao imaginarmos um Estado qualquer que tenha sido s construido como agressivo as democracias ocidentais, por exemplo, ialmente toma-secomorazodvel eaceitavel presumir queelesealiassea outros regimes totalitarios. Quando uma determinada representacdo das relagdes internacionais é formulada, ela 6 povoada com objetos, ao mesmo tempo em que recebe identidades.O sistema de representacdes e de significados entao resultante define a identidade (agressivo a democracias) eocomportamentodaquele Estado (buscaralianga com regimes autoritérios). © interesse nacional recebe contetido € significado no momento em que é transformado em objeto de interpretacdo, de discurso. Assim, como jéargumentou Wendt (1992: 398), se “as identidades esto na base dos interesses" e se essas S40 fruto de processos de significacao ¢ interpretacdo, prescinde-se de teoriasqueesclarecama “estrutura intersubjetivamenteconstruidade identidadese interesses” dos Estados (WENDT, 1992:401). Entretanto, para criticos pés-modernos/pés-estruturalistas, Wendt deveria ter incorporado mais do que somente os elementos 72 Acca esuguama rosea SAS OS ideacionais e materiais em sua refle 40 sobre a relacio de coconstituicdo entre estruturas e agentes. Sua reflexdo deveria se estender, necessariamente, ao campo do simbélico em termos de producio de significados de forma a recepcionar subjetividades miitiplas, Por taisraz6es,decidem oscriticosbuscaruma abordagem queconceba uma realidade na qual os objetos, os sujeitos e as agbes possuam significados € que reconhesa a natureza instével € performética das identidades que Ihe sao atribuidas. Em outras palavras, deve-se optar por uma abordagem capaz de dar conta daquilo que Foucault (1972: 49) caracterizou de “praticas que sistematicamente formam 0s objetos sobre os quais falam”. Ou seja, ‘umapritica de andlise de RI que leveem contao papel dos discursos como praticas sociais de (re)producao de significados e de representacdes. Por tais razbes, a critica pés-moderna/pés-estruturalista se recusa a pressupor a existéncia a priori realidades, agentes ¢ interesses,oua privilegiar determinados individuosoucoletividades como loci de significacao. Ao invés disso, apontam para a autonomia da linguagem na construcio social da realidade e dao destaque as formas elas quais estruturas, agentes ¢ identidades sio construidos dentrodepraticasdiscursivas. Além disso, a0 adotarem umanogao foucaultianade poder, si0 capazes de operceberem paraalémdameraexpressaodecapacidades materiais dos agentes, superando uma grave deficiéncia do legado ‘waltziano, Finalmente, ao serem capazes de enxergarnos discursosa principal agéncia na construgao das realidades, os criticos pés- 73 e modernos/pés-estruturalistas se revelam melhor equipados para responder satisfatoriamentea perguntas do tipo“como?”:comouma determinada realidade 6 produzida e comoela cria as condicdes de inter possibilidade de estruturas ses ¢ politicas. Esta é a principal contribuigioque autorescomo Richard Ashley, R.B.J. Walker, David Campbell, JamesDerDerian eMichael Shapiro oferecema area deRI, conformeveremosnassecdesa seguir. 5. ASHLEY EADESCONSTRUCAODOCONCEITODE ANARQUIA, Ashley ahaviadespontadocomobrilhante teGricodeRInadécadade 1980, emgrande partedevidoasuacriticaaoneorrealismo (ASHLEY, 1984). Contudo, set trabalho ainda se encontrava mais pr6ximo da Teoria Critica do que do pés-modernismo. Seus artigos posteriores dedicadosa geopolitica (ASHLEY, 1987) ea probleméticadaanarquia (ASHLEY, 1988) indicavam uma répida e firme aproximacao com 0 p6s-modernismo™, 0 que se efetivaria com a inclusao de seu artigo (ASHLEY, 1989) na primeira coletanea reconhecidamente pos- moderna/ p6s-estruturalistana éreade RI (DER DERIAN; SHAPIRO, 11989). Inspirando-seem Foucault, Ashley problematizaa relacdoentre osaber te6rico da éreadeRI eo exercicio do poder por parte decerto tipo de sujeito, julgado como competente e racional, ator tinico ¢ privilegiadonasrelacdesintemacionais: Estado.” Ashley desenvolve o argumento de que, ao aplicar o logocentrismo tipico do pensamento ocidental,a rea de Ricria um mundo dividido em duas esferas opostas a internacional e a doméstica ~ distintas € 74 Meme RA irreconcilidveis devido a sua natureza, A area produz € consolida discursivamente uma visio da politica modema articulada com base na