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Kondratieff, ciclos médios e organiza¢io do espaco’ ‘Armen Mamigonian? 1) Até a Revolugdo Industrial a humanidade conheceu ritmos climaticos nas suas atividades econémicas: os anos climéticos catastréficos seguidos provocaram fomes e epidemias e levaram a conflitos 1) entre senhores e servos da Europa medieval ¢ possibilidades de melhor (ocidente) ou pior (oriente) diviséo do ‘excedente econémico; 2) entre camponeses e burocracia imperial na Asia (China), com ampliagéo das obras piiblicas de barra- gens, canalizagées, etc, ou empobrecimento generalizado, I) A Revolugdo Industrial dos fins do sée. XVIII inaugurou os ritmos industriais de varias duragGes, principalmente os ciclos decenais (juglarianos) e os ciclo longos, de cinqiienta anos (Kondratieff), cada ciclo com fase expansiva (“a”) a fase depressiva (“b"). Marx e Engels constataram os ciclos decenais entre 1848 © 1857, que foram sistematizados estatisticamente por Juglar em #860. Engels assinalou também a chamada “longa depressio do final do séc. XIX” e a sistematizagio estatistica dos ciclos longos foi feita entre 1918-21 por N. Kondratiesf (1926) II) Até hoje tanto entre marxistas como néo-marxistas ha resisténcia & aceitagdo dos ciclos longos, pois como assinalou Rangel, para a URSS néo convinha admitir que 0 capitalismo em depressio poderia sair da crise e voltar a se expandir para 0 ocidente nao interessava admitir que apés longos anos de expansdo poderia advir um periodo depressivo na economia. A 1 Apresentado no Encontro Internacional “Lugar, Formagao ‘Sécio-Espacial, Mundo” — ANPEGE — Sao Paulo-SP, em setembro de 1994. 2 Professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo. Geosul, Florianépolis, v. 14, n. 28, p. 152-157, jul-/dez. 1999 152 possibilidade de administrar os ciclos decenais foi teorizada por Keynes e posto em pritica nos anos 30 na Alemanha, Estados Unidos, etc. J4 a administrago dos ciclos Kondratieff nao foi teorizada e esta omissdo é uma das raizes da crise da URSS. TV) Como Marx assinalou, a crise decenais séo basicamente de superprodugao (ou subconsumo ou inter-setoriais, o que vem a dar no mesmo), enquanto as crises do ciclo longo parecem estar ligadas a tendéncia & queda da taxa de lucro de longo prazo, com ‘0 esgotamento do uso das invengdes revolucionarias ligadas a cada revolucdo industrial. Note-se que cada revolugao industrial tem ocorrido de dois em dois Kondratieff. (a 1" em fins do séc. XVIII, a 2" em fins do séc. XIX e a 3* esté por se iniciar), sob a lideranga sucessivamente da Inglaterra (I°), dos EUA o Alemanha (2°) e Japio (°), num movimento geogrifico profeticamente assinalado por Hegel. V) Note-se que se o 1°, 3° © 5° Kondratieff se abrem como revolugées industriais, 0 2° (1848-73, fase expansiva) ¢ 0 4° (1948-73, fase expansiva) se abrem como revolugées nos transportes, com aplicagSes de invengdes ja realizadas nas revolugdes industriais voltadas agora a este setor de circulagio e a expansio da anterior revolugéo industrial em novas regides ‘geogrificas (EUA e Alemanha entre 1848-73 p. ex.) ‘VI As fases depressivas, nas quais as taxas de lucro esto baixas, correspondem a periodos de extremo desafio para a retomada da lucratividade perdida, por um esforgo intenso de invengSes, que se transformam em tecnologia nova, mais nova e depois novissima, que permitem desencadear uma nova onda de investimentos macigos, sucateando 0 capital fixo envelhecido, por ter alcangado 1) alto grau de avango técnico © 2) prego baixo, conseqiientemente atrativo ao papel de “destruicdo criadora” (Rangel e Schumpeter) VIN) As fases depressivas sio fases de expansio geografica, expansio extensiva dos capitais até entio hegeménicos no mundo, mas expansio defensiva economicamente (e ofensiva militarmente), como a chamada expansdo imperialista, inglesa principalmente, na fase “b” do 2° Kondratieff (1873-1896) ou 153 também a expansio das multinacionais, principalmente americanas, na fase “b” do 3° Kondratieff (1920-48): GM e Ford. ‘ocupando a Europa e companhias petroliferas ocupando 0 Mundo. VIII) As perdas de poder econémico das poténcias hegeménicas (Inglaterra - 1* Re EUA 2° RI) no final de dois Kondratieffs de dominagdo esto ligadas a perda de capacidade de renovagio tecnolégica decorrente da substituigéo da concorréncia por dominios oligopélicos propiciadores de super-lucros: império colonial inglés com mercados cativos no século XIX e cartelizagéo oligopélica das multinacionais