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Seu Pais Rumo a independéncia peFESA | O acordo para a compra do submarino francés Scorpene, com transferéncia de tecnologia, vai significar um salto inédito no programa nuclear brasileiro POR SERGIO LIRIO. At Gnvi0 simbolismo re- veste o encontro entre o preside: colega francés Nicolas Sarkozy no pr setembro. Ps Armadas, em particular, a assinat que vai permitira constru ry submtrino nuclear brasileiro repre- sentaumanova minada atualmente por apenas outras ssdo planeta. Parao resto da Adecisao coloca 0 Pais diante de uma bergunta: é possivel se projetar no mundo sem um poderio militar? do proli seri construida perto spetiba (2) ), num claro sinal de boa vontade iva. Akim disso, vistos o PIB, a tar do assunto pode soar como delirio ou patriotadadequemvesteuniformemilitar, Maseisoque dizumeivil,o professor Eurico de Lima Figueiredo, coordena- dade tera de dizer se quer ou nao uma bomba atémica, independentemente de sermos signatirios do TNP. E um pa natural de nossa indep Eisso ter’ de ser del tro de regras democri undo ele, caso as prev tizem, eremosoquintomaior PIBdomun- cdo em duas décadas, seguindo os passos dos demais BRIC, e muitos inter fender. “Sea China, a india ea Riissia que- rem, por que o Brasil ndo pode desejar um poderio militar2”, pergunta o académico, Figueiredo, comomuitosespecialistascivis ecomosuigerea Retratigia Nacional de De- fesa em discussfio no Congresso Nacional, defende que o governo nao ratifiqu hum novo adendo ao TNP, Uma nova ve ssio do tratado em discussio pretende am. pliar-as restrigdes a0 uso de téenicas nucle ares, inclusive em aplicagbes ci 0 deputado federal José Genoino (PT-SP), conhecedor de assuntos milita- res, também defende a recusa do Brasil em assinar novos adendos ao tratado, ‘embora nao veja nenhuma necessidade de o Pais almejar a construgio de um “Como esti na Consti- arsenal nucl tuigo, nosso interesse ¢ dominar a tec- nologia para ins pacificos. Dominar esse ciclo de produgao pode trazer ganhos ex pressivos indiistria”, afirma Genoino. “A politica de defesa adequada ao Pais é.a dissuaséria, no de confronto. Mas quem quer se projetar precisa ter uma forca condizente com a posigiio que almeja.” © TNP foi criado em 1968 ¢ previa, em sua origem, o completo desarmamento dos paises-signatirios. Isso nunc: teceu, apesar de o tratado ter passado por diversas ratificagdes (a Franca e a China, por exemplo, recusaram aassinar versio de1992). 0 Brasil assinou 0 TNP ‘em 1995, Nove anos depois, em 2004, a tentativa de um observador da ATEA de olhar uma centrifuga de beneficiamento de urinio provocou um mal-estar diplo- mitico. 0 observador, que violou as re- gras, foi convidado a deixar o P ‘Ainda que aparentemente prematura, a possibilidade de o Brasil obter avangos no setor nuclear € a forma como poderiie desejari usar os conhecimentos no futuro esto no centro do debate sobre o acordo com a Franca. A Uniiio vai pagar 6,8 hoes deeuros (pertode 21bilhdes dereais) por quatro submarinos convencionais do ‘modelo Scorpéne e o casco de um nuclear, adaptado is exigéncias da Marinha. Entre ‘outros quesitos, a versio brasileira sera cinco vezes maior que aoriginal,oque per- mite mais tempo debaixo da gua. O valor inclui também a construgiio de um esta- Jeiro e de uma base apropriados. E importante, segundo a Marin: prevéa CARTACAPITAL| 2 OF SETEM 0€ 200925 Seu Pais ia de tecnologia de fabricagio submarino de propulsio nuclear, ada por um clube restrito de paises Entenda-se:o Brasil est comprando um cequipamento movido a energia nuclear e no equipado com armas atomicas. O valor da transagio e certas circuns- tancias da negociagao tém provocado criticasaoacordo. Nem sempre bem fun- damentadas. 0 caso, por exemplo, de comparar as ofertas da Franga eda Ale- manha. A nossa atual frota de submari- nos (menor do quedo Peru:5contra6)é formada por equipamentos construidos pela HDW. A empresaalema ofereceu a0 governo brasileiro novas unidades por ‘um décimo do valor pedide pela DNCS, aestatal francesa. O Brasil estaria entio pagando caro pelos Scorpéne? Nao necessariamente. De acordo com 4 Marina, ¢ impossivel comparar as duas ofertas. Primeiro, por um motivo trivial: prego de 680 milhdes de euros 26 www.cARTACAPITAL COMER: Recados. 