dicotomiasoberania/anarquia, que se torna central para viabilizar © proprio projeto da moderidade, Sua proposta é desconstruir 0 discursotradicional deRI,especialmente oconceitodesoberania, para demonstrar como as dualidades expressas por esse conceito terno/externo, cidadio/estrangeiro, ordem/desordem ete.) nao saonaturais,légicas, imutaveis,e simhistoricamentecontingentes. Ashley viao Estado engajado em continuas praticas de reafirmacao de manutencao de sua posicao privilegiada, que ele denomina de “praticas heroicas” ,cuja mensagem aos individuos seria a submissao racional ao Estado soberano em troca de ordem, de estabilidade, de protecio e de previsibilidade ou entao 0 mergulho na incerteza, na imprevisibilidade, na desordemena violencia da anarquia. Assim, a formacao discursiva por ele apontada atribui simultaneamente a Estado um elenco de caracteristicas positivas e & anarquia, seus opostos negativos. Nesse sentido, 0 Realismo ¢ suas vertentes, ao incorporarem essa légica em seus discursos, reafirmando o Estado como tinica solugao possivel para os individuos, reproduz.a“pratica heroica” dereafirmacaodoEstado. Ao propor a desconstrucio dessas praticas heroicas, Ashley retira do Estado suas caracteristicas de entidade estavel, hamogénea, unitaria, ahistorica eimutavele problematizao propriofundamentonoqualele se sustenta (a dicotomia anarquia/ soberania). Ele argumenta que 0 discurso da area de RI se caracteriza pela transferéncia das contradicSespresentes dentrodascomunidadespoliticas paraaesfera 75 externa, transformando as diferencas dentro das sociedad Estados, legitimandoa existénciade um poderestatal em diferencasentre soberanoe unificadoparamanterasesferasseparadas. Ashley colocaemevidénciacomo odiscursodasoberania apresentao Estado como entidade sem origem, sem passado. Nesse sentido, ele fala comoaarea de RI seesforcaemesquecer quea origem do Estado esté ligada a propria origem do processo de formacao do sistema internacional, Dessa forma, ele denuncia o Estado como construcio historica econtingente aespecificidades,endoumdadonatural Em sua critica a caracterizacao de Waltz (1979, 2004) para as relacdes internacionais—“o homem, 0 Estado ea guerra”, Ashley (1989) aplica © método da desconstrucao de Derrida para mostrar de que forma Waltz desenvolveu uma teoria da Historia com base em um procedimento logocéntrico. Seu ponto de partida ¢ identificar como eleconcebiao“homem’ em oposicao diretaa“ guerra’, privilegiando oprimeiro sobre osegundo. Waltzentendiaohomemcomoumser de identidade pré-estabelecida e racional, enquanto que as esferas da anarquia e da guerra eram representadas pela auséncia de racionalidade. A racionalidadedo homemocidentalsomente atingeo statusde soberano ao caracterizar ocaos como seu oposto necessario, Com efeito, a racionalidade humana de Waltz exigia 0 caos para ser soberana. 76 5.2- WALKER E A DESCONSTRUCAO DA DICOTOMIA “INTERNO/EXTERNO” Robert Walker, que repetiu movimento semelhante ao de Ashley ao se afastar da Teoria Critica para s aproximar do pés- modernismo/ pés-estruturalismo, dedica-se a criticar 0 realismo e 0 conceito desoberania,além deexaminararelacaoentre teoria politica ¢ teoria de relacdes internacionais. Em seus primeiros textos“, ele busca apontar como nossa imaginagao politica foi discursivamente atreladaa figura do Estado, sendocircunscritaasfronteirasterritoriais, do Estado soberano. Apenasno Estado 6queosindividuostomam-se sujeitos e cidadaos, e somente como cidadaos, dotados de direitos e deveres, 6 que eles se viabilizam como seres humanos. Nessa representacao do mundo, o pertencimento dos individuos a um Estado e sua localizacdo dentro de um territ6rio nacional demarcado definemsuaexisténcia e identidade, Daia importancia parao Estado desuaprerrogativaem “produzirfronteiras” em delimitarquemesté dentro ow fora delas. O discurso do espaco do Estado exclui e inclui praticasecorpos,delimitando oprépriosujeitomodemo. Walker volta-se, entao, para a relacio entre as_teorias inte macionais e a teoria politica. Ele busca entender 0 paradoxo de ‘umaarea queinsiste em localizar na politicado poder omarco de sua especificidade. Em tempos de globalizacao, fluidez e aceleracao da relacdo espaco-tempo, além de porosidades de fronteiras, 0 espaco territorial privilegiado inventado pela modemidade na figura do Estado se