americanas (p. ex. GM, Ford, Chrysler na industria automobilistica mundial) IX) Entre os que aceitam os ciclos longos existem duas interpretagdes quanto as causagées: 1) no item TV assinalamos nossa preferéncia pela causagio intema ao sistema econémico capitalista: tendéncia a queda da lucratividade sob capitalismo estimula invenges que testabelecem lucratividade e aplicadas sucessivamente aos diferentes setores e ramos acabam esgotando a lucratividade possivel, provocando a necessidade de novas invengées; 2) Mandel, entre outros, prefere a causagio extra- econémica, de preferéncia politica: a “onda ascendente” (e néo ciclo) do apés-guerra (1948-73) nasceu de “ininterrupta revolugdo tecnolégica” decorrente da corrida armamentista, mas 0s satélites de telecomunicagdes datam de 1969, X) A escola da regulagdo (Aglieta, Boyer entre outros), indicou a necessidade de estudar regimes de acumulagdo, de estudar os acoplamentos produgéo-consumo ¢ assinalou a ocorréncia da regulago concorrencial no século XIX, com disputas acirradas dos mercados extemos, substituida pela regulago fordista no século XX, com sustentagao dos mercados intemos (politicas kkeynesianas). Na verdade 0 taylorismo, como organizago do trabalho, 6 parte integrante da 2* RI e foi completado pelo fordismo. O toyctismo veio substituir 0 taylorismo, mas o substituto do fordismo esté para ser criado apés a eclosio da 3" RI (novo acoplamento produgdo-consumo é necessério ao capitalismo) 154 XI) Os periodos depressivos (vivemos num deles de 1973-1996) correspondem a mudangas profundas de _conjunturas econémicas, politicas, sociais e espaciais. Assim a conjuntura depressiva 1920-48 provocou nova relagéo mundo-nagées: a Inglaterra abandonou definitivamente o livre-cambismo e houve fechamento dos mercados nacionais nos EUA, Alemanha, Franca e na periferia do sistema capitalista (substituigSes de importagdes se aceleraram). © periodo depressivo atual, sem 0 fechamento abrupto do mercado americano, diferentemente da queda do comércio mundial dos anos 30, significa ampliagio das trocas intemacionais e chance para as exportagdes dos mais competitivos; 1) Japio e Alemanha ao centro do sistema, 2) Brasil, Coréia do Sul, Taiwan na periferia. A crise da economia americana coloca a questio: “globalizagio” ou projetos nacionais emergentes (Brasil, Coréia do Sul, China, etc). XI) Os periodos expansivos e os periodos depressivos criam situagdes distinta, nas relagdes centro-periferia, como assinalou Rangel para o Brasil, mas validos para a periferia em geral. Os periodos depressivos desencadeados no centro (1815-48 / 1873- 96 / 1920-48 / 1973-96) exigem, pelas tenses econdmicas, sociais e politicas mudangas dos pactos de poder. No caso do Brasil, Independéncia, Aboligdo-Republica, Revolugio de 30 e politicas de substituigées de importagées, usando capacidades deixadas ociosas pelas crises, No caso brasileiro, atualmente 0 epicentro da crise se localiza geograficamente nas grandes cidades (S. Paulo, R. Janeiro, etc), onde se encontram: 1) capacidade industriais instaladas sub-utilizadas, 2) nds-de- estrangulamentos nas infra-estruturas (saneamento basico, me- trds, etc), 3) mio-de-obra especializada e bracal desempregada. XXIII) A organizagdo do espago sob o capitalismo dependeu ¢ depende das revolugdes industriais, das revoluges nos transportes (conjunturas expansivas), mas também das reestruturages econémicas espaciais que ocorrem nos periodos depressivos. Os exemplos sao inumeraveis: 1) nas cidades do ‘mundo todo a 1* RI correspondeu a localizagdes industria junto ‘as EF e vias de navegacao, bem como a “haussmanizagio” do 158 espago social urbano, 2) a 2* RI correspondeu & americanizagao do espago urbano, com verticalizagées, “express-ways” urbanas, atc, 3) a revolugdo nas dimensies dos navios de carga transocednicos de apés 45 correspondeu a integragio da mineragéo de ferro, bauxita, carvao, etc. transcontinental Brasil, Austrélia, etc), 4) 0 periodo depressive 1973-96 empurrou varias produgées industriais para fora do centro do sistema (compressores para Singapura ¢ Brasil) ou para novas regides industriais dentro do centro do sistema (Sul dos BUA, peninsula Ibéricas, etc.) Bibliografia AFTATION, A. et alli, Fluctuations économiques. 2° vol. ‘Montchrestien: Ed. Domat 1954. BAIROCH, P. Commerce extérieur et développement économique de L’Europe au XIX siécle. Mouton, 1976. BOCCARA, P. et alli. Cycles longs, mutations et crise. 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