4 1V Frota ‘eas bases na Colambia de Uribe ‘doa presenga visivel das BUA, (quejd vetaram a wenda dos ‘SuperTucanos da Embraer ddades e nao quatro convencionais contar 0 protétipo do nuclear. Segundo, por um fator decisivo: em decorréncia dos tratados assinados apés a Segunda Guerra Mundial, aAlemanha nao possui armamentos atomicos. Portanto, me: mo se desejasse, a HDW nao teria como transferir ao Brasil 2 tecnologia ou mes- mo fornecer um submarino nuclear. ‘$6 quatro paises, além da Franga, po- deriam fazé-lo. Os Estados Unidos, do: nos de uma frota de 95 submarinos nu- cleares, fabrica os modelos mais avanga- dos. Mas 0 Congresso americano veta a transferéncia de qualquer tecnologia na venda de equipamentos militares. Outra opgiio seria o Reino Unido, descartado por motivos semelhantes aos dos EUA Restam a Russia ea China, mas nenhum dos dois emergentes se dispde a compar- tilhar seus conhecimentos com o Brasil Hatambém uma diividasobre ograude transferencia de tecnologia ofertado pelos franceses. Como 0 motor a propulsio se- 14 desenvolvido por militares brasileiros, uestiona-se 0 que entdo a Marinha esta comprando de nove. “Hi uma complexi- dade tecnol6gicaque envolveaconstrugao ddo.casco e de partes internas do submari- no, Nao dominamos a técnica”, explica iguciredo, “Seo nosco programa nuclear no tivesse ficado estagnado nos tiltimos vvinte anos, provavelmente as chances de desenvolver um projeto nacional, neste ‘momento, seriam maiores. Mas isso na acontecet eo acordo com a Franca é uma boa maneira de pula etapas do proceso” Jairo Candido, diretor do Departa- mento de Defesa da Federacao das In- duistrias de Sio Paulo, concorda: “Da- remos um salto teenolégico de anos, seniio de anos-luz. E com participagio efetiva da industria nacional Para montar submarinos nucleares e opers:-los no futuro, um novo estaleiro e ‘uma nova base naval sero erguidos a0 custo de 1,8 bilhao de euros, jé contabili- zados no preco total de 6,8 bilhoes de eu- ros.Olocalescolhidoéumadreaproxima 20 Porto de Sepetiba, em Itaguai, no Rio de Janeiro. A construgao e a administra- gio do complexo até o fim da montagem do primeiro submarino nuclear serio feitas por uma Sociedade le Pruposito Especifico formada pela francesa DNCS (49%), a brasileira Odebrecht (50%) € a Marinha (1%, além da golden share que Ihe dé poder de veto). Apds essa fase, os termos da sociedade serio rediscutidos. Asinstalagdes vio permit o apoio adez submarinos e a construcio de duas uni- dades de forma simultanea. O arsenal da Marinha, no Rio de Ja- neiro, localizado praticamente embaixo da ponte Rio-Niter6i serve para fabricar osatuais submarinos convencionais, mas nio retine as condigées de abrigar uma Outra disputa. 0 sueco Gripen (acima) eo frances Rafale entre as opg3es anata pela FAB estrutura nuclear. Hi restrigdes ambien: tais, de profundidade e de seguranca, pela proximidade com uma regio den- samente povoada. Tampouco existem outros estaleiros preparados no Pais. A rea total do porto em Itaguai teré perto de 980 mil metros quadrados. Sera pre ciso construir um aterro hidriulico de 410 mil metros quadrados. Por razies de seguranca, a Marinhanao dé detalhes do projetoarquitetdnico doestaleiroedaba- se. abe-se, porém, que os galpes onde serio fabricadasas partes do equipamen- tonoBrasil devem seguir os contornos do submarino, para maior seguranca Desde os anos 90, a Marinha estuda Areas para erguer 6 estaleiro, Itaguai acabou escolhida por questdes logisticas. Fica préxima da Nuclebris e das usinas de Angra, que jé possuem um plano para emergéncias nucleares, edo eixo Rio-Si0 Paulo. Alémdisso, estilocalizadaemuma fea jé degradada e com penicos marado. s,0 que facilita 0 processo de ocupagio eobtengio de licengas ambientais. Segundo os militares, houve uma de- io do governo brasileiro de transferir 0s franceses a escolha dos fornecedores nacionais que vio participar do projeto, Alémda Odebrecht, cerca de 30 empresas vio produzir 36 mil iter do submarino, e pesam 300 to- neladas. O indice de nacionalizago, parte do acordo de transferéncia de tecnologia ficari em torno de 20%. “Acertou-se que tudo