encontra sob tensao, argumenta. Entretanto, teorias de RI 77 Ge insistem em privilegiar esse ator por meio dediscursosqueconstroem permanentes ameacas a stia sobrevivéncia, além de nao problematizarem 0 caréter absoluto da suposta soberania estatal (WALKER, 1993:3-4). A grande inovagao de Walker reside no d ocamento dos pontos principais de discordancia da esfera da politica internacional paraa dateoria politica geral. Para Walker, enquanto a esferapolitica domésticaérepresentadacomoodominio do progresso eaorigemda cidadania e da ética, a esfera internacional & descrita como um ambiente andrquico, despido de comunidade, de progresso e de valores, Essaimagemconstr6io internacional como sendo divorciado daética e condenadoa repeticao ea reincidéncia, sem progresso, sem, evolucao”, Suacritica reconduzateoriadeRIaseucontextooriginal:a teoriapolitica, Ao d separacao entre ambas esferas, ao mesmo tempo em que converte tal separacéo no argumento constitutivo do pensamento politico moderno, Walker chama atencao para como a area de RI nasce € beres em RI stacar como 0 discurso dominante em RI efetua uma brevive de dicotomias € exclus6s s. A producio de s seria, assim, uma pratica de reproducao de diferencas: utopia/realismo, identidade/diferenca, dentro/fora, comunidade/anarquia etc. Demonstrar 0 carter historicamente constituidoecontingente dessascategoriasseriauma formadectiticar os processos de reificacdoemcursoemRI. A ptépria separacao conceitual entre Teoria Politica e Teoria Internacional serviria A manutencao do privilégio daqueles que se 78 Meer er beneficiam da ideia desistema internacionalconformeconcebidahoje, argumenta Walker. A separacio entre ode “dentro” eo de“fora’ =o nacionaleo internacional-leva-nosapensarqueaéticasomente pode ocorrer dentro do Estado, enquanto o internacional seria o lugar da amoralidade, ja que 6 anarquico. Para Walker, a separacao entre 0 interno e o externo, identificando-se o primeiro com a ordem e 0 segundocomaanarquia,seriaa principalcaracteristicadodiscursoda RI.A pritica dessa alsa separacao estaria impedindo a aco ética no espaco internacional, pois esse & sempre evocado como “terra de ninguém" ondeéa forcaquedetermina ocomportamento. Corroborando as ideias de Walker, eis a argumentacao de Der Derian (1995: 5)sobrea faltado pensamento éticonateoriana pol internacional: Aceitaro realismo, como fez a teoriainternacional, comoo reflexo mais do que a constructo da politica mundial, foi aceitar ascoisasdojeitoqueelaseram:asnecessariamente dadas condigéesdeanarquine (aomenosem sua primeira {forma inglesa) do mal; a permanéncia da alienagio ¢ a ‘angio para usar aforcacontraela; ea universalidadede uma vontadede poder que seduziu ashomens deestadoe oscandidatosaconselheirodoprincipe. Comoresultado,a teoria internacional, muito frequentemente, seguiu os caminhos da menor resisténcia ética ao fatalismo, ao dogmatismoeaocinismo. Alem de argumentar que a exclusio da ética do espaco internacional éinerenteaoentendimentodaordem internacionalcom base em teorias tradicionais, os pés-modernos/pés-estruturalistas 79 Qe também analisam como a preservacao da ideia de Estado se faz nece ria a0 discurso ortodoxo, pois ele é a representacio maior da separagaoentreoespacomoralorganizado eaanarquia, Odiferenteé excluidodo interiordosEstados pelaconstrucio de umacomunidade politicaquesedefineporsuauniversalidadeeporsuacoesiointerna, Independentemente de como sio conhecidas e apresentadas, necessério abrir espaco para as praticas de reflexdio como objetivo de ctiticar e problematizar o dualismo presente nosalicerces da ciéncia modema,Paratanto, asdicotomia \spresentesnosdiscursoscientificos dominantes, sobretudo na drea de RI tém sido examinadas em seus contextos especificos de forma a expor stia natureza contingente, arbitraria e autoritéria. O desnudamento do caréter contingente dessasdicotomiasnosabrecaminho para refletir de que forma modos de subjetividade, de objetividade ¢ de conduta sio construfdos impostos na cultura ocidental moderna (ASHLEY; WALKER, 1990: 264). Walker (1993) identifica trés maiores trata como eternas e dadas diversa deficiéncias da drea de RI: (1) categorias e dicotomias que seriam, na verdade, historicamente construidas e, portanto, passiveis de mudanea; (2) peca ao nao considerar as formas como © mundo politico, nacional ¢ internacional estaria mudando devido as transformacdes da p6s-modernidade; ¢ (3) exclui, ou elimina pelo ncio, teorias e praticas alternativas que poderiam permitir uma. melhora na condicgo humana nos niveis local, nacional internacional. Daiseuchamado parao“abandonodacamisa-de-forca te6rica” que funcionasobonomede“Estado-nacao” eparaabuscade 80 umcontetido novo, mais plural e democratico naandlise das relacdes internacionais. Em sua obra mais recente, Walker (2010) confronta as formas modemasde politica osindividuos, osEstados soberanose osistema internacional) com 0 “natural, divino ou pré-modemo” que foi excluido da politica a fim de possibilitar a construgio da autoridade soberana moderna. Para Walker, a possibilidade de uma realidade foradaquelas formas privilegiadasdeorganizacao politicamodernaé que daria sustentagdo e estruturacdo as relagoes de inclusao ¢ de exclusdo da ordem politica moderna. Para romper com tal l6gica, Walker indaga-se sobre as possibilidades de novas concepgdes de soberania, subjetividade, fronteirase limites queevitema reproducio automaticadepraticasdeexclusaoeinclusao, 81 5.3 - CAMPBELL E A PROBLEMATIZACAO DO CONCEITO DE POLITICA EXTERNA Igualmente preocupadoem fugir da reificacao dosconceitos de Estado, anarquiae politica externa, oaustraliano David Campbell,em uma obra dedicada & politica externa norte-americana (1998a), props ido genealogicamente a fim de entender como, pelaconstrucao discursiva do“ externo” as praticas depolitica externaacabam (re)produzindoaidentidadedo Estadoe reafirmando ea pensar 0 a necessidade de sua propria existencia. Sua grande contribuicdo reside na inversao da visao tradicional da area de RI, que tendia a conceber politica externa camo produto de sua constituicio doméstica®, isto é, como construtora de pontes entre entidades separadas epré-existentes. Em seu argumento, ele postula que os Estados absolutistas se sustentavam na nocao transcendental do poder de Deus conferidoao soberano, cuja ideia, porém, perde entido no mundo modemo e secular, povoado por Estados nacionais construidos com base em nacionalismos ¢ em projetos de identidade nacional. Na pos- modemidade, essas identidades, até entao consideradas rolativamente estiveis ¢ fixas, encontram-se sob ameaca. Num movimento de autodefesa, os Estados passam a submeter seus cidadaos a “discursos de perigo” ea priticas de “evangelizacao do medo” para reforcar fronteiras, excluir o diferente e disciplinarizar 0 corpo interno com base em representagdes do que seria a identidade nacionalaserassegurada e protegida. A producaoda diferenca,e sua 82 Meer er conversioem“Outricidade”,setornamessenciais paraaafirmacdodo “Eu” danecessidadedeexisténciadoEstado. Nos termos de sua critica, a politica externa deixa de ser vista como a expresso das relagdes de um Estado pré-existente com os demais Estados no plano internacional e passa a ser constitutiva do proprio Estado.Sobretudo, masnao selimitandoamomentosdecrise emqueasidentidades nacionaisse encontram por demaisinstaveis e ameacadas, a politica externa se revela uma pratica de producao de fronteiras. A reprodugdo das identidades nacionais pela politica externa se mostra central para produzir fronteiras ¢ disciplinarizar comportamentos no espa¢o nacional no intuito de preservacio dese espaco privilegiado. Pensar politica externa como “produgio de fronteiras” “disciplinarizacao de corpos” permite a Campbell desconstruir a nogdo deum sistema internacional dado, aoqualos Estadosdevemse adaptar pormeio de suas politicas externas. A esfera internacional é vista como uma arena, povoada por Estados sem identidades pré- existentes e seguras, na qual miltiplas praticas de diferenciagdo delimitacao de espagos se cruzam esechocam, Para ele, é necessario problematizar a producao de espacosmoraiscombaseem dicotomias “dentro/fora”,“interno/externo” “Eu/Outro” ete. Igualmente provocadora 6a problematizagio que Campbell faz da identidade do Estado, rejeitando a forma pela qual a area de RI construia a nacdo como precedente ao Estado, ou melhor, tendo 0 nacionalismo como base da legitimagio da criacao dos Estados. Para Campbell (1998a:11),areificacaodoconceito deidentidadenoslevou 83 a pensar o Estado como anterior a nacido, transformando 0 nacionalismo em ferramenta estatal para legitimar sua prépria