com preco igual ou menor do de for- necedores franceses seria produzido no Brasil. Mas, apesar de solicitada, a Ma rinha recusou-se, sequer, a indicar em- presas possiveis, haja vista que qualquer indicagio seria inevitavelmente fonte de controvérsias futuras”, afirma em nota o centro de comunicagii civis: os militares quiseram evitar que 0 projeto se transformasse em uma guerra ‘Seu Pais judi sileiros capaz. de comprometer as obras. ‘Uma diivida legitima é levantada no Congresso pelo deputado federal Jalio Delgado (PSB-MG),criticodoacurdo con aFranga:um Ginicosubmarino nuclear fa- 1 diferenca na defesa do litoral? “Varios especialistas afirmam que estar ‘mais protegidos se, com esse dinheiro, comprissemos dez Submarinos conven- cionais e os espalhssemos pela costa, ‘© deputado. “Além disso, a Marinha tard ativo, Jé vi documentos com varias datas diferentes: 2014, 2016, e agora 2021 (ou 2022). Como podemos apie heiro sem saber quando o submarino vai entrar em operagio?” Ha meses Del- ado tenta, sem sucesso, evar o ministro daDefesa, Nelson Jobim, aumaaudiéncia nna Cimara para iseutira transagio. ‘A Marinha responde que nao hi compa- ragio entre 0s convencionais ¢ os nuclea- novidos por motores clétricos ea diesel precisam subir super- ficiea cada cinco ou sete dias para los mais mod aunty aprofune dlidade quanto o percurso. Ja os mucleares podem, em tese,ficar cerca de seis meses no fundo do mar. Em tes a auto- rnomia es lade da tripulagao de permanecer confinada. Sua capacidade de despiste e deslocamento é incomparivel. “Por suas caracteristicas,o suhmarinanuiclearémuitomaisadegunda Aasnecessidadesdo Brasil”, rebate Segundo o professor Figueiredo, o Pais precisaria de, no minimo, cinco submari nos nucleares em sua frota para defend costa, A zona econdmica exclusivamar tima,chamada pelosmilitaresde Amaz6- nia Azul, cobre 4.4 milhdes de quilome- tros quadrados, Mais de 90% do petréleo cextraido no Brasil sai do mar (isso hoje, sema exploragao do pré-sal) assim como 95% do comércio exterior é reali navios. Uma razio téen Apés esgotar seu ciclo de utilizagio, um submarino nuclear precisa de um a dois anos de recuperaciio no estaleiro para poder voltar a ser usado com eficiéncia. Dus 95 dos EUA, 35 esto em operagio € 30 esto retornando.aos mares parasubs- tituir parte da frota em atividade. “Mas concluido o primeiro, sera mais ripido f firma o académico, Quanto indefinigio da data suscitada 28 wnw.carraca’ 1 sem-fim entre fornecedores bra-_ 2 Metade dos prémios Nobel dos Estados Unidos teve suas pesquisas financiadas pelas Forcas Armadas Derivados. 0 GPs, a espuma aeseier capaake {rates de pesquisas militares pelo deputado Delgado, parece haver uma explicagio simples. A Marinha tem sido evasiva em relagio ao inicio da operacio do submarino por questdes estratégicas. 'Nio ha nenhum sentido em anunciar tecipadamente ao mundo quando 0 equi- ppamento estarsiem pleno funcionamento. ‘Como se disse, pela importancia re- lativa atual do Brasil, chega a ser eémico alimentar certas teorias conspiratérias, a exemplo do frenesi ue contagiou parte da esquerda latino-americana quando os Estados Unidos anunciaram no ano pas sado a reativago da TV Frota,responsivel por patrulharo Atlintico Sul edesativad desl 1950, “Nada em defesa€ por aca afirma Genoino, Bele parece ter razio. Negligente coma América do Sulnosanos Bush, os Estados Unidos tém enviado re- ceados i sua zona de influéneia abaixo do Equador. Enquanto a IV Frota passeiape- los mares, o governo Obama fecha coma ‘Colombia de Alvaro Uribe ainstalago de ‘bases americanas, em substituigio a rea antes ocupada no Equadr. 