existéncia. Entretanto, apesar de sempre visto como um conceito fechado, o Estado nao possui tal statusontolégico: ele precisa se reproduzir constantemente. Se sua esséncia € a identidade e se essa essénciando éfixanem tavel, faz-senecessario quea identidade do Estado seja reafirmada sempre. “A articulagio constante do perigo atravésda politicaexterna é,assim, nao umaameaca paraaidentidade ou para a existéncia de um Estado; mas sim sua propria condigao de possibilidade”, finaliza Campbell (1998a:12). Varias sioas vantagens de talabordagem. Primeiro,ndoapenas, amplia-se 0 conceito de politica e tera, como também se problematiza a realidade e os sujeitos ao reconhecer que eles nao possuem existéncia forados discursosnosquais seinserem.Segundo, oespaco da politicaexternaé ampliado para além das burocracias ou além do nivel dos individuos, aos quais ela 6 tradicionalmente nntido, a concepcao de politica externa deixa de sociada. Nesse estarlimitadaa nogaodeumespecifico processo detomada dedecisao ou até mesmo a um evento ou fato especifico em uma arena politica privilegiada. Da mesma forma, pode-se transcender a propria figura do “formulador de politica externa”. Tanto 0 espaco quanto 0 agente de politicaexterna deixam deserprivilegiados paraserampliado para qualquer local ou individuo inserido nas praticas discursivas de produciodesignificado, Terceiro,a politicaexternaéampliada paraalémdasinstituicdes politicas oficiais, de forma a incluir todas as esferas da sociedadee, 84 Meer er mais especificamente, toda ¢ qualquer esfera capaz de articular, propagar ¢ disseminar sistemas de significados e representacdes. Assim, seu funcionamento, como instituicdo de politica externa, dependeria mais de seualinhamento ao sistema derepresentacdes de ‘umasociedadedoquequalqueroutroclemento. Sua contribuicao reside em perceber que a politica externa é formada por outras dimensées além dos imperativos da necessidade externa, Ao substituira tradicional pergunta”Comoa politica externa serve & defesa dos interesses nacionais?” por “Como, pela determinacdodoqueéexterno, estrangeiroe diferente-do“Outro”,a politica externa ajuda a produzir e a reproduzir sua propria identidade?”, Campbell tenta problematizar os processos de construcio de lades e interesses ao trocar uma metodologia racionalista chistoriografica por umametodologiadiscursiva. len Oconshecimentocontemporineoesteve geralmentessatisfeitoem ver politica externa explicada como uni fendmeno estado- céntrico no qual existe wma reagéo internainente mediada em relagio a uma situago externamente induzida de amengas ideoldgicas, militares e econémicas. (..) Como nds (nds, principalmente, mas nao exclusivamente, da drea das Relacées Iinternacionais) passamos a conceber politica externa como 0 emiprego externo da razio instrumental em nome de uma identidade interna ndo-problenstica situada em una esfera anirqica de necessidade (CAMPBELL, 1998a:36-7) Em seguida, ao rejeitar a literatura convencional sobre nagio, Estadoc identidade nacional, que entendia aesséncia da nacio como anterior a realidade do Estado, Campbell (1998a: 11) argumenta 0 85 contrario:“ grande partedasociologiahistérica recente postulaqueéo Estado que precedea nacao, que o nacionalismo éumaconstrugao do Estado na busca da legitimidade”. Com base na nogaode Anderson (1991) de nacao como “comunidade imaginéria”, Campbell (1998a) concebe 0s Estados como entidades paradoxais que nao possum. identidades estaveis, fixas e pré-discursivas. Por serem processos inacabados, eles se encontram em necessidade permanente de reproducao. Apoliticaexterna passa, entio,aserconcebidacomoumaarena privilegiada paraareproducaodascondicdesdeexisténcia do proprio Estado, devidoa suacapacidadede construir 0“externo”.Trata-sede ‘uma pratica politica paraaproduco da diferenca,em relacdoaatores eeventos,com base em uma matriz identitaria nacional. Eidentidade nacional, conforme sustentado por Campbell, nao se refere necessariamente as supostas caracteristicas de uma nacao e sim as praticas de exclusao, de marginalizacao, de vigilancia e de punicao quenormalizamocorpointernodo Estado. Ele propse a distingdo entre dois tipos de politica externa (CAMPBELL, 1990, 1998a). © primeiro tipo, ao qual elese refere em mindsculas, refere-sea “todasas relacdes de 'Outricidade’ de praticas de diferenciagdo, ou de modos de exclus Jo que constituem seus respectivos objetos como ‘estranhos” (CAMPBELL, 1990:271). Nesse caso, trata-sede“ politicaexterna” divorciadado Estado, queemprega modos de representacio e significaco para disciplinarizar ¢ domesticar a ambiguidade, a contingéncia ¢ 0 estranho. Para ele, a “politicaexterna’ cria ascondicdesde possibilidadedo segundo tipo: 86 Mees RA “Politica Externa” em maitisculas, mais familiar ao senso comum, Apesar de nao estar tdo diretamente implicada na producto de identidades como a “politica externa’, a “Politica Externa” serve reproducdo da constituigao da identidade constituida pela “politica externa” Taldistincao forca-nosareconhecer queestamosacostumadosa conceber politica externa como “Politica Externa’, na qual um determinadoespaco oumodo de representacao é privilegiado. Deixa- se de perceber que as priticas de “politica externa” continuam a funcionar, disciplinarizando a ambiguidade e a contingencia, naturalizando padrdeserelagbessociais comose fossem permanentes ouuniversais, Existeuma dificuldadeemse perceber comoa” pol a externa” é constantemente mobilizada para produzir diferenca, assegurar ao Estado soberano papel privilegiado na representacdo politicae legitimar a exclusdo de subjetividades alternativas que nao seajustemaoregimedominante. Percebendo como a pés-modernidade colocou as identidades nacionais em xeque e, com elas, os proprios Estados, visto que suas fronteirasjé nao se definem tao facilmente, Campbellentendeu como os Estados recorrem & politica externa como autodefesa a fim de enfatizar a necessidade de sua propria existéncia e assegurar a identidade nacional. Assim, as praticas de politica externa marcam fronteirase disciplinarizam os corpos contidos no interior do espaco reclamado como exclusivo da soberania do Estado, como intuito de preservar o proprio Estado. O significado de“ameaca” éusado para reafirmar espacos moraiscriados para definigao de fronteiras éticas e 87 territoriais pelo estabelecimento de dicotomias proprias do pensamento logocéntrico ocidental. Como base nos “discursos de perigo” que mostram o de fora como fonte de perigo, os Estados reafirmam suas fronteiras morais ¢ suas identidades e, por consequéncia,alegitimidadedesuaautoridade. AgrandecontribuicodeCampbellresidenaretiradadofocoda anélisedepoliticaexterna paralongedasdeclaracdesoficiaisdechefes de Estado, dos documentos emitidos por instituigdes e burocracias governamentais,claénfasenamaterialidadedeinteressesestratégicos edeameacasemummundo“lé fora’. Emsuacriticaa politica externa norte-americana”, Campbell rejeita a identificagdo, descrigio & previsdo de padrdes de regularidade para a teorizacao sobre uma explicagdo universal € unificada acerca do comportamento dos Estados no ambiente estruturalmente anarquico do sistema intemacional. Metodologicamente, ele busca identificar os significados, as representacOes, as narrativas eos mitos queapontam para umalégica de construgao de um “Eu” privilegiado ~ significado como “bom”, “puro”,“desejavel”, civilizado” ou “justo” —emoposigao a_um “Outro” radical = significado como “mau”, “impuro”, inocente" “indesejavel”, “doente”, “barbaro’, “agressor” ou “louco”. Ao apontar os contetidos ideolégicos dos discursos que tentam naturalizar as légicas de diferenciagio, Campbell revela seu carter arbitrério e, portanto, ndo-natural das praticas de politica externa, abrindo-asparaacritica 88 5.4 - DER DERIAN E A HIPER-REALIDADE VIRTUAL DAS PRATICASANTIDIPLOMATICAS O que distingue James Der Derian de outros autores criticos é suaabsoluta recusaemaceitara autoevidéncia da expresso” relagies internacionais” para designar a drea de RI: “A leitura da literatura [produzidana4rea]leva-nosaacreditarqueasrelacdesinternacionais, apareceram espontaneamente como um termo autoevidente ¢ apropriado” (DER DERIAN, 1989: 4). Para Der Derian, 0 “casamento entre international e relagies" (1989: 3, grifos do autor) possuti uma génese €, porque ela coincide com a génese de sua area de conhecimento, torna-se dificil o reconhecimento do préprio carater nao-naturalecontingentetantodo fendmeno (relagdesinternacionais) quantodadrea RelagdesInternacionais). Para desnaturalizaraexpressio, DerDerianoptaporinterpretar ateoriainternacional como um “intertexto” Para ocritico,as relagdes, internacionais exigem uma abordagem intertextual de forma a promovera “investigagaocriticaem uma dreadepensamentoemque nao hé um arbitro da verdade, onde o significado deriva da inter- relagdo detextos, eo poder encontra-se presente devido ao problema da linguagem e de outras praticas de significagao” (DER DERIAD 1989:6). Tal entendimento oleva aempregar estratégiasintertextuais de anélise: “ao criar novas interpretagdes do mundo-texto, a0 historicamente determinadas de conhecer, questionar as construct poderemos acrescentar novas dimensées e alternativas @ teoria intemnacionaltradicional” (DERDERIAN, 1989:6). 