0 fato de Lula e Sarkozy assinarem 0 acordo dos submarinos fere muito mais do que o manha,queperderdumclienteestratégi- ono Hemisfério Sul. Os norte-ameriea- nos prefeririam que Marinhabrasieira ni tivesse acesso i tecnologia francesa E,quando pode, diretaouindiretamente, ‘Washington tenta fazer prevalecer suas ‘opinides. Basta lembrar que, em 2005,08 EUA, fornecedores de componentes, ve taram a venda dos avides SuperTucanos dda Embraer a Venezuela e ao Ir. Hugo nteresses comerciais da Ale Chavez acabou por fechar um contrato com a Réissia, reinaugurando um clima de Guerra Fria na América do Sul. arkozy, por sua vez, diante da chance aralgum prestigio internacio- nalapésacrise financeira, buscaum pa ceiroestrat raseduzir L prometido defender a incluso do Brasil no Conselho de Seguranga da ONU ena consolidago de nosso papel em um G ampliado, E um arranjo, até o momento, conveniente a ambas as partes. ico entre osemergentes. Pa a, o presidente francés tem Realmente, do ponto de vista de Wash ington, hd gente demais querendo inva. dirseu quintal. Antes de Sarkozy, rus- so Viadimir Putin e 0 chinés Hu Jintao trataram de ampliar sua érea de influ- éncia na regio a partir do eixo boliva- riano Caracas-La Paz-Quit. trata apenas de uma questio territorial Tem aver com dinheiro. ‘A compra dos submarinos Scorpene teri efeitasinegiv sobre outro negicio ultoso em curso, a compra de 36 cagas Aerondutica brasileira. Avaliada em 2,2 bilhdes de délares pela a transago en volve trés concorrentes. Os americanos oferecem o Fi8, sem transferéncia de tec nologia, Os suecos tém o Gripen e até se dispuseram a discutir acordos tecnolég cos, mas um veto americano, via Israel, fornecedora de partes do avitio, di F das negociagdes. A F disputa com o Rafale, da Dassault, s6cia da Embraer. Até 2006, 0 negécio tendia para o lado dos franceses, mas 0 projeto acabou indo parar na geladeira e s6 ago- +a, aposaapresentaciio da Estratégia Na- cional de De ser discutido, Genoino defende que também nesse caso 0 Brasil guic suas compras pela obtengao de pacotes tecnolégicos. E lembra o caso do Sistema de Vigilincia da Amazénia, o Sivam, comprado dos Estados Unidos no governo Fernando Henrique Cardoso (quem se lembrados grampos que derrubaram Xico Gra- ziano, apelidado “O Corvo", ‘0 mandato de FHC completar seis me- ses?). Por conta das restrigd pelos americanos, diz o parlamentar, 0 Pais esta proibido de repassar até mes- mo dados e informagdes a vizinhos que compartilham éreas da floresta. o desenro esa, voltou antes de impostas Modernizar as Forgas Armadas éim portante, mas o dominio da tecnologia nuclear deve ser analisado para além da dtica militar. Nao se pode minimizar idee & seguranca civil, como bem lembrou o Greenpeace em recentes manifestagdes contra 0 acordo com a Franga, mas também niio se deve ignorar os avangos que podem propor- cionar ao desenvolvimento do Pais. Caso deseje realmente ser mais rele- vante no debate planetirio, o Brasil preci investimentos em defesa e desenvolvi- ‘mento econdmico. A energia nuclear & um dos tripés da criagao de umcomple- xo industrial-militar, completado pelas comunicagées e as pesquisas aeroespa propria Franga é um exemplo, A DNCS é estatal, mas opera como em- presa privada, E desenvolve produtus civis e militares ao mesmo tempo. No Brasil, a Embraer segue esse modelo”, afirma Guilherme Camargo, presiden te da Associagdo Brasileira de Energia Nuclear (Aben). “A Estratégia Nacional de Defesa, em tramitaco no Congres so, éhistérica, entre outros pontos, por reconhecer essa conexiio.” Em 2004, 17% dos investimentos em pesquisa nos Estados Unidos foram feitos ‘emprojetosmilitares. A médiamundial foi de 10%, Segundo o professor Figueiredo, 50% dos ganhadores norte-americanos de prémios Nobel foram financiados por prog toemoutros paises porcentual éde 30 Muito do conforto ou de tratamentos mé- entender 's conexdes entre nas das Forgas Armadas, eng dicos nao existiria sem as pesquisas na {rea de defesa. A internet, 0 GPS, 0 raio X eaespuma que reveste colchdes sio al: ‘guns poucos exemplas, Na rea nuclear, o potencial bras Gimenso. As reservas de urdnio do Pa- is sao estimadas em 800 mil toneladas. 86 0 Cazaquistio ¢ a Australia teriam mais. Mesmo as comprovadas 309 mil toneladas nos colocam em posigdo pri vilegiada. Com os planos de aumento de producao, 0 excedente em 2012 chegara 1,2 mil toneladas por ano, s Aben. O suficiente nao s6 para abaste- cerademanda de submarinos nucleares, masparaenguernovas usinas de energia, reduzir a importagio de is6topos usados na medicina e melhor scnicas agrico- fletir sobre aquele dilema leva tado no inicio deste texto: queremos ou ndo construirarmamentos atémicos? @ CARTACAPITAL | 2 DF SETEWERO DE 200029

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