89 Recorrendo as metodologias genealogicas de Nietzsche e Foucault, além do conceito de alienacdo de Rousseau, Hegel e Marx, Der Derian (1987) constréi uma narrativa do desenvolvimento da diplomaciacomomediacao daseparagao(“estrangement”, em inglés) provocadapelaalienaciona Hist6riaOcidental, Emsuagenealogiada diplomacia, ele argumenta que o objetivo histérico da diplomacia é zelar pela manutencao do simulacro da diversidade do sistema europeu de Estados, alimentar 0s elos que garantiam as diferencas nacionais entre os Estados que 0 compéem. Para Der Derian, a construcio da diferenca entre as unidades politicas em nome da identidadeemanutengaode um sistemainternacional deEstadosofez, conceber a diplomacia como uma pratica social de estabilizacio, de “construgiode pontes bridge-buildin, eminglés)entreosEstados. Assim, ele identifica seis “paradigmas interpenetrados” da pratica diplomatica: a “mitodiplomacia’, a “protodiplomacia’, “diplomacia’, “antidiplomacia’, “neodiplomacia” e a “tecnodiplomacia”, que seria praticada nos tempos atuais. Para Der Derian, os avancos tecnolégico-cibernéticos e as ameacas universais experimentadas na po: modernidade criaram uma novae especifica forma de “antidiplomacia”. Apesar da ainda centralidade da separacdo, as novas praticas diplomaticas, ao contrério das formas antigas emodernas,criamemedeiama separacio por meio denovas tecnologiasde poder ederepresentacdodeameaca Tal mudanca paradigmética, que libera a diplomacia de tecnologias exclusivamente mecanicas, fazcom queo poder easameacaspassema ser constituidos e transmitidos de forma distinta. Para Der Derian, 90 trata-se de um tipo novo de guerra: a “guerra dos signos”, em que soldados inimigos se transformam em “alvos oportunos’ cletronicamente significados ¢ facilmente eliminados (1987: 120). No conforto de suas casas, os espectadores civis acessam remotamente imagens esterilizadas ehigienizadas, nas quaisa “faticidadematerial dosoldado morto ~ 0 centro de gravidade da guerra - esté ausente” (1987-166). Em sua obra seguinte (1992), observando como o desencarno (disembodiment, em inglés) produzido pela “antidiplomacia” havia se tornado dominante na Guerra do Golfo (1991), ele critica 0 distanciamento, a simulacao e a despersonalizagao da guerra. Para Der Derian, a “antidiplomacia” exigia a compreensio e 0 posicionamento critico sobre como a paisagem politica havia se tornado desterritorializada, como as tecnologias espaciais foram suplantadas pelas temporais e como o poder discursive da cronopolitica havia privilegiado a cronologia em detrimento da geografiana politica global, Paraoautor,aambiguidadeeasimulacio experimentadanostemposda pés-modernidadeteriamtransformado © conhecimento em parandia ¢ inteligéncia em panico, tomando os processos de tomada de decisio difusos, descentrados, sobredeterminados,ultracompartimentalizados eultrasigilosos. Naera da espionagem eletrdnica, argumenta Der Derian, a distancia entre 0 espido e 0 contraespido desaparece no ciberespaco. A inteligéncia torna-se fragmentada por dentro: os sinais da “antidiplomacia” sao codificados e sobrecodificados, 0 desencamo geopolitico, queantes determinava a “diplomacia” namodernidade, o1 dalugara despolitizacao da informacao.e a politizagio docédigo. A espionagemresume-seaoprocessamento,codificacaoe decodificacao deinformacdesja disponiveisnociberespaco,alémdeterdificuldad em acompanhar o ritmo de sua produco. Na “antidiplomacia”, 0 es tempoéacelerado, Recorrendo a Paul Virilio (1977), Der Derian aponta, ainda, como a politizagio da velocidade reflete a “revolucao dromocratica” da pés- modernidade SeasociedadedoséculoXIXarticulava-sepelo controle € regulagéo - que implicava desaceleracio, a atualidade estaria sd conflito desloca-se dasconquistas territoriais, econdmicas e materiais marcadapelavelocidade. Em temposde“ guerr nos" oeixode paras virtuais, imateriais e perceptuais. Nessesentido, resumeele, 0 espacoglobal éconvertidoemeiberespaco. Os acontecimentos de Onze de Setembro forneceram a Der Derian fartomaterial parareflexaocritica. Preocupadocoma incapacidadedo poderestatal tradicionalem compreenderelidarcomasnovas formas globalizadas de terrorismo, espionagem ¢ midia, ele identifica mais ‘uma mudanea paradigmstica do fendmenoda guerra: acolocacao da tecnologia a servico da virtude havia gerado um novo modo de violéncia virtual, que ele denomina de “guerra virtuosa” (DER DERIAN, 2009). Para o critico, as novas tecnologias ¢ as midias de simulacdocriaram um tipoinéditoderelacaoentrearepresentacioea realidade da guerra. A hiper-realidade virtual das priticas antidiplomsticasproduziua” guerra virtuosa’’ A faculdade mimética humana para o 92 Meme RA entretenimento e 0 jogo unin forgas com novos programas cyborg para matare fazer guerra, medida ‘que nosso desejo por paz ¢ orden confronta um futuro cadavezmaisacelerado, altamente contingentee incerto, @ guerra virtuosa tomna-se 0 modo preferido para assegurar os interesses globais dos Estados Unidos. (DERDERIAN, 2009:xxxi) Para 0 autor, a pés-modernidade teria ultrapassado os limites do “complexo militar-industrial” , noqualagentes governamentais, elites econdmicas ¢ militares influenciavam as politicas de defesa ¢ de segurancanacional nos Estados Unidos. Nos temposatuais,obindmio criticado por Eisenhower (1961) evoluiu para uma quatriade: a rede “militar-industrial-mididtico-de entretenimento” (“military- industrial-media-entertainment”, em inglés, ou MIMET). Conforme observa Der Derian, tecnologias como as de simulacao computadorizadaapagaramaslinhasentreomundo virtuale oreal. A indiistria de Hollywood, por exemplo, aliou-se as forcas armadas norte-americanas na produgio de ambientes de simulagao gerados porcomputador,com 0 objetivo tornar os cendrios decombate “mais reais” paraos soldados em treinamento, Afinal, ponderaDerDerian, porque treinarda forma tradicional quandoagorajase torna possivel “matar” inimigosextremamenterealistasem3-D? Com efeito, tais tecnologias de simulagdo constroem um campo de batalha totalmente digitalizado a medida que os préprios soldados recorrem a essas mesmas tecnologias para converter 0 territério 93 (Drom estranho em imagens tridimensionais de alta definicao e assim facilitar a localizacao, a apreensio ¢ a eliminacao de alvos, O problema, entretanto, recai na forma pela qual a violencia & higienizada. Ao reduzir os inimigos a pixels em uma tela, as consequéncias das guerras sofrem uma espécie de assepsia, elemento humano écliminadoeaimagem resultante assemelha-seao de um videogame comum. Para Der Derian, aprende-se a matar sem assumiraresponsabilidade, oquesancionatodotipodevioléncia Forte critico da “Guerra ao Terror”, Der Derianalertava o erro grave de se evocar uma “linha divis6ria” do tipo “Nos” e “Eles”, 0 que reproduzia a légica de uma “guerra mimética”. Recorrendo a estratégias de imitacdo, representacdo e simulacdo, os dois lados construfram-se reciproca e mutuamente em uma relacao de simetria simbiontedo tipo“ Eu/ Outro”, sancionandotodotipodevioléncia. Projetada pelo Pentigono, testada nos Bélcis e ensaiada no Afeganistio, a guerra virtuosa tomou 0 centro do palco na invasio do Iraque. A guerra virtuosaprojetaumasuperioridade tecnolégicae ética na qual as. simulacoes computadorivadas, a dissimulagao mididtica, o monitoramento global e os ‘meios de guerra em rede se combinam para deter, disciplinar e, caso necessério, destruir o inimige. De intengdes éticase deaplicagio-virtual,alimentando-se da doutrina da guerra justa quando possivel ¢ da guerra santa quando necessério, a guerra virluosa 94 Meme RA desfruta de seu status ambiguo de um oximoro apropriado. Depois do Onze de Setembro, quando os Estados Unidos optaram pela coergio em detrimento da diplomacia em sua politica externa, passando a empregar uma retérica de vit6ria total sobre o mal absoluto, a guerra virtuosa se tornou 0 meio tiltimo pelo qual os Estados Unidos pretendiam refortificar suas fronteiras ¢ impor sua suserania global. (DER DERIAN, 2009